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FUNDAMENTOS DA CONTRARREFORMA TRABALHISTA DO GOVERNO TEMER E SUAS REPERCUSSÕES PARA A CLASSE TRABALHADORA

LOS FUNDAMENTOS DE LA CONTRARREFORMA LABORAL DEL GOBIERNO DE TEMER Y SUS REPERCUSIONES PARA LA CLASE OBRERA

ELEMENTS OF THE TEMER PRESIDENCY’S COUNTER-REFORMATION AND ITS REPERCUSSIONS FOR THE WORKING CLASS

Resumo:

Neste artigo, discutimos fundamentos político-ideológicos da Contrarreforma Trabalhista (Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017), que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho. Com base em uma análise bibliográfica e documental, recorrendo a fontes primárias e secundárias, concluímos que essa contrarreforma não decorreu de diálogo amplo e profundo com a sociedade. As modificações nos dispositivos jurídicos, efetivadas em um processo de tramitação açodado, contradizem documentos legais e afrontam objetivos, princípios, direitos e garantias constitucionais, bem como convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho. Os fundamentos da contrarreforma residem no plano político-econômico e alinham-se à lógica neoliberal. Ela foi ancorada em discursos que disseminaram argumentos equivocados e inverdades. Mais de quatro anos após sua aprovação, as taxas de desemprego permanecem elevadas, a retomada do desenvolvimento econômico não se efetivou e a precarização das relações de trabalho foi aprofundada, com o recrudescimento da informalidade e vulnerabilidade social da classe trabalhadora.

Palavras-chave:
Reforma Trabalhista; Psicologia Social; Condições de Trabalho; Direito ao Trabalho; Psicologia Social do Trabalho

Abstract:

In this article, we discuss the political-ideological foundations of the Labor Counter-Reformation (Law nº 13.467 of July 13, 2017) which amended the Consolidation of Labor Laws. Based on a bibliographical and documentary analysis, using primary and secondary sources, we concluded that this Counter-Reformation did not result from a broad and deep dialogue with society. The changes in legal provisions, carried out in a rushed process, contradict legal documents and violate Constitutional objectives, principles, rights and guarantees, as well as international conventions of the International Labor Organization. The foundations of the Counter-Reformation reside on the political-economic level and are aligned with the neoliberal logic. It was anchored in speeches that disseminated misguided arguments and untruths. More than four years after its approval, unemployment rates remain high, the resumption of economic development has not taken place and the precariousness of labor relations has deepened, with the resurging of informality and social vulnerability of the working class.

Keywords:
Labor Reform; Social Psychology; Working Conditions; Right to Work; Social Psychology of Work

Resumen:

En este artículo discutimos los fundamentos politico-ideológicos de la Contrarreforma Laboral (Ley nº 13.467 del 13 de julio de 2017), que modificó las Consolidación de las Leyes del Trabajo. Con base en un análisis bibliográfico y documental, utilizando fuentes primarias y secundarias, concluimos que esta contrarreforma no resultó de un diálogo amplio y profundo con la sociedad. Los cambios en las disposiciones legales, realizados en un proceso apresurado, contradicen los documentos legales y violan los objetivos, principios, derechos y garantías constitucionales, así como los convenios internacionales de la Organización Internacional del Trabajo. Los fundamentos de la contrarreforma residen en el plano político-económico y se alinean con la lógica neoliberal. La contrarreforma se ancló en discursos que difundieron argumentos equivocados y falsedades. A más de cuatro años de su aprobación, las tasas de desempleo se mantienen altas, no se ha producido la reanundación del desarrollo económico y se ha profundizado la precariedad de las relaciones laborales, con el resurgimiento de la informalidad y vulnerabilidad social de la clase obrera.

Keywords:
Reforma Laboral; Psicología Social; Condiciones de trabajo; Derecho al trabajo; Psicología Social del trabajo

Introdução

A crise do capitalismo nos anos 1970 desencadeou profundas mudanças no mundo do trabalho (Antunes, 2015Antunes, Ricardo (2015). Adeus ao trabalho? Cortez.). A reestruturação incentivou a acumulação flexível, a terceirização de serviços, o enxugamento de estruturas produtivas e o emprego de novas tecnologias, constituindo-se como a resposta do capital no plano produtivo (Antunes, 2015). No plano político-ideológico, a resposta foi o alinhamento do Estado ao regime neoliberal e o culto às leis de mercado. A adoção de políticas estatais que estimularam a livre concorrência, a privatização e a desregulamentação das relações de trabalho, além da ênfase na iniciativa privada, na mercantilização dos serviços públicos e no desmonte do Estado do Bem-Estar Social, perfila o receituário neoliberal de vários países (Antunes, 2018Antunes, Ricardo (2018). O Privilégio da Servidão. Boitempo.; Krein, 2018Krein, José (2018). O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva. Tempo Social 30(1), 77-144. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.138082
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; Ledesma, 2017Ledesma, Carlos (2017). Las reformas laborales y el proyecto global de desregulación y flexibilización laboral. In Marilane Teixeira et al. (Orgs.), Contribuição crítica à reforma trabalhista (pp. 161-181). UNICAMP/IE/CESIT.). No âmbito jurídico-laboral, países da América Latina e da Europa imbuídos do espírito neoliberal efetuaram, nas últimas quatro décadas, contrarreformas da legislação trabalhista, precarizando condições de trabalho, enfraquecendo organizações representativas dos interesses da classe trabalhadora (Ledesma, 2017Ledesma, Carlos (2017). Las reformas laborales y el proyecto global de desregulación y flexibilización laboral. In Marilane Teixeira et al. (Orgs.), Contribuição crítica à reforma trabalhista (pp. 161-181). UNICAMP/IE/CESIT.) e expressando retrocesso na “regulação social do trabalho” (Krein, 2018, p. 78Krein, José (2018). O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva. Tempo Social 30(1), 77-144. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.138082
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).

Em vários países que seguiram o receituário neoliberal, antes ou depois do Consenso de Washington (1989), as alterações na legislação laboral subtraíram direitos e fragilizaram a classe trabalhadora, sem contribuições reais para a retomada do crescimento socioeconômico e para a redução do desemprego (Ledesma, 2017Ledesma, Carlos (2017). Las reformas laborales y el proyecto global de desregulación y flexibilización laboral. In Marilane Teixeira et al. (Orgs.), Contribuição crítica à reforma trabalhista (pp. 161-181). UNICAMP/IE/CESIT.).

Alinhada à lógica neoliberal que defende a autorregulação do mercado e a redução da intervenção do Estado na economia, a Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017 (Contrarreforma TrabalhistaLei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. (2017). Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de junho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm
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), sancionada no governo de Michel Temer, alterou a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943) e criou “um novo cardápio de opções aos empregadores para manejar a força de trabalho de acordo com as suas necessidades” (Krein, 2018Krein, José (2018). O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva. Tempo Social 30(1), 77-144. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.138082
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, p. 78), fortalecendo uma “regulação privada do trabalho” (Krein, 2018Krein, José (2018). O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva. Tempo Social 30(1), 77-144. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.138082
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) e aprofundando a assimetria nas relações de poder entre capital e trabalho. Os discursos governamentais em defesa da Contrarreforma Trabalhista alardearam promessas de “modernização da legislação trabalhista”, de melhoria da “vida dos trabalhadores”, de “retomada do crescimento econômico do país”, de “redução do desemprego e geração de postos de trabalho”, de “fortalecimento da atuação sindical” e de oferta de “segurança jurídica” para @s trabalhador@s; tudo isso seria feito, afirmou-se, respeitando-se a Constituição Federal de 1988 (Severo & Souto Maior, 2017, p. 17Severo, Valdete & Souto Maior, Jorge (2017). Manual da reforma trabalhista. Sensus.). A modificação da legislação trabalhista teve, contudo, sérias repercussões que precisariam ser debatidas mais diligentemente com a sociedade, antes que o projeto de lei fosse apresentado ao plenário, votado pelos deputados e senadores e convertido em lei. Entre as alterações nos dispositivos jurídicos, no tocante aos direitos individual, coletivo e processual, verificam-se, conforme Valdete Severo e Jorge Souto Maior (2017, p. 18Severo, Valdete & Souto Maior, Jorge (2017). Manual da reforma trabalhista. Sensus.): ampliação do “trabalho a tempo parcial (aumento para 36 horas semanais - com possibilidade de trabalho em horas extras)”; incentivo ao “teletrabalho sem limitação de jornada”; “criação da figura do ‘autônomo’, que trabalha com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não”; autorização da “jornada 12x36 por acordo individual - com a possibilidade, ainda, de realização de horas extras, suprimindo descanso semanal remunerado (DSR) e feriados”; “enfraquecimento dos sindicatos, tornando facultativa a contribuição obrigatória e não criando outra fonte de sustentação”; estabelecimento de “mecanismos processuais que, em concreto, impossibilitam a anulação das cláusulas de negociação coletiva por ação individual, dificultando a ação coletiva”; determinação de que “o acordo coletivo prevaleça sempre sobre a convenção”; prevalecimento do “negociado sobre o legislado, sem garantia efetiva para um questionamento na Justiça”; imposição aos juízes na “forma de julgar: conforme Código Civil” e dificuldades “à criação de súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST)”.

A Contrarreforma Trabalhista, suas contradições e seus impactos sobre a classe trabalhadora são assuntos recentes e interdisciplinares, de interesse para a psicologia. Efeitos das medidas adotadas devem ser discutidos a fim de compreender os limites da agenda neoliberal e subsidiar mudanças voltadas para a melhoria real das condições de trabalho, saúde e segurança d@s trabalhador@s.

Abordagem metodológica

A construção científica resulta de trabalho coletivo e social, situado historicamente. Tal construção é, pois, objeto de disputa política, social e econômica (Bourdieu, 1983Bourdieu, Pierre (1983). O Campo Científico. In R. Ortiz (Org.), Pierre Bourdieu (pp. 122-155). Ática.). Entretanto, apesar de os campos científicos apresentarem certa permeabilidade às demandas sociais, isso não significa que sejam prisioneiros delas. Assim, embora este artigo vise à análise crítica da Contrarreforma Trabalhista e ao fomento do debate que contribua para melhorar as condições de vida e trabalho da classe trabalhadora, isso não resulta na impossibilidade de se construir um conhecimento sobre os fundamentos da contrarreforma. Nessa direção, analisamos as características do contexto econômico e político-social em que a contrarreforma foi gestada; os argumentos ideológicos centrais presentes na propaganda governamental sobre essa matéria; o processo de tramitação do Projeto de Lei nº 6.787/2016 - convertido na Lei nº 13.467/2017 -; e suas repercussões para @s trabalhador@s.

A consecução dos objetivos deste estudo recorre à pesquisa bibliográfica e documental. Na pesquisa bibliográfica, dialogamos com reflexões advindas das ciências políticas, da filosofia do direito, do direito do trabalho, da psicologia social e do trabalho, da economia, da sociologia. Na pesquisa documental, lidamos com matéria jurídica e, como se sabe, esse tipo de exame tem um papel relevante na produção científica e historiográfica, pois nos possibilita descobrir “vestígios da atividade humana em determinadas épocas” (Cellard, 2014, p. 295Cellard, André (2014). A análise documental. In Jean Poupart et al. (Orgs.), A pesquisa qualitativa (pp. 295-316). Vozes.). Desse modo, é vital elucidar o contexto de produção dos documentos, além de seus respectivos autores e seus interesses em jogo, assim como sua autenticidade, confiabilidade e estrutura (Cellard, 2014Cellard, André (2014). A análise documental. In Jean Poupart et al. (Orgs.), A pesquisa qualitativa (pp. 295-316). Vozes.). Tais elementos são indispensáveis, posto que, embora comunique algo ao investigador, o documento “permanece surdo, e o pesquisador não pode dele exigir precisões suplementares” (Cellard, 2014, p. 296Cellard, André (2014). A análise documental. In Jean Poupart et al. (Orgs.), A pesquisa qualitativa (pp. 295-316). Vozes.), mas pode se apropriar heuristicamente de seus conteúdos. A apreensão dos fundamentos sociopolíticos e ideológicos da Contrarreforma Trabalhista considera, inicialmente, fontes primárias constantes dos arquivos públicos oficiais, sobretudo, a Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Consultamos ainda o processo de tramitação da Contrarreforma na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, bem como os pronunciamentos oficiais do Ministro do Trabalho e Emprego, Ronaldo Nogueira (PTB-RS); dos relatores, Deputado Rogério Marinho (PSDB/RN) e Senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES); e do Presidente da República, Michel Temer (PMDB), sobre a matéria em tela. Efetuamos, nesses documentos, uma análise das estratégias discursivas utilizadas pelos proponentes e apoiadores da Contrarreforma, isto é, um exame dos “meios retóricos destinados a alcançar a persuasão buscada” (Montero, 1995, p. 9Montero, Maritza (1995). Estratégias Discursivas Ideológicas. In Silvia Lane & Bader Sawaia (Orgs.), Novas Veredas da Psicologia Social (pp. 83-96). Brasiliense.). Ademais, recorremos a dados quantitativos e documentos técnicos divulgados por órgãos públicos, como as estatísticas de Recebidos e Julgados da Justiça do Trabalho e o Relatório Geral da Justiça do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho (2021a; 2021b). Fontes secundárias, como reportagens jornalísticas, foram também consultadas de modo a complementar a análise.

Na sequência, investigamos aspectos da conjuntura nacional relacionados à gestação da Contrarreforma Trabalhista, aos limites da democracia no capitalismo, à cronologia da Contrarreforma, às estratégias discursivas e político-ideológicas utilizadas pelo Governo Federal - apoiadas pelo oligopólio midiático e pela elite econômica, os quais patrocinaram a alteração da legislação laboral.

Gestação da Contrarreforma Trabalhista

Segundo Leonardo Avritzer (2019Avritzer, Leonardo (2019). O pêndulo da democracia. Todavia.), partindo das manifestações de junho de 2013 cooptadas pela direita e passando pelo impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e pela gestão do governo Temer, verificou-se o alinhamento de parte significativa da classe média e dos oligopólios midiáticos aos interesses das elites econômicas brasileiras. Trata-se de um período que, em suma, é marcado pela “corrosão do apoio à democracia” e pela “regressão democrática” (pp. 147-148). Junto disso, o ambiente político crescentemente polarizado e a recessão econômica constituíram-se como oportunidades para o avanço da flexibilização das relações de trabalho.

Cumpre notar que, por um lado, a agenda da flexibilização trabalhista remete à década de 90, ou seja, aos governos de Fernando Collor e especialmente de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Por outro lado, observa-se que essa pauta voltou com força em 2013, a partir do esgotamento dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), tendo recebido mais expressão em 2014 e particularmente em 2016 com o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff (Krein, 2018Krein, José (2018). O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva. Tempo Social 30(1), 77-144. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.138082
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).

A alta do desemprego, que alcançou 14,2 milhões de trabalhadores no primeiro trimestre de 2017 (Silveira & Cavallini, 2017Silveira, Daniel & Cavallini, Marta (2017, 28 de abril). Desemprego fica em 13,7% no 1º trimestre de 2017 e atinge 14,2 milhões. G1. https://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-fica-em-137-no-1-trimestre-de-2017.ghtml
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), contribuiu para que argumentos da austeridade e da necessidade de “reformas estruturais” fossem apresentados como panaceia pelo governo Temer. Medidas austeras seriam impositivas tanto para o ajuste fiscal quanto para a retomada do crescimento do país e da geração de empregos, conforme o governo federal. Com base nisso, aprovou-se a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos e se disseminou a ideia de promover “reformas estruturais”. Ressalte-se que a austeridade consiste em uma “política de classe” ou em “uma resposta dos governos às demandas do mercado e das elites econômicas, à custa de direitos sociais da população e dos acordos democráticos” (Rossi & Dweck, 2018, p. 83Rossi, Pedro & Dweck, Esther (2018). O discurso econômico da austeridade e os interesses velados. In Esther Solano (Org.), O ódio como política (pp. 79-84). Boitempo.). A adoção dessas medidas representou, assim, uma redefinição do papel do Estado (Krein, 2018Krein, José (2018). O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva. Tempo Social 30(1), 77-144. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.138082
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). Nesse contexto, assistimos à orquestração da Contrarreforma Trabalhista e, afiançada como a melhor opção diante da crise econômica e das altas taxas de desemprego, ela tramitou rapidamente e foi sancionada.

Analisar a cronologia da Contrarreforma Trabalhista e de seus objetivos latentes exige, antes de tudo, a compreensão dos limites da democracia no capitalismo.

Limites da democracia no capitalismo

O poder capitalista, conforme Maurício Abdalla (2018Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.), é exercido visando fins que não se conjugam com a vontade de uma totalidade social, mas de grupos minoritários, hegemônicos e detentores do poder econômico. Os constrangimentos externos do mercado ditam as leis reguladoras da vida social, afrontando o princípio da autonomia social, condição de um regime democrático. Por isso, Abdalla (2018Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.) é incisivo ao afirmar que o termo democracia tem sido utilizado “com excessiva e descuidada frequência” (p. 26). Segundo o autor, vivemos como em um regime aristocrático, o qual há muito degenerou-se em uma plutocracia tão marcada pela cleptocracia que chega a se confundir com ela. Como se verifica na história de nosso país, o exercício do poder e a sua legitimação resultam das decisões de indivíduos e de grupos dominadores do poder econômico, amiúde em conluio com praticantes de atos ilícitos e criminosos, que “vão desde as fraudes e favorecimentos em concorrências e licitações até o tráfico de drogas e armas” (Abdalla, 2018, p. 32Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.).

Apesar do discurso de oligopólios midiáticos e de órgãos oficiais, observa-se, conforme Abdalla (2018Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.), que a tomada das decisões que afetam a sociedade, longe de ser realizada pela população, resguardando a soberania que lhe caberia em um sistema democrático, efetua-se no âmbito de uma minoria detentora do poder econômico. O exercício desse poder, em favor de uma classe que o detém, explica a diligência e o interesse dessa classe em aliciar política, afetiva e ideologicamente a população a fim de obter o engajamento dos cidadãos nas causas que, em verdade, lhes são desfavoráveis e na manutenção de uma democracia limitada. A divergência de interesses entre a classe trabalhadora e o capital sempre ameaçou a burguesia, a qual estabeleceu mecanismos para regular e impedir a participação de trabalhadores nas decisões políticas (Abdalla, 2018Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.). O risco flagrante da incorporação d@s trabalhador@s nos processos decisórios é, em última instância, a dissolução da ordem estabelecida e dos privilégios alcançados pela burguesia. Por isso, Abdalla (2018Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.) assevera que “a democracia no capitalismo foi pensada e instituída somente para os burgueses resolverem seus conflitos de interesses dentro do próprio sistema, sem participação dos trabalhadores. Mas isso precisava ficar oculto” (p. 33). E, mesmo nas decisões que afetam negativamente a maior parte da população e que favorecem a minoria composta pelos detentores do poder econômico, é preciso manter a ideia de que tudo foi feito sob a égide de um sistema político no qual o poder soberano pertence à totalidade dos cidadãos - por isso a insistência em chamá-lo de democrático (Abdalla, 2018, p. 33). A democracia burguesa exibe “um verniz de universalidade” e, por isso, “as contradições do capitalismo com a democracia deveriam ser escondidas” (Abdalla, 2018, p. 33Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.).

Apesar de sua função mediadora em relação aos conflitos instaurados no interior da própria classe burguesa, ainda segundo Abdalla (2018Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.), o Estado capitalista se revela como operador do poder do capital sobre o trabalho. Os reais sujeitos da soberania, aqueles que exercem controle sobre os representantes eleitos pelo povo, são exatamente banqueiros, latifundiários, especuladores e rentistas (Abdalla, 2018). Há de se notar que a política estatal, longe de representar uma objetivação dos interesses do povo, constitui “apenas o local de consolidação das decisões tomadas em outras esferas” por grupos minoritários economicamente dominantes (Abdalla, 2018, p. 35Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.). Mesmo os governos de esquerda, nas democracias ocidentais, não têm escapado de certas ligações com as forças do grande capital. Os oligopólios midiáticos contribuem para propagar esse tipo de mensagem, ao mesmo tempo em que reduzem a política à “própria política”, intencionalmente deixando de lado “o verdadeiro jogo político”, que “se joga em outra esfera, a econômica” (Abdalla, 2018, p. 37Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.).

Em uma leitura marxiana, conforme Alysson Mascaro (2013Mascaro, Alysson (2013). Estado e Forma Política. Boitempo.), ressalta-se que o capitalismo se protege por meio dos “mecanismos democráticos das sociedades capitalistas”, sendo que as “deliberações que envolvam um risco sistemático à própria reprodução do sistema fazem levantar um bloqueio advindo das outras forças que mantêm o encadeamento da sociabilidade capitalista” (p. 87). O Estado não se une ao modo de produção capitalista apenas por laços de contiguidade temporal, mas constitui-se, ele próprio, como engrenagem vital para a reprodução das formas sociais capitalistas (Mascaro, 2013Mascaro, Alysson (2013). Estado e Forma Política. Boitempo.). Revela-se ainda “como um aparato necessário à reprodução capitalista, assegurando a troca das mercadorias e a própria exploração da força de trabalho sob forma assalariada” (Mascaro, 2013, p. 18Mascaro, Alysson (2013). Estado e Forma Política. Boitempo.). Por tudo isso, para entender as deliberações políticas, é central compreender as disputas e os acordos das relações econômicas e de produção (Abdalla, 2018Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.).

Analisando as reformas laborais realizadas em países latino-americanos e europeus, Carlos Ledesma (2017Ledesma, Carlos (2017). Las reformas laborales y el proyecto global de desregulación y flexibilización laboral. In Marilane Teixeira et al. (Orgs.), Contribuição crítica à reforma trabalhista (pp. 161-181). UNICAMP/IE/CESIT.) ratifica a necessidade de considerar as diretrizes de organismos financeiros mundiais - como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional- e as exigências exercidas por tais organismos como fatores vinculados à desregulamentação e à flexibilização laboral, postos em cena pelas Contrarreformas. Como afirma Ledesma (2017), as pressões funcionam como atentados à soberania e à democracia dos países envolvidos, forçando os governos a tomarem decisões políticas não atinentes ao bem-estar dos cidadãos, mas vinculados “a los lineamientos de estas entidades internacionales funcionales a los intereses políticos y económicos de los Estados Unidos y de las empresas multinacionales” (p. 178).

Cronologia da Contrarreforma Trabalhista

A análise da tramitação da Contrarreforma Trabalhista revela fatos importantes, destacados por Jorge Souto Maior (2017aSouto Maior, Jorge (2017a, 1º de maio). A quem interessa essa “reforma” trabalhista? Jorge Luiz Souto Maior. https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista
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). Primeiramente, menciona-se o ampliar da reivindicação patronal, no período do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, e o anúncio do programa do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), “Uma ponte para o futuro”, que previa a realização de “reformas estruturais”. Apesar de não ter um projeto de Contrarreforma Trabalhista, o aceno político dado pelo PMDB contribuiu para deflagrar o processo de impeachment e o setor empresarial posicionou-se a favor do afastamento da Presidenta.

O governo Temer foi cobrado pelo setor empresarial no sentido de promover as “reformas estruturais”, com destaque para a Contrarreforma Trabalhista. Em seguida, interesses do empresariado foram expressos por meio da voz oficial do Estado e os ministros do governo Temer passaram a falar da necessidade de alterar a legislação trabalhista. O anteprojeto enviado ao Congresso Nacional, em dezembro de 2016 (Projeto de Lei nº 6.787/16), continha apenas 9 páginas e alterava somente 7 artigos da CLT, ainda conforme Souto Maior (2017aSouto Maior, Jorge (2017a, 1º de maio). A quem interessa essa “reforma” trabalhista? Jorge Luiz Souto Maior. https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista
https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-q...
). Com o desenrolar das investigações da Lava Jato, que resultou em operações da Polícia Federal (PF), o governo pemedebista acelerou a aprovação de projetos de lei que favoreciam o empresariado, como a Lei nº 13.429/17 (Terceirização). Na sequência da tramitação da Contrarreforma Trabalhista, em 12 de abril de 2017, o relatório final do PL nº 6.787/16 transformou-se em um texto substitutivo com 132 páginas, incluindo o parecer requerendo a alteração de mais de 200 dispositivos da CLT (Souto Maior, 2017a). Nas mudanças, nota-se a vocalização de interesses empresariais e a reapresentação de propostas contidas em uma cartilha da Confederação Nacional das Indústrias, publicada em 2012 e denominada “101 propostas para a Modernização do Trabalho”. Em 27 de abril, o Projeto de Lei foi aprovado com 296 votos a favor e 177 votos desfavoráveis na Câmara dos Deputados. O projeto chegou ao Senado Federal em 28 de abril e foi lido em Plenário no dia 2 de maio de 2017. Convertida em Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 38/2017, a Contrarreforma foi aprovada com 50 votos a favor e 26 contra, em 11 de julho, rejeitando 178 emendas e 2 destaques (Reforma trabalhista vai a sanção, 2017Reforma trabalhista vai a sanção (2017, 11 de julho). Agência Senado. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/07/11/reforma-trabalhista-vai-a-sancao
https://www12.senado.leg.br/noticias/mat...
). Depois, seguiu para a sanção presidencial, ocorrida em 13 de julho de 2017, sob a forma de Lei Ordinária nº 13.467/17, publicada no Diário Oficial da União em 14 de julho de 2017. Cumprido o período de vacância, a lei entrou em vigor em 11 de novembro de 2017. Ao longo desse processo, embora houvesse certas oposições, constatou-se uma frágil mobilização d@s trabalhador@s e das entidades de classe em relação às modificações nas leis trabalhistas (Severo & Souto Maior, 2017Severo, Valdete & Souto Maior, Jorge (2017). Manual da reforma trabalhista. Sensus.).

Resultados

A análise dos resultados deste estudo aparece a seguir, organizada em três tópicos. Inicialmente, apresentamos um exame dos fundamentos políticos, ideológicos e econômicos da Contrarreforma Trabalhista. Depois, discutimos suas contradições, violações de direitos e ilegitimidades e, por fim, suas consequências para a classe trabalhadora.

Fundamentos políticos, ideológicos e econômicos da Contrarreforma Trabalhista

Diferentes visões em torno da Contrarreforma Trabalhista foram apresentadas para a sociedade por representantes e apoiadores do governo pemedebista a partir de duas categorias, agenciando deliberadamente uma polarização do assunto, como esclarece Souto Maior (2017aSouto Maior, Jorge (2017a, 1º de maio). A quem interessa essa “reforma” trabalhista? Jorge Luiz Souto Maior. https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista
https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-q...
). Nas narrativas disseminadas e fortalecidas pelo oligopólio midiático, os defensores da Contrarreforma eram considerados “modernos”, “ponderados” e “razoáveis”, enquanto os opositores eram “apegados ao passado”, “burocratas”, “radicais e ideólogos” (Souto Maior, 2017aSouto Maior, Jorge (2017a, 1º de maio). A quem interessa essa “reforma” trabalhista? Jorge Luiz Souto Maior. https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista
https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-q...
). Trata-se somente de estereótipos superficiais, já que, “dos 921 artigos da CLT de 1943, apenas 188 continuam vigentes até hoje”; e o PL nº 6787/16, que visa, segundo se afirmou, “modernizar a legislação trabalhista”, “toca em apenas 7 artigos da CLT, que estavam vigentes em 1943; e mesmo assim não os revoga por inteiro” (Souto Maior, 2017aSouto Maior, Jorge (2017a, 1º de maio). A quem interessa essa “reforma” trabalhista? Jorge Luiz Souto Maior. https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista
https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-q...
). As perspectivas contrárias à reforma foram afastadas sem a devida atenção.

O argumento de que a CLT era antiga, desatualizada, visto que elaborada em 1943, é falso. Os desembargadores Jorge Souto Maior (2017aSouto Maior, Jorge (2017a, 1º de maio). A quem interessa essa “reforma” trabalhista? Jorge Luiz Souto Maior. https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista
https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-q...
), Homero da Silva (2017Silva, Homero da (2017). Comentários à Reforma Trabalhista. Editora Revista dos Tribunais.) e Magda Biavaschi (2017Biavaschi, Magda (2017). As reformas estruturantes em um país em que jagunços ainda têm vez. In Marilane Teixeira et al. (Orgs.), Contribuição crítica à reforma trabalhista (pp. 183-194). UNICAMP/IE/CESIT.) asseveram que parte expressiva dos dispositivos legais da CLT data de momentos posteriores à década de 40, por exemplo: Regime de Fundo de Garantia (1967); Lei de Férias (1977); Vale-transporte (1985); Banco de horas e trabalho parcial (1998); Lei do Aprendiz (2000); Desoneração dos encargos trabalhistas sobre benefícios assistenciais (2001); Alteração nas relações sindicais (2008); Trabalho feminino (2012 e 2016); Alterações no trabalho doméstico (2013 e 2015), entre outras. Assim, entende-se que o argumento da caducidade da CLT constitui-se como uma “máscara” (Souto Maior, 2017aSouto Maior, Jorge (2017a, 1º de maio). A quem interessa essa “reforma” trabalhista? Jorge Luiz Souto Maior. https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista
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).

Baseados na análise das estratégias constitutivas de discursos político-ideológicos, proposta por Maritza Montero (1995Montero, Maritza (1995). Estratégias Discursivas Ideológicas. In Silvia Lane & Bader Sawaia (Orgs.), Novas Veredas da Psicologia Social (pp. 83-96). Brasiliense.), podemos destacar mecanismos centrais adotados pela propaganda da Contrarreforma Trabalhista e utilizados por seus proponentes e apoiadores. Sistematicamente, os discursos governamentais mitificaram a Contrarreforma, atribuindo-lhe exageradamente características positivas, e induziram conexões entre “desemprego”, “crise econômica” e “caducidade da CLT”, bem como ilações sem fundamento comprovado, como a suposição de que a mudança da legislação trabalhista teria impacto positivo direto sobre o mercado de trabalho e sobre a retomada do crescimento econômico. Ademais, tais discursos tentaram naturalizar a Contrarreforma com objetivo de estabelecer um amplo consenso em torno das alterações pretendidas, omitindo efeitos negativos para a classe trabalhadora e ocultando reais interesses econômicos em jogo. A Contrarreforma Trabalhista, nesses moldes, foi defendida como inevitável de modo a afastar dúvidas e repelir críticas.

Apesar dos argumentos exibidos por representantes e apoiadores do Governo, a finalidade da Contrarreforma Trabalhista era promover uma flexibilização das relações de trabalho, dotando o capital de instrumentos jurídicos compatíveis com as suas necessidades contemporâneas e permitindo valorizar o capital mediante intensificação da exploração da força de trabalho. Apoiados na leitura marxiana sobre as relações entre Estado e capitalismo (Mascaro, 2013Mascaro, Alysson (2013). Estado e Forma Política. Boitempo.), entendemos a Contrarreforma como um processo que não pode ser explicado apenas pelas deliberações oriundas da esfera política, mas que encontra seus fundamentos nos vínculos imanentes e estruturais entre a produção capitalista, suas formas políticas e jurídicas efetivadas em contingências específicas, marcadas por correlações de forças e lutas sociais. Nessa lógica, verifica-se que o Estado opera de modo a reproduzir a valorização do capital, não sem contradições ou conflitos derivados de lutas de classes e correlações de força. Em consonância com Abdalla (2018Abdalla, Maurício (2018). A democracia no capitalismo. In Robson Souza, Adriana Penzim, & Claudemir Alves (Orgs.), Democracia em crise, Cadernos Temáticos do NESP, 7 (pp. 19-43). Loyola.), entendemos que a Contrarreforma Trabalhista reflete interesses de grupos minoritários, mas economicamente dominantes.

A Contrarreforma Trabalhista atinge a classe trabalhadora, acentuando a vulnerabilidade desta última no âmbito das relações jurídico-laborais. No lugar de estabelecer uma regulação pública do trabalho baseada nas negociações coletivas ou na regulamentação estatal, afirma José Krein (2018Krein, José (2018). O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva. Tempo Social 30(1), 77-144. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.138082
https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.20...
), a Contrarreforma fortaleceu a regulação privada do trabalho e a “autorregulação do mercado, ao submeter o trabalhador a uma maior insegurança e ao ampliar a liberdade do empregador em determinar as condições de contratação, o uso da mão de obra e a remuneração do trabalho” (p. 78). Do ângulo político, essa Contrarreforma é a “obra de um Presidente com a menor aprovação popular da história” e tal Presidente “atuou com apoio do poder econômico e de parte considerável da grande mídia, e de um parlamento assolado em denúncias de corrupção”, com intento de oferecer essa “obra” “ao poder econômico em contrapartida da impunidade dos agentes da ‘reforma’” (Souto Maior, 2017bSouto Maior, Jorge (2017b, 15 de julho). A “CLT de Temer” (& Cia. Ltda.). Jorge Luiz Souto Maior. https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-clt-de-temer-cia-ltda
https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-c...
).

Contradições, violações e ilegitimidade da Contrarreforma Trabalhista

É relevante observar que, ao longo da tramitação, a Contrarreforma Trabalhista foi alvo de severas críticas por parte de juristas, profissionais e pesquisadores ligados ao Direito do Trabalho. Em Nota Técnica Conjunta, relativa ao Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 38/2017 (“Reforma Trabalhista”), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho et al. (2017Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas, Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas,..., & Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho. (2017, 5 de junho). Nota Técnica Conjunta PLC 38/2017 - Reforma Trabalhista. http://www.anpt.org.br/attachments/article/3112/Nota%20T%C3%A9cnica%20Conjunta%20-%20Reforma%20Trabalhista.pdf
http://www.anpt.org.br/attachments/artic...
) manifestaram posicionamento contrário à Contrarreforma Trabalhista. Nesse documento, afirma-se a existência de um “enorme déficit democrático em torno da discussão da proposta” e conclui-se que, se aprovada, a Contrarreforma “causará um abalo sísmico sobre os alicerces do Direito do Trabalho” (p. 3). Ademais, violando as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº 144 e nº 154, o “PL nº 6.787/2016 foi gestado sem a efetiva participação dos trabalhadores na sua discussão” (p. 3). Note-se, por exemplo, que o Senador Ricardo Ferraço, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), mesmo discordando de aspectos do texto sobre o qual emitiu parecer, optou por aprovar o projeto na íntegra e deixou para o Poder Executivo as tarefas de apresentar veto e de editar medidas provisórias. A condução açodada da Contrarreforma nos chama atenção. Realça-se, como efeito, a criação de um “cardápio de contratos de trabalho e de emprego precários”, fomentando “a substituição de contratos de trabalho a tempo indeterminado por contratos fraudulentos, por contratos temporários e por contratos de trabalho em que o empregado pode receber abaixo do salário mínimo mensal” (p. 3). A Contrarreforma Trabalhista, além de “dificultar o acesso à Justiça do Trabalho” e de limitar “as indenizações por dano extrapatrimonial (moral, estético e existencial) desses infortúnios”, não assegura em nenhum momento “alguma regra para manutenção dos empregos daqueles que já estão empregados” (pp. 2-3).

Também relevante é a exposição feita pelo desembargador Homero da Silva (2017Silva, Homero da (2017). Comentários à Reforma Trabalhista. Editora Revista dos Tribunais.), na qual são identificados mais de 20 artigos da Contrarreforma Trabalhista que colidem com o texto da Carta Magna (1988). Dado o escopo deste artigo, limitamo-nos a citar 3 deles, reveladores de possíveis impactos da Contrarreforma:

“Art. 223: cria a tarifação dos danos morais vinculados ao valor do salário-contratual do empregado, gerando distinção entre a dor do rico e a dor do pobre, sem nenhuma base científica ou lógica” (p. 238);

“Art. 444, parágrafo único: a autorização para o contrato individual se sobrepor à lei, ao acordo coletivo e à convenção coletiva, subverte o princípio da norma mais favorável, em afronta ao art. 7º, caput (CF/1988), mas também ignora o reconhecimento das normas coletivas, como fonte de direito, expressado pelo art. 7º, XXVI” (p. 238);

“Art. 477-A: libera a dispensa em massa, sem considerar a interpretação dada pelos tribunais ao alcance do art. 7º, I, da CF, e sem esperar o desfecho da análise da vigência da Convenção nº 158 da OIT, cujo artigo 13 determina prévia consulta” (p. 239).

Assim, a jurisdição trabalhista e o TST são atacados em uma tentativa de “desmoralização” e de “desconstrução” da função protetiva da Justiça do Trabalho (Severo & Souto Maior, 2017Severo, Valdete & Souto Maior, Jorge (2017). Manual da reforma trabalhista. Sensus.; Silva, 2017Silva, Homero da (2017). Comentários à Reforma Trabalhista. Editora Revista dos Tribunais.). No texto da Contrarreforma Trabalhista, afirma Silva (2017), observa-se “uma quantidade excessiva de dispositivos feitos com vetor oposto ao postulado das súmulas do TST, como se houvesse um propósito deliberado de desmoralizar a jurisprudência do órgão de cúpula da Justiça do Trabalho” (p. 13), concluindo: “não pode ser casual a ocorrência de tantas afrontas ao teor das súmulas” (p. 13). Mais de quatro anos após a Contrarreforma, há ainda mais de dez Ações Diretas de Inconstitucionalidade aguardando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (Tribunal Superior do Trabalho, 2021cTribunal Superior do Trabalho (2021c). Ações de Interesse da Justiça do Trabalho no Supremo Tribunal Federal. http://www.tst.jus.br/documents/10157/1209996/Outros+Temas+de+interesse+da+JT
http://www.tst.jus.br/documents/10157/12...
) 1 1 São exemplos de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) relacionadas à Contrarreforma Trabalhista as ADI nos 5766, 5794, 5806, 5867, 5870, 5938, 5994, 6002, 6050, 6069, 6082, 6142, 6146, 6188. .

Repercussões da Contrarreforma Trabalhista para @s trabalhador@s

Apesar das promessas, constata-se que a Contrarreforma Trabalhista - sem considerar em nossas análises o período da pandemia da Covid-19 - não alcançou a retomada e a aceleração do crescimento econômico, assim como não gerou os 5 milhões de empregos formais prometidos (Schreiber, 2017Schreiber, Mariana (2017, 26 de abril). Reforma trabalhista. BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39714346
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39...
), não aumentou a proteção jurídica d@s trabalhador@s e não fortaleceu sindicatos.

Apresentada como inexorável para a retomada da economia, a “flexibilização”, a nosso ver, representou a degradação de direitos sociais, sobretudo dos direitos trabalhistas. A suposta condição para o desenvolvimento econômico subentende, no limite, um paradoxo gerador de injustiça social: o crescimento econômico exigiria, cada vez mais, o sacrifício de uma parte significativa da população, que seria obrigada a experimentar desproteção social, desregulamentação do trabalho e pauperização.

Ademais, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que as variações do Produto Interno Bruto (2021), no intervalo entre o primeiro semestre de 2017 e o quarto trimestre de 2019, período que contempla a Contrarreforma Trabalhista, são pouco expressivas, indicando tímido crescimento econômico. O Produto Interno Bruto (PIBProduto Interno Bruto - PIB. (2021). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php
https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php...
) ficou em 1,3% em 2017, seguido de 1,1% em 2018 e de 1,1% em 2019. É certo que a Contrarreforma não é responsável pelo cenário de desaceleração econômica ou de queda no PIB. Contudo, tampouco se observam melhorias significativas a esse respeito, conforme as promessas governistas haviam assegurado.

Dados da Agência de Notícias do IBGE revelam ainda que a taxa média de desocupação esteve em 12,7% em 2017, “caiu de 12,3% em 2018 para 11,9% em 2019”, o proporcional a “12,6 milhões de pessoas”; esse recuo, todavia, foi impulsionado especialmente pelo aumento expressivo de trabalhadores informais (Nery, 2020Nery, Carmen (2020, 31 de janeiro). Desemprego cai para 11,9% na média de 2019; informalidade é a maior em 4 anos. Agência IBGE Notícias. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26741-desemprego-cai-para-11-9-na-media-de-2019-informalidade-e-a-maior-em-4-anos
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
). No lugar de empregos formais, a Contrarreforma, como previam os especialistas, continuou a incentivar modalidades precárias de trabalho. A informalidade alcançou, no quarto semestre de 2019, “41,1% da população ocupada, o equivalente a 38,4 milhões de pessoas, o maior contingente desde 2016” (Nery, 2020Nery, Carmen (2020, 31 de janeiro). Desemprego cai para 11,9% na média de 2019; informalidade é a maior em 4 anos. Agência IBGE Notícias. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26741-desemprego-cai-para-11-9-na-media-de-2019-informalidade-e-a-maior-em-4-anos
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
). Sobre a geração de empregos formais no Brasil, além do mais, os dados do Cadastro Geral de Empregos (CAGED) revelam o alcance de 1,17 milhões de pessoas, considerando-se o saldo resultante da diferença entre as contratações e as demissões no período de 2017 até o fim de 2019. Um número muito aquém do prometido (em torno de 5 milhões) e, mesmo assim, sem vínculos diretos com a Contrarreforma.

A redução de ações trabalhistas, confirmadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (2021aTribunal Superior do Trabalho (2021a). Recebidos e Julgados da Justiça do Trabalho. https://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/recebidos-e-julgados
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), entre outras razões que poderiam ser listadas, está relacionada aos dispositivos da Lei nº 13.467/2017 que impõem a trabalhadores obstáculos para o acesso à Justiça do Trabalho. Tais dispositivos são expressos, sobretudo, pelo art. 790, §3º, que dificulta o acesso à assistência judiciária gratuita, e pelo art. 790-B, que determina o pagamento de honorários periciais pela parte sucumbente. Ambos os artigos são contrários ao entendimento da Justiça do Trabalho que, no artigo 5º da Constituição Federal (1988), versa sobre a assistência judiciária gratuita, devendo abranger todas as despesas processuais (Severo & Souto Maior, 2017Severo, Valdete & Souto Maior, Jorge (2017). Manual da reforma trabalhista. Sensus.). Contudo, a perspectiva dos defensores da Contrarreforma Trabalhista e da classe empresarial sobre a redução no número de ações trabalhistas é outra. Para eles, havia um excesso de litigiosidade que deveria ser reduzido. Mais ainda, havia, na visão de muitos, litigância de má-fé por parte d@s trabalhador@s. Na contramão desse entendimento, Magda Biavaschi (2017Biavaschi, Magda (2017). As reformas estruturantes em um país em que jagunços ainda têm vez. In Marilane Teixeira et al. (Orgs.), Contribuição crítica à reforma trabalhista (pp. 183-194). UNICAMP/IE/CESIT.) assevera: aqueles “que vão à Justiça do Trabalho são, em grande parte, desempregados e os pedidos mais frequentes são: parcelas da despedida, reconhecimento do vínculo de emprego e horas extras” (2017, p. 213Tribunal Superior do Trabalho (2021a). Recebidos e Julgados da Justiça do Trabalho. https://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/recebidos-e-julgados
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). O excessivo em nosso país refere-se, na verdade, ao “desrespeito aos direitos assegurados na lei” (Biavaschi, 2017, p. 213Biavaschi, Magda (2017). As reformas estruturantes em um país em que jagunços ainda têm vez. In Marilane Teixeira et al. (Orgs.), Contribuição crítica à reforma trabalhista (pp. 183-194). UNICAMP/IE/CESIT.). Isso pode ser verificado no Relatório Geral da Justiça do Trabalho (Tribunal Superior do Trabalho, 2021bTribunal Superior do Trabalho (2021b). Relatório Geral da Justiça do Trabalho. https://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/relatorio-geral
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), que realça nos assuntos mais recorrentes da Justiça do Trabalho os pagamentos de aviso prévio, da multa de 40% do FGTS, da multa relativa aos artigos 467 e 477 da CLT, das férias proporcionais e do 13º salário proporcional.

Em relação às organizações sindicais, ainda que a crise enfrentada por elas seja anterior à Contrarreforma Trabalhista (Antunes, 2018Antunes, Ricardo (2018). O Privilégio da Servidão. Boitempo.), notou-se em 2018 que a “quantidade de trabalhadores sindicalizados atingiu o menor patamar dos últimos sete anos” (Cabral, 2019Cabral, Uberlândia (2019, 18 de dezembro). Taxa de sindicalização cai para 12,5% em 2018 e atinge menor nível em sete anos. Agência IBGE Notícias. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26423-taxa-de-sindicalizacao-cai-para-12-5-em-2018-e-atinge-menor-nivel-em-sete-anos
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
). A taxa de sindicalização ficou em 12,5%, a menor desde 2012, considerando a Pesquisa Nacional de Domicílios (Cabral, 2019Cabral, Uberlândia (2019, 18 de dezembro). Taxa de sindicalização cai para 12,5% em 2018 e atinge menor nível em sete anos. Agência IBGE Notícias. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26423-taxa-de-sindicalizacao-cai-para-12-5-em-2018-e-atinge-menor-nivel-em-sete-anos
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
). Assim, a contrarreforma também não promoveu o fortalecimento dos sindicatos d@s trabalhador@s.

Nesse cenário, efeitos deletérios para a saúde e a segurança d@s trabalhador@s podem ser divisados. Por exemplo, segundo Krein (2018Krein, José (2018). O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva. Tempo Social 30(1), 77-144. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.138082
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), as mudanças atinentes à jornada de trabalho e ao descanso têm relação direta com acidentes de trabalho e doenças profissionais. O prognóstico é de que a Contrarreforma levará a uma elevação desses acidentes e dessas doenças, já que @s trabalhador@s ficarão “submetidos a maiores pressões de resultados e metas e mais subordinados à dinâmica da empresa” (Krein, 2018, pp. 91-92Krein, José (2018). O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva. Tempo Social 30(1), 77-144. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.138082
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), com dificuldades substantivas para o estabelecimento de relações entre ambiente de trabalho e adoecimentos.

Considerações finais

Este estudo teve por objetivo analisar fundamentos ideológicos e políticos da Contrarreforma Trabalhista e de suas repercussões para @s trabalhador@s. A despeito da retórica de “modernizar as relações de trabalho”, verificamos que essa Contrarreforma se fundamenta em pressupostos neoliberais com a finalidade de dotar o capital de instrumentos jurídicos capazes de intensificar a exploração da força de trabalho. Não houve fortalecimento das entidades sindicais, tampouco melhoria da proteção jurídica d@s trabalhador@s ou retomada do crescimento econômico. Pelo contrário, observamos ataques a direitos individuais, coletivo e processual numa tentativa de atender a interesses econômicos privados, de fortalecer um modelo de regulação privada do trabalho e de reduzir a intervenção estatal nas relações de trabalho.

Vislumbramos, assim, a expansão das formas precárias de trabalho e a intensificação dos riscos psicossociais oriundos da interação entre @s trabalhador@s e os atuais modos de gestão e organização do trabalho. A pauperização e o recrudescimento da vulnerabilidade social aparecem no horizonte presente e futuro. Nesse contexto, marcado pela “majoração do poder econômico sobre o trabalho” e pelo “elevado estágio de submissão dos trabalhadores, desprovidos de direitos e de instituições que defendam seus interesses” (Severo & Souto Maior, 2018, p. 191Severo, Valdete & Souto Maior, Jorge (2017). Manual da reforma trabalhista. Sensus.), divisamos o aumento de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.

Os resultados apresentados podem originar estudos específicos sobre os efeitos dos dispositivos da Lei nº 13.467/2017 para a classe trabalhadora.

No plano das lutas sociais, representações que agreguem objetivos internacionalmente e que façam convergir esforços para enfrentar a precarização do trabalho, o modo de produção capitalista e a sociabilidade neoliberal, mostram-se como caminhos importantes (Ledesma, 2017Ledesma, Carlos (2017). Las reformas laborales y el proyecto global de desregulación y flexibilización laboral. In Marilane Teixeira et al. (Orgs.), Contribuição crítica à reforma trabalhista (pp. 161-181). UNICAMP/IE/CESIT.).

Finalmente, verificamos que as análises especializadas não foram adequadamente consideradas, quando da formulação e tramitação da Contrarreforma. Por todo o exposto, a Contrarreforma Trabalhista pavimentou o caminho em direção ao desmonte ainda maior do Estado Social, atacou direitos previstos na Constituição Federal e atingiu o próprio Estado Democrático de Direito. Nosso entendimento sobre a Contrarreforma coaduna-se com o de Silva (2017Silva, Homero da (2017). Comentários à Reforma Trabalhista. Editora Revista dos Tribunais.), isto é, o de que a Contrarreforma de 2017 “ficará indelevelmente marcada por seu viés autoritário”, devido ao “regime de urgência desmesurado”, ao “silêncio em torno de direitos fundamentais como a saúde e a liberdade sindical” e, ademais, à “excessiva preocupação em desmoralizar o TST” (p. 13).

Referências

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  • Financiamento: Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2022
  • Revisado
    01 Set 2022
  • Aceito
    02 Set 2022
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