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Manejo cirúrgico de doença oclusiva aorto-ilíaca na presença de rim em ferradura: relato de um caso

Resumos

Neste trabalho é apresentado um caso de coexistência de aterosclerose aorto-ilíaca com rim em ferradura, em um homem com 57 anos de idade. O diagnóstico desta combinação rara foi feito pouco antes da cirurgia, com a angio-ressonância magnética constituindo o método diagnóstico pré-operatório mais importante para o planejamento cirúrgico. A abordagem transabdominal proporciona uma exposição excelente da aorta abdominal em pacientes com rim em ferradura, sem risco de lesão das artérias renais acessórias ou de ureter em posição anômala. A reconstrução foi feita com a implantação de uma prótese de Dacron em Y em posição aorto-bifemoral e, por causa da lesão aterosclerótica difusa e na presença do rim em ferradura, foi optado por anastomose proximal término-lateral.

Artéria ilíaca; Arteriosclerose; Rim


Coexistence of aortoiliac arteriosclerosis with horseshoe kidney in a 57-year-old man is presented. Diagnosis of this unusual combination was made shortly before surgery. Magnetic resonance angiography is the most important preoperative diagnostic tool for surgical planning. A transabdominal approach provides excellent exposure of the abdominal aorta in patients with a horseshoe kidney without risk of injury to renal accessory arteries or to a ureter in an anomalous position. Implantation of an aorto-bifemoral Y prosthesis was made using a Dacron bifurcation. By diffuse atherosclerotic lesion and in presence of horseshoe kidney, an end-to-side proximal anastomosis of the aorta was carried out.

Iliac artery; Arteriosclerosis; Kidney


RELATO DE CASO

Manejo cirúrgico de doença oclusiva aorto-ilíaca na presença de rim em ferradura: relato de um caso

Hossein Tezval; Masoud Mirzaie; Jan Schmitto; Friedrich Schöndube

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Masoud Mirzaie Assoc. Prof. MD Department of Thoracic, Cardiac and Vascular Surgery University Clinic Goettingen Robert Koch-Str. 40 37075 Goettingen Germany Telefone: +49-551-39-60 01 Fax: +49-551-39-60 02 E-mail: thg@med.uni-goettingen.de

RESUMO

Neste trabalho é apresentado um caso de coexistência de aterosclerose aorto-ilíaca com rim em ferradura, em um homem com 57 anos de idade. O diagnóstico desta combinação rara foi feito pouco antes da cirurgia, com a angio-ressonância magnética constituindo o método diagnóstico pré-operatório mais importante para o planejamento cirúrgico. A abordagem transabdominal proporciona uma exposição excelente da aorta abdominal em pacientes com rim em ferradura, sem risco de lesão das artérias renais acessórias ou de ureter em posição anômala. A reconstrução foi feita com a implantação de uma prótese de Dacron em Y em posição aorto-bifemoral e, por causa da lesão aterosclerótica difusa e na presença do rim em ferradura, foi optado por anastomose proximal término-lateral.

Descritores: Artéria ilíaca, cirurgia. Arteriosclerose. Rim, anormalidades.

INTRODUÇÃO

Rim em ferradura é a anomalia mais comum do trato urinário, e sua ocorrência aumenta expressivamente a dificuldade da cirurgia na doença vascular aorto-ilíaca. A posição anterior do istmo do rim em ferradura e anomalias associadas freqüentes das artérias e sistemas coletores podem originar sérios problemas técnicos intra-operatórios. Na literatura, a combinação de rim em ferradura e doença aorto-ilíaca é muito rara. Na maioria dos casos, a cirurgia da aorta relatada foi para correção de aneurisma da aorta abdominal e raramente para doença oclusiva [1,2]. A tomografia computadorizada (CT) não é normalmente pedida em pacientes na fase pré-operatória de doenças oclusivas e em conseqüência disso, a existência de rim em ferradura pode facilmente não ser notada, podendo gerar graves problemas intra-operatórios. Apresentamos e discutimos aqui a original associação da doença oclusiva aorto-ilíaca e rim em ferradura, o diagnóstico pré-operatório e a estratégia cirúrgica utilizada.

RELATO DO CASO

Um homem de 57 anos cujo sintoma inicial era claudicação bilateral persistente e necrose do maléolo lateral esquerdo após trauma, foi atendido no setor de emergência de nosso hospital. A angiografia de subtração digital (ASD) revelou aterosclerose aoto-ilíaca com oclusão das duas artérias ilíacas comuns. Apesar do tratamento conservador a vascularização da perna esquerda tornou-se crítica. O fluxo sangüíneo insuficiente dos membros inferiores e a situação crítica da perna esquerda levaram à amputação da perna esquerda acima do joelho (terço distal do fêmur). Após três semanas, o paciente foi encaminhado para nosso departamento para avaliação da doença oclusiva aorto-ilíaca e, possível tratamento cirúrgico da aorta. Ele tinha uma hipertensão arterial leve e fumava 15 cigarros por dia. Não havia história de doença cardíaca, cerebral ou vascular renal. Ao exame clínico, ele estava em estado regular, não havendo anormalidades no tórax e abdome. Os pulsos femorais estavam muito diminuídos e não havia pulsos distais no lado direito.

A avaliação pré-operatória foi feita (hemograma, ECG, radiografia do tórax, gasometria sangüínea) e todos os resultados estavam dentro da normalidade. Antes de iniciar a cirurgia, uma revisão da ASD nos revelou uma estrutura anormal, mas semelhante a um rim. A operação foi iniciada com associação do rim em ferradura como primeiro diagnóstico diferencial da estrutura desconhecida. A aorta foi abordada pela via trans-peritoneal e um rim em ferradura com fluxo sangüíneo específico foi encontrado, como esperado (Figura 1). A aorta foi parcialmente pinçada e uma prótese bifurcada de Dacron 16x8 mm foi implantada com anastomose término-lateral, acima do nível da artéria renal acessória, com preservação do istmo e anastomose distal com as artérias femorais comuns. O istmo foi mobilizado longe da aorta e o enxerto foi colocado por debaixo dele. A evolução pós-operatória não mostrou eventos significativos e o paciente recebeu alta no oitavo dia de pós-operatório.


COMENTÁRIOS

O rim em ferradura é provavelmente a mais comum de todas anomalias de fusão renal, ocorrendo em aproximadamente uma entre quatrocentas pessoas [3]. No embrião, os rins desenvolvem-se a partir de um simples metanefro de cada lado, em forma de uma cauda. Eles sobem e giram, assumindo sua posição adulta normal quando do nascimento. A falha do metanefro de se separar em dois rins pode ser completa ou parcial, resultando em um rim em ferradura [4]. Como descrito acima, a associação de doença oclusiva aorto-ilíaca e rim em ferradura é rara, quando comparado com a coexistência de aneurisma da aorta abdominal e rim em ferradura. Esta raridade limita o desenvolvimento de uma abordagem padronizada para diagnóstico e tratamento. Com referência ao manejo de doença oclusiva aorto-ilíaca associada ao rim em ferradura, o diagnóstico pré-operatório e estratégia operatória como duas questões importantes serão discutidas respectivamente.

A angio-ressonância é o método diagnóstico pré-operatório mais acurado que, se devidamente realizado e interpretado, é suficiente para a programação do procedimentos da cirurgia vascular [5]. De outro lado e para nosso conhecimento, a TC é um método extremamente sensível para identificar o rim em ferradura e anormalidades afins, incluindo artérias acessórias e sistemas coletores. Uma vez que a TC não é uma rotina diagnóstica pré-operatória na doença oclusiva aorto-ilíaca, o único caso relatado de coexistência de rim em ferradura, de Shortell et al. [1] não foi diagnosticado no pré-operatório. À semelhança de nosso paciente, em um único caso essa associação foi reconhecido antes da operação apenas por acaso por Wymenga et al. [6].

No entanto, não é realizado na prática os exames de TC e angio-ressonância em pacientes com doença oclusiva aorto- ilíaca para detectar uma combinação muito rara. Em nosso caso, a ASD isolada, a qual foi obtida no setor de emergência, demonstrou todas as artérias renais acessórias relevantes (Figura 1). No entanto, a angio-ressonância parece ser mais acurada (Figura 2). Em nossa opinião, uma angio-ressonância devidamente interpretada não apenas identifica as artérias renais acessórias, mas indiretamente permitiria ao cirurgião identificar o rim em ferradura e realizar os métodos diagnóstico adicinais, como por exemplo, TC e pielografia intravenosa (PVI). Portanto, a incapacidade da arteriografia de detectar anomalias arteriais em 40% a 60% dos casos já foi relatada [7-9]. A PVI seria realizada para visualizar o trajeto do ureteres e a forma do sistema caliceal. Além disso, nos casos de rim ferradura, os ureteres caracteristicamente cruzam a sínfise anteriormente e se situam mais medialmente do que o normal, antes de entrar na pélvis. Devido a esta deslocação do ureter, a posição posterior dos ramos do enxerto, com respeito aos ureteres, não acarretará problemas. Apesar disso, nós realizamos um PVI pós-operatório para descatar possível compressão dos uréteres pelos ramos dos enxertos (Figura 3).



O segundo aspecto importante com respeito ao manejo da doença oclusiva aorto-ilíaca coexistente com o rim em ferradura relaciona-se com a estratégia operatória preferencial. Devido à exposição da aorta e artérias renais anômalas e, especialmente, na presença de doença oclusiva, a aorta foi abordada trans-peritonealmente. Em pacientes, nos quais as lesões ateroscleróticas produzem oclusão das artérias ilíacas externas bilateralmente, a trans-secção transversal da aorta proximal, com o propósito de realizar a anastomose término-terminal, pode devascularizar a pélvis, já que pode não haver fluxo retrógrado das artérias ilíacas externas no nível das anastomoses do fêmur. Isso aumenta potencialmente o risco de impotência, colites isquêmicas, isquemia das nádegas, claudicação persistente do colo do fêmur e mesmo paraplegia secundária à isquemia de medula espinhal. Nós, portanto, usamos anastomose proximal término-lateral acima da emergência das artérias renais acessórias (Figura 2) porque acreditamos que em tais circunstâncias esse tipo de anastomose permite a perfusão continuada dos vasos específicos, sem colocar em risco o rim em ferradura e seu fluxo sangüíneo. A abordagem através do peritônio contribui para a obtenção desse objetivo.

CONCLUSÃO

Em pacientes com doenças oclusivas, a TC não é um método diagnóstico rotineiro e a presença de um rim em ferradura pode não ser reconhecida. A angio-ressonância, como um método diagnóstico pré-operatório, pode substanciar o diagnóstico da doença oclusiva e, ao mesmo tempo, prover a informação detalhada necessária concernente ao padrão de fluxo sangüíneo de um possível rim em ferradura e sua relação com os tecidos funcionais. Sempre que o rim em ferradura for suspeitado, a TC e PVI deveriam ser realizados como métodos diagnósticos complementares. A abordagem cirúrgica através do peritônio e realização de uma anastomose término-lateral na aorta proximal minimizam os riscos cirúrgicos e parece ser a estratégia cirúrgica ideal em doenças oclusivas aorto-ilíaca associadas ao rim em ferradura.

Artigo recebido em junho de 2005

Artigo aprovado em agosto de 2005

Departamento de cirurgia torácica, cardíaca e vascular, University Clinics Goettingen, Goettingen, Alemanha

  • 1. Shortell CK, Welch EL, Ouriel K, Green RM, Deweese JA. Operative management of coexistent aortic disease and horseshoe kidney. Ann Vasc Surg. 1995;9(1):123-8.
  • 2. Faggioli G, Freyrie A, Pilato A, Ferri M, Curti T, Paragona O, D´Addato M. Renal anomalies in aortic surgery: contemporary results. Surgery. 2003;133(6):641-6.
  • 3. Bauer SB, Perlmutter AD, Retik AB. Anomalies of the upper urinary tract. In: Walsh PC, Retik AB, Starney TA, Vaughan ED Jr, editors. Campbel´s urology. 6th ed. Philadelphia (PA): Saunders; 1992. P 1357-1442.
  • 4. Kingswood JC, Packham DK. Renal Disease. In: Axford J, editor. Medicine 1th ed. London: Blackwell Science; 1996. P 10.111-10.112.
  • 5. Carpenter JP, Baum RA, Holland GA, Barker CF. Peripheral vascular surgery with magnetic resonance angiography as the sole preoperative imaging modality. J Vasc Surg. 1994;20(6):861-9.
  • 6. Wymenga LFA, Tol A, Dop HR. Horseshoe kidney and aortic surgery. ScandJ Urol Nephrol. 1995;29(3):331-4.
  • 7. Bietz DS, Merendino KA. Abdominal aneurysm and horseshoe kidney: a review. Ann Surg. 1975;181(3):331-41.
  • 8. Ezzet F, Dorazio R, Herzberg R. Horseshoe and pelvic kidneys associated with abdominal aortic aneurysms. Am J Surg. 1977;134(2):196-8.
  • 9. Sidell PM, Pairolero PC, Payne WS, Bernatz PE, Spittel JA Jr. Horseshoe kidney associated with surgery of the abdominal aorta. Mayo Clin Proc 1979;54(2):97-103.
  • Endereço para correspondência

    Masoud Mirzaie Assoc. Prof. MD
    Department of Thoracic, Cardiac and Vascular Surgery
    University Clinic Goettingen
    Robert Koch-Str. 40
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Recebido
      Jun 2005
    • Aceito
      Ago 2005
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