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Transplante cardíaco em criança com miocárdio não compactado

CORRELAÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA

Transplante cardíaco em criança com miocárdio não compactado

Ulisses Alexandre Croti; Domingo Marcolino Braile; Airton Camacho Moscardini; Ana Carolina Leiroz Ferreira Botelho Maisano Kozak

Serviço de Cirurgia Cardiovascular Pediátrica de São José do Rio Preto - Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Ulisses Alexandre Croti Hospital de Base - FAMERP Avenida Brigadeiro Faria Lima, 5544 CEP 15090-000 - São José do Rio Preto - SP - Brasil Fone (Fax): 17 - 97726560 / 3201 5025 E-mail: uacroti@uol.com.br

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Heart transplantation in child with non-compacted myocardium (Transplante_cardiaco_crianca-2.wmv)

Transplante cardíaco em criança com miocárdio não compactado

Heart transplantation in child with non-compacted myocardium

Ulisses Alexandre Croti; Domingo Marcolino Braile; Airton Camacho Moscardini; Ana Carolina Leiroz Ferreira Botelho Maisano Kozak

Rev Bras Cir Cardiovasc 2010;25(2)

Transplante cardíaco em criança com miocárdio não compactado

Heart transplantation in child with non-compacted myocardium

Ulisses Alexandre Croti; Domingo Marcolino Braile; Airton Camacho Moscardini; Ana Carolina Leiroz Ferreira Botelho Maisano Kozak

Rev Bras Cir Cardiovasc 2010;25(2)

DADOS CLÍNICOS

Criança do sexo masculino, 1 ano e 7 meses, 11 kg, procedente de Olímpia (SP). Encaminhado ao Serviço de Cardiologia Pediátrica de São José do Rio Preto para investigação de cardiopatia.

História clínica de cansaço desde os 3 meses, com taquipneia aos esforços, crises de broncoespasmo e dificuldade de ganho de peso. Com 1 ano de vida foi internado na Unidade de Terapia Intensiva da Cardiologia Pediátrica (UTICP) por quadro de broncoespasmo e taquipneia importante, mostrando sinais de insuficiência cardíaca congestiva descompensada (ICC).

Ao exame físico, encontrava-se em regular estado geral, corado, hidratado, dispneico e afebril. Ritmo cardíaco regular, em dois tempos, sem sopros. A ausculta pulmonar revelava murmúrio vesicular presente bilateralmente, com ruídos adventícios nas bases. No abdome, chamava atenção a hepatomegalia. Pressões arteriais e pulsos eram normais nos quatro membros, sem edemas.

Após os exames complementares, ficou evidente o diagnóstico de miocárdio não compactado e trombos em ventrículo esquerdo (VE), sendo iniciadas medidas para tratamento da ICC e anticoagulação vigorosa. Durante essa internação, a criança apresentou um episódio de parada cardíaca, porém sem sequelas.

Todas as medicações para tratamento da ICC foram otimizadas e mesmo assim a criança apresentava constantes internações devido à grave disfunção miocárdica. Após 4 meses na UTICP, em uso endovenoso de drogas vasoativas e inúmeros exames complementares, foi possível o transplante cárdico.

ELETROCARDIOGRAMA

Ritmo sinusal, frequência de 110 bat/min, SÂP + 30º, SÂQRS + 120º, intervalo PR 0,12s, intervalo QRS 0,10s. Sobrecarga atrial esquerda, área eletricamente inativa na parede lateral (onda Q presente de V4 a V6) e alteração difusa da repolarização ventricular (Figura 1).


RADIOGRAMA

Situs solitus visceral em levocardia. Área cardíaca aumentada, com índice cardiotorácico de 0,70. Trama vascular pulmonar dentro dos limites de normalidade (Figura 2).


ECOCARDIOGRAMA

Situs solitus em levocardia, conexões venoatrial, atrioventricular e ventriculoarterial normais. Cardiomiopatia dilatada de grau importante, com dilatação e disfunção contrátil importante do VE e imagens sugestivas de miocárdio não compactado, insuficiência mitral moderada, insuficiência aórtica discreta e disfunção moderada do ventrículo direito (VD). A pressão média de artéria pulmonar estimada em 15 mmHg (Figuras 3 e 4).



DIAGNÓSTICO

A piora do quadro clínico, com necessidade constante de internação na UTICP e drogas vasoativas, além da presença de trombos em VE, os quais embolizaram causando acidente vascular cerebral isquêmico na criança, sem sequelas neurológicas e a exclusão de miocardite com a cintilografia com gálio 67 negativa, além da baixa pressão na artéria pulmonar, entre outras, permitiram a indicação do transplante cardíaco [1].

OPERAÇÃO

A operação, pela primeira vez realizada em nosso Serviço, transcorreu com o doador e o receptor em salas operatórias paralelas.

A doadora, do sexo feminino, com 1 ano e 3 meses, 10 kg, foi submetida à toracotomia transesternal mediana, abertura de pericárdio, análise das estruturas cardíacas e ampla dissecção da mesma. Após essa avaliação, que complementou o ecocardiograma prévio, enquanto o fígado e outros órgãos eram preparados para retirada simultânea, a mesma equipe iniciou a toracotomia no receptor, com confecção de bolsas, heparinização e introdução de cânulas na aorta e veias cavas.

Com o receptor preparado para iniciar o auxílio da circulação extracorpórea (CEC), a equipe retornou à sala da criança doadora e realizou a retirada do coração, o qual foi protegido com solução cardioplégica HTK (Custodiol®).

Com o órgão na sala do receptor, devidamente protegido em solução salina 0,9% gelada, deu-se início ao preparo do coração a ser implantado e imediatamente à CEC e retirada do órgão doente (vídeo 1), o qual foi posteriormente encaminhado para análise no laboratório de patologia, confirmando o diagnóstico de miocárdio não compactado (Figura 5).


O procedimento realizado foi transplante cardíaco ortotópico bicaval, como utilizado de rotina no maior centro de transplante cardíaco infantil de nosso País [2], iniciandose as anastomoses pelo apêndice atrial esquerdo, átrio esquerdo, veia cava inferior, veia cava superior (VCS), artéria pulmonar e aorta. AVCS da doadora era menor que do receptor e necessitou ser ampliada. Os demais vasos apresentavam diâmetros compatíveis. Em todas as suturas foram utilizados fios inabsorvíveis de polipropileno 5-0 e 6-0. A 28ºC, o tempo de auxílio de CEC foi de 80 minutos e isquemia miocárdica de 75 minutos (Figura 6/vídeo 2).


No pós-operatório, o paciente evoluiu sem intercorrências, em uso apenas de isoproterenol, sendo extubado após 3 horas na UTICP.

A terapia de imunossupressão foi realizada com corticosteróides (metilprednisolona), inibidores de calcineurina (ciclosporina) e antiproliferativos (azatioprina). Posteriormente, a azatioprina foi substituída por micofenolato mofetil.

Controles clínicos com auxílio de exames complementares e estudo hemodinâmico com biopsia endomiocárdica não indicaram qualquer sinal de rejeição até o momento [3].

Artigo recebido em 10 de maio de 2010

Artigo aprovado em 1º de junho de 2010

  • 1. Bacal F, Souza-Neto JD, Fiorelli AI, Mejia J, Marcondes-Braga FG, Mangini S, et al. II Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco. Arq Bras Cardiol. 2010;94(1 supl.1):e16-e73.
  • 2. Azeka E, Barbero-Marcial M, Jatene M, Auler JO, Ramires JA. Eight-year experience of pediatric heart transplantation: clinical outcome using non-invasive methods for the evaluation of acute rejection. Pediatr Transplant. 2002;6(3):208-13.
  • 3. Pediatric heart transplantation protocol. Revised June 2002. Loma Linda: Loma Linda International Heart Institute, Loma Linda University Medical Center and Children's Hospital Transplantation Institute Cardiac Transplant Program;2002.
  • Endereço para correspondência:

    Ulisses Alexandre Croti
    Hospital de Base - FAMERP
    Avenida Brigadeiro Faria Lima, 5544
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010
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