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Hemoptise e hemotórax como apresentação de ruptura de aorta torácica

Resumos

Dissecção da aorta torácica é doença de grande mortalidade em sua fase inicial, mas pode, em alguns casos, se cronificar. Relatamos caso de paciente com dissecção crônica de aorta tipo B (Stanford), admitido na Emergência com confusão mental, dispnéia e relato de hemoptise importante. O eletrocardiograma mostrava alterações inespecíficas e a radiografia de tórax revelou opacificação do hemitórax esquerdo. O ecocardiograma transtorácico não evidenciou dissecção aórtica, mas demonstrou imagem compatível com hemotórax, ocasionando a suspeita de ruptura da aorta. O paciente evoluiu em colapso cardiovascular e óbito. Este caso descreve duas apresentações atípicas da dissecção de aorta: hemotórax e hemoptise importante.

Aneurisma dissecante; Aneurisma da aorta torácica; Hemotórax; Fístula; Ecocardiografia


Thoracic aortic dissection is a disease of great mortality in its initial phase, but in some cases it can assume chronic course. We report a case of a patient with Stanford type A1 aortic dissection, admitted with mental confusion, dyspnea and event of severe hemoptysis. Electrocardiogram showed unspecific change and chest X-ray revealed opacification of the left hemithorax. Transthoracic echocardiogram did not show aortic dissection, but showed image similar to hemithorax leading to the suspicion of aortic rupture. The patient developed cardiovascular collapse and evolved to death. This case describes two unusual presentations of aortic dissection: hemothorax and severe hemoptysis.

Aneurysm, dissecting; Aortic aneurysm, horacic; Hemothorax; Fistula; Echocardiography


RELATOS DE CASO

Hemoptise e hemotórax como apresentação de ruptura de aorta torácica

Márcio Silva Miguel LimaI; Marcelo Luiz Campos VieiraII

IEspecialista em Cardiologia e Ecocardiografia; Doutorando em Ecocardiografia e Médico Plantonista do Serviço de Emergência do Instituto do Coração (InCor) do HCFMUSP

IIPós-Doutorado na Tufts University NEMC Boston, Massachusetts, Estados Unidos; Médico Assistente do Serviço de Ecocardiografia do Instituto do Coração (InCor) do HCFMUSP

CorrespondênciaCorrespondência: Dr. Márcio Lima Serviço de Ecocardiografia, Instituto do Coração do Hospital das Clínicas Av. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, Cerqueira César CEP: 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil E-mail: marcio.lima@incor.usp.br

RESUMO

Dissecção da aorta torácica é doença de grande mortalidade em sua fase inicial, mas pode, em alguns casos, se cronificar. Relatamos caso de paciente com dissecção crônica de aorta tipo B (Stanford), admitido na Emergência com confusão mental, dispnéia e relato de hemoptise importante. O eletrocardiograma mostrava alterações inespecíficas e a radiografia de tórax revelou opacificação do hemitórax esquerdo. O ecocardiograma transtorácico não evidenciou dissecção aórtica, mas demonstrou imagem compatível com hemotórax, ocasionando a suspeita de ruptura da aorta. O paciente evoluiu em colapso cardiovascular e óbito. Este caso descreve duas apresentações atípicas da dissecção de aorta: hemotórax e hemoptise importante.

Descritores: Aneurisma dissecante/cirurgia. Aneurisma da aorta torácica/complicações. Hemotórax. Fístula. Ecocardiografia.

INTRODUÇÃO

A dissecção da aorta torácica é uma das doenças de maior mortalidade. Entre as suas complicações estão insuficiência aórtica, comprometimento coronariano com infarto agudo do miocárdio e ruptura com tamponamento cardíaco [1]. No caso de ruptura, a sua apresentação habitual é dor torácica de forte intensidade, lancinante, de início abrupto, com irradiação principalmente para o dorso, em vigência de altos níveis pressóricos. Dentre as apresentações não usuais, são descritos o hematoma retrofaríngeo, hemotórax e a hemoptise maciça secundária a fístula aorto-brônquica, estes com incidência inferior a 10% dos casos [2].

RELATO DO CASO

Em setembro de 2007, foi atendido um paciente masculino, 77 anos, pardo, procedente de São Paulo, que procurou o Serviço de Emergência do Instituto do Coração (InCor) com quadro de dispnéia de início súbito havia 6 horas da entrada, acompanhada de dor torácica ventilatóriodependente e vários episódios de hemoptise de grande volume (perda total estimada em 300-400 ml).

Como antecedentes mórbidos, tratava-se de um paciente portador de insuficiência renal crônica em tratamento conservador, diabetes mellitus tipo 2, ex-tabagista e hipertenso há vários anos, em uso de hidroclorotiazida 25 mg, propranolol 80 mg 12/12h, amlodipino 5 mg 12/12h, hidralazina 50 mg 8/8h e furosemida 40 mg. Era portador, ainda, de dissecção crônica de aorta tipo B, em tratamento clínico por recusa ao tratamento cirúrgico. Sua angioressonância mostrou, na ocasião, aorta com trajeto tortuoso medindo 38 mm na raiz da aorta e 42 mm na aorta ascendente. Arco aórtico proximal medindo 37 mm, arco médio, 36 mm, arco distal e início da aorta descendente dilatado e com diâmetro máximo de 72 mm. Transição tóracoabdominal de 40 mm.

Após a emergência da artéria subclávia esquerda, visualizava-se linha de dissecção estendendo-se até aorta abdominal. Falsa luz parcialmente trombosada. Maior diâmetro de 72 mm com luz verdadeira de 30 mm no início da porção descendente da aorta torácica. As principais imagens são mostradas na Figura 1 (A, B, C, D e E). Sua última avaliação radiológica foi realizada havia um ano da admissão.






Na admissão, encontrava-se em regular estado geral, sonolento, descorado (+3/+4), com os seguintes dados vitais: frequência cardíaca 72 bpm, frequência respiratória 32 ipm, SatO2 86% em ar ambiente, PA 110X70 mmHg. A ausculta pulmonar evidenciou redução de ruídos em hemitórax esquerdo, e a ausculta cardíaca mostrou bulhas hipofonéticas. O exame abdominal não demonstrou anormalidades e os pulsos distais encontravam-se simétricos.

Na sua evolução, enquanto aguardava os exames iniciais, apresentou instabilidade hemodinâmica, sem recorrência da hemoptise. Feita expansão volêmica com cristalóide e hemotransfusão, além do uso de droga vasopressora (noradrenalina), com melhora da pressão arterial e da perfusão periférica.

O eletrocardiograma (ECG) mostrou somente alterações inespecíficas. A radiografia de tórax evidenciou alargamento do mediastino, desvio da traquéia à direita e opacificação de todo hemitórax esquerdo (Figura 2). Os exames laboratoriais mostraram: hemoglobina 6,5mg/dL; hematócrito 19%, contagem global de leucócitos 14.700/ mm3, contagem de plaquetas 195.000, creatinina 6,15mg/dL, uréia 139 mg/dL e coagulograma normal.


O paciente continuou a piorar seu estado clínico, evoluindo em insuficiência respiratória, sendo necessários intubação orotraqueal e suporte ventilatório mecânico.

Em seguida, foi realizado ecocardiograma transtorácico na beira do leito, que detectou presença de volumosa quantidade de líquido com densidade compatível com sangue em espaço pleural esquerdo, ratificando hipótese clínica inicial de hemotórax (Figura 3). A aorta ascendente não foi adequadamente visualizada por motivo de janela ecocardiográfica limitada. Neste momento, as hipóteses diagnósticas foram: aneurisma e ruptura de aorta torácica, com hemotórax maciço e fístula aorto-brônquica.


Colapso cardiovascular e bradicardia não tornaram possível a realização do método transesofágico.

O paciente evoluiu em choque refratário à tentativa de estabilização clínica, sem possibilidade de tratamento cirúrgico, e óbito no seguimento. Exame de necropsia não foi realizado.

DISCUSSÃO

Nesse relato, apresentamos caso de um paciente com diagnóstico prévio de dissecção crônica da aorta tipo B (Stanford) havia pelo menos 2 anos, não operada por recusa do mesmo, admitido no serviço de emergência com quadro de confusão mental, dor torácica e episódios de hemoptise. A radiografia de tórax demonstrou opacificação do pulmão esquerdo, compatível com hemotórax, que foi igualmente demonstrado com o estudo ecocardiográfico transtorácico à beira do leito.

Dentre os exames disponíveis para o diagnóstico de dissecção de aorta, o ecocardiograma se mostra um excelente método por poder ser realizado à beira do leito, não necessitando de transporte do paciente, situação a ser considerada na vigência de instabilidade hemodinâmica. O ecocardiograma transesofágico apresenta sensibilidade semelhante à angiotomografia e à angioressonância de aorta para o diagnóstico de dissecção [3]. Em estudos específicos, tem se mostrado um método rápido e acurado, diminuindo significativamente o tempo para encaminhar o paciente para tratamento cirúrgico e, assim, a mortalidade [4].

O colapso cardiovascular progressivo deste paciente impossibilitou a realização deste e de outros exames e, desta forma, diagnóstico mais preciso. No entanto, a detecção de imagem compatível com sangue dentro do espaço pleural esquerdo (hemotórax) no ecocardiograma transtorácico foi evidência forte para o diagnóstico de ruptura da aorta torácica. Este é um dos principais diagnósticos diferenciais para pacientes com hemotórax não-traumáticos, com mortalidade superior a 90% [5-7].

Além disso, a presença de hemotórax é um importante fator prognóstico negativo, ao lado da presença de derrame pericárdico com ou sem tamponamento e patência do falso lúmen da dissecção [8]. Outro aspecto importante é a história de hemoptise franca antes da chegada do paciente na emergência, fato compatível com presença de fístula aorto-brônquica. A fístula entre a aorta proximal e a artéria pulmonar é uma complicação grave, na maioria das vezes fatal, sendo o seu diagnóstico rápido aspecto importante para correção cirúrgica e sobrevida do paciente [9]. Este paciente evoluiu com rápida deterioração clínica, com choque refratário, colapso cardiovascular e morte, sem possibilidade de tratamento cirúrgico.

Nos casos estáveis, crônicos, a recomendação da Sociedade Brasileira de Cardiologia, em suas diretrizes, é de encaminhar todo paciente sintomático para correção cirúrgica, e nos assintomáticos, quando o maior diâmetro da aorta torácica, no caso descendente, for superior a 6,0cm. Atualmente, está havendo também maior abertura ao tratamento percutâneo (implantação de stent) nos centros com maior experiência nesta abordagem, e naqueles pacientes com anatomia favorável [10].

Artigo recebido em 6 de agosto de 2008

Artigo aprovado em 15 de dezembro de 2008

Trabalho realizado no Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo, SP, Brasil.

  • 1. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes para cirurgia das doenças da aorta. Arq Bras Cardiol. 2004;82(supl V):36-50.
  • 2. Newton AI. Spontaneous retropharyngeal hematoma: an unusual presentation of thoracic aortic dissection. J Emerg Med. 2006;31(1):45-8.
  • 3. Nienaber CA, von Kodolitsch Y, Nicolas V, Siglow V, Piepho A, Brockhoff C, et al. The diagnosis of thoracic aortic dissection by noninvasive imaging procedures. N Engl J Med. 1993;328(1):1-9.
  • 4. Penco M, Paparoni S, Dagianti A, Fusilli C, Vitarelli A, De Remigis F, et al. Usefulness of transesophageal echocardiography in the assessment of aortic dissection. Am J Cardiol. 2000;86(4A):53G-6.
  • 5. Ayrik C, Cece H, Aslan O, Karcioglu O, Yilmaz E. Seeing the invisible: painless aortic dissection in the emergency setting. Emerg Med J. 2006;23(3):e24.
  • 6. Gandelman G, Barzilay N, Krupsky M, Resnitzky P. Left pleural hemorrhagic effusion. A presenting sign of thoracic aortic dissecting aneurysm. Chest. 1994;106(2):636-8.
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  • 8. Bossone E, Evangelista A, Isselbacher E, Trimarchi S, Hutchison S, Gilon D, et al. Prognostic role of transesophageal echocardiography in acute type A aortic dissection. Am Heart J. 2007;153(6):1013-20.
  • 9. Thistlethwaite PA, Kriett JM, Madani MM, Jamieson SW. Acquired aortopulmonary fistula in acute dissection. J Thorac Cardiovasc Surg. 2001;121(6):1213-5.
  • 10. Albuquerque LC, Braile DM, Palma JH, Saadi EK, Gomes WJ, Buffolo E. Diretrizes para o tratamento cirúrgico das doenças da aorta da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2007;22(2):137-59.
  • Correspondência:

    Dr. Márcio Lima
    Serviço de Ecocardiografia, Instituto do Coração do Hospital das Clínicas
    Av. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, Cerqueira César
    CEP: 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Recebido
      06 Ago 2008
    • Aceito
      15 Dez 2008
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