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Um Linux para os Periódicos Científicos. Como encontrar preços justos a pagar pelo acesso ao conhecimento científico?

ARTIGO ESPECIAL

Peço a atenção dos nossos prezados leitores para o artigo abaixo, que foi escrito por dois eminentes professores que pertencem à CAPES. A difusão da comunicação científica vem sofrendo importante mudança pelo advento da INTERNET, que permite acesso ilimitado universal a todas as publicações. Para isto basta que se disponha, em qualquer lugar do planeta, de um computador e uma conexão com a rede mundial. A limitação fica por conta das taxas a serem pagas para que se possam ler as Revistas desejadas. Várias sugestões têm surgido para eliminar ou minimizar o impacto econômico que vem no bojo desta nova forma de tornar o conhecimento universalizado. Existem idéias como a da PLoS ("Public Library of Science") cuja tônica seria a de cobrar dos autores para publicar seus artigos e liberar sem ônus as Revistas, para quantos desejassem consultá-las.

No Brasil, a Scielo www.scielo.org vem realizando um trabalho pioneiro e de alto alcance científico na difusão do conhecimento, contando com um sistema de buscas moderno e ágil, permitindo acesso gratuito a todas as publicações nela catalogadas. No artigo abaixo republicado, com a autorização necessária, estão contidas informações importantes para todos nós, sempre no sentido de permitir que o conhecimento não seja privilégio de poucos. Pelo contrário, possa ser uma conquista de todos, para que rapidamente sejam atingidos os níveis de progresso científico que desejamos e merecemos.

Desejo que todos tenham uma boa e proveitosa leitura.

Domingo Braile

EDITOR RBCCV

Um Linux para os Periódicos Científicos

Como encontrar preços justos a pagar pelo acesso ao conhecimento científico?

Roberto BartholoI; Marcel BursztynII

IDoutor em Filosofia, coordenador de Cooperação Internacional da Capes

IIDoutor em Desenvolvimento Econômico e Social, presidente da Capes

Ao olharmos para o resto do mundo, percebemos que todos os países que se destacaram pelo desenvolvimento econômico e social, desde o final do século XIX, adotaram medidas decisivas e de longo prazo voltadas à promoção da educação e do avanço cientifico e tecnológico.

Há cerca de 30 anos o Brasil era comparado à Coréia do Sul, como país que representava grande potencial de desenvolvimento. Tínhamos indicadores econômicos não muito diferentes e níveis educacionais e científico-tecnológicos também comparáveis.

Ao cabo de pouco mais de 20 anos aquele país logrou um formidável sucesso em suas estratégias, enquanto o Brasil andou a passos bem mais lentos. Mesmo com grande avanço na universalização do ensino de primeiro grau, a qualidade ainda é um fator limitante em nosso país.

Na outra ponta do sistema educacional, registramos notável crescimento da pós-graduação. Em três décadas, montamos um aparato de formação de mestres e doutores, que hoje conta com cerca de 1000 cursos de doutorado e 1800 de mestrado.

São seis mil novos doutores e 20 mil novos mestres a cada ano. O papel do governo tem sido primordial nesse projeto, seja mediante apoio a cursos, seja na concessão de bolsas de estudo, com destaque para o CNPq e a Capes.

Sabemos que o ritmo de mudanças no mundo é cada vez mais acelerado. Novas especialidades e desafios surgem a todo dia. Profissões vão ficando obsoletas, enquanto outras vão despontando.

Educação é coisa séria e de longo prazo. O perfil de profissionais que necessitamos daqui a 10 anos tem de ser identificado hoje, para que possamos formar os seus formadores.

Educação e desenvolvimento científico e tecnológico devem constar das agendas governamentais como uma questão de princípio, um alicerce da construção do futuro.

Há cerca de três anos o Brasil passou a contar com importante instrumento de apoio à pesquisa básica e aplicada, que é o Portal de Periódicos disponível por intermédio da Capes-MEC.

São mais de 3000 revistas científicas internacionais, que no último ano foram objeto de 3,7 milhões de acessos por meio eletrônico, nas Universidades que oferecem cursos de pós-graduação qualificado, em nosso país.

O custo deste serviço é elevado - R$ 58 milhões, apenas no corrente ano. A Capes resolveu enfrentar o desafio de ampliar o universo de pesquisadores com acesso ao Portal, inserir novas revistas e reduzir custos.

Nesse sentido, instituiu a Comissão Consultiva para Negociação do Portal de Periódicos, que acaba de concluir, com sucesso, seu trabalho, obtendo uma economia da ordem de 23% dos valores em dólares para a aquisição dos mesmos produtos.

Além disso, a Comissão conseguiu ampliar o número de instituições beneficiadas - passou de 99 para 129, e o número de títulos disponíveis que, a partir de janeiro, será de 4.800.

Há que se ressaltar que o 'produto' que é oferecido pelo Portal de Periódicos tem uma característica singular: sua produção resulta fundamentalmente do investimento em capacidade científica, que se efetiva através de canais de divulgação cuja qualidade tem a chancela de sociedades científicas de renome internacional.

Por outro lado, sua circulação e comercialização representam parcela muito menor do custo, sobretudo se considerarmos a reprodutibilidade viabilizada pelo meio eletrônico e a Internet.

Na verdade, os intermediários que comercializam o conhecimento gerado nas Universidades e institutos de pesquisa, podem se apoiar sobre as características próprias de uma matéria prima sui generis: seus produtores são reconhecidos e consagrados na medida em que o saber que produzem circule em veículos cuja qualidade é reconhecida por sociedades científicas, cuja razão de ser não é imediatamente comercial.

Em suma: o saber científico não é uma mercadoria em razão de atributos que lhe sejam intrínsecos ou inerentes. Pelo contrário, a ciência é reconhecidamente proclamada como um patrimônio universal da humanidade.

Os cientistas, regra geral, empenham-se por ter sua produção reconhecida como valiosa e merecedora de divulgação em veículos qualificados. Geralmente, ofertam aos editores de tais veículos sem qualquer custo (ou mesmo incorrendo em custo não amortizados) e sem qualquer reconhecimento de direito autoral, o resultado de suas pesquisas.

Temos aqui um aspecto a ser destacado: um conhecimento freqüentemente financiado por uma fonte pública pode vir a ser (e o é de fato) comercializado segundo práticas monopolistas de fixação do preço. Custos marginais decrescentes em nada contribuem em tal contexto para o decréscimo do preço final ofertado no mercado.

Esse quadro só será mudado com a abertura de novas possibilidades de institucionalização da difusão do conhecimento científico. Trata-se de uma questão que se evidencia como estratégica para o desenvolvimento dos países periféricos numa época que vem sendo descrita como a da 'sociedade do conhecimento'.

Como encontrar preços justos a pagar pelo acesso ao conhecimento científico?

A resposta a essa pergunta certamente nos remete a uma polaridade análoga à inerente aos debates sobre o software livre: que pode ser sumariada na alternativa entre dois modelos paradigmáticos:

Linux ou Microsoft? Conceber um estado futuro onde um Linux dos periódicos científicos não seja uma mera utopia para incuráveis românticos, pode não ser tarefa simples.

Mas certamente nos parece ser um desafio contemporâneo que se coloca a todos que ainda creiam que o saber científico deva ser patrimônio da humanidade.

A realização desse processo de negociação sinaliza que não é razoável o Estado brasileiro pagar quantia significativa de dinheiro por periódicos que, tal como corroborado por estatísticas de uso dos últimos três anos, encontram pouco ou nulo acesso pelos usuários do Portal da Capes.

Negociar termos mais justos de contrato é o caminho que podemos e devemos seguir.

Pelo menos enquanto não existir uma instituição multilateral com as características de uma agência das Nações Unidas reformadas, que tenha por atribuição específica articular as sociedades científicas do mundo inteiro e viabilizar através dos recursos tecnológicos hoje existentes uma difusão científica mais ampla e de mais baixo custo, mediante um Portal Global de Periódicos, instrumento a serviço da democratização da ciência no mundo globalizado.

Enquanto tivermos que seguir comprando o conhecimento que os mercadores monopolistas controlam, o que de mais valioso nos resta é o discernimento de nossas prioridades e a capacidade soberana de negociar termos de contrato mais justos.

E para esse esforço a Capes convida toda a comunidade científica, por intermédio de suas instituições de ensino e pesquisa e associações.

Artigo publicado originalmente no Jornal da Ciência, órgão quinzenal da Sociedade Brasileira Para o Desenvolvimento da Ciência (SBPC). Reproduzido com autorização dos editores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Set 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2004
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