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MATERNIDADE E POLÍTICA: TEMPOS, CONTRATEMPOS E REVOLUÇÕES

MATERNIDAD Y POLÍTICA: TIEMPOS, RETROCESOS Y REVOLUCIONES

MATERNITY AND POLITICS: TIMES, SETBACKS, AND REVOLUTIONS

Resenha de D´Ávila, Manuela. (2019). Revolução Laura: reflexões sobre maternidade & resistência. Belas Letras.

Revolução Laura é um livro que apresenta narrativas sobre a experiência de maternidade de Manuela D´Avila, jornalista, política brasileira e mãe de Laura. Manuela iniciou sua atuação política no movimento estudantil em Porto Alegre e em 2004, aos 25 anos, se tornou a vereadora mais jovem eleita no município pelo PCdoB. Em 2006, foi a deputada federal mais votada no Rio Grande do Sul, repetindo o feito em 2010. Nas eleições de 2014 concorreu como deputada estadual, com o objetivo de ficar mais próxima da sua base. Em 2018, iniciou como pré-candidata à presidência e posteriormente integrou a candidatura do PT, na posição de vice do candidato Fernando Haddad, chegando ao segundo turno de uma disputada e conturbada eleição, já em companhia da filha Laura.

Construir uma descrição profissional costuma concentrar a narrativa nas informações sobre os feitos e conquistas que configuram reconhecimento profissional. No caso de Manuela, relatamos uma trajetória na política institucionalizada, com candidaturas, eleições, mandatos, mas em outros campos escolheríamos também outros parâmetros, por exemplo, nas trajetórias acadêmicas, consultaríamos a Plataforma Lattes, descrevendo projetos de pesquisa, extensão, publicações, títulos. Quais são as invisibilidades dessas descrições? Quais são as condições de possibilidade e as de impossibilidades desses feitos? Quais são as diferenças dessas condições para os diferentes sujeitos e sujeitas?

Essas são algumas reflexões iniciais do livro de Manuela D´Ávila, centralizadas na vivência da maternidade. Entre essas conquistas, algumas escolhas e certas condições possibilitaram viver a maternidade e relatar suas reflexões sobre esse processo. A decisão de concorrer como deputada estadual, após dois mandatos como deputada federal, entendida por alguns (muitos?) como um retrocesso, permitiu sair de Brasília e estar mais próxima da família, por exemplo, e da vontade de maternidade que, para a autora, assim como para grande parte das mulheres, é acionada quando o tempo da cronologia biológica bate à porta.

Nesse ponto, cabe fazermos algumas inflexões. Para os gregos, haveria dois termos para designar o tempo: Cronos e Kairós. Cronos é considerado o tempo do relógio, costumeiramente, medido em horas, dias e anos, materializando de forma quantitativa a contagem do tempo. Kairós, ao contrário, refere-se à medida qualitativa e oportuna do tempo, expressando o caráter sensível e emocional que atravessa as experiências no percurso da vida e da passagem temporal.

Na maternidade, de forma tão precisa nomeada por Manuela como “revolução”, esses diferentes atributos do tempo se imbricam a todo instante. Assim como noutras tantas experiências da e na vida, o tempo do relógio e o tempo oportuno coexistem, num jogo de muitas voltas, reviravoltas, revoltas e, também, revoluções. Qual a relação entre tempo e maternidade? Atualmente, os tempos da maternidade ficam normatizados entre a gravidez na adolescência, dita como precoce, e a gravidez tardia.

Em pesquisa com mulheres mães e trabalhadoras, Lisandra Moreira e Henrique Nardi (2009Meyer, Dagmar E. Estermann (2005). A politização contemporânea da maternidade: construindo um argumento. Revista Gênero, 6(1), 81-104. https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31010/18099
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), analisam narrativas carregadas da ideia de que haveria um “tempo certo de ser mãe”, como uma justa medida entre não ser nem muito nova nem muito velha para a maternidade. Entretanto, esse argumento se entrelaçava com expectativas de autonomia financeira (ter condições de sustentar uma criança) e de questões físicas (ter condições de gestar e disposição para cuidar). Essa normalização do tempo da maternidade pelo controle da idade da mulher está também vinculada a associação construída politicamente entre problemas sociais e de saúde e a idade materna, como esse mesmo estudo alerta em relação aos programas de “prevenção” à gravidez na adolescência, desviando o foco das desigualdades sociais e culpabilizando mulheres jovens. “O problema fundamental está na desigualdade socioeconômica, e não na experiência da gravidez na adolescência” (Moreira & Nardi, 2009, p. 584Moreira, Lisandra E. & Nardi, Henrique C. (2009). Mãe é tudo igual? Enunciados produzindo maternidade(s) contemporânea(s). Revista Estudos Feministas, 17(2), 569-594. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000200015
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). Esses tempos escondem também os mandatos sociais que produzem a colagem entre mulher e maternidade. Qual o tempo da escolha e do desejo? Essa escolha estaria garantida para todas?

Aos 31, apaixonada, pensei algo que muitas mulheres pensam, em função do chamado “relógio biológico”, que na verdade, mais do que um tema relacionado à questão biológica em si, é um grande relógio da sociedade machista sobre nós… Eu não preciso ser mãe para ser uma mulher que “deu certo”. Eu poderia ser ou não ser mãe (D´Ávila, 2019, pp. 33-35D´Ávila, Manuela (2019). Revolução Laura: reflexões sobre maternidade & resistência. Belas Letras.)

Ser ou não ser mãe não se coloca exatamente como uma escolha de cada mulher, feita de forma livre e individual tendo em vista que está atravessada por questões sociais, culturais, raciais e institucionais. Paula Gonzaga e Cláudia Mayorga (2019, p. 61Gonzaga, Paula R. Bacellar & Mayorga, Claudia (2019). Violências e Instituição Maternidade: uma Reflexão Feminista Decolonial. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(nspe2), e225712. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225712
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) chamam atenção para a forma como a maternidade está colada às mulheres e se materializa em cobranças, nomeações e também legislações, por exemplo, a criminalização do aborto (quando não se enquadra nos permissivos legais) e as regras para a esterilização voluntária (ter, pelo menos, dois filhos e ter autorização do parceiro).

O livro Revolução Laura embaralha esse código que nos é tão bem apresentado como um filme de trajetória linear no qual os problemas, as dificuldades e as dores desse processo não se protagonizam. É um livro que pode ser aberto e lido desde qualquer ponto e, assim, nos lança na experiência das intensidades, afetos e transformações que marcam e produzem a(s) maternidade(s) idealizadas, possíveis, reais, em sintonia com a proposta de não endeusar a mãe que tudo suporta nem demonizar, impondo a culpa nas mulheres (Gonzaga & Mayorga, 2019Gonzaga, Paula R. Bacellar & Mayorga, Claudia (2019). Violências e Instituição Maternidade: uma Reflexão Feminista Decolonial. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(nspe2), e225712. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225712
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).

Não há romance. Não há espaço para romantização e idealização. Ser mãe dá trabalho. Ser mãe exaure. Ser mãe é cansativo. Ser mãe é solitário. Ser mãe é perder trabalho. Ser mãe é não ter com quem deixar os meninos. E, mesmo assim, socialmente, ser mãe é uma obrigação para a mulher. (D´Ávila, 2019, p. 77D´Ávila, Manuela (2019). Revolução Laura: reflexões sobre maternidade & resistência. Belas Letras.)

O livro perpassa de maneira muito honesta as dúvidas e pensamentos de uma mulher que se apresenta e se posiciona como branca, de classe média, sulista, com formação superior, visibilidade midiática e com uma extensa e fortalecida rede de apoio e de cuidados que permite, inclusive, circular com Laura pelo cenário político. Qual o objetivo do livro? Manuela responde: “ele não pretende ser uma ode à maternidade, nem um debate teórico sobre criação com apego ou sobre todos os limites impostos às mulheres que criam seus filhos e amamentam” (p. 8), mas promete seu próprio registro sobre ser mãe de uma menina de dois anos e candidata à vice-presidência. E isso não é pouco. Apresentar a própria experiência de maternidade, no seu intenso e trabalhoso cotidiano, é construir talvez outras maternidades possíveis dentro de um campo tão vigiado.

Para nós, o livro fala muito. Lendo a narrativa, como psicólogas, professoras universitárias, pesquisadoras, feministas e mães, a experiência de Manuela nos lança numa série de questões as quais nos fazem entender a maternidade como um ato político, pois é desse modo que também a experenciamos em nossas vidas. No nosso caso, não a dimensão político-partidária (mesmo que essa também nos toque sensivelmente), mas um ato político no sentido de dar a ver no plano público o que, historicamente, é cerceado ao reduto doméstico, íntimo e familiar. Família aqui entendida, em diálogo com Estela Sheinvar (2006Scheinvar, Estela. (2006). A família como dispositivo de privatização do social. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 58(1), 48-57. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672006000100006&lng=pt&tlng=pt.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
), como dispositivo de privatização do social.

De maneira, por vezes, despretensiosa, Manuela nos apresenta suas vivências em pontos que são essenciais no debate sobre maternidade. Ainda no relato da gestação e parto, a experiência de Manuela faz emergir analisadores das relações de saber-poder1 1 No pensamento foucaultiano, a análise do poder implica necessariamente a análise do saber. Para Foucault ( 1995 ) os saberes são compreendidos como materialidade, práticas e acontecimentos, são dispositivos políticos articulados com diferentes formações sociais, inscrevendo-se, portanto, em suas condições políticas. No momento em que se exercita o poder, constrói-se saberes e, assim, a partir desta construção, cria-se a condição para o exercício de novos poderes. que atravessam o cotidiano das mulheres grávidas no encontro com as instâncias de saúde e soma-se a isso as escolhas de vida que ganham um caráter político partidário, especialmente, quando se trata de uma figura do cenário político. No dia seguinte ao parto de Laura, Manuela recebe a postagem de uma médica (que não fazia parte da sua equipe) com detalhes do seu parto: “Ah, Manuela, sua malandra, defende parto humanizado e faz cesárea. Como você se sente sendo assim? Responda depois, claro, agora você está comemorando ter sua filha nos braços” (p. 50).

O tom debochado da postagem mostra a arena que se construiu quanto aos procedimentos para o nascimento, que depois se estende para a amamentação e cuidados com bebês/crianças e que, numa leitura simplista, limitam-se a binarismos como se fossem posições contrárias. Alguns desses debates vão conformando modos de experimentar a maternidade, algumas vezes permeados por culpa e sofrimento: “Eu estava arrasada por ter ‘falhado no parto” (p. 51). Parto humanizado, parto natural, parto normal, cesárea, amamentação, livre demanda, recomendações de organizações da saúde, incentivos e desestímulo a amamentar, puerpério, cuidados compartilhados, rede de apoio. Não são poucas nem homogêneas as dúvidas, escolhas e caminhos possíveis na maternagem.

Na emergência dessas disputas, há um importante movimento de nomeação e tensionamento de práticas e de relações de saber-poder. Cabe salientar, por exemplo, que é a partir desses debates que se tornam possíveis as denúncias de violência obstétrica, assim como os estudos sobre os atravessamentos raciais que denunciam que a mortalidade materna é maior entre mulheres negras. No relato de Manuela, a postagem da médica se desdobrou numa disputa jurídica (com decisão favorável à Manuela em segunda instância).

Como nos alerta Dagmar Meyer (2005Meyer, Dagmar E. Estermann (2005). A politização contemporânea da maternidade: construindo um argumento. Revista Gênero, 6(1), 81-104. https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31010/18099
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), a politização contemporânea da maternidade2 2 A autora analisa quatro movimentos ao longo do século XX que produzem a intensificação da politização da maternidade: “(a) a ênfase na constituição de um tipo de sujeito inscrito na lógica da racionalidade neoliberal; (b) o aprofundamento das desigualdades econômicas, sociais e culturais que decorre da conjunção da racionalidade neoliberal com o processo de globalização; (c) a produção e o desenvolvimento crescente de conhecimentos e novas tecnologias que descrevem e monitoram o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional do feto, inscrevendo-os (fetos e suas mães) em uma linguagem de controle e de autorregulação, bem como em uma “gramática da probabilidade e do risco”; (d) a articulação conflituosa de políticas de estado com demandas de movimentos sociais como, por exemplo, do feminismo e o dos direitos humanos, em que a noção de universal é multiplicada e fraturada, o que incide sobre os modos como esses sujeitos de direito se relacionam” (Meyer, 2005, p. 84). forja discursos, ressignificando a relação mãe-filho inscrevendo o corpo materno num poderoso regime de vigilância e regulação. Um jogo entre sujeitos, instituições, espaços e práticas muito diversas e dispersas. Na experiência de Manuela, uma foto que registra ela falando no plenário enquanto amamentava Laura teve uma enorme repercussão. “O que chamava atenção na foto em minha opinião? Mulheres em espaços de poder, crianças em espaços de poder, vida em espaços de poder… uma forma de resistência à política que desumaniza” (p. 54). Algo desse regime de controle dos corpos parece escapar nessa cena.

Olhares desconfiados, espaços confinados para amamentar, estabelecimentos que restringem a circulação de crianças de maneira explícita (espaços chamados de“childfree” - “livre de crianças” que ganham cada vez mais adeptos desde a década de 1980) ou que não estão preparados para a presença e as necessidades de bebês e crianças excluem mães e também pais que assumem o cuidado dos filhos. Limitação contornável quando se trata de transitar por territórios não essenciais, mas que vão determinar escolhas difíceis quando se tratam de locais de trabalho, por exemplo.

Nos espaços acadêmicos que transitamos, enquanto pesquisadoras, quais se preocupam e de que forma com a presença e circulação de crianças? De que modo a maternidade ganha visibilidade nas práticas acadêmicas? A maternidade é tomada como um ato político no cenário acadêmico? Temos acompanhado, nos últimos anos, a emergência de movimentos com o objetivo de pautar questões referentes à maternidade e paternidade no âmbito acadêmico3 3 http://mulheresnaciencia.com.br/https://www.parentinscience.com/ . Algumas ações vêm sendo empreendidas nesse sentido como visibilizar o trabalho das pesquisadoras mulheres, garantir estrutura em eventos científicos para acolher cientistas acompanhadas(os) de bebês e crianças pequenas e licença maternidade para bolsistas de pesquisa (Lei nº 13.536/2017). No entanto, cabe ressaltar que a maternidade segue sendo tema tabu no espaço acadêmico quando ela se propõe a pautar as desigualdades de gênero entre docentes e pesquisadores e no modo como as agências de fomento à pesquisa valoram o trabalho e as produções acadêmicas.

Em Revolução Laura, a autora nos convida a circular pelo universo da política institucionalizada, compartilhando sua peregrinação na campanha eleitoral de 20184 4 Importante salientar que o cenário político polarizado que se intensificou na campanha, já estava colocado, inclusive com elementos misóginos que ficaram explícitos no processo de retirada de Dilma da Presidência em 2016, como analisam vários pesquisadores entrevistados no livro Mídia, misoginia e golpe (Geraldes et al., 2017). Em seu pronunciamento, quando se concretiza a sua retirada, Dilma denuncia: “O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência”. em companhia da filha. A potência desse relato está em pensar que entre desigualdades, direitos e privilégios, a maternidade será vivenciada de maneira muito diversa dependendo do contexto das diferentes mulheres. O exercício da maternidade também está atravessado por nossas relações de trabalho. Diante da precarização das relações trabalhistas, a articulação do trabalho com a maternidade explicita desigualdades sociais porque apresenta realidades muito diferentes em relação à licença maternidade/paternidade, à permanência no trabalho após a licença, à flexibilização das atividades, ao período de amamentação, aos cuidados extra-familiares para bebês e crianças.

Maternidade e política em tempos de ódio e isolamento

No mergulho que o livro proporciona, a articulação da maternidade na vida política institucionalizada, cabe ainda pensar nos desafios do cenário atual. Certamente ele se desdobra também no cotidiano micropolítico, no modo como são possíveis as diferentes maternidades em tempos de ódio, mas no caso de Manuela, inserida no olho do furacão, o ódio se materializa em violência.

E então, no meio da festa, enquanto curtíamos o lindo show de Duca, uma mulher me agrediu e agrediu a Laura, que estava pendurada no sling. Batia no corpinho dela, enrolado no tecido, perguntando se eu havia comprado aquilo em Cuba ou na Coreia ou se havia comprado nas minhas férias em Miami com dinheiro público. Vou repetir, porque é importante: uma mulher dava batidas no corpo de um bebê com menos de dois meses pendurado no colo de sua mãe por causa de uma notícia falsa. Você consegue se imaginar nessa situação? (p. 18)

Estamos finalizando essa resenha em quarentena devido à pandemia de covid-19 (abril de 2020), com um novo cenário estranhamente polarizado, entre informações que salientam os riscos da pandemia, informações que minimizam o quadro e uma enxurrada de falsas notícias, num imperativo de retorno ao trabalho em prol da economia. Um período de atividades remotas e tarefas virtuais que escancaram os frágeis arranjos familiares, sociais e de classe na divisão de tarefas e cuidados. Período em que o espaço doméstico se consolida como alvo central das normativas políticas. Gonzaga e Mayorga (2019Gonzaga, Paula R. Bacellar & Mayorga, Claudia (2019). Violências e Instituição Maternidade: uma Reflexão Feminista Decolonial. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(nspe2), e225712. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225712
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) problematizam as imagens de maternidade através de duas figuras religiosas: Maria e Oxum, pensando a relação entre público e privado.

A centralidade da maternidade na vida da mulher é argumento para que se excluam as mães de espaços públicos. Por outro lado, o interesse das mulheres nos espaços públicos não é aceito como um argumento válido para recusar a maternidade. Do espaço público também se excluem as mulheres que não são mães porque sua recusa produz suspeição e deslegitimação de suas condutas. É à interlocução do privado com o público que a oração da Virgem Maria e o itan sobre Oxum se referem. O que se passa com essas duas figuras femininas ligadas à maternidade e à reprodução é a representação da máxima feminista o pessoal é político. (Gonzaga & Mayorga, 2019, p. 69Gonzaga, Paula R. Bacellar & Mayorga, Claudia (2019). Violências e Instituição Maternidade: uma Reflexão Feminista Decolonial. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(nspe2), e225712. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225712
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)

Quais são as implicações desse momento para o exercício do cuidado? Quais são as revoluções necessárias? Ou, como nos provoca Manuela: “Com o que sonhamos?”. Talvez seja esse um tempo oportuno, um tempo Kairós, para revermos a denúncia feminista de que o pessoal é político, importante pauta para as transformações que acreditamos serem relevantes para a Psicologia Social.

Referências

  • D´Ávila, Manuela (2019). Revolução Laura: reflexões sobre maternidade & resistência. Belas Letras.
  • Foucault, Michel (1995). O sujeito e o poder. In H. Dreyfus & P. Rabinow (Orgs.), Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica (pp. 231-249). Forense Universitária.
  • Geraldes, Elen C., Ramos, Tânia R. Oliveira, Silva, Juliano Domingues, Machado, Liliane M. Macedo, & Negrini, Vanessa (2016). Mídia, Misoginia e Golpe FAC-UnB. https://faclivros.files.wordpress.com/2017/03/faclivros_midiamisoginiagolpe.pdf
    » https://faclivros.files.wordpress.com/2017/03/faclivros_midiamisoginiagolpe.pdf
  • Gonzaga, Paula R. Bacellar & Mayorga, Claudia (2019). Violências e Instituição Maternidade: uma Reflexão Feminista Decolonial. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(nspe2), e225712. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225712
    » https://doi.org/10.1590/1982-3703003225712
  • Meyer, Dagmar E. Estermann (2005). A politização contemporânea da maternidade: construindo um argumento. Revista Gênero, 6(1), 81-104. https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31010/18099
    » https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31010/18099
  • Moreira, Lisandra E. & Nardi, Henrique C. (2009). Mãe é tudo igual? Enunciados produzindo maternidade(s) contemporânea(s). Revista Estudos Feministas, 17(2), 569-594. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000200015
    » https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000200015
  • Scheinvar, Estela. (2006). A família como dispositivo de privatização do social. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 58(1), 48-57. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672006000100006&lng=pt&tlng=pt
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672006000100006&lng=pt&tlng=pt

Notas

  • 1
    No pensamento foucaultiano, a análise do poder implica necessariamente a análise do saber. Para Foucault ( 1995 Foucault, Michel (1995). O sujeito e o poder. In H. Dreyfus & P. Rabinow (Orgs.), Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica (pp. 231-249). Forense Universitária. ) os saberes são compreendidos como materialidade, práticas e acontecimentos, são dispositivos políticos articulados com diferentes formações sociais, inscrevendo-se, portanto, em suas condições políticas. No momento em que se exercita o poder, constrói-se saberes e, assim, a partir desta construção, cria-se a condição para o exercício de novos poderes.
  • 2
    A autora analisa quatro movimentos ao longo do século XX que produzem a intensificação da politização da maternidade: “(a) a ênfase na constituição de um tipo de sujeito inscrito na lógica da racionalidade neoliberal; (b) o aprofundamento das desigualdades econômicas, sociais e culturais que decorre da conjunção da racionalidade neoliberal com o processo de globalização; (c) a produção e o desenvolvimento crescente de conhecimentos e novas tecnologias que descrevem e monitoram o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional do feto, inscrevendo-os (fetos e suas mães) em uma linguagem de controle e de autorregulação, bem como em uma “gramática da probabilidade e do risco”; (d) a articulação conflituosa de políticas de estado com demandas de movimentos sociais como, por exemplo, do feminismo e o dos direitos humanos, em que a noção de universal é multiplicada e fraturada, o que incide sobre os modos como esses sujeitos de direito se relacionam” (Meyer, 2005, p. 84Meyer, Dagmar E. Estermann (2005). A politização contemporânea da maternidade: construindo um argumento. Revista Gênero, 6(1), 81-104. https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31010/18099
    https://periodicos.uff.br/revistagenero/...
    ).
  • 3
    http://mulheresnaciencia.com.br/https://www.parentinscience.com/
  • 4
    Importante salientar que o cenário político polarizado que se intensificou na campanha, já estava colocado, inclusive com elementos misóginos que ficaram explícitos no processo de retirada de Dilma da Presidência em 2016, como analisam vários pesquisadores entrevistados no livro Mídia, misoginia e golpe (Geraldes et al., 2017Geraldes, Elen C., Ramos, Tânia R. Oliveira, Silva, Juliano Domingues, Machado, Liliane M. Macedo, & Negrini, Vanessa (2016). Mídia, Misoginia e Golpe. FAC-UnB. https://faclivros.files.wordpress.com/2017/03/faclivros_midiamisoginiagolpe.pdf
    https://faclivros.files.wordpress.com/20...
    ). Em seu pronunciamento, quando se concretiza a sua retirada, Dilma denuncia: “O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2020
  • Aceito
    28 Maio 2021
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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