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Tática para cirurgia de correção da coarctação da artéria pulmonar sem uso de circulação extracorpórea

Resumos

A coarctação de artéria pulmonar é comum em pacientes com atresia pulmonar. A correção tem sido com CEC e no período neonatal, quando influencia o desenvolvimento das artérias pulmonares e o prognóstico. Foram corrigidos três pacientes por esternotomia mediana com atresia pulmonar dependentes do ducto arterioso (PCA) sem uso de CEC. O PCA mantinha a saturação durante a confecção do Blalock Taussig na artéria pulmonar contralateral. Arterioplastia foi realizada com sutura de pericárdio autólogo com PDS 7-0 e saturação mantida pelo Blalock. Todos pacientes tiveram boa evolução e alta hospitalar com avaliação de controle demonstrando bom alargamento da área coarctada.

Artéria pulmonar; Atresia pulmonar; Cardiopatias congênitas; Circulação extracorpórea; Circulação pulmonar


Pulmonary artery coarctation often happens in patients with pulmonary atresia. The correction has been usually performed using cardiopulmonary bypass and during the neonatal period, influencing pulmonary artery development and prognosis. Three patients with pulmonary atresia with PDA underwent correction using median sternotomy without cardiopulmonary bypass. The PDA maintained the arterial saturation during Blalock Taussig anastomoses upon the contralateral pulmonary artery. Arterioplasty was performed using an autologous pericardium with 7-0 PDS running suture and saturation was maintained by Blalock shunt. All patients presented good follow-up and where discharged with good enlargment of coarctation area.

Pulmonary artery; Pulmonary atresia; Heart defects, congenital; Extracorporeal circulation; Pulmonary circulation


COMO-EU-FAÇO

Tática para cirurgia de correção da coarctação da artéria pulmonar sem uso de circulação extracorpórea

Denoel Marcelino de OliveiraI; Andrey MonteiroII; Francisco José Saraiva LinoI; Alexandre Siciliano ColafranceschiIII

IMestre em Cirurgia Cardiovascular; Cirurgião Cardiovascular do Instituto Nacional de Cardiologia, Rio de Janeiro, RJ - Ministério da Saúde

IIEspecialista pela SBCCV; Cirurgião Cardiovascular do Instituto Nacional de Cardiologia, Rio de Janeiro, RJ - Ministério da Saúde

IIIDoutor em Cirurgia Cardiovascular; Chefe do Departamento de Cirurgia Cardiovascular do Instituto Nacional de Cardiologia, Rio de Janeiro, RJ - Ministério da Saúde

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Denoel Marcelino de Oliveira Av. Via Parque da Lagoa, 3715 bloco 9 apto 109 Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 22775-050 E-mail: drdenoel@hotmail.com

RESUMO

A coarctação de artéria pulmonar é comum em pacientes com atresia pulmonar. A correção tem sido com CEC e no período neonatal, quando influencia o desenvolvimento das artérias pulmonares e o prognóstico. Foram corrigidos três pacientes por esternotomia mediana com atresia pulmonar dependentes do ducto arterioso (PCA) sem uso de CEC. O PCA mantinha a saturação durante a confecção do Blalock Taussig na artéria pulmonar contralateral. Arterioplastia foi realizada com sutura de pericárdio autólogo com PDS 7-0 e saturação mantida pelo Blalock. Todos pacientes tiveram boa evolução e alta hospitalar com avaliação de controle demonstrando bom alargamento da área coarctada.

Descritores: Artéria pulmonar. Atresia pulmonar. Cardiopatias congênitas. Circulação extracorpórea. Circulação pulmonar.

INTRODUÇÃO

A estenose da artéria pulmonar no local de inserção do ducto arterioso, também denominada de coarctação da artéria pulmonar, foi descrita em 1954 por Sondergaard [1]. A estenose na artéria pulmonar justaductal é extremamente comum, podendo acontecer em até 60% dos casos com atresia pulmonar e em até 10% dos pacientes com estenose pulmonar [2-4]. Oliveira et al. [5] descreveram, em nosso meio, em um estudo com avaliação de 766 cateterismos, que existia obstrução pulmonar em 37,7% dos casos com atresia pulmonar, 8,6% nos casos com estenose pulmonar, 17,2% nos casos de tetralogia de Fallot e 28,3% nos casos de dupla via de saída do ventrículo direito com estenose pulmonar. Nos casos de atresia pulmonar com atresia do tronco da artéria pulmonar, os níveis de obstrução podem chegar a 75% [2].

A correção cirúrgica da coarctação da artéria pulmonar deve ser realizada o mais precoce possível, principalmente nos pacientes que têm indicação de correção univentricular [6]. A realização da correção da coarctação da artéria pulmonar permite bom desenvolvimento da árvore pulmonar, favorecendo a vascularização e manutenção de baixa resistência nas artérias pulmonares [7]. Com o retardamento do tratamento cirúrgico, os procedimentos futuros poderão ser mais complexos e com resultado menos favorável devido ao hipodesenvolvimento do pulmão, que recebe menor fluxo sanguíneo [8].

Atualmente, o tratamento da coarctação da artéria pulmonar tem sido realizado ainda no período neonatal e com uso de circulação extracorpórea em vários centros ao redor do mundo [6,7,9]. A utilização de circulação extracorpórea no período neonatal impõe à criança a uma grande estimulação inflamatória e pode dobrar seu volume sanguíneo intravascular [10]. Além disso, pode ser necessária a utilização de hipotermia mais acentuada, com o intuito de diminuir o fluxo arterial, para facilitar a visualização do campo operatório, com a possibilidade de déficit neurológico [11].

Objetivamos, dessa forma, demonstrar a possibilidade e os resultados imediatos da correção cirúrgica da coarctação da artéria pulmonar sem utilização de circulação extracorpórea, como anteriormente relatado por Oliveira et al. [12].

MÉTODOS

No período entre abril e outubro de 2008, três crianças com coarctação da artéria pulmonar (CoAP) foram operadas no Instituto Nacional de Cardiologia sem utilização de circulação extracorpórea. Duas crianças eram do sexo feminino e uma do sexo masculino. Uma tinha peso de 2,7 kg e as outras duas peso de 5 kg. Uma criança tinha 7 dias de vida e as outras duas 2 e 5 meses (Tabela 1).

Duas crianças apresentavam estenose pulmonar justaductal esquerda e uma justaductal direita com canal arterial nutrindo o ramo direito da artéria pulmonar. Duas apresentavam atresia pulmonar (AP) com comunicação interventricular (CIV), porém com ventrículo direito hipoplásico e, uma, atresia pulmonar com CIV com possibilidade de tratamento biventricular, mas se apresentava em crise cianótica com indicação de confecção de shunt sistêmico-pulmonar. Todas as crianças tiveram diagnóstico confirmado com angiotomografia com múltiplos detectores previamente à cirurgia e foram submetidas a exame de controle no pós-operatório.

TÉCNICA CIRÚRGICA

O procedimento foi realizado com monitorização da pressão invasiva na artéria radial contralateral à artéria subclávia utilizada para confecção do shunt sistêmicopulmonar. Utilizou-se acesso venoso profundo com cateter duplo lúmen e sondagem vesical. O acesso cirúrgico utilizado em todas as crianças foi a esternotomia mediana, com ressecção parcial do tecido do timo.

O saco pericárdico foi incisado em "T" invertido com retirada de um fragmento de pericárdio autólogo, mantido em soro fisiológico, para reconstrução da artéria pulmonar. Realizou-se ampla dissecação dos vasos da base e do canal arterial patente (PCA), expondo claramente a região de coarctação na artéria pulmonar (Figura 1). Todas as crianças tiveram o PCA dissecado cuidadosamente para manter a saturação arterial de oxigênio durante a confecção do shunt sistêmico-pulmonar na artéria pulmonar contralateral.


Utilizou-se infusão de um bolus de 1 mg/kg de heparina, que era repicado se o tempo de coagulação ativada (TCA) estivesse abaixo de 250 segundos. A artéria pulmonar contralateral ao PCA foi amplamente dissecada e reparada por fios. O resquício do tronco da artéria pulmonar foi ligado e seccionado para evitar distorções dos ramos da artéria pulmonar. A artéria subclávia, junto ao tronco braquiocefálico, foi dissecada e reparada por fios, recebendo, então, uma pinça vascular atraumática em posição lateral. Realizou-se uma arteriotomia longitudinal de tamanho ideal para anastomose do tubo de politetrafluoretileno (PTFE), previamente seccionado em bisel. O tubo de PTFE de 4 ou 5 milímetros foi anastomosado, término-lateralmente, na artéria subclávia, com utilização de sutura contínua com fio de polipropileno 7-0 (Figura 1B). A artéria pulmonar recebeu, então, duas pinças vasculares atraumáticas retas em posição transversal, permitindo que não houvesse distorção do PCA. O shunt sistêmico-pulmonar foi completado com implante término-lateral do tubo de PTFE na artéria pulmonar com sutura contínua com fio de polipropileno 7-0.

Durante todo o procedimento da confecção do shunt sistêmico-pulmonar, a saturação arterial foi mantida pelo fluxo de sangue pelo PCA na artéria pulmonar contralateral (Figura 1B). As pinças da artéria subclávia e das pulmonares foram retiradas, permitindo fluxo através do shunt sistêmicopulmonar, que mantinha a saturação sanguínea de oxigênio durante a reconstrução da artéria pulmonar coarctada.

O PCA foi então amplamente dissecado e ligado duplamente com sutura de polipropileno 6-0. Em seguida, o PCA foi seccionado, permitindo ampla dissecação do restante da artéria pulmonar contralateral ao shunt sistêmico-pulmonar. Utilizaram-se duas pinças vasculares retas atraumáticas, de modo a deixar uma ampla exposição de artéria pulmonar, que inclui o segmento de estreitamento da coarctação. Nesse período, a saturação sanguínea de oxigênio foi mantida pelo fluxo de sangue pelo shunt sistêmico-pulmonar confeccionado previamente. Realizou-se uma abertura longitudinal ampla na artéria pulmonar, inclusive no segmento de coarctação. O fragmento de pericárdio autólogo fresco foi utilizado para realizar alargamento da artéria pulmonar com sutura contínua com fio absorvível de polidioxanona (PDS) 7-0 (Figura 3). Após o término da arterioplastia com pericárdio autólogo, as pinças vasculares atraumáticas foram retiradas, restabelecendo o fluxo sanguíneo completo para ambas as artérias pulmonares pelo influxo de sangue pelo shunt sistêmico-pulmonar. A heparinização foi mantida em bomba de infusão por no mínimo 24 horas, para evitar a formação de trombos nos segmentos manipulados.


RESULTADOS

Foram implantados dois tubos de PTFE de 4 mm e um de 5 mm, utilizando a técnica descrita anteriormente. Todas as cirurgias foram realizadas com excelente estabilidade hemodinâmica e sem necessidade de circulação extracorpórea. Todos os pacientes apresentaram boa evolução e alta hospitalar, uma com 5 e duas com 6 dias de pós-operatório (Tabela 1). Todas foram submetidas à avaliação de controle com bom alargamento da região de CoAP avaliada por angiotomografia com múltiplos detectores (Figura 4). As crianças não apresentaram sangramento devido à manutenção da heparinização.


DISCUSSÃO

A coarctação da artéria pulmonar é uma afecção descrita há mais de 50 anos e muito comum nos casos que apresentam algum grau de estenose da via de saída do ventrículo direito [1-3]. Luhmer et al. [13] demonstraram que 36%, nove entre 25 neonatos, com cianose devido à obstrução da via de saída do ventrículo direito, apresentavam estenose pulmonar justaductal associada à invasão do tecido ductal na artéria pulmonar. Pelo desconhecimento e/ou pouca investigação das obstruções ao nível das artérias pulmonares, muitas crianças têm sido diagnosticadas apenas tardiamente, piorando o prognóstico, principalmente nos casos com evolução para cirurgia de Fontan.

A necessidade de cirurgia precoce, principalmente nos casos com indicação de correção univentricular, é mandatória e advogada por vários centros ao redor do mundo [6,7,9,14]. O objetivo principal é restabelecer o fluxo adequado para ambas as artérias pulmonares. Desta forma, previne-se a hipoplasia unilateral da árvore arterial pulmonar e, consequentemente, o crescimento de colaterais brônquicas tortuosas [13].

A correção cirúrgica com alargamento da zona de coarctação com uso de pericárdio autólogo é realizada por vários grupos [6,7,9]. A cirurgia é normalmente realizada com circulação extracorpórea, o que ocasiona uma exacerbação da resposta inflamatória com aumento do período de internação e de complicações [10]. O período de internação hospitalar nesse grupo de três pacientes foi de, no máximo, 6 dias (Tabela 1), extremamente curto se comparado com a média de 13,5 ± 12,3 dias, somente de internação em CTI, relatados por outros grupos que realizam o procedimento com circulação extracorpórea [9].

A possibilidade da confecção do shunt sistêmicopulmonar utilizando o PCA para manter a saturação arterial de oxigênio é fundamental para a realização do procedimento sem a necessidade de circulação extracorpórea [12]. Para isso, devem-se dissecar as estruturas anatômicas sem que ocorram lesões, espasmo ou distorção do PCA durante o preparo e confecção das anastomoses do shunt sistêmicopulmonar (Figura 1C).

CONCLUSÕES

Mesmo em um grupo com pequeno número de pacientes, essa tática parece favorável para o tratamento da coarctação da artéria pulmonar, evitando a utilização de circulação extracorpórea e seus efeitos deletérios. A realização da cirurgia no período neonatal proporciona bom alargamento da estenose da artéria pulmonar com possibilidade de bom desenvolvimento, principalmente no grupo de candidatos a cirurgia de Fontan.

Artigo recebido em 4 de julho de 2009

Artigo aprovado em 13 de novembro de 2009

Trabalho realizado no Instituto Nacional de Cardiologia/Ministério da Saúde - Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Denoel Marcelino de Oliveira
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      13 Nov 2009
    • Recebido
      04 Jul 2009
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