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VOZES CAROLINAS: UM OLHAR INTERSECCIONAL SOBRE MEMÓRIAS E NARRATIVAS DE MULHERES NEGRAS

VOCES CAROLINAS: UNA MIRADA INTERSECCIONAL DE LAS MEMORIAS Y NARRATIVAS DE MUJERES NEGRAS

CAROLINA VOICES: AN INTERSECTIONAL LOOK AT MEMORIES AND NARRATIVES OF BLACK WOMEN

Resumo

O trabalho tem como objetivo discutir a importância da inclusão de autoras negras em produções da Psicologia Social e da Teoria Crítica, enquanto um estudo de produção de memória e ciência. Colocamos em cena Carolina Maria de Jesus e as poetas do slam narrando um Brasil a partir das margens, de resistência contra o epistemicídio e oposição a ideias pré-concebidas sobre a nossa história. Para a construção da narrativa, em diálogo com os diários de Carolina e com as poesias das mulheres do slam, estão autores da Teoria Crítica, da Psicologia Social e do Feminismo Negro. Fazemos uso da interseccionalidade como uma lente de análise das experiências narradas pelas autoras, compreendendo o entrecruzamento entre raça, classe, gênero e outras opressões como aspectos que constituem não apenas as singularidades que se mostram em suas histórias de vida, mas também os elementos que as fazem orbitar enquanto uma identidade coletiva brasileira.

Palavras-chave:
Psicologia Social; Interseccionalidade; Memória; Narração; Mulheres Negras

Resúmen

El trabajo tiene como objetivo discutir la importancia de la inclusión de autoras negras en las producciones de Psicología Social y Teoría Crítica, como trabajo de producción de memoria y ciencia. Pusimos en escena a Carolina María de Jesús y las poetas del slam narrando un Brasil desde los márgenes, de resistencia al epistemicidio y oposición a las ideas preconcebidas sobre nuestra historia. Para la construcción de la narrativa, en diálogo con los diarios de Carolina y la poesía de las mujeres del slam, se cuenta con autoras de la Teoría Crítica, la Psicología Social y el Feminismo Negro. Usamos la interseccionalidad como lente de análisis de las experiencias narradas por los autores, entendiendo la intersección entre raza, clase, género y otras opresiones como aspectos que constituyen no solo las singularidades que se muestran en sus historias de vida, sino también en los elementos que orbitan. como identidad colectiva brasileña.

Palabras-clave:
Psicología Social; Interseccionalidad; Memoria; Narración; Mujeres Negras

Abstract

The work aims to discuss the importance of including black women in productions of Social Psychology and Critical Theory, as a study of production of memory and science. We put Carolina Maria de Jesus and Slam poets on stage narrating a Brazil from the margins, of resistance against epistemicide and of opposition to preconceived ideas about our history. In dialogue with Carolina's diaries and the Slam women, authors from Critical Theory, Social Psychology, and Black Feminism build the narrative. We use intersectionality as a lens for analyzing the experiences narrated by the authors, understanding the intersection between race, class, gender, and other oppressions as aspects that constitute not only the singularities that are shown in their life stories but also in the elements that orbit as a Brazilian collective identity.

Keywords:
Social Psychology; Intersectionality; Memory; Narration; Black Women

Introdução

E, como a memória esquece, surge a necessidade da invenção. (Conceição Evaristo)

Quanto de memória a palavra pode carregar e que experiências a narração é capaz de sustentar? Em Becos da Memória, Conceição Evaristo (2017Evaristo, C. (2017). Becos da Memória. Pallas.) caracteriza o seu texto como um lugar onde a escrita e a vida são indissociáveis. Não por acaso, a autora escreve sobre a escrevivência, em que as memórias de uma pessoa, podem abarcar outras tantas memórias. Para Evaristo, a memória é prenhe de sentidos, de luta resistente e de reivindicação de humanidade.

Neste trabalho partimos desse mesmo lugar. De histórias cujas narrativas se aproximam de tal forma que dão a impressão de serem fios de uma mesma tessitura, cuja trama e tonalidade revelam um enredo marcado por violências e abandonos, como se na memória de uns coubessem a memória de muitos, estejam longe ou perto, vivos ou mortos. Escrituras cujas palavras revelam experiências de grupos que apresentam uma narrativa de abandono histórico, que têm a fome e o racismo como faces perversas da violência sistemática contra os corpos que são tão úteis quanto descartáveis.

Nesse sentido, apresentam-se palavras que tecem narrativas montadas a partir de tramas nas quais as memórias e a ficção se enredam, nas tensões entre o particular e o universal. Um esforço de entrelaçamento entre o que se quer falar e o que se pode deixar perder-se no esquecimento, formando um espaço-tempo em que a invenção encontra uma possibilidade de existir nas vozes das que buscam, apesar das violências, fazerem-se ouvidas. É importante dizer de antemão que não se trata, em nenhuma circunstância, de um texto sobre objetos, mas sobre aquilo que Fred Moten (2023Moten, F. (2023). Na quebra: a estética da tradição radical preta. Crocodilo; n-1 Edições.) chamou de “resistência do objeto” que, por sua vez, tem uma relação direta com a observação sensível que este pensador faz acerca do processo de escravização e comercialização de pessoas negras como mercadorias ou bens móveis, assim como a construção de um imaginário sobre suas inferioridades e impossibilidades de falar, que embora fosse extremamente violento e aniquilador não conseguiu exterminar a existência negra, que seguiu em sua instância de resistência ou objeção. Uma resistência que forjou sua própria subjetividade e pessoalidade.

Para o desenvolvimento desta reflexão, promovemos uma articulação entre o Feminismo Negro e a Teoria Crítica da Sociedade, tendo Quarto de Despejo e Diário de Bitita, de Carolina Maria de Jesus1 1 Carolina Maria de Jesus escreveu 6 livros: Quarto de Despejo: diário de uma favelada (1960); Casa de Alvenaria (1961); Provérbios (1963); Pedaços da fome (1963); Diário de Bitita (1986); Antologia pessoal (1996) e Meu estranho diário (1996), distribuídos entre diversos gêneros literários. Também se dedicou à composição, tendo sua obra musical recentemente recuperada e lançada em plataformas digitais. , e as poesias das poetas negras do slam como nossos guias nesta empreitada. A expectativa é a de que se possa evidenciar as vozes que ecoam desde as margens das cidades, que crescem e rompem com as máscaras do silenciamento imposto à força pelos autoproclamados donos da prerrogativa da fala e, portanto, da prerrogativa de se imporem enquanto sujeitos que falam de si em primeira pessoa (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da Plantação. Cobogó.).

Além disso, faremos uso da interseccionalidade como teoria social crítica como ferramenta de análise, cuja origem remonta ao esforço de compreensão de fenômenos sociais complexos, na medida em que nos adverte para o risco de colisões que podem surgir no entrecruzamento de “avenidas identitárias” relativas à classe, ao gênero e à raça, além da importância da observância de elementos da cultura, da história, da economia e da política como imprescindíveis em nossas análises sobre a questão da mulher negra em nossa sociedade (Akotirene, 2019Akotirene, C.. (2019). Interseccionalidade. Pólen.).

No entanto, a interseccionalidade não deve ser vista aqui como uma ferramenta de natureza meramente analítica e intelectual, na medida em que se busca, a partir de seu uso, produzir mudanças que causem impacto nas relações entre os sujeitos e destes com a sociedade. Uma análise tecida em uma práxis crítica. De acordo com Patricia Collins e Sirma Bilge (2021Collins, P. H. & Bilge, Selma. (2021). Interseccionalidade. Boitempo.), “a interseccionalidade como práxis críticas requer o uso do conhecimento adquirido por meio da prática para orientar ações subsequentes na vida cotidiana. A solução de problemas está no cerne da práxis da interseccionalidade” (p. 66).

Tendo sido desenvolvida no coração do movimento feminista negro, a interseccionalidade ajuda a evidenciar a condição de vulnerabilidade social e econômica na qual as mulheres negras e pobres foram histórica e sistematicamente colocadas e mantidas. É um trabalho, portanto, sobre vozes de mulheres negras e periféricas, reconhecendo-as em suas reivindicações de existência e sobretudo de denúncia diante da noção distorcida de humanidade que exclui, violenta, silencia e mata. Vozes que ecoam desde as margens das cidades e não devem ser vistas pura e simplesmente como gritos pelo direito de fazer parte de uma sociedade adoecida, mas pela necessidade, de um lado, de não assentir a um pacto social perverso, ao mesmo tempo em que clamam pela reconstrução de um laço social que não se converta em um nó no pescoço de uma parte da população empobrecida e não, coincidentemente, negra. Vozes como a da escritora Carolina Maria de Jesus e das jovens poetas do slam, Midria Pereira, Sabrina Azevedo e Tawane Theodoro, que se conectam à medida que trazem das margens o ecoar de fortes vozes negras femininas.

Carolina Maria de Jesus: a voz pulsante do Canindé

Carolina Maria de Jesus, escritora negra, nasceu em Sacramento, em Minas Gerais, em 1914. Neta de escravizados, Carolina traz em seu Quarto de Despejo: diário de uma favelada (2014a) relatos de suas experiências na Favela do Canindé, em São Paulo. Lá morou com seus filhos em um barraco construído, com suas próprias mãos, com materiais encontrados pelas ruas da cidade e, dessa maneira, consideramos que Carolina escrevia sobre suas memórias ao mesmo tempo em que se abrigava nas memórias das ruas da capital paulista.

Essas memórias narradas em seus livros cresceram abrigadas em tantas outras histórias representadas pelos objetos recolhidos nas ruas e que, ao serem tocados por Carolina, comporiam a sua própria memória, fossem estes objetos usados na construção do seu barraco ou lhe servindo de esteio sobre o qual sua obra se materializaria. Muito diferente, por sua vez, do destino dos chamados “objetos fora de uso” que os favelados representavam para a parte privilegiada da cidade. Objetos cujo destino certo é o quarto de despejo: “[s]ou rebotalho. Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo”. (Jesus, 2014aJesus, C. M. (1960/2014a). Quarto de despejo: diário de uma favelada. Ática., p. 37)

Carolina misturava, em suas narrativas, memórias de sua vida na capital paulista ao mesmo tempo em que revelava a história “não oficial” de um Brasil pensado a partir das margens. De acordo com Ecléa Bosi (2003Bosi, E. (2013). O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. In A substância social da memória (pp. 13-48). Ateliê Editorial. ) os velhos, as mulheres, os negros, os trabalhadores manuais, camadas da população excluídas da história ensinada na escola, tomam a palavra. A história que se apoia unicamente em documentos oficiais, não pode dar conta das paixões individuais que se escondem atrás dos episódios. (p. 15)

As palavras de Carolina, conforme narradas em seu Quarto de Despejo, são traços reveladores daquilo que restou como resultado das experiências violentas do sujeito diante do racismo e da fome inclementes. Nelas, a autora relata o seu cotidiano junto aos filhos em um barraco situado às margens do Rio Tietê, de onde ela escreve, se servindo das percepções de sua “visão periférica” sobre as contradições que observa na cidade-jardim, sendo a favela a materialização dessas mesmas contradições, oscilante entre o desprezo dos pobres e o seu reconhecimento enquanto um mal tão útil quanto descartável: “[o]h! São Paulo que ostenta vaidosa a tua coroa de ouro que são os arranha-céus. Que veste viludo2 2 Na leitura de algumas críticas da narrativa carolineana, defende-se a manutenção da sua escrita como nos originais por esta ser uma “forma peculiar de um discurso literário em que o processo da escrita precisa ser pensado para além do que a gramática, os dicionários, os livros escolares, os mestres da língua portuguesa, o sistema de ensino da língua e a escola permitem e oferecem” (Evaristo & Eunice, 2021, p. 12), também como uma expressão do pretuguês falado no Brasil, termo cunhado por Lélia Gonzalez, para se referir aos traços dos povos africanos na língua portuguesa (Dias, 2019). Neste trabalho, optamos pela manutenção da escrita de Carolina tal como aparece nas obras publicadas, bem como pela manutenção da transcrição das batalhas de slam tal como feitas pelas slammers, com permanência das marcas de oralidade. e seda e calça meias de algodão que é a favela” (Jesus, 2014aJesus, C. M. (1960/2014a). Quarto de despejo: diário de uma favelada. Ática., p. 41).

Carolina em sua “escrevivência” revela os fragmentos da vida dos favelados que, por vezes, protestavam por serem referenciados em seus escritos. Sujeitos que, com ela, são reiteradamente reduzidos à condição de dejetos (urb)(hum)anos, rebaixados e desconsiderados em sua dignidade pela barbárie defendida como marca de civilidade. Nesse sentido, o Quarto de despejo é uma narrativa que apresenta outra perspectiva diante da história “oficial”, dos vencedores (Benjamin, 2012bBenjamin, W.. (1940/2012b). Sobre o conceito da história. In Obras escolhidas I: magia, técnica, arte e política (8a ed., pp. 241-252). Brasiliense.), dos colonizadores e exploradores de gente, na medida em que faz um furo no discurso hegemônico, produzindo escavações nos jardins da cidade e promovendo o deslocamento das vozes das margens para o centro das reflexões sociais.

Se concordarmos com Walter Benjamin (2012bBenjamin, W.. (1940/2012b). Sobre o conceito da história. In Obras escolhidas I: magia, técnica, arte e política (8a ed., pp. 241-252). Brasiliense., p. 242), para quem “sem dúvida, somente a humanidade redimida poderá apropriar-se totalmente do seu passado”, a condição de contadora de histórias de Carolina, que não toma a história dos vencedores como a definitiva, que considerava os relatos dos “pequenos” e dos “grandes”, em sua concorrência e devida apreensão do passado, é preciso também considerar que sua escrita se torna um elemento potencialmente redentor na medida em que traz à tona a verdade dos vencidos, que a história oficial tenta violentamente abafar.

Sobretudo porque o texto de Carolina promove um reposicionamento das vozes silenciadas pelo discurso dos vencedores, posto que o clamor dos vencidos morreu junto com seus donos, cabe aos que escaparam a missão de fazer ecoar o clamor dos derrotados nos ouvidos de suas futuras gerações, (re)fazendo e acrescentando novas matizes à história dita hegemônica. Suas palavras promovem o encontro de vozes dissonantes, rotuladas pela raça, classe, gênero e outros marcadores sociais que separam as vozes audíveis das inaudíveis e, portanto, produtoras de narrativas críveis e não críveis.

“O contador de histórias tira o que conta da sua própria experiência ou da que lhe foi relatada por outros. E ele, por sua vez, o transforma em experiência para aqueles que escutam sua história” (Benjamin, 1936/2018, p. 26). Ao lermos a narrativa de Carolina, nos colocamos como “ouvintes” de seu relato; desfrutamos de sua companhia através da sua narração (Benjamin, 2018); compartilhamos das suas percepções diante do racismo e da fome, da sua condição de mulher negra, pobre, catadora de papel, mãe solo de três filhos que dela dependiam, tanto material quanto afetivamente. Ao lermos as violências narradas por Carolina, observamos as experiências de uma mulher negra e pobre brasileira, despejada nas margens da capital paulista junto com o lixo produzido pela cidade. Seu texto nos chega como uma convocação, na medida em que pretende, para além de um compartilhamento de experiências, ir ao encontro das nossas próprias experiências e, nesse sentido, é uma escrita que fortalece os laços sociais que as violências querem esgarçar.

A condição social e econômica da mulher negra em nossa sociedade revela a presentificação de uma história de desumanização sistemática que remonta aos períodos da escravização, o qual perdurou no país por mais de três séculos. Período em que as mulheres negras foram reduzidas à condição de objetos de uso laboral, sexual e doméstico. Destituídas do papel de maternagem e rebaixadas à condição de matrizes de reprodução de outras mercadorias de compra e venda, antes por ela chamados de filhas e filhos (Davis, 2016Davis, A. (2016). Mulheres, raça e classe. Boitempo.). O período da pós-abolição não tornou as mulheres negras menos objetificadas. Ainda hoje, aspectos referentes à sua sexualidade super aflorada, aos seus dotes naturais para o trabalho doméstico e para os cuidados dos filhos alheios são crenças violentamente difundidas e sustentadas (CarneiroCarneiro, S... (2019). Gênero e raça na sociedade brasileira. In Escritos de uma vida (pp. 150-184). Pólen., 2019Carneiro, S. (2023). Dispositivo de racialidade: a construção do Outro como não ser como fundamento do ser. Zahar.; Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (1983/2020). Racismo e sexismo na cultura brasileira. In Por um feminismo afro-latino-americano (pp. 75-93). Zahar.).

Carolina reafirma o seu lugar de narradora, de contadora de histórias - de contadora da nossa história. Daquela que, com suas memórias, é capaz de relatar as experiências que vivenciou e, nessa contação, oferecer subsídio para a construção de mais experiências para aqueles que as acessam, transmitindo palavras que podem ser passadas de geração em geração, como provérbios oportunos, se voltando contra a pobreza de experiência latente a qual Benjamin (1933/2012a) denunciava em seus escritos sobre a narração.

Observamos, assim, que o processo de rebaixamento social investido contra a mulher negra ainda hoje perdura, seja na forma de exclusão social e econômica, nos altos índices de agressão e morte relacionada à violência doméstica e no silenciamento de suas vozes na literatura ou no espaço acadêmico. Nesse sentido, entendemos ser o texto de Carolina Maria de Jesus uma fusão bem-sucedida entre a invenção e as experiências violentas impostas pelos donos da história oficial, que julgam os que estão às margens como incapazes de produzir conhecimento válido sobre as memórias do mundo. Uma forma sofisticada de aplicação do que Walter Benjamin descreveu como a “destruição da barreira entre a escrita e a imagem”. (Benjamin, 2017Benjamin, W. (2017). Ensaios sobre Brecht. Boitempo., p. 93). Conhecimento considerado não válido na medida em que coloca em xeque a fantasia de civilização sustentada pelas parcelas historicamente míopes em relação aos seus próprios privilégios. Carolina e seu Quarto de despejo, ambientado nos idos de 1950, quando já era mulher adulta e mãe, revela-se como a continuação de uma história de violências sofridas desde a infância, tratada de forma mais específica, em um outro livro, Diário de Bitita (2014b).

Remontando à história da sua infância em Sacramento, quando ainda era chamada de Bitita por familiares e amigos, Carolina traz em seu Diário de Bitita nuances intensas de uma realidade fortemente marcada pelos traços do regime escravocrata em nosso país. No escrito, em forma de memórias de família, de escola e de infância, ficam evidentes as marcas de uma socialização intensamente marcada pelo racismo e pelas injustiças dele decorrentes, latentes em sua percepção de mundo desde seus primeiros anos de vida. Jesus (2014bJesus, C. M. (1986/2014b). Diário de Bitita. SESI/SP Editora.) narra: “os brancos, que eram donos do Brasil, não defendiam os negros. Apenas sorriam achando graça de ver os negros correndo de um lado para outro. Procurando um refúgio, para não serem atingidos por uma bala” (p. 58).

Contrapondo-se à história oficialmente contada de nosso país, Carolina reafirma o seu lugar de contadora de histórias, de contadora da nossa história. Daquela que, com suas memórias, é capaz de relatar e oferecer subsídios para a (re)construção de experiências para aqueles que as acessam, transmitindo palavras de valor geracional, como provérbios oportunos, se voltando contra a pobreza de experiência latente a qual Benjamin (2012aBenjamin, W.. (1933/2012a). Experiência e pobreza. In Obras escolhidas I: magia, técnica, arte e política (8a ed., pp.123-128). Brasiliense.) denunciava em seus escritos sobre a narração.

Ao nos encontrarmos com a obra de Carolina, para alguns de nós mais tardiamente do que gostaríamos e isso não por acaso, nos perguntamos: quem são e de onde vêm essas vozes femininas negras que ocupam os espaços margeados de nossa sociedade? Qual a origem dessas histórias que se reproduzem hoje, assim como ontem, em condições de subalternidade, silenciamento e não-reconhecimento, mas, também, de resistência e anseio por pertencimento? Como se manifestam essas mulheres que saem das notas de rodapé da história para revelar narrativas que não foram contadas pelas vozes brancas, as quais detém toda a autoridade e verdade pressuposta?

Em uma tentativa de responder a essas questões, Saidiya Hartman procurou narrar uma história impossível (devido à falta de registros) a partir dos arquivos da escravidão atlântica, relacionada a uma jovem a quem chamou de Vênus (nome escolhido por Hartman para referir-se não apenas à garota morta a bordo do navio escravista Recovery, mas também a tantas outras mulheres negras violentadas e cujas vidas foram apagadas ao longo da história), e escreveu: “sua história, contada por um testemunho falho, é extemporânea. Seriam necessários séculos para que lhe fosse permitido ‘soltar a língua’” (Hartman, 2022, p. 106).

Mesmo localizado na outra ponta do Caribe, e no momento do auge escravista, Carolina, ao relatar sua infância, nos mostra que os indícios e resquícios dessa escravidão ainda estão presentes. Ela lembra em seu diário: “minha mãe me dizia que o protesto ainda não estava ao dispor dos pretos. Chorei. Olhei as minhas mãos negras, acariciei o meu nariz chato e o meu cabelo pixaim e decidi ficar como nasci” (Jesus, 2014bJesus, C. M. (1986/2014b). Diário de Bitita. SESI/SP Editora., p. 137). É latente que reafirmou sua identidade “ficando como nasceu”, para nos valermos de suas palavras que ratificam a necessidade de tornar-se negra, de ir de encontro à destruição da identidade da violência racista em uma sociedade que é branca em sua classe, ideologia, estética e comportamento, de validar a necessidade de estabelecimento de um discurso próprio sobre si (Souza, 1983Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro (Coleção Tendências). Graal.). Mas não somente isso, Carolina também transformou cada uma de suas palavras em possibilidades de protesto contra as opressões e silenciamentos colocadas como dadas, reafirmando uma posição de autodefinição tão necessária à autonomia das mulheres negras (Collins, 2019Collins, P. H. (2019). Pensamento feminista negro. Boitempo.).

As histórias de Carolina sobre sua infância, em Diário de Bitita, escancaram a necessidade de uma fala que rompa com as condições de desumanização e subalternização tratadas como eventos naturais, em vez de socialmente construídos ao longo da história, e ofereça condições de possibilidade de elaboração das dores que, historicamente, se assomam à condição da mulher negra, numa luta contra o esquecimento das feridas que ainda hoje latejam em nossa sociedade (hooks, 2019hooks, bell (1989/2019). Erguer a voz. In Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra (pp. 30-39). Elefante.)3 3 A intelectual estadunidense bell hooks, pseudônimo de Gloria Jean Watkins, tem seu nome grafado em letras minúsculas por considerar que o mais importante em sua produção é a substância daquilo, não quem ela é, num deslocamento da figura autoral para as suas ideias. .

Em um contexto em que a principal missão da mulher negra é manter-se viva, essas vozes emergem, como uma lancinante força de comunicabilidade, como uma fratura do quadro que reiteradamente denega o reconhecimento das mulheres negras na forma de opressões duplas, triplas ou até mesmo quádruplas (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da Plantação. Cobogó.). É na escrita dos diários em primeira pessoa, contando o cotidiano vivido ou rememorando o passado, que as palavras de Carolina se encontram com a enunciação de uma voz que deseja pertencer a si mesma e manter-se no presente.

Para além das políticas de dominação e ameaça, as narrativas de Carolina nos permitem vislumbrar a expressão de sentimentos de injustiça e, também, os vislumbres de emancipação que são característicos da manifestação das vozes em primeira pessoa (Ciampa & Lima, 2017Lima, A. F. & Ciampa, A da C. (2017). “Sem pedras o arco não existe”: o lugar da narrativa no estudo crítico da identidade. Psicologia & Sociedade, 29, e171330. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2017v29171330
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2017v2...
). Falas como as de Carolina nos defrontam com narrativas que rompem com a tendência à coisificação, possibilitando uma partilha do sensível que, mais do que uma categoria estética, é uma necessidade existencial daquele que tem a sua possibilidade de expressão historicamente tolhida:

fazer a transição do silêncio à fala é, para o oprimido, o colonizado, o explorado, e para aqueles que se levantam e lutam lado a lado, um gesto de desafio que cura, que possibilita uma nova e um novo crescimento. (hooks, 2019hooks, bell (1989/2019). Erguer a voz. In Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra (pp. 30-39). Elefante., p. 38)

E, para que esta libertação ocorra efetivamente, é necessário que o passado que persiste na memória seja elaborado. Assim como Theodor Adorno (1995Adorno, T.. (1960/1995). O que significa elaborar o passado. In Educação e emancipação (pp. 29-50). Paz e Terra. ) conclui que a persistência dos pressupostos objetivos que geraram o fascismo é a responsável pela sobrevivência de modos de vidas e estruturas sociais fascistas e pelo insucesso da elaboração do passado, podemos refletir sobre as condições que persistem na manutenção dos pressupostos que permitiram a escravização de milhares de sujeitos, sejam eles mantidos subjetiva ou objetivamente, nos nossos valores e nas nossas instituições. Uma elaboração total do passado só se torna possível quando são eliminadas as causas geradoras das opressões, rompendo com um encantamento em relação ao passado, a exemplo da permanência do racismo nos mais diversos elementos de nossa realidade social em decorrência da estrutura que sustenta a sua manutenção, como alerta Silvio Almeida (2019Almeida, S.. (2019). Racismo estrutural. Pólen.).

Cada relato de Carolina sobre a sua condição de vida - desde a sua infância empobrecida em Sacramento até a experiência na favela do Canindé - é uma confirmação dos resquícios do regime escravocrata que marcou a história do nosso país e segue sem uma elaboração efetiva, sem uma ação reparadora na direção daqueles que foram injustiçados (Almeida, 2019Almeida, S.. (2019). Racismo estrutural. Pólen.). De modo geral, toda expressão em primeira pessoa de Carolina demonstra que “o passado de que se quer escapar ainda permanece muito vivo” (Adorno, 1995Adorno, T.. (1960/1995). O que significa elaborar o passado. In Educação e emancipação (pp. 29-50). Paz e Terra. , p. 29). É o passado que se presentifica no genocídio da população negra e persiste como realidade em um país no qual se não se morre fisicamente, se é dilacerado simbolicamente com a negação da possibilidade de uma existência digna, já que, neste contexto social, “só os brancos são considerados brasileiros” (Jesus, 2014bJesus, C. M. (1986/2014b). Diário de Bitita. SESI/SP Editora., p. 123). Sobre a permanência desse passado, Carolina rememora seus questionamentos sobre raça e a forma como eles afetaram a constituição de sua forma de pensar:

o soldado que matou o nortista era branco. O delegado era branco. E eu fiquei com medo dos brancos e olhei para a minha pele preta. Por que será que o branco pode matar o preto? Será que Deus deu o mundo para eles? (Jesus, 2014bJesus, C. M. (1986/2014b). Diário de Bitita. SESI/SP Editora., p. 116)

Carolina em luta material e simbólica pelo reconhecimento das experiências de desrespeito social, vê confrontado o seu status de cidadania das mais diversas formas: uma mulher preta interpelada pelos sentimentos de injustiça. A obra de Carolina nos confronta com a manifestação das experiências de injustiça fora do campo de expressão dominante e institucionalizado (Honneth, 2003Honneth, A. (2003). Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Editora 34. ), ainda que, se valendo da literatura, a catadora de histórias utilize da linguagem oral, dos traços de sua percepção cotidiana, para a construção de obras que vão de encontro ao cânone, que subvertem a linguagem evidenciando as marcas do pretuguês em nossa formação nacional (Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (1983/2020). Racismo e sexismo na cultura brasileira. In Por um feminismo afro-latino-americano (pp. 75-93). Zahar.).

Foi com estes questionamentos sobre a injustiça racial e a desigualdade social ocultas em nosso país, que Carolina construiu uma das mais intensas obras sobre a realidade nacional, trazendo à baila questões que permanecem como latentes para pensarmos a formação social do Brasil, a partir de uma história que não seja contada pelos vencedores e sim escovada à contrapelo, como nos ensinou Benjamin (2012aBenjamin, W.. (1933/2012a). Experiência e pobreza. In Obras escolhidas I: magia, técnica, arte e política (8a ed., pp.123-128). Brasiliense.). Uma história colhida das vozes das catadoras e contadoras de história que, artesanalmente, em cada tessitura, nos revelam mais do que os documentos oficiais poderiam (Bosi, 2003).

Acreditamos que o legado de Carolina Maria persiste em cada palavra de uma mulher negra oprimida pelas violências, negações e rebaixamento social e histórico. Sua existência resiste nas vozes das mulheres que se erguem através das palavras, sejam elas escritas, sejam elas proferidas em forma de um texto nascido das entranhas de seus corpos e proclamadas em voz alta. E que, embora muitas vezes possa se manifestar a partir de uma voz aparentemente solitária, representa muito mais do que a experiência de apenas uma. Representa um grito de natureza coletiva que se ergue a partir das margens, a quem neste trabalho chamamos de vozes Carolinas.

As vozes Carolinas do Slam

Assim como Carolina viveu às margens do rio Tietê na Grande São Paulo, tantas outras Carolinas, Antônias, Marias ainda vivem por lá e outras pelas margens daqui. Vozes de jovens negras que acordam todos os dias com diversos leões - a fome, o racismo, a desumanização - a matar. Sobre a vida na periferia, a qual Carolina relatou em seus livros, talvez quase nada tenha mudado, ou talvez até tenha se tornado ainda mais dura para as jovens Carolinas das periferias das capitais brasileiras. A guerra às drogas, o genocídio de jovens negros, as altas taxas de feminicídio, a falta de acesso aos serviços básicos de saúde, educação e moradia, são apenas alguns dos elementos que assolam o dia a dia dessas jovens e tornam o seu existir ainda mais difícil.

Diante de tantas mazelas, dor e sofrimento, é necessário pensar formas de reexistir. Ressignificar pela palavra, seja ela oral ou escrita, tem sido, para o povo negro, um legado de enfrentamento diante do horror e da desumanização. Nesse sentido, as expressões artísticas, tais como a música, a dança e a poesia, têm sido, para muitas jovens negras, um espaço possível de afetividade e resistência, sendo o slam um desses espaços de ressignificação pela palavra. Palavra sensível e potente, em contraposição à terra arrasada que as violências cotidianas impõem.

Nesse ponto, uma narrativa da derrota pode se deslocar para uma zona de possibilidades abertas, onde além das denúncias e reposicionamentos das imagens convencionais dos dominadores, é possível até vislumbrar florescimentos e ações até então não pensadas: (re)montagem do tempo e (re)ocupação dos espaços vencidos. (Lima, 2023Lima, A. F. (2023). Escutar o que foi silenciado, ler o que nunca foi escrito e escrever sobre narrativas impossíveis: fabulação crítica e insurgência à morte do narrador. In A. F. Lima & Y. Rosa-Rodriguez (Orgs.), Caminhos da pesquisa de Gênero e Sexualidade: perspectivas da América Latina e Caribe. Sulina (no prelo)., p. 15)

A poetry slam (batalha de poesia) surgiu na década de 80, nos Estados Unidos e teve como objetivo tensionar o lugar da poesia e retirar os limites vigentes de que está só seria possível e acessível a um determinado grupo social, historicamente mais abastado e letrado, e ao espaço acadêmico.

O slam é reconhecido como um movimento social, cultural e artístico que tem sido utilizado como plataforma para criar espaços nos quais a manifestação da livre expressão poética, do livre pensamento e a coexistência em meio à diversidade são experienciados como práticas de cidadania. (D’Alva, 2019D’Alva, R. E. (2019). SLAM: voz de levante. Rebento, São Paulo, 10, 268-286. , p. 270)

Chega ao Brasil em 2008, por meio da Zona Autônoma da Palavra (ZAP), idealizada por Roberta Estrela D’Alva, uma mulher negra, slammer, pesquisadora e atriz, e realizado pelo coletivo artístico Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, em São Paulo. Hoje, com mais de dez anos de existência, pode-se perceber que foi um movimento que cresceu de maneira rápida, pois na edição do Slam BR4 4 Slam Br: campeonato nacional de poesia falada, organizado pelo coletivo de teatro hip-hop Bartolomeu de Depoimentos, que acontece anualmente desde 2014, em São Paulo. 2018, a organização do evento mapeou cerca de 150 comunidades de slams espalhadas pelos diversos estados do Brasil. Os slams, que ocorrem em espaços públicos e culturais, têm características próprias do lugar onde ocorrem, mas, de forma geral, consistem em apresentações orais de poesias autorais de, no máximo, 3 minutos, nas quais pode haver competições entre as/os poetas.

Existem slams que são dedicados exclusivamente à participação de mulheres (cis e trans), pois se reconhece a importância da criação de espaços seguros e específicos, onde as mulheres, em especial as mulheres negras, possam compartilhar suas experiências atravessadas por diversos marcadores sociais que as capturam, maltratam e subjugam desde o nascimento. É nesse ambiente seguro que suas dores individuais podem ser compartilhadas e cuidadas coletivamente. Onde a história de uma conta a de muitas outras, e é em meio a esse cenário que através das divulgações do Slams das minas, no Youtube, que nos deparamos com as vozes e poesias de tantas mulheres negras, como Midria Pereira, Sabrina Azevedo e Tawane Theodoro, jovens poetas que, em suas rimas, narram histórias sobre experiências que promovem um tensionamento na dita história oficial.

Como exemplo disso, a slammer Midria Pereira (2019Pereira, M. (2019,13 fevereiro). Eu sou a menina que nasceu sem cor.) inicia, em seu poema, A menina que nasceu sem cor, afirmando:

Eu sou a menina que nasceu sem cor, porque nasci em um país sem memória, com amnésia, que apaga da história todos os registros de símbolos de resistência negra, que embranquece a sua população e sua trajetória a cada brecha. Onde a miscigenação, calcado no estupro das minhas ancestrais. Na posse de corpos que nasceram para serem livres. (Pereira, 2019Mídria Pereira [Vídeo] (2019). You tube: A menina que nasceu sem cor (Poesia Completa) - Midria - YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=Vy0Colqv_a0
https://www.youtube.com/watch?v=Vy0Colqv...
, 3:01 min., on-line)

Que memórias podemos produzir sobre a nossa história se vivemos em um país com amnésia seletiva? Como construir ou resgatar uma memória, se parte dos documentos “se perderam”? Amnésia premeditada, calculada e perversamente desenvolvida, feita para destruir a parte dos relatos que transformariam os “vencedores da história” em uma turba de violentadores e assassinos. Mas, a despeito de toda falta de registo, a tradição da oralidade se impôs, vencendo as torturas e o tempo.

A poesia dessas mulheres aparece como uma necessidade de afirmação da existência. Ela cria esperanças e sonhos de resistência, “primeiro como linguagem, depois como ideia e então como ação mais tangível” (Lorde, 1977/2020a, p. 47). O que teria sido da noção de ancestralidade se não fosse a contação de histórias, as narrativas dos e das que vieram antes? Não foram, e ainda não são, uma mera tradição popular, mas uma necessidade básica de (re)existência, diante das muitas tentativas de silenciamento, de tantas mordaças, castigos e apagamentos reais e simbólico. Contar as histórias dos que viveram antes, denunciar as violências que nos afligiram e afligem, segue como forma de permanecer vivo, de não se esquecer de si, de conjugar o verbo esperançar por dias de maior liberdade.

A poesia falada é uma herança cultural, é a memória deixada pelos ancestrais e é nessa oralidade que construímos a “crônica do cotidiano” (Bosi, 2003), é por meio dela que podemos ter acesso àquilo que os livros de História não se propõem a alcançar. O cotidiano, a emoção, a relação, o sentimento, as entrelinhas, a história a partir do lugar de quem foi violentado e silenciado. Isto é a base da construção dessa poesia ancestral.

O campo da poesia e o movimento do slam proporcionam um espaço onde mulheres negras podem falar de si, trazer à tona suas narrativas que há muito foram silenciadas. Aparecem nessas poesias as experiências interseccionais do cotidiano, a jornada dupla de trabalhadora e mãe, a violência do Estado que encarcera e mata seus pais, filhos, primos, irmãos, sobrinhos e companheiros. O medo do assalto, a sombra onipresente do estupro, o amor que, de tanto prender, virou um nó abusivo onde deveria haver um laço de cuidado mútuo, a tentativa de se encaixar em um padrão de beleza social branco inalcançável, a hiperssexualização do seu corpo, bem como a alegria de passar em uma universidade pública, o sonho de conseguir se formar, a casa própria, o encontro com os amigos, o acolhimento de suas irmãs, a força para continuar a lutar, por si e pelos seus.

Para Sabrina Azevedo (2018aAzevedo, S.. (2018a). Pensei em tirar a minha vida, mas a poesia foi a minha salvação. Sabrina Azevedo. [Vídeo] YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=bwtaPC3sN7Q
https://www.youtube.com/watch?v=bwtaPC3s...
), em seu poema, Pensei em tirar a minha vida, é dessa forma que a poesia aparece, como lugar de consolo, de respiro e onde se encontra uma nova possibilidade de viver. Ela afirma:

Então cresci, embarquei num trem sem direção. Conflitos entravam em minha mente a cada estação. Tristeza, ansiedade, depressão, pensei em tirar a minha vida, mas a poesia foi a minha salvação. Mas uns amigos ficaram sozinhos no vagão, não tiveram outra opção, não conheceram a poesia. (Azevedo, 2018aAzevedo, S.. (2018a). Pensei em tirar a minha vida, mas a poesia foi a minha salvação. Sabrina Azevedo. [Vídeo] YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=bwtaPC3sN7Q
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, 00:58 min., on-line)

São narrativas de poesias cotidianas, em que uma ou muitas podem se identificar. Como comenta Audre Lorde (2020aLorde, A. (1977/2020a). A poesia não é luxo. In Lorde, A. Irmã outsider: ensaios e conferências (pp. 245-249). Autêntica., p. 46), “falo aqui da poesia como destilação reveladora da experiência, não do estéril jogo de palavras”, como podemos perceber nos versos de Sabrina. A poesia aparece porque o silêncio deixa um nó tão grande na garganta que pode tirar o ar. Ela dá um sentido novo a experiências antigas, cria memória, ressignifica, reescreve uma nova história a partir de uma autoria própria. Uma história que não é única, porque existe perigo em histórias únicas, como já nos alertou Chimamanda Adichie (2019Adichie, C. N.. (2019). O perigo da história única. Companhia das Letras.), mas que não tem a pretensão de se impor enquanto verdade absoluta. Uma história que, embora tratada como não oficial, visto que “não coube” nos registros, segue sustentada pela pele, na memória e na oralidade que precisa incessantemente ser resgatada.

O slam, para além de um espaço de fala, declamações e performances de poesias, também é um espaço de escuta. E isso o faz mais potente. A escuta torna-se tão atenta, que como afirma Benjamin (2018Benjamin, W. (1936/2018). O contador de histórias. In A arte de contar histórias (pp. 19-58). Hedra.), o ouvinte se conecta tanto à narrativa que esquece um pouco de si, a ponto de absorver a história e conseguir narrá-la a outro. É por isso que os ensinamentos dos slams não são contidos nos livros, eles ultrapassam bairros, vão de boca em boca, de ouvido em ouvido, de coração em coração, de corpo em corpo, de cidade em cidade. É um movimento vivo de narração que traz ensinamentos que nenhuma teoria dá conta, tendo em vista que é dessas realidades que as teorias deveriam partir.

As poetas aparecem nesse momento como verdadeiramente educadoras: do mesmo modo que Carolina conta a história de um Brasil visto das margens, as jovens mulheres, Carolinas do slam, seguem fazendo denúncias de um Brasil narrado da e pela periferia. O genocídio do jovem negro, a dor das mães pretas que perdem os seus filhos para a violência, o medo e a desesperança. E tudo parece igual. E tudo se repete, como afirma Sabrina Azevedo (2018bAzevedo, S.. (2018b). Mocinho ou bandido. Sabrina Azevedo [Vídeo] Youtube < https://www.youtube.com/watch?v=LUWyI5iPlQ0 >
https://www.youtube.com/watch?v=LUWyI5iP...
) em um trecho de seu poema:

E ele disse “viu mãe, disseram que eu não chegaria aos 18, veja só, eu estou aqui, eu não tô morto”. Uma semana depois, um tiro de fuzil atravessou sua cabeça, mas pra quem entra pra essa vida, a morte é quase uma certeza. Sua mãe indo ao local achando que ele só tinha sido preso, sendo enganada, ela mal sabia o que esperava. Ela viu os miolos do seu filho espalhados naquele carro, o seu castelo caiu em pedaços. E o policial que matou ria, e do outro lado da rua alguém gritava ‘ele merecia’. Ninguém respeitava a dor que aquela mulher sentia. (Azevedo, 2018bAzevedo, S.. (2018b). Mocinho ou bandido. Sabrina Azevedo [Vídeo] Youtube < https://www.youtube.com/watch?v=LUWyI5iPlQ0 >
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, 00:4:00 min., on-line)

A proposta inusitada do slam é que, na tentativa de democratizar a poesia e o conhecimento, ele vai tornando-se um espaço de compartilhamento seguro, de afirmação positiva do ser mulher negra, de construção de um discurso político e promotor de educação, traçando ensinamentos para as novas gerações. Uma educação que desperte o senso crítico e que mobilize o sujeito à ação, ou, nas palavras de Paulo Freire (1967/2021Freire, P. (1967/2021). Educação como prática de liberdade. Paz e Terra., p. 117), “uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política”.

Diante do constante aumento de violência contra a mulher e outras minorias políticas e da disseminação de ideais autoritários em nosso país, torna-se necessário pensar formas de luta e de ressignificação das diversas violências sofridas cotidianamente. Tomar a poesia como alicerce pode ser indicativo de alguns caminhos. Isso pode ser visto também na poética de Tawane Theodoro, slammer que em um de seus versos revela o poder que o slam proporciona para as novas gerações, que terão acessos a conteúdo e reflexões que outrora não chegavam à sua realidade. Theodoro (2018Theodoro, T. (2018). Receba delicadeza. ) recita:

E olha que eu só tenho 19 anos. E se já tô te incomodando desse jeito por querer derrubar seus privilégios e saber dos meus direitos. Pensa como a mais nova geração vai chegar com os dois pés no seu peito. Sem medo sabendo do que pode e do que é capaz. Sem essa de mulher não pode isso ou aquilo, se quer mina, vai e faz. E ninguém, ninguém tem o direto de te impedir. Então desculpa ‘memo’ parceiro, desculpa ‘memo’. É que nóis tá sem tempo de ficar escutando vocês reclamando. É que nóis tá mais ocupada se fortalecendo e nos empoderando. (Theodoro, 2018Tawane Theodoro [Vídeo] (2018) You Tube: Receba a delicadeza | Final Slam da Guilhermina 2018 - YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=9dbplr7d3uY
https://www.youtube.com/watch?v=9dbplr7d...
, 03:17 min., on-line)

A narração tem em si uma dimensão utilitária, como salienta Benjamin (2018Benjamin, W. (1936/2018). O contador de histórias. In A arte de contar histórias (pp. 19-58). Hedra., p. 24): “tal utilidade pode aparecer aqui numa moral, ali numa recomendação prática, ou ainda num provérbio ou numa regra de vida”. Esse movimento utilitário e de verdadeira sabedoria pode ser visualizado nos poemas das slammers. A poesia é carregada de denúncia, de recordações das histórias não contadas do Brasil, de relatos do cotidiano que são naturalizados pela mídia e de experiências de lutas e sobrevivência que só pela escuta atenta são possíveis de absorver. São poesias que trazem na experiência cotidiana o que os livros falam sobre colorismo, sexismo, interseccionalidade, violências de raça e de gênero. É a teoria viva acontecendo no agora, no corpo, na pele. E por isso arrepia, toca e educa.

Lorde nos alerta para o fato de que as “ferramentas do senhor nunca destruirão a casa-grande..., elas podem nos permitir superá-lo temporariamente em seu próprio jogo, mas nunca nos permitirão trazer à tona a transformação genuína” (Lorde, 2022Lorde, A. (1978/2020b). As ferramentas do senhor nunca destruirão a casa-grande. In A. Pedrosa, A. Carneiro, & A. Mesquita (Orgs.), Histórias afro-atlânticas: antologia (pp. 60-63). MASP., p. 62). É preciso inventar, afirmar de outra forma, como um negativo, com poesia, novas histórias. Tudo isso sem a pretensão de fechar nada. Hartman (2021Hartman, S. (2021). Vênus em dois atos. In Pensamento negro radical: antologia de ensaios (pp. 105-126). Crocodilo; n -1 Edições. ) fala em “começarmos a história de novo, como sempre, na esteira de seu desaparecimento e com a esperança desvairada de que nossos esforços possam devolvê-la ao mundo” (p. 125).

Assim acontece com o relato das poetas negras do slam. Não é um relato solitário e individual, é um relato de muitas, das que vieram antes e que nos deram base para o agora. Relatos que mais tarde serão a base para o entendimento daqueles para quem um dia seremos ancestrais. São essas vozes negras que, em forma de versos, também falam como e com Carolina.

Considerações finais

A escuta das vozes carolinas, seja por meio da literatura escrita ou da manifestação oral do slam, nos relembra que o apagamento também é uma forma de construção da memória, ainda que seja essa memória de uma história que se funda sobre os escombros da opressão. Essas vozes nos lembram que as fissuras emergem desses escombros e possibilitam o rompimento com o histórico silenciamento que escamoteou a violência de nossa fundação enquanto Estado.

As vozes entoadas tanto pelas mulheres que nos dão as mãos com sua literatura, como Carolina e as mulheres do Slam, como aquelas que nos oferecem suporte teórico a partir do Feminismo Negro, como Lélia Gonzalez e Angela Davis, por exemplo, nos alertam para a necessidade de que um aparato teórico, como a Teoria Crítica da Sociedade, esteja ciente de suas limitações - geográficas, de gênero, de raça e classe, entre outras - para uma compreensão das forças que regem uma sociedade desigual com opressões intercruzadas, como é a brasileira.

Além disso, a produção dessa memória imprime narrativas que contam a história de muitos, histórias essas de uma nação que sempre os colocou à margem, em posição de subalternidade e silenciamento. A despeito disso, são essas vozes que vêm produzindo os processos educativos e culturais que mobilizam grupos e comunidades e que apontam caminhos de resistência, possibilitam assim à Psicologia Social Crítica não só ampliar o arcabouço teórico metodológico que até então tem embasado seus estudos e práticas, como também uma tentativa de reparação de uma escuta que, por vezes, mostrou-se alheia às vozes dispostas nas periferias da sociedade.

Referências

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    » https://www.youtube.com/watch?v=9dbplr7d3uY

Notas

  • 1
    Carolina Maria de Jesus escreveu 6 livros: Quarto de Despejo: diário de uma favelada (1960); Casa de Alvenaria (1961); Provérbios (1963); Pedaços da fome (1963); Diário de Bitita (1986); Antologia pessoal (1996) e Meu estranho diário (1996), distribuídos entre diversos gêneros literários. Também se dedicou à composição, tendo sua obra musical recentemente recuperada e lançada em plataformas digitais.
  • 2
    Na leitura de algumas críticas da narrativa carolineana, defende-se a manutenção da sua escrita como nos originais por esta ser uma “forma peculiar de um discurso literário em que o processo da escrita precisa ser pensado para além do que a gramática, os dicionários, os livros escolares, os mestres da língua portuguesa, o sistema de ensino da língua e a escola permitem e oferecem” (Evaristo & Eunice, 2021Evaristo, C. & Eunice, V. (2021) Outras letras: tramas e sentidos da escrita de Carolina. In C. M. Jesus (Org.), Casa de alvenaria (pp. 7-23). Companhia das Letras. , p. 12), também como uma expressão do pretuguês falado no Brasil, termo cunhado por Lélia Gonzalez, para se referir aos traços dos povos africanos na língua portuguesa (Dias, 2019Dias, A. M. (2019). A escritora por detrás do estereótipo [Dissertação de Mestrado em Estudos de Literatura, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro/RJ). Neste trabalho, optamos pela manutenção da escrita de Carolina tal como aparece nas obras publicadas, bem como pela manutenção da transcrição das batalhas de slam tal como feitas pelas slammers, com permanência das marcas de oralidade.
  • 3
    A intelectual estadunidense bell hooks, pseudônimo de Gloria Jean Watkins, tem seu nome grafado em letras minúsculas por considerar que o mais importante em sua produção é a substância daquilo, não quem ela é, num deslocamento da figura autoral para as suas ideias.
  • 4
    Slam Br: campeonato nacional de poesia falada, organizado pelo coletivo de teatro hip-hop Bartolomeu de Depoimentos, que acontece anualmente desde 2014, em São Paulo.
  • Financiamento

    AFL: Bolsa de Produtividade CNPq PQ 1D (Processo: 314112/2021-9)
  • Aprovação, ética e consentimento

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2023
  • Revisado
    28 Set 2023
  • Aceito
    28 Set 2023
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