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Tratamento cirúrgico de teratoma intrapericárdico em lactente

Resumos

Os tumores cardíacos intrapericárdicos são pouco freqüentes, porém, as manifestações clínicas podem ser graves, até com sintomas de baixo débito ou choque cardiogênico, dependendo da localização do tumor. Relatamos o caso de um lactente com três meses de idade, que apresentou na evolução choque cardiogênico, em decorrência de um tumor intrapericárdico, comprimindo o átrio direito e a veia cava superior. Indicada operação de urgência para ressecção da massa tumoral, apresentou adequada evolução até seis meses de pós-operatório.

Choque cardiogênico; Lactente; Neoplasias cardíacas; Procedimentos cirúrgicos cardíacos


The intrapericardic cardiac tumors are infrequent; however, the clinical manifestations can be serious, even with symptoms of low cardiac output or cardiogenic shock, depending on the localization of the tumor. We report the case of a 3-month-old infant who progressed to cardiogenic shock due to an intrapericardic tumor compressing the right atrium and the vena cava superior. Emergent surgery for resection of the tumor mass was recommended. The patient had a 6-month uneventful postoperative course.

Cardiogenic shock; Infant; Heart neoplasms; Cardiac surgical procedures


RELATO DE CASO

Tratamento cirúrgico de teratoma intrapericárdico em lactente

Marcelo Biscegli JateneI; Décio AbuchaimII; Luciana MartinsIII; Miguel Barbero-MarcialIV

IProfessor Livre Docente. Cirurgião Cardíaco Pediátrico do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IICirurgião Cardíaco Pediátrico

IIICardiopediatra - Serviço de Ecocardiografia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IVProfessor Titular do Departamento de Cardiopneumologia, área de Cirurgia Cardíaca Pediátrica - Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcelo Biscegli Jatene Rua João Moura, 1535 São Paulo, SP Brasil - CEP: 05412-003 Tel. (11) 3069-5318 E-mail: mbjatene@uol.com.br

RESUMO

Os tumores cardíacos intrapericárdicos são pouco freqüentes, porém, as manifestações clínicas podem ser graves, até com sintomas de baixo débito ou choque cardiogênico, dependendo da localização do tumor. Relatamos o caso de um lactente com três meses de idade, que apresentou na evolução choque cardiogênico, em decorrência de um tumor intrapericárdico, comprimindo o átrio direito e a veia cava superior. Indicada operação de urgência para ressecção da massa tumoral, apresentou adequada evolução até seis meses de pós-operatório.

Descritores: Choque cardiogênico. Lactente. Neoplasias cardíacas. Procedimentos cirúrgicos cardíacos.

INTRODUÇÃO

Dentre os tumores que acometem o coração e o mediastino em neonatos e lactentes, os de localização intrapericárdica são ocorrências pouco freqüentes; dentre estes, os mais comuns são os cistos pericárdicos e os teratomas. O cisto pericárdico é uma condição rara, geralmente assintomática e sem achados no exame clínico, que costuma ser suspeitado pela radiografia de tórax, que demonstra aumento de área cardíaca ou alargamento de mediastino. O teratoma intrapericárdico é, na maioria dos pacientes, sintomático já na infância precoce. O sintoma mais proeminente é uma grave insuficiência respiratória que é secundária à compressão pulmonar, causada pelo pericárdio completamente distendido pelo tumor e pelo derrame que o acompanha [1].

Quando estes tumores levam a sintomas, em geral, são decorrentes de compressão de estruturas vasculares, como veias cavas superior ou inferior, veias pulmonares ou tronco pulmonar. O objetivo deste trabalho é relatar o caso de uma criança com quadro de choque cardiogênico, que necessitou tratamento cirúrgico de urgência.

RELATO DO CASO

Lactente de três meses, que evoluiu com dispnéia desde o nascimento e baixo ganho ponderal. Por piora do padrão respiratório, foi trazido ao setor de emergência em regular estado geral, peso percentil 10, taquidispnéico e taquicárdico; no momento da internação, o exame físico evidenciava pressão arterial normal, boa perfusão periférica, pulsos palpáveis, com ausculta pulmonar com estertores subcrepitantes esparsos e ausculta cardíaca com bulhas abafadas, além de hepatomegalia, com fígado palpável 3 a 4 cm do rebordo costal direito. A radiografia de tórax evidenciava aumento importante da área cardíaca (Figura 1). O eletrocardiograma apresentava diminuição da voltagem dos complexos QRS e o ecocardiograma revelou grande massa intrapericárdica sobre o átrio direito e derrame pericárdico importante, com sinais de restrição, além de derrame pericárdico (Figura 2).



Submetido a punção guiada pelo ecocardiograma, sendo retirado 30ml de líquido serossanguinolento, sem complicações. Ecocardiograma de controle, 12 horas após a punção, demonstrou derrame pericárdico de moderado volume, com sinais de restrição sistólica, houve rápida piora clínica, apresentando quadro de choque cardiogênico. Foi encaminhado para sala operatória, onde, após monitorização, foi realizada esternotomia median, sendo observada imediata melhora dos parâmetros hemodinâmicos. Realizou-se pericardiotomia mediana, onde se identificou massa tumoral esbranquiçada, de contornos bem definidos, comprimindo o átrio direito e veia cava superior, com moderada quantidade de líquido pericárdico, de aspecto serossanguinolento. Procedeu-se à ressecção da mesma, que se achava aderida por pedículo fino à face anterior da aorta ascendente (Figura 3). Houve boa evolução pós-operatória imediata. A massa tumoral apresentava diâmetro aproximado de 4 a 4,5cm, sendo enviada para estudo anatomopatológico, que revelou tratar-se de teratoma intrapericárdico.


A criança apresentou boa evolução, com alta hospitalar sem medicações cardiológicas. Atualmente, após seis meses da operação, vem apresentando bom desenvolvimento pondero-estatural, sem sintomas de origem cardiológica.

DISCUSSÃO

Teratomas são neoplasias originadas de células pluripotenciais, de incidência incerta, não existindo preponderância de sexo, sendo mais freqüente em recém-nascidos e lactentes jovens [2], quando diagnosticados no período neonatal, seu tratamento de escolha é a excisão cirúrgica. Sua ressecção completa proporciona bom prognóstico, representando o único tratamento curativo. A operação é necessária porque a compressão pode afetar os tecidos adjacentes, além disso, os tumores no mediastino podem apresentar transformação maligna [3]. Segundo Miana et al. [4], tumores primários do coração são realmente raros, na sua grande maioria benignos e de fácil diagnóstico, embora seja recomendado um acompanhamento ecocardiográfico anual para possível detecção de raros casos de recidiva. Autores como Cangemi et al. [5], Heirigs e Mooss [6] sugeriram que o tratamento conservador deve ser adotado em casos de pacientes assintomáticos, com acompanhamento clínico freqüente e com uso de exames complementares de rotina.

No caso por nós relatado, a seqüência de tratamento foi semelhante, porém, após a abertura do pericárdio, não se evidenciou líquido hemorrágico, sugerindo que houve rápida progressão do derrame; provavelmente, houve relação com a compressão de estruturas cardíacas, ou mesmo inadequado esvaziamento do derrame após a punção. Patel et al. [7] consideraram que o melhor método diagnóstico não-invasivo é o ecocardiograma, diferenciando a lesão de estruturas vasculares, relações entre estruturas e acompanhamento de crescimento do cisto. Todo o diagnóstico realizado em nosso caso foi revelado com ecocardiograma, que adquire papel importante na avaliação do tumor cardíaco e das suas relações intracardíacas [8], além do diagnóstico, pôde demonstrar sinais de restrição sistólica. Importante fator, a nosso ver, foi a pronta realização da operação, em caráter de urgência, para ressecção do tumor e alívio completo dos sintomas.

Podemos inferir que a punção dirigida pelo ecocardiograma pode aliviar um quadro de choque cardiogênico por um tumor intrapericárdico, porém a cirurgia confere a cura definitiva nessas situações.

Artigo recebido em 13 de julho de 2007

Artigo aprovado em 11 de agosto de 2007

Trabalho realizado no Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

  • 1. Ribeiro PJF, Amaral FTV, Évora PRB, Vicente WVA. Teratoma intrapericárdico. Relato de caso e revisão da literatura. Arq Bras Cardiol. 1996;66(6):361-4.
  • 2. Moraes CR, Mattos S, Rodrigues JV, Santos CL, Gomes CA, Tenório E. Diagnóstico e tratamento cirúrgico do teratoma intrapericárdico. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1996;11(1):44-7.
  • 3. Santos PC, Maia CP, Pereira JCP, Oliveira TCA. Teratoma gigante de mediastino: achado cirúrgico pós-trauma torácico. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2007;22(2):252-4.
  • 4. Miana AA, Passos PHC, Whitaker JF, Loures JBL, Pimentel RC, Muniz AJ, et al. Tumores cardíacos: 10 anos de experiência. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1997;12(1):46-51.
  • 5. Cangemi V, Volpino P, Gualdi G, Polettini E, Frati R, Cangemi B, et al. Pericardial cysts of the mediastinum. J Cardiovasc Surg. 1999;40(6):909-13.
  • 6. Heirigs R, Mooss A. Images in cardiology: pericardial cyst. Clin Cardiol. 2004;27(9):507.
  • 7. Patel J, Park C, Michaels J, Rosen S, Kort S. Pericardial cyst: case reports and a literature review. Echocardiography. 2004;21(3):269-72.
  • 8. Lima PRL, Crotti PLR. Tumores cardíacos malignos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(1):64-73.
  • Endereço para correspondência:
    Marcelo Biscegli Jatene
    Rua João Moura, 1535
    São Paulo, SP
    Brasil - CEP: 05412-003
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      11 Ago 2007
    • Recebido
      13 Jul 2007
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