Resumos
Introdução:
Avaliamos por meio da medida de fluxo por tempo de trânsito o desempenho das artérias torácicas direita e esquerda quando utilizadas como enxerto para revascularização da artéria interventricular anterior.
Métodos:
Cinquenta pacientes submetidos à operação para revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea foram divididos em dois grupos. No grupo A, os pacientes receberam enxerto de artéria torácica interna direita para o ramo interventricular anterior. No grupo B, os pacientes receberam enxerto de artéria torácica interna esquerda para o mesmo ramo. Ao término da operação, o fluxo foi avaliado por meio da medida de fluxo por tempo de trânsito.
Resultados:
No grupo A, idade média foi de 60,6±9,49 anos. A média de peso e altura do grupo foi de 80,4±10,32 Kg e 169,2±6,86 cm. A média de pontes por paciente neste grupo foi de 3,28±1,49. O fluxo médio e a resistência distal obtidos na artéria torácica interna direita foi de 42,1±23,4 ml/min e 2,8±0,9 respectivamente. No grupo B, a idade média foi de 59,8±9,7 anos. A média de peso e altura deste grupo foi de 77,7±14,2215,7 Kg e 166,0±8,2 cm. A média de pontes por paciente neste grupo foi de 3,08±0,82. O fluxo médio e a resistência distal observados neste grupo foi de 34,2±19,1ml⁄min e 2,0±0,7. Não houve óbitos nesta série.
Conclusão:
A artéria torácica interna direita apresentou um comportamento similar ao da artéria torácica interna esquerda quando anastomosada ao ramo interventricular anterior da coronária esquerda. Não houve diferença estatística entre a medida de fluxo obtida entre ambas as artérias.
Revascularização Miocárdica; Anastomose de Artéria Torácica Interna-Coronária; Artéria Torácica Interna
INTRODUCTION:
We evaluated with transit time flow the performance of the right and left thoracic arteries when used as a graft for the left anterior descending artery.
Methods:
Fifty patients undergoing surgery for myocardial revascularization without cardiopulmonary bypass were divided into two groups. In group A patients received graft of right internal mammary artery to the anterior interventricular branch. In group B patients received graft of left internal mammary artery to the same branch. At the end of the operation the flow was assessed by measuring transit time.
Results:
In group A, mean age was 60.6±9.49 years. The average height and weight of the group was 80.4±10.32 kg and 169.2±6.86 cm. The average number of grafts per patient in this group was 3.28±1.49. The mean flow and distal resistance obtained in right internal thoracic artery was 42.1±23.4 ml/min and 2.8±0.9 respectively. In group B, the mean age was 59.8±9.7 years. The average height and weight of this group was 77.7±14.22 kg and 166.0±8.2 cm. The average number of grafts per patient in this group was 3.08 ±0.82. The mean flow and distal resistance observed in this group was 34.2±19.1 ml/min and 2.0±0.7. There were no deaths in this series.
Conclusion:
Right internal mammary artery presented a similar behavior to left internal mammary artery when anastomosed to the anterior interventricular branch of the left coronary artery. There was no statistical difference between the measured flow obtained between both arteries.
Mammary Arteries; Coronary Artery Bypass, off-Pump; Internal Mammary-Coronary Artery Anastomosis
Abreviaturas, acrônimos & símbolos | |
---|---|
AHA | American Heart Association |
NYHA | New York Heart Association |
PI | Índice de pulsatilidade |
STS | Society for Thoracic Surgery |
INTRODUÇÃO
Os primeiros relatos de trabalhos experimentais para uma possível revascularização do miocárdio são da metade da década de 50. Um grupo de pesquisadores da União Soviética realizou a anastomose da artéria torácica interna esquerda para o ramo interventricular anterior em cães[11. Kolesov VI, Potashov LV. Surgery of coronary arteries. Eksp Khir Anesteziol. 1965;10(2):3-8.]. Este trabalho serviu como base para os relatos dos primeiros casos realizados em humanos[22. Kolesov VI. Mammary artery-coronary artery anastomosis as method of treatment for angina pectoris. J Thorac Cardiovasc Surg. 1967;54(4):535-44.]. Em 1967, quando este estudo foi apresentado em um simpósio de cardiologia em Leningrado, a maioria dos presentes acatou uma resolução que dizia que a operação coronariana era impossível e não tinha futuro. Passados mais de 40 anos após estes relatos iniciais, as operações para revascularização do miocárdio tornaram-se uma das cirurgias mais realizadas no mundo e certamente a mais estudada.
Vários estudos[33. Grondin CM, Campeau L, Lespérance J, Enjalbert M, Bourassa MG.
Comparison of late changes in internal mammary artery and saphenous vein grafts in
two consecutive series of patients 10 years after operation. Circulation. 1984;70(3
Pt 2):I208-12.
4. Loop FD, Lytle BW, Cosgrove DM, Stewart RW, Goormastic M, Williams
GW, et al. Influence of the internal-mammary artery graft on 10-year survival and
other cardiac events. N Engl J Med. 1986;314(1):1-6.
5. Bidstrup BP, Underwood SR, Sapsford RN, Streets EM. Effect of
aprotinin (Trasylol) on aorta-coronary bypass graft patency. J Thorac Cardiovasc
Surg. 1993;105(1):147-52.-66. Barner HB, Mudd JG, Mark AL, Ahmad N, Dickens JF. Patency of internal
mammary-coronary grafts. Circulation. 1992;54(6 Suppl):III70-3.] demonstram que mesmo após tanto tempo
passado e com o forte avanço da medicina nas últimas décadas ela continua sendo o
tratamento de escolha para pacientes com doença coronariana grave. A obtenção de
resultados consistentes em longo prazo após a realização deste tipo de procedimento
depende principalmente dos enxertos a serem utilizados. A superioridade dos enxertos
arteriais sobre os enxertos de veia safena, especialmente a artéria torácica interna, é
bem documentada[77. Sabik JF 3rd, Lytle BW, Blackstone EH, Houghtaling PL, Cosgrove DM.
Comparison of saphenous vein and internal thoracic artery graft patency by coronary
system. Ann Thorac Surg. 2005;79(2):544-51.
8. Benzon E, Choplain JN, Maguid YA, Aziz AA, Barra JA. Failure of
internal thoracic artery grafts: conclusions from coronary angiography mid-term
follow-up. Ann Thorac Surg. 2003;76(3):754-9.-99. Caes FL, Van Nooten GJ. Use of internal mammary artery for emergency
grafting after failed coronary angioplasty. Ann Thorac Surg.
1994;57(5):1295-9.]. Estudos comparando estes dois tipos
de enxertos mostram uma taxa de patência superior a 90% em 10 anos para a artéria
torácica interna contra 50% dos enxertos de veia safena magna, refletindo-se esta
diferença em aumento de sobrevida dos pacientes. Além disso, vários trabalhos de
diferentes grupos foram apresentados mostrando que o uso de ambas as artérias torácicas
internas apresenta uma sobrevida significativa quando avaliados um período de 20 anos de
pós-operatório[1010. Lytle BW, Blackstone EH, Loop FD, Houghtaling PL, Arnold JH, Akhrass
R, et al. Two internal thoracic artery grafts are better than one. J Thorac
Cardiovasc Surg. 1999;117(5):855-72.
11. Calafiore AM, Di Mauro M, Di Giammarco G, Teodori G, Iacò AL, Mazzei
V, et al. Single versus bilateral internal mammary artery for isolated first
myocardial revascularization in multivessel disease: long-term clinical results in
medically treated diabetic patients. Ann Thorac Surg.
2005;80(3):888-95.
12. Martins SK, Santos MA, Tirado FHP, Martins Jr FCE, Malat HF, Jatene
AD, et al. Revascularização do miocárdio com emprego de ambas artérias mamárias
internas em pacientes com diabetes mellitus. Rev Bras Cir Cardiovasc.
2007;22(3):291-6.-1313. Milani R, Brofman PR, Guimarães M, Barboza L, Tchaick RM, Meister
Filho H, et al. Dupla artéria torácica esqueletizada versus convencional na
revascularização do miocárdio sem CEC em diabéticos. Rev Bras Cir Cardiovasc.
2008;23(3):351-7.].
A maioria dos autores concorda que a utilização de ambas as artérias torácicas é benéfica. Acreditam também que a artéria torácica interna direita deva ser usada principalmente no sistema coronariano esquerdo, especialmente na artéria circunflexa e seus ramos, fazendo um trajeto retro-aórtico[1414. Gerola LR, Puig LB, Moreira LFP, Gemha GP, Cividanes GVI, Santos RCM, et al. Dez anos de experiência com a artéria torácica interna direita através do seio transverso na revascularização da artéria circunflexa e seus ramos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1993;8(4):259-65.].
O uso da artéria torácica interna direita para o ramo interventricular anterior não é consenso. Na última diretriz conjunta da American Heart Association (AHA) e a Society for Thoracic Surgery (STS)[1515. Hills LD, Smith PK, Anderson JL, Bittl JA, Bridges CR, Byrne JG, et al. 2011 ACCF/AHA Guideline for Coronary Artery Bypass Graft Surgery: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2011;124(23):e652-735.], quando foi avaliada a melhor distribuição dos enxertos de acordo com os vasos coronarianos, o uso da artéria torácica interna esquerda para o ramo interventricular anterior recebeu recomendação IB mantendo-se como enxerto principal para este ramo, enquanto que o uso da artéria torácica interna direita para o mesmo ramo foi classe IIA. No presente estudo avaliamos cinquenta pacientes divididos em dois grupos de vinte e cinco comparando através da medida de fluxo por tempo de trânsito o comportamento de ambas as artérias torácicas anastomosadas ao ramo interventricular anterior da coronária esquerda. O nosso principal objetivo foi verificar se o fluxo obtido na anastomose da artéria torácica interna direita para o ramo interventricular anterior é semelhante aos dados obtidos com o "padrão ouro" que é a anastomose da artéria torácica interna esquerda para o mesmo ramo da coronária esquerda.
MÉTODOS
No presente estudo, retrospectivo, avaliamos 50 pacientes submetidos à operação para revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea, divididos em dois grupos de 25 pacientes cada. No grupo A estão os pacientes que receberam enxerto de artéria torácica interna direita para o ramo interventricular anterior. No grupo B, os pacientes que receberam a artéria torácica interna esquerda para o mesmo ramo. Neste trabalho, excluímos todos os pacientes que necessitaram de algum procedimento associado à revascularização, bem como pacientes eventualmente submetidos a circulação extracorpórea. Em nenhum dos cinquenta pacientes houve necessidade de conversão para circulação extracorpórea
Em ambos os grupos utilizou-se anestesia geral, e a via de acesso foi a esternotomia mediana. A maneira como foi conduzida a anestesia bem como o modo como foram obtidos os enxertos já foram alvo de publicação prévia[1616. Milani RM. Análise dos resultados imediatos da operação para revascularização do miocárdio sem pinçamento total da aorta [Dissertação de mestrado]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2000.]. Em ambos os grupos a artéria torácica interna foi obtida de forma esqueletizada.
A estratégia da revascularização difere um pouco entre os grupos. Em ambos, utilizou-se uma dose de heparina de 2 mg/kg de peso. A abordagem inicial foi a mesma, sendo o pericárdio aberto amplamente, tracionado em sua borda anterior em ambos os lados. Com ajuda de uma fita de polyester de 90 cm de comprimento por 3 cm de largura foi realizado o ponto de Lima[1717. Lima RC. Padronização técnica de revascularização da artéria circunflexa e seus ramos sem circulação extracorpórea [Tese de doutorado]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina; 1999.]. Este foi aplicado entre a veia cava inferior e a veia pulmonar inferior esquerda para uma melhor exposição do coração sem alterações importantes da parte hemodinâmica. Em todos os cinquenta pacientes foi utilizado um estabilizador de tecidos por sucção (Octopuss II®, Medtronic) para realização da anastomose.
Além disso, na maioria dos casos, foi realizado com uso de shunt intracoronário. A estratégia de revascularização, sobre qual enxerto seria direcionado para qual ramo coronário foi decidida no momento da operação. Preferencialmente, optamos por artéria torácica interna direita retro aórtica para a artéria circunflexa e seus ramos e artéria torácica interna esquerda para o ramo interventricular anterior. As anastomoses também são feitas preferencialmente no terço médio da artéria coronária e, se o enxerto não alcançar a artéria alvo de modo satisfatório, invertemos a distribuição.
Nos pacientes do grupo A, a operação começou pela anastomose da artéria torácica interna direita para o ramo interventricular anterior, seguindo-se nos casos nos quais foi necessário, pela parede inferior e por último a parede lateral do ventrículo esquerdo. No grupo B, a operação começou pelas anastomoses na parede inferior, seguindo-se para parede lateral e por último o ramo interventricular anterior. Esta abordagem feita no grupo B, deixando-se a artéria interventricular anterior por último se deve a um receio de lesão por tração. Isso poderia ocorrer durante a realização de uma anastomose na parede lateral em um ventrículo aumentado com a anastomose da artéria torácica interna esquerda já feita para o ramo interventricular anterior.
Ao término das anastomoses, após a reversão da heparina, a pressão arterial sistólica foi mantida em torno de 110 mmhg e uma frequência cardíaca média variando entre 80 e 100 batimentos por minuto. Em nenhum paciente da série fez-se necessário o uso de drogas vasoativas para se obter a pressão desejada. Ademais, com "probe tamanho 3 mm (Figura 1) conectado ao fluxometro marca Medistim, modelo Butterfly Flowmeter, foi realizada as medidas de fluxo por tempo de trânsito e avaliação do índice de pulsatilidade (PI) (Figura 2). Para obtenção destes valores, os pacientes foram mantidos em apneia por um período em torno de 10 segundos e o "probe" aplicado ao enxerto selecionado. De acordo com o fabricante do aparelho, fluxos superiores a 10 ml/min e um índice de pulsatilidade, que mede a resistência distal, abaixo de 5 significam uma anastomose de boa qualidade.
Após a avaliação das anastomoses, foi realizada a revisão da hemostasia e fechamento do tórax. A seguir, ainda sob efeito de anestesia geral, os pacientes foram encaminhados para unidade de terapia intensiva.
O presente estudo recebeu parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa de nossa instituição sob o número 20827713.2.0000.0020.
Análise estatística
Para a avaliação da associação entre duas variáveis qualitativas dicotômicas foi considerado o teste exato de Fisher. A correlação entre variáveis quantitativas foi avaliada estimando-se o coeficiente de correlação de Pearson. Para a comparação de dois grupos em relação a variáveis quantitativas foi usado o teste t de Student para amostras independentes. Essas comparações considerando-se mais de dois grupos foram feitas usando-se um modelo de análise da variância com um fator (ANOVA). Para a análise multivariada foi ajustado um modelo de Regressão Linear Múltipla. Valores de P<0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional SPSS v.20.0.
RESULTADOS
Avaliamos 50 pacientes submetidos à operação para revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea, que foram divididos em dois grupos de 25 cada. No grupo A os pacientes que receberam enxerto de artéria torácica interna para ramo interventricular anterior. No grupo B os pacientes que receberam enxerto de artéria torácica interna esquerda para o mesmo ramo coronário.
No grupo A, a idade média foi de 60,6±9,49 variando entre 44 e 82 anos, e no grupo B 59,8±9,7 variando entre 43 e 80 anos. Os pacientes do grupo A apresentaram um peso médio de 80,4±10,32 kg. Os do grupo B foi de 77,7±15,7 kg. A altura média do grupo A foi de 169,2±6,86 cm e no grupo B 166,0±8,2 cm. A Tabela 1 mostra os valores de idade, peso, altura e índice de massa corporal para ambos os grupos.
Na avaliação dos fatores de risco para doença coronariana, no grupo A 21 (84%) pacientes eram hipertensos, contra 18 (72%) no grupo B (P=0,496), 10 (40%) pacientes no grupo A eram diabéticos contra cinco (20%) no grupo B (P=0,217) e 6 (24%) pacientes do grupo A eram tabagistas contra sete (28%) no grupo B (P=1).
No grupo A, sete (28%) já haviam sido submetidos à angioplastia coronariana prévia e oito (32%) haviam apresentado quadro de infarto do miocárdio prévio contra quatro (16%) submetidos à angioplastia no grupo B e quatro (16%) com antecedente de infarto do miocárdio. Não houve diferença estatística entre os grupos quanto à angioplastia coronariana prévia ou infarto do miocárdio antigo. Em relação à função ventricular esquerda, se normal, com comprometimento moderado ou ruim, a Tabela 2 apresenta os dados de ambos os grupos.
Não houve diferença estatística entre os grupos quando avaliamos a função ventricular esquerda (P=0,461).
Na avaliação de classe funcional, no grupo A nenhum paciente (0%) encontravam-se em classe I pela New York Heart Association (NYHA), 15 (60%) em classe II, sete (28%) em classe III e três (12%) em classe IV. Enquanto no grupo B três (12%) encontravam-se em classe I, 14 (56%) em classe II, sete (28%) em classe III e um (4%) em classe IV. Não houve diferença estatística (P=0,258) entre os dois grupos.
Na Tabela 3, apresentamos a distribuição do número de enxertos individuais por pacientes em cada grupo.
O ponto central do presente estudo é a avaliação de fluxo coronariano. A avaliação da medida de fluxo por meio do tempo de trânsito evidenciou um fluxo médio de 42,2±23,4 ml/min no grupo A, contra 34,2±19,1 ml/min no grupo B. Apresentando uma diferença estatisticamente significante em favor do grupo A. Testou-se a hipótese nula de que a média do FLUXO é igual nos dois grupos (MID e MIE), versus a hipótese alternativa de médias não todas iguais. Na Tabela 4 e na Figura 3, são apresentados os resultados obtidos.
Finalmente, foi avaliado o índice de pulsatilidade, PI, que a determina a resistência após a anastomose. O fabricante do aparelho estipula valores de medida de fluxo por tempo de trânsito inferiores a 5 como indicativos de uma anastomose de boa qualidade. No grupo A, o PI médio foi de 2,8±0,9 e no grupo B 2,0±0,7. Na Tabela 5, são apresentados os resultados obtidos em ambos os grupos.
A Figura 4 mostra uma representação do comportamento do índice de pulsatilidade em ambos os grupos.
DISCUSSÃO
Durante os últimos 20 anos, numerosos trabalhos vêm sendo publicados relacionados à prevenção, diagnóstico e tratamento cirúrgico da doença arterial coronariana[1818. Edwards FH, Carey JS, Grover FL, Bero JW, Hartz RS. Impact of gender on coronary bypass operative mortality. Ann Thorac Surg. 1998;66(1):125-31.,1919. Carey JS, Cukingnan RA, Singer LK. Health status after myocardial revascularization: inferior results in women. Ann Thorac Surg. 1995;59(1):112-7.]. Nestes estudos fica claramente demonstrada a vantagem da utilização da artéria torácica. Por sua patência superior, apresenta resultados consistentes em longo prazo, levando há um aumento de sobrevida. Isso ocorre principalmente nos grupos onde a obtenção de melhores resultados ao longo dos anos é menos frequente, como nas mulheres e nos diabéticos.
Atualmente, a estratégia mais amplamente utilizada nas operações de revascularização do miocárdio é o uso de uma artéria torácica interna acompanhada dos demais enxertos de veia safena magna[2020. Calafiore AM, Di Mauro M, Di Giammarco G, Contini M, Vitolla G, Iacò AL, et al. Effect of diabetes on early and late survival after isolated first coronary bypass surgery in multivessel disease. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003;125(1):144-54.,2121. Lev-Ran O, Braunstein R, Nesher N, Ben-Gal Y, Bolotin G, Uretzky G. Bilateral versus single internal thoracic artery grafting in oral-treated diabetic subsets: comparative seven-year outcome analysis. Ann Thorac Surg. 2004;77(6):2039-45.]. Entretanto, a aterosclerose da veia safena continua sendo a responsável pela falência das operações de revascularização na evolução tardia. Um número crescente de diabéticos tem sido encaminhado para operação devido aos maus resultados obtidos com a angioplastia coronariana. Houve uma redução na mortalidade, 5,8% vs. 20,6%, resultados estes obtidos em pacientes que receberam ao menos uma artéria torácica interna[2222. The BARI Investigators. Influence of diabetes on 5-year mortality and morbidity in a randomized trial comparing CABG and PTCA in patients with multivessel disease: the Bypass Angioplasty Revascularization Investigation (BARI). Circulation. 1997;96(6):1761-9.].
A artéria torácica interna esquerda apresenta uma patência acima de 90% após 10 anos de sua implantação. Isto ocorre porque menos de 1% delas desenvolvem aterosclerose com comprometimento importante[2323. Gurné O, Chenu P, Buche M, Louagie Y, Eucher P, Marchandise B, et al. Adaptive mechanisms of arterial and venous coronary bypass grafts to an increase in flow demand. Heart. 1999;82(3):336-42.].
Como já frisado anteriormente, o uso da artéria torácica aumenta a sobrevida dos
pacientes. Estudos mostram que quando se utiliza ambas as artérias torácicas internas, a
sobrevida em 20 anos aumenta significativamente[1111. Calafiore AM, Di Mauro M, Di Giammarco G, Teodori G, Iacò AL, Mazzei
V, et al. Single versus bilateral internal mammary artery for isolated first
myocardial revascularization in multivessel disease: long-term clinical results in
medically treated diabetic patients. Ann Thorac Surg.
2005;80(3):888-95.
12. Martins SK, Santos MA, Tirado FHP, Martins Jr FCE, Malat HF, Jatene
AD, et al. Revascularização do miocárdio com emprego de ambas artérias mamárias
internas em pacientes com diabetes mellitus. Rev Bras Cir Cardiovasc.
2007;22(3):291-6.-1313. Milani R, Brofman PR, Guimarães M, Barboza L, Tchaick RM, Meister
Filho H, et al. Dupla artéria torácica esqueletizada versus convencional na
revascularização do miocárdio sem CEC em diabéticos. Rev Bras Cir Cardiovasc.
2008;23(3):351-7.].
Estudo apresentado por Ribeiro et al.[2424. Ribeiro MF, Kneubil MC, Aquino MS, Gomes GN, Mazzili P, Buffolo E,
et al. Histomorphometric differences between the left and right internal thoracic
arteries in humans. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(1):1-6.] mostra muito pouca diferença do ponto de vista histológico
entre as artérias torácicas internas direita e esquerda, ressaltando apenas que no
segmento distal da esquerda a camada elástica é mais proeminente.
Com estes resultados bem estabelecidos, o foco central gira em torno de qual a melhor distribuição para as artérias torácicas, qual vaso deveria receber a segunda artéria torácica e, principalmente, se é adequado a utilização da artéria torácica interna direita para o ramo interventricular anterior da coronária esquerda. Como já ressaltado anteriormente, a nossa distribuição principal é a mesma defendida por Gerola et al.[1414. Gerola LR, Puig LB, Moreira LFP, Gemha GP, Cividanes GVI, Santos RCM, et al. Dez anos de experiência com a artéria torácica interna direita através do seio transverso na revascularização da artéria circunflexa e seus ramos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1993;8(4):259-65.] com a artéria torácica interna direita direcionada para a artéria circunflexa e seus ramos através de um trajeto retroaórtico.
A medida de fluxo por tempo de trânsito tornou-se disponível para uso clínico no final dos anos 90[2525. Walpoth BH, Bosshard A, Genyk I, Kipfer B, Berdat PA, Hess OM, et al. Transit-time flow measurement for detection of early graft failure during myocardial revascularization. Ann Thorac Surg. 1998;66(3):1097-100.,2626. D'Ancona G, Karamanoukian HL, Bergsland J. Is intraoperative measurement of coronary blood flow: a good predictor of graft patency? Eur J Cardiothorac Surg. 2001;20(5):1075-7.]. É uma maneira rápida, objetiva e simples de se verificar a qualidade da anastomose nas operações coronarianas. Fluxos abaixo de 10 ml/min associados a um índice de pulsatilidade superior a 5 indicam problemas. O índice de pulsatilidade (PI), é um número obtido dividindo-se a diferença entre o fluxo máximo e o fluxo mínimo pelo fluxo médio[2626. D'Ancona G, Karamanoukian HL, Bergsland J. Is intraoperative measurement of coronary blood flow: a good predictor of graft patency? Eur J Cardiothorac Surg. 2001;20(5):1075-7.].
Um dos primeiros trabalhos a respeito da medida de fluxo por tempo de trânsito foi publicado em 1998 por Walpoth et al.[2525. Walpoth BH, Bosshard A, Genyk I, Kipfer B, Berdat PA, Hess OM, et al. Transit-time flow measurement for detection of early graft failure during myocardial revascularization. Ann Thorac Surg. 1998;66(3):1097-100.]. Neste trabalho os autores avaliaram 46 anastomoses de artéria torácica interna esquerda para o ramo interventricular anterior. Destas, 43 apresentavam fluxo e PI normais, nas outras três, após a anastomose ser feita novamente o fluxo e o PI normalizaram. Com base nestes dados, os autores concluíram que a medida de fluxo por tempo de trânsito é simples, reprodutível e fácil de ser feita. Além disso, concluíram que um fluxo baixo no enxerto com um PI auto, indica necessidade de revisão da anastomose e que após isto os valores tendem a normalizar. Também confirmaram que este tipo de medição de fluxo é custo-efetivo e provavelmente previne instabilidade hemodinâmica no período pós-operatório imediato.
Leong et al.[2727. Leong DK, Ashok V, Nishkantha A, Shan YH, Sim EK. Transit-time flow measurement is essential in coronary artery bypass grafting. Ann Thorac Surg. 2005;79(3):854-7.] avaliaram 116 pacientes com um total de 322 enxertos, sendo 125 arteriais e 197 venosos. Realizaram a medida de fluxo por tempo de trânsito. A média de fluxo para a artéria torácica interna para o ramo interventricular anterior foi de 37,4±23,5 ml/min e 21,2 a 36 ml/min nos demais enxertos. Em seis pacientes foi detectado erro na anastomose com a mesma sendo feita novamente. Os autores não encontraram diferença estatística de fluxo ou PI entre enxertos arteriais e venosos. Concluíram dizendo que este tipo de fluxometria coronariana oferece informações importantes e confiáveis sobre a patência de cada enxerto individualmente. É capaz de detectar com precisão dobraduras, torções e estenoses importantes nos enxertos, permitindo sua imediata correção.
Em nosso meio, Cerqueira Neto et al.[2828. Cerqueira Neto FM, Guedes MA, Soares LE, Almeida GS, Guimarães AR, Barreto MA, et al. Flowmetry of left internal thoracic artery graft to left anterior descending artery: comparison between on-pump and off-pump surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(2):283-9.] publicaram trabalho apresentando a medida de fluxo da artéria torácica interna esquerda para o ramo interventricular anterior em pacientes operados com e sem circulação extracorpórea, concluindo que não há diferença de fluxo entre estas duas situações.
Em nossa série, avaliamos dois grupos de 25 pacientes cada, comparando o desempenho da artéria torácica interna esquerda com o da artéria torácica interna direita, quando anastomosadas para o ramo interventricular anterior. Muitos cirurgiões ainda têm certo receio de colocar a artéria torácica interna direita para o ramo interventricular anterior. Os dois grupos foram semelhantes em relação a peso, altura e idade. No grupo no qual a artéria torácica interna direita foi utilizada havia mais pacientes diabéticos, mas sem diferença estatística.
Na avaliação de fluxo, o grupo da artéria torácica interna esquerda apresentou um fluxo médio de 34,2±19,1 contra 42,2±23,4 ml/min no grupo da artéria torácica direita. Apesar do volume maior, não houve diferença significativa entre os dois grupos. Na avaliação do índice de pulsatilidade, o primeiro grupo apresentou um PI médio de 2,0±0,7 contra 2,8±0,9 do segundo grupo. Apesar da diferença entre os grupos ser significativa (P=0,003), os valores obtidos no grupo em que a artéria torácica foi utilizada apresentou valores dentro da normalidade, ou seja, um PI abaixo de 5.
Nesta nossa série, apesar da utilização de duas artérias torácicas na maior parte dos pacientes, não tivemos casos de mediastinite. Não houve mortalidade.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos neste nosso trabalho sugerem que a artéria torácica interna direita quando anastomosada ao ramo interventricular anterior apresenta um comportamento inicial muito semelhante ao da artéria torácica interna esquerda. Nos casos onde a artéria torácica interna esquerda necessite ser anastomosada para outro ramo coronariano ou que não esteja disponível, a artéria torácica interna direita deve ser considerada como o substituto de escolha. O fluxo inicial obtido na comparação entre as artérias direita e esquerda não apresentou diferença significativa.
Papéis & responsabilidades dos autores | |
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RM | Análise e interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo |
DM | Análise e interpretação dos dados; concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo |
AS | Análise e interpretação dos dados; concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo |
RJ | Auxílio nas operações e coleta de dados; realização das operações e experimentos |
TL | Auxílio nas operações e coleta de dados; realização das operações e experimentos |
GM | Auxílio nas operações e coleta de dados; realização das operações e experimentos |
VHS | Auxílio nas operações e coleta de dados; realização das operações e experimentos |
PRB | Redação e revisão do artigo; análise e interpretação dos dados |
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Não houve suporte financeiro.
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Trabalho realizado na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil; Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil.
REFERÊNCIAS
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1Kolesov VI, Potashov LV. Surgery of coronary arteries. Eksp Khir Anesteziol. 1965;10(2):3-8.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2014
Histórico
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Recebido
19 Dez 2013 -
Aceito
14 Mar 2014