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Transplante cardíaco ortotópico pela técnica bicaval

Resumos

Há trinta anos tem sido empregada a técnica descrita por Lower e Shumway para o transplante cardíaco ortotópico, com bons resultados. Complicações, como estase venosa, formação de trombos, arritmias atriais e insuficiência das valvas tricúspide e mitral, estão presentes no pós-operatório tardio. A partir de 1995, passamos a utilizar a técnica bicaval em todos os casos (6 pacientes). Cinco eram do sexo masculino e a média de idades dos receptores era de 50,6 anos. A cardiomiopatia era dilatada e isquêmica em 2 casos cada, e chagásica e reumática nos demais. Três pacientes apresentavam operações prévias, sendo que um deles havia sido submetido a três operações de prótese valvar aórtica, o segundo a implante de marcapasso epimiocárdico definitivo, e o último a duas operações de revascularização do miocárdio associada a aneurismectomia de ventrículo esquerdo. A técnica cirúrgica consistiu, na maioria dos casos, na anastomose das veias pulmonares, em conjunto com o átrio esquerdo do coração a ser implantado e, a seguir, a da cava superior, inferior, do tronco pulmonar e aorta. Todos os doadores estavam em hospitais da cidade e com retirada múltipla de órgãos. Não tivemos óbito hospitalar e todos os pacientes estão vivos para um período de um a quinze meses de pós-operatório. Não houve diferença significativa quando se comparou as duas técnicas para o tempo de anóxia, tempo de C E C, tempo de implante, presença de taquiarritmias atriais, sangramento e permanência hospitalar. Houve diferença significativa (p<0,05) para a utilização de marcapasso temporário e presença de insuficiência tricúspide. Acreditamos que a técnica bicaval, além de reduzir o tamanho das cavidades atriais, é uma técnica simples, com índice menor de complicações e que poderá ser empregada com mais freqüência.

Transplante cardíaco; Miocardiopatia congestiva; Miocardiopatia chagásica


During almost 30 years the Lower and Shumway's technique for orthotopic heart transpantation has been performed with very good results. Complications like venous stasis, thrombus formation, atrial arrhythmias and also tricuspid and mitral regurgitation have been found in the late postoperative period. In 1995 we started to use the bicaval technique in all cases (6 patients). Five patients were male and the mean age was 50,6. Dilated and ischemic myocardiopathy was present in two cases in each group; Chagas' disease and rheumatic disease in others. Three patients had undergone prior surgeries; in one case three consecutive aortic valve replacement; in other one a definitive pacemaker implantation; and the last one had 2 myocardial revascularizations. The surgical technique in most cases consisted of the anastomoses of all the pulmonary veins with the left atrium of the donor followed by anastomoses of the superior and inferior vena cava, pulmonary artery and aorta. All donors were procured in city hospitals, and underwent multiple organ harvesting. There were no immediate postoperative deaths ; and at follow-up varying from 1 to 15 months all patients are alive. No significant differences in the both groups were observed for the anoxic time, extracorporeal circulation time, implantation time, atrial tachyarrhythmias, bleeding and the hospital discharge time. A significant difference was observed (p<0,05) for the temporary pacemaker utilized and for the tricuspid valve regurgitation. We believe that the bicaval technique besides reducing the atrial cavity, is a simple technique, with low complications and might be used more frequently.

Heart transplantation; Cardiomyopathy; Chagas' cardiomyopathy


Transplante cardíaco ortotópico pela técnica bicaval

Paulo CHACCUR, Jarbas J. DINKHUYSEN, Vinícius J. da Silva NINA, Camilo ABDULMASSIH NETO, Antoninho Sanfins ARNONI, Luiz Carlos Bento de SOUZA, Paulo P. PAULISTA

RBCCV 44205-347

Chaccur P, Dinkhuysen J J, Nina V J S, Abdulmassih Neto C, Arnoni A S, Souza L C B, Paulista P P - Transplante cardíaco ortotópico pela técnica bicaval. Rev Bras Cir Cardiovasc 1997; 12 (2): 145-52.

RESUMO: Há trinta anos tem sido empregada a técnica descrita por Lower e Shumway para o transplante cardíaco ortotópico, com bons resultados. Complicações, como estase venosa, formação de trombos, arritmias atriais e insuficiência das valvas tricúspide e mitral, estão presentes no pós-operatório tardio. A partir de 1995, passamos a utilizar a técnica bicaval em todos os casos (6 pacientes). Cinco eram do sexo masculino e a média de idades dos receptores era de 50,6 anos. A cardiomiopatia era dilatada e isquêmica em 2 casos cada, e chagásica e reumática nos demais. Três pacientes apresentavam operações prévias, sendo que um deles havia sido submetido a três operações de prótese valvar aórtica, o segundo a implante de marcapasso epimiocárdico definitivo, e o último a duas operações de revascularização do miocárdio associada a aneurismectomia de ventrículo esquerdo. A técnica cirúrgica consistiu, na maioria dos casos, na anastomose das veias pulmonares, em conjunto com o átrio esquerdo do coração a ser implantado e, a seguir, a da cava superior, inferior, do tronco pulmonar e aorta. Todos os doadores estavam em hospitais da cidade e com retirada múltipla de órgãos. Não tivemos óbito hospitalar e todos os pacientes estão vivos para um período de um a quinze meses de pós-operatório. Não houve diferença significativa quando se comparou as duas técnicas para o tempo de anóxia, tempo de C E C, tempo de implante, presença de taquiarritmias atriais, sangramento e permanência hospitalar. Houve diferença significativa (p<0,05) para a utilização de marcapasso temporário e presença de insuficiência tricúspide. Acreditamos que a técnica bicaval, além de reduzir o tamanho das cavidades atriais, é uma técnica simples, com índice menor de complicações e que poderá ser empregada com mais freqüência.

DESCRITORES: Transplante cardíaco, métodos. Miocardiopatia congestiva, cirurgia. Miocardiopatia chagásica, cirurgia.

INTRODUÇÃO

O transplante cardíaco tem sido considerado, cada vez mais, como a melhor opção de tratamento cirúrgico para pacientes portadores de insuficiência cardíaca terminal, com mortalidade imediata menor de 10%. Em alguns Serviços, esta mortalidade chega a ser nula, como na casuística de 100 pacientes operados, consecutivamente, e publicados por TRENTO et al. (1) e com sobrevivência próxima a 75% para 5 anos de pós-operatório, como relatado por KAYE (2).

Além dos imunologistas e infectologistas, os cirurgiões cardiovasculares também têm contribuído ativamente para estes resultados.

Durante quase trinta anos a técnica cirúrgica, proposta experimentalmente, por LOWER & SHUMWAY (3) e shumway et al. (4) tem sido empregada para o transplante cardíaco ortotópico (técnica biatrial ou clássica). Desde esta época as arritmias atriais, principalmente relacionadas a disfunção do nó sinoatrial levaram BARNARD (5) a propor uma modificação na técnica original, com uma incisão no átrio direito, iniciando-se na veia cava inferior e direcionada à aurícula direita, afastando, portanto, as suturas do nó sinoatrial do coração a ser implantado. Anatomicamente, esta técnica deixa as cavidades atriais duplas com imagem em boneco de neve ou ampulheta, demonstrado por estudos ecocardiográficos (6), decorrentes da saliência destas suturas atriais no interior das respectivas cavidades.

Do ponto de vista hemodinâmico, esta técnica apresenta assincronismo atrial com prejuízo do enchimento ventricular e, como conseqüência, piora do débito cardíaco, que poderá ser agravado por graus variados de hipertensão pulmonar do receptor, podendo levar a insuficiência cardíaca direita e ser a causa do óbito hospitalar.

Outras complicações ao longo destes anos têm sido relatadas, tais como: trombos intra-atriais, arritmias com necessidade de marcapasso temporário ou definitivo, mais raramente, e insuficiência das valvas atrioventriculares.

Mais recentemente, a técnica denominada de bicaval foi utilizada por YACOUB et al. (7) e por DREYFUS et al. (8), embora idealizada, experimentalmente, por WEB et al. (9), CASS & BROCK (10) e WILLMAN et al. (11) no início dos anos sessenta. Outros autores, como SIEVERS et al. (12), EL GAMEL et al. (13), LASKE et al. (14), BLANCHE et al. (15 - 17) e TRENTO et al. (1, 18) também têm utilizado esta técnica. Uma diferença anatômica é observada entre estes autores, relacionada com o remanescente da parede atrial esquerda do receptor. A maioria deixa todas as veias pulmonares juntas na parede posterior do átrio esquerdo (Figura 1) e poucos mantêm as veias pulmonares direitas e esquerdas em separado, ressecando-se o segmento entre elas (7, 8, 18, 20) (Figura 2).

Fig. 1
- Ressecção do coração do receptor com manutenção das veias pulmonares no segmento posterior do átrio esquerdo.
Fig. 2
- Ressecção do coração do receptor com divisão entre as veias pulmonares direitas e esquerdas.

A partir de 1995, passamos a utilizar esta técnica em todos os pacientes, e o objetivo deste trabalho é comparar os resultados entre as duas técnicas, na nossa Instituição, realizar revisão bibliográfica e, se possível, chamar a atenção dos serviços de transplante para a tendência em se modificar, para a atual, a técnica de transplante cardíaco ortotópico, que na opinião de todos os autores é simples e com menor incidência de complicações.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

No período de novembro de 1991 a abril de 1997 foram realizados 29 transplantes cardíacos na nossa Instituição, sendo que, destes, 22 (75,86%) foram ortotópicos pela técnica clássica, 6 (20,68%) pela bicaval e 1 (3,46%) heterotópico. A idade variou de 31 a 67 anos, com média de 45,27 anos para o grupo todo e de 50,6 para o grupo bicaval. A grande maioria dos pacientes era do sexo masculino (93,11%) e apenas 2 (6,89%) do sexo feminino. Todos os pacientes estavam em grau funcional IV da New York Heart Association e em uso de medicação em dose maximizada, com pouca resposta à terapêutica clínica, e cuja expectativa de vida era inferior a doze meses. A causa mais freqüente da disfunção ventricular foi a cardiomiopatia dilatada em 12 (41,37%) casos, a isquêmia em 8 (27,58%), a reumática, a chagásica e a alcóolica com 3 (10,35%) casos cada. Dentre os pacientes submetidos à técnica bicaval, tivemos 2 casos de cardiomiopatia dilatada, outros 2 para isquêmia, e 1 caso cada para doença reumática e para doença de Chagas, sendo que 3 destes pacientes haviam sido submetidos a operações prévias; 1 deles foi operado por três vezes para tratamento da valva aórtica, outro para implante de marcapasso epimiocárdico definitivo (paciente chagásico) e o último para revascularização do miocárdio associada a aneurismectomia de ventrículo esquerdo.

Técnica Cirúrgica para Retirada do Coração do Doador

A retirada do coração fora realizada de forma habitual com algumas modificações técnicas. A veia cava superior foi seccionada ao nível da veia ázigos, e a veia cava inferior dividida, deixando-se pequeno segmento distal para facilitar o manuseio do fígado para o transplante hepático. Nos primeiros 5 pacientes, as veias pulmonares foram seccionadas nas suas entradas no pericárdio e, posteriormente, estes orifícios foram unidos, retirando-se, portanto, a parede posterior do átrio esquerdo. No último caso, foram unidos os orifícios das veias pulmonares direitas e esquerdas, em separado.

Técnica Cirúrgica no Receptor

A canulação arterial foi realizada de forma habitual. A veia cava superior liberada e canulada distalmente; a veia cava inferior dissecada na reflexão diafragmática e canulada o mais próximo ao diafragma. O coração do receptor era, então, retirado seccionando-se a veia cava superior na junção cavoatrial, e a cava inferior dividida com uma porção do átrio direito, para compensar a perda de segmento deixado durante a retirada do coração do doador. O átrio esquerdo era removido, deixando-se a parde posterior com as quatro veias pulmonares nos 5 primeiros casos e separando as veias direitas das esquerdas, no último caso. O implante do coração foi iniciado anastomosando-se a parede posterior do átrio esquerdo com o correspondente do coração do doador, em sutura contínua simples (Figura 3), na maioria dos casos, ou uma anastomose para as veias esquerdas (Figura 4) e outra para as direitas (Figura 5). As veias cavas superior e inferior foram anastomosadas de forma término-terminal. E, finalmente, a aorta e o tronco pulmonar foram reconstruídos (Figura 6).

Fig. 3
- Anastomose entre o átrio esquerdo do coração do doador com o segmento correspondente do receptor com as 4 veias pulmonares.
Fig. 4
- Anastomose entre as veias pulmonares esquerdas com o orifício correspondente do coração do doador.
Fig. 5
- Anastomose entre as veias pulmonares direitas com o orifício correspondente do coração do doador.
Fig. 6
- Aspecto final do transplante cardíaco ortotópico pela técnica bicaval.

Todos os pacientes foram submetidos ao esquema tríplice de imunossupressão com corticosteróides, azatioprina e ciclosporina, e seguidos com biópsias endomiocárdicas e ecocardiogramas periódicos.

Os dados foram comparados por meio do teste T de Student e considerados estatísticamente significativos para p<0,05.

RESULTADOS

A mortalidade global para 30 dias foi de 13,79%, sendo que os 3 óbitos hospitalares ocorreram nos pacientes operados pela técnica clássica. Os 6 pacientes operados pela técnica bicaval estão vivos para um período entre um e quinze meses de pós-operatório, em classe funcional I e livres de episódios de arritmias.

Para efeito de comparação entre estas técnicas, procuramos analisar os tempos de anóxia miocárdica, de circulação extracorpórea e de implante, presença de taquiarritmias atriais, necessidade de uso de marcapasso, sangramento, permanência hospitalar e avaliação ecocardiográfica.

Não houve diferença significativa quando foram comparados os tempos de anóxia, de circulação extracorpórea e de implante, arritmias, sangramento e permanência hospitalar. O marcapasso foi empregado em 8 pacientes operados pela técnica clássica e não utilizado em nenhum paciente na técnica bicaval (Tabela 1), sendo, portanto, estatísticamente significante com p<0,05.

O ecocardiograma bidimensional com Doppler realizado no pós-operatório entre um a doze meses não mostrou casos de insuficiência mitral e tricúspide de grau importante com ambas as técnicas; porém houve 2 (11,1%) casos de regurgitação tricúspide moderada no grupo de pacientes operados pela técnica clássica. Mas, em relação às insuficiências discretas, observou-se lesão mitral e tricúspide em 2 (40,0%) pacientes para o grupo bicaval e lesão mitral em 4 (22,2%) pacientes e tricúspide em 6 (33,3%) para o grupo clássico. E, finalmente, observou-se a deformidade atrial descrita como "4 átrios" no grupo que foi tratado com a técnica clássica (Tabela 2).

COMENTÁRIOS

O conceito de transplante cardíaco ortotópico total com anastomoses bicaval e venosas pulmonares foi introduzido inicialmente por YACOUB et al. (7) e DREYFUS et al. (8). Posteriormente, BLANCHE et al. (15) e TRENTO et al. (18) também passaram a utilizar esta mesma técnica com duas modificações: primeiro, a veia ázigos fora incorporada na anastomose da veia cava superior, evitando a ocorrência de estenose nesta sutura; segundo, foram realizadas duas pequenas incisões circundando as veias pulmonares direitas e esquerdas, deixando-se mais tecido atrial esquerdo no coração doado para ser transplantado, melhorando a função atrial esquerda. Outros autores (12-14) preconizaram uma anastomose única das veias pulmonares, em conjunto, com o átrio esquerdo do coração a ser implantado, diminuindo o risco de sangramento através destas suturas no átrio esquerdo, de difícil acesso para correção cirúrgica. No nosso meio, MENDONÇA et al. (19) propuzeram modificações técnicas no transplante cardíaco ortotópico, reduzindo substancialmente as porções atriais no receptor, assim como uma abertura do átrio direito próximo e paralelo ao septo interatrial, para permitir uma sutura em um único plano a este nível, evitando-se as saliências no interior das cavidades atriais, observadas em exames ecocardiográficos no pós-operatório. A partir de 1995, passamos a utilizar, na nossa Instituição, a técnica bicaval com anastomose única com todas as veias pulmonares para os 5 primeiros casos e a bipulmonar no último caso.

Segundo TRENTO et al. (1), o interesse pela técnica bicaval foi devido a grande diferença entre a incidência no uso de marcapasso definitivo no pós-operatório imediato (20), como relatado em 9 dos 64 pacientes operados pela técnica clássica, quando comparados com os 124 pacientes operados, consecutivamente, com a técnica bicaval, para um período de seis meses de pós-operatório. Esta complicação também esteve presente no nosso grupo de pacientes, com a diferença de que o uso do marcapasso foi apenas temporário no pós-operatório imediato (8 em 23 pacientes da técnica clássica e em nenhum dos 6 pacientes da bicaval com p<0,05. Esta evidência eletrofisiológica também foi confirmada em outros trabalhos prospectivos e randomizados. EL GAMAL et al. (13) randomizaram 40 pacientes para a técnica bicaval e 35 para a clássica. O marcapasso definitivo foi necessário em 3 pacientes na técnica clássica e não utilizado na bicaval, e observaram que os pacientes da técnica bicaval tinham menor incidência de taquiarritmias (2/40 versus 11/35). Trabalhos retrospectivos de BRANDT et al. (21) e Jeevanandam et al. (22) têm demonstrado menor incidência de flutter e fibrilação atrial, disfunção do nó sinoatrial e melhora na sobrevivência em pacientes operados pela técnica bicaval.

Do ponto de vista eletrofisiológico, desde as experiências iniciais (5, 23), as bradiarritmias que necessitam de marcapasso são atribuídas à disfunção do nó sinoatrial, a qual é resultante do trauma cirúrgico (pela incisão atrial) e com distorção do átrio após o implante; complicações que têm sido completamente eliminadas pela técnica bicaval(1).

A função das valvas atrioventriculares no período pós-transplante tem sido estudada pela ecocardiografia com Doppler em vários trabalhos. Uma incidência surpreendentemente elevada de insuficiência mitral (13/20 pacientes, 60%) e insuficiência tricúspide (17/20 pacientes, 85%) tem sido relatada por ANGERMANN at al. (6) em pacientes que foram tratados pela técnica clássica. STEVENSON et al. (24) confirmaram estes achados. A melhora na função das valvas atrioventriculares em pacientes que foram operados pela técnica bicaval foi relatada por KENDALL et al. (25), que referiram menor regurgitação mitral ou tricúspide (ou ambas), quando estes pacientes foram comparados com os operados pela técnica clássica. Em uma série relatada por LEYH et al. (26), esta diferença só é significativa durante o exercício. Em nossa casuística, também observamos estas diferenças com insuficiência valvar de maior magnitude para os pacientes tratados com a técnica clássica (2 pacientes com insuficiência tricúspide moderada e não identificada na bicaval).

A função atrial após o transplante tem sido, também, objeto de investigação clínica e experimental. FREIMARK et al. (27) estudaram, com ecocardiografia com Doppler, a função e o transporte atrial esquerdo em pacientes submetidos ao transplante comparados com um grupo controle normal; concluíram que estes parâmetros eram similares no grupo controle e nos pacientes tratados com a técnica bicaval, mas foram, significativamente inferiores no grupo tratado pela técnica clássica. Em estudo com ressonância magnética, FREIMARK et al. (28) acharam que a fração de enchimento atrial direito e esquerdo, definida com a diferença entre os volumes diastólico e sistólico atrial divididos pelo volume diastólico atrial, era significantemente maior nos pacientes com a nova técnica. Assim, a técnica bicaval com anastomoses pulmonares produz função atrial fisiológica maior que a biatrial (1). Não se dispõe destes mesmos dados na literatura para os pacientes operados pela técnica bicaval com anastomoses bipulmonares comparados aos de anastomose única com todas as veias pulmonares (unipulmonares)

Em trabalho experimental, GOLDSTEIN et al. (29) mostraram que a contratilidade atrial sincrônica constitui uma resposta compensatória importante na disfunção ventricular direita. BITTNER et al. (30) compararam as duas técnicas cirúrgicas, avaliando a função atrial, a condução atrioventricular, enchimento biventricular e complacência em cães, usando análise funcional, micromanometria, sonomicrometria, e ultrassonografia. Concluíram que a sístole atrial e o enchimento diástólico ventricular direito e esquerdo eram melhor preservados com o transplante cardíaco ortotópico total (bicaval e bipulmonar) que os da técnica clássica.

A regra de que o átrio direito intacto previne a insuficiência cardíaca direita após o transplante cardíaco ortotópico, particularmente em pacientes com resistência pulmonar elevada, é sabidamente conhecida. Apesar dos resultados preliminares, ALEKSIC et al. (31) demonstraram que a pressão média do átrio direito e da artéria pulmonar são menores e que a melhora no débito cardíaco obtida após o transplante bicaval, em pacientes com resistência pulmonar elevada, indica, portanto, um risco menor de falência ventricular direita.

Assim, podemos concluir que o transplante cardíaco ortotópico pela técnica bicaval, além de reduzir o tamanho das cavidades atriais, permitindo uma configuração anatômica atrial normal, é uma técnica simples, com o emprego reduzido de marcapasso no pós-operatório e com baixa incidência de regurgitação das valvas atrioventriculares, principalmente tricúspide. E, finalmente, poderia ser mais freqüentemente empregada, em outros Serviços, com a opção pela anastomose única ou bipulmonar.

RBCCV 44205-347

Chaccur P, Dinkhuysen J J, Nina V J S, Abdulmassih Neto C, Arnoni A S, Souza L C B, Paulista P P - Orthotopic cardiac transplantation with bicaval technique. Rev Bras Cir Cardiovasc 1997; 12 (2): 145-52.

ABSTRACT: During almost 30 years the Lower and Shumway's technique for orthotopic heart transpantation has been performed with very good results. Complications like venous stasis, thrombus formation, atrial arrhythmias and also tricuspid and mitral regurgitation have been found in the late postoperative period. In 1995 we started to use the bicaval technique in all cases (6 patients). Five patients were male and the mean age was 50,6. Dilated and ischemic myocardiopathy was present in two cases in each group; Chagas' disease and rheumatic disease in others. Three patients had undergone prior surgeries; in one case three consecutive aortic valve replacement; in other one a definitive pacemaker implantation; and the last one had 2 myocardial revascularizations. The surgical technique in most cases consisted of the anastomoses of all the pulmonary veins with the left atrium of the donor followed by anastomoses of the superior and inferior vena cava, pulmonary artery and aorta. All donors were procured in city hospitals, and underwent multiple organ harvesting. There were no immediate postoperative deaths ; and at follow-up varying from 1 to 15 months all patients are alive. No significant differences in the both groups were observed for the anoxic time, extracorporeal circulation time, implantation time, atrial tachyarrhythmias, bleeding and the hospital discharge time. A significant difference was observed (p<0,05) for the temporary pacemaker utilized and for the tricuspid valve regurgitation. We believe that the bicaval technique besides reducing the atrial cavity, is a simple technique, with low complications and might be used more frequently.

DESCRIPTORS: Heart transplantation, methods. Cardiomyopathy, congestive, surgery. Chagas' cardiomyopathy, surgery.

Trabalho realizado no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil.

Apresentado ao 24º Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca. Campo Grande, MS, 17 a 19 de abril, 1997.

Endereço para correspondência: Paulo Chaccur. Av. Dante Pazzanese, 500, 11º andar. São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04012-180. Tel. (011) 549-1144

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2001
  • Data do Fascículo
    Abr 1997
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