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O risco dos escores de risco e o sonho pelo BraSCORE

EDITORIAL

O risco dos escores de risco e o sonho pelo BraSCORE

Omar Asdrúbal Vilca MejíaI; Luiz Augusto Ferreira LisboaII

IDoutor em Ciências (Cirurgia Cardiovascular) pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil

IIProfessor Livre Docente em Cirurgia Cardiovascular pela FMUSP, São Paulo, SP, Brasil

Os escores de risco são instrumentos de predição que podem auxiliar pacientes e profissionais da saúde na tomada de decisões, ao informar sobre o provável risco de complicações ou óbito de grupos de pacientes com perfil de risco semelhante e submetido ao mesmo procedimento. A existência dos escores de risco se remonta ao Collaborative Study in Coronary Artery Surgery (1980), mas o que realmente desencadeou a criação e a proliferação dos escores de risco foi a publicação, pela Health Care Financing Administration (1986), dos resultados sem ajuste ao risco da mortalidade nos hospitais do Medicare, nos Estados Unidos. A vantagem do escore é sua praticidade, pois exprime o risco global do paciente, representado pela soma dos valores atribuídos a cada uma das variáveis independentes. No Brasil, Ribeiro et al. [1] trouxeram, no mesmo contexto, lembranças de uma mortalidade bruta, impossível de ser aceita na cirurgia cardíaca moderna. Com o tempo, a incorporação do EuroSCORE [2] nos principais serviços da Europa trouxe a vista o efeito Hawthorne, explicando que nada melhorou, tanto os resultados em cirurgia cardíaca, no início do século, como a monitorização pelo EuroSCORE.

No entanto, devemos ter cuidado na incorporação de modelos de risco, porque devemos respeitar os princípios estatísticos da validação. Validar um modelo significa investigar sua calibração e discriminação em relação a uma determinada população sob determinadas condições. Para isso, as variáveis em estudo devem estar definidas de forma semelhante às descritas pelo modelo e a amostra deverá incluir, no mínimo, 100 óbitos. O registro dos dados deverá ser de preferência prospectivo e obrigatório. Na validação, a calibração avalia a acurácia do modelo para predizer risco em um grupo de pacientes e a discriminação mede a habilidade do modelo para distinguir entre pacientes de baixo e alto risco. Uma adequada calibração e, principalmente, boa discriminação são a base para um bom desempenho do modelo. Assim, para ter um modelo com alto poder de discriminação em geral é necessário haver muitas variáveis, trazendo o risco de overfitting. Por outro lado, modelos menores, mas que incluam variáveis como as descritas por Jones et al. [3], testadas por Tu et al. [4] e confirmadas por Ranucci et al. [5], apresentam boa calibração, mas infelizmente diminuição do poder de discriminação. Mesmo assim, não devemos esquecer que "menos variáveis quanto possíveis" é melhor para um modelo. Outra característica importante para a aderência ao modelo é que seja abrangente, para isso a metodologia é importante. Dentre as técnicas, o bootstrap é a mais eficiente para encontrar verdadeiros preditores independentes [6].

É evidente que modelos de risco derivados e validados em um local usualmente têm menor desempenho quando aplicados em outro local e inclusive no mesmo local ao longo do tempo. Sobre isto, Ivanov et al. [7] afirmaram que, para aplicar um escore de risco, este deverá primeiro ser remodelado (adaptação das variáveis e seus pesos) ou pelo menos recalibrado (adaptação dos pesos das variáveis) e nunca utilizado da forma ready-made (sem adaptação das variáveis e seus pesos). Com o tempo, o remodelamento do EuroSCORE seria necessário. Dessa forma, deu-se origem ao EuroSCORE II [8]. Entretanto, o conceito de Ivanov tomou força, quando modelos externos foram aplicados e remodelados localmente. Assim, Antunes, em Coimbra, seguido por Billah, na Austrália, Shih, em Taiwan, Berg, na Noruega, e Qadir, no Paquistão, trabalharam nessa vertente.

No Brasil, em nível local, méritos para o trabalho de Cadore et al. [9] que apresentaram o primeiro modelo préoperatório para cirurgia de coronária. No InCor-HCFMUSP, o remodelamento conjunto dos modelos EuroSCORE e 2000Bernstein-Parsonnet, por meio da técnica de bootstrap, deu origem ao InsCor [10,11]. Esse modelo teve desempenho semelhante ao EuroSCORE e foi mais simples do que este e que o 2000Bernstein-Parsonnet para predizer mortalidade nos pacientes operados de coronária e/ou valva no InCor (Figura 1).


Mas, sem dúvida, o conceito do BraSCORE (Brazilian System for Cardiac Operative Risk Evaluation) vai mais longe, permitirá desenvolver uma curva referencial preditiva do impacto da estrutura e recursos disponíveis para os programas sobre os resultados em morbidade e mortalidade hospitalar dos pacientes operados de cirurgia cardíaca no Brasil. O BraSCORE, se converterá no desafio a vencer, ao ensinar-nos os pontos fracos da prática assistencial.

Assim, do InsCor para o BraSCORE existe um longo, mas importante, caminho a ser percorrido.

Ao final, referência nacional ou internacional, o que será mais fácil, barato e apropriado?

  • 1. Ribeiro AL, Gagliardi SP, Nogueira JL, Silveira LM, Colosimo EA, Nascimento CAL. Mortality related to cardiac surgery in Brazil, 2000-2003. J Thorac Cardiovasc Surg. 2006;131(4):907-9.
  • 2. Nashef SA, Roques F, Michel P, Gauducheau E, Lemeshow S, Salamon R. European system for cardiac operative risk evaluation (EuroSCORE). Eur J Cardiothorac Surg. 1999;16(1):9-13.
  • 3. Jones RH, Hannan EL, Hammermeister KE, Delong ER, O'Connor GT, Luepker RV, et al. Identification of preoperative variables needed for risk adjustment of short-term mortality after coronary artery bypass graft surgery. The Working Group Panel on the Cooperative CABG Database Project. J Am Coll Cardiol. 1996;28(6):1478-87.
  • 4. Tu JV, Sykora K, Naylor CD. Assessing the outcomes of coronary artery bypass graft surgery: how many risk factors are enough? Steering Committee of the Cardiac Care Network of Ontario. J Am Coll Cardiol. 1997;30(5):1317-23.
  • 5. Ranucci M, Castelvecchio S, Conte M, Megliola G, Speziale G, Fiore F, et al. The easier, the better: age, creatinine, ejection fraction score for operative mortality risk stratification in a series of 29,659 patients undergoing elective cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2011;142(3):581-6.
  • 6. Austin PC, Tu JV. Bootstrap methods for developing predictive models. Am Stat. 2004;58(2):131-7.
  • 7. Ivanov J, Tu JV, Naylor CD. Ready-made, recalibrated, or remodeled? Issues in the use of risk indexes for assessing mortality after coronary artery bypass graft surgery. Circulation. 1999;99(16):2098-104.
  • 8. Nashef SA, Roques F, Sharples LD, Nilsson J, Smith C, Goldstone AR, et al. EuroSCORE II. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(4):734-45.
  • 9. Cadore MP, Guaragna JCVC, Anacker JFA, Albuquerque LC, Bodanese LC, Piccoli JCE, et al. Proposição de um escore de risco cirúrgico em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(4):447-56.
  • 10. Mejía OAV. Predição de mortalidade em cirurgia de coronária e/ou valva no InCor: validação de dois modelos externos e comparação com o modelo desenvolvido localmente (InsCor) [Tese de doutoramento]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2012.
  • 11. Mejía OAV, Lisboa LAF, Dallan LAO, Pomerantzeff PMA, Moreira LFP, Jatene FB, Stolf NAG. Validação do 2000 Bernstein-Parsonnet e EuroSCORE no Instituto do Coração-USP. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(2):187-94.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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