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Análise do comportamento das trovoadas no estado de alagoas, previsão à curto prazo

Analysis of the behavior of thunderstorms in alagoas state, short-term forecasting

Resumos

A frequência de trovoadas a partir de dados de satélite TRMM e do DECEA foi estudada para o período de 10 anos (de 1998 até 2007), onde se observou que as trovoadas foram mais frequentes nos meses de verão, com maior ocorrência no mês de março. Em anos de El Niño ocorre uma diminuição de cerca de 20% dos casos de trovoadas em Alagoas, mas nos anos normais e de La Niña observa-se um aumento dos dias de trovoadas de até 80%. As trovoadas foram relacionadas, em baixos níveis, aos Alísios com curvatura ciclônica e em altos níveis à presença de VCAN (Vórtice Ciclônico em Altos Níveis), CJNEB (Corrente de Jato no Nordeste do Brasil) e Anticiclone sobre o Estado de Alagoas. As trovoadas se formaram predominantemente a noroeste do VCAN e na região da entrada (lado quente) e na saída (lado frio) da CJNEB. As análises termodinâmicas mostraram que as curvas de temperatura do ar e de temperatura do ponto de orvalho observadas foram semelhantes às curvas previstas, construídas pelas trajetórias das parcelas de ar pelo modelo HYSPLIT, nas previsões até 48 e 24h de antecedência, respectivamente. Os índices LI e CAPE+ previram uma atmosfera muito instável com 48h de antecedência.

trovoadas; HYSPLIT; termodinâmica


The thunderstorm frequency was studied using TRMM satellite and the DECEA data for the 10 year period (from 1998 to 2007). It was observed that the storms were more frequent in the summer months, with greater occurrence in March. The El Nino event inhibits the phenomenon (only 20% of cases of all), but in the La Niña and normal years, was observed an increase in days of storms up to 80% of the cases. The thunderstorms were associated with trade winds, with cyclonic curvature and in the high levels with ULCV, JSNEB and anticyclone. The thunderstorms were formed predominantly in northwestern ULCV in the entrance (warm side) and in the exit (cold side) of JSNEB. The observed vertical profiles of air and the dew point temperatures were similar to the forecasted profiles, constructed by the air parcels trajectories by HYSPLIT model, up to 48h and up to 24h antecedently, respectively. The index LI and CAPE+ predicted a very unstable atmosphere with 48 hours antecedence.

thunderstorms; HYSPLIT; thermodynamics


ARTIGOS

Análise do comportamento das trovoadas no estado de alagoas, previsão à curto prazo

Analysis of the behavior of thunderstorms in alagoas state, short-term forecasting

Bruno Miranda de Brito; Vladimir Levit; Natalia Fedorova; Luiz C. B. Molion; Ricardo S. Tenório; Rafael N. Rodrigues; Bruce F. P. da Silva

Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil. bruno.miranda@cptec.inpe.br, vlevit@dimim.net, natalia@dimim.net. molion@radar.ufal.br, ricardo.sarmento@pq.cnpq.br, roiz77@gmail.com, brucepontes@model.iag.usp.br

RESUMO

A frequência de trovoadas a partir de dados de satélite TRMM e do DECEA foi estudada para o período de 10 anos (de 1998 até 2007), onde se observou que as trovoadas foram mais frequentes nos meses de verão, com maior ocorrência no mês de março. Em anos de El Niño ocorre uma diminuição de cerca de 20% dos casos de trovoadas em Alagoas, mas nos anos normais e de La Niña observa-se um aumento dos dias de trovoadas de até 80%. As trovoadas foram relacionadas, em baixos níveis, aos Alísios com curvatura ciclônica e em altos níveis à presença de VCAN (Vórtice Ciclônico em Altos Níveis), CJNEB (Corrente de Jato no Nordeste do Brasil) e Anticiclone sobre o Estado de Alagoas. As trovoadas se formaram predominantemente a noroeste do VCAN e na região da entrada (lado quente) e na saída (lado frio) da CJNEB. As análises termodinâmicas mostraram que as curvas de temperatura do ar e de temperatura do ponto de orvalho observadas foram semelhantes às curvas previstas, construídas pelas trajetórias das parcelas de ar pelo modelo HYSPLIT, nas previsões até 48 e 24h de antecedência, respectivamente. Os índices LI e CAPE+ previram uma atmosfera muito instável com 48h de antecedência.

Palavras-Chave: trovoadas, HYSPLIT, termodinâmica.

ABSTRACT

The thunderstorm frequency was studied using TRMM satellite and the DECEA data for the 10 year period (from 1998 to 2007). It was observed that the storms were more frequent in the summer months, with greater occurrence in March. The El Nino event inhibits the phenomenon (only 20% of cases of all), but in the La Niña and normal years, was observed an increase in days of storms up to 80% of the cases. The thunderstorms were associated with trade winds, with cyclonic curvature and in the high levels with ULCV, JSNEB and anticyclone. The thunderstorms were formed predominantly in northwestern ULCV in the entrance (warm side) and in the exit (cold side) of JSNEB. The observed vertical profiles of air and the dew point temperatures were similar to the forecasted profiles, constructed by the air parcels trajectories by HYSPLIT model, up to 48h and up to 24h antecedently, respectively. The index LI and CAPE+ predicted a very unstable atmosphere with 48 hours antecedence.

Keywords: thunderstorms, HYSPLIT, thermodynamics.

1. INTRODUÇAO

O termo "trovoada", nome genérico para as tempestades, surgiu na Língua Portuguesa desde os tempos dos antigos navegadores por um único motivo: a existência de trovões. Contudo, trovões não são as causas, mas as consequências de processos que existem dentro das células convectivas (Felício, 2005). Porém, são eles que denunciam a presença da tempestade, ou seja, quando essa alcançou sua fase madura e, a partir desse ponto, todos os fenômenos associados à sua existência poderão ocorrer. E, segundo Vianello e Alves (2000), uma trovoada é uma ou várias descargas bruscas de eletricidade atmosférica, manifestando-se por uma claridade breve e intensa (relâmpago) e por um ruído seco (trovão).

Segundo Felício (2005), a ocorrência de trovoadas, em geral, é maior próximo ao Equador, reduzindo sua atuação conforme aumenta a latitude em todo o globo. Na faixa tropical do planeta a troposfera é mais convectiva e os processos termodinâmicos mais importantes, o que acarreta em uma necessidade de grandes gradientes térmicos locais para fomentar a convecção. As trovoadas ocorrem com maior frequência sobre os continentes do que sobre os oceanos (Felício, 2005). Sobre a América do Sul (AS) a região de maior atividade se concentra no centro-sul do Brasil, sul da Amazônia, Paraguai e Argentina (Brito et al., 2008a). Na região ao sul da Amazônia as trovoadas estão associadas à Zona de Convergência da América do Sul (ZCAS), que apresentam maior densidade de relâmpagos do que ao longo de sua linha equatorial (Brito et al., 2008a). Na região centro-sul do Brasil, Paraguai e Argentina as trovoadas ocorrem na área dos CCMs (Complexos Convectivos de Mesoescala) (Joshua e Thomas, 2009), que estão intimamente ligadas à presença da cordilheira dos Andes, pois essa gera uma grande perturbação em forma de onda devido à topografia.

Os principais sistemas sinóticos e de mesoescala, que determinam o tempo no Nordeste do Brasil (NEB) são: Zona de Convergência Intertropical (Frank, 1983; Uvo e Nobre, 1989; Xavier et al., 2000), Ventos Alísios e perturbações ondulatórias no campo dos Alísios (Molion e Bernardo, 2000), anticiclone subtropical, Vórtices Ciclônicos em Altos Níveis (Kousky e Gan, 1981; Ramirez, 1996), Vórtices Ciclônicos em Médios Níveis (Anjos, 1995; Fedorova et al., 2006), Zonas Frontais (Kousky, 1979; Satyamurty et al., 1998), Ondas de Leste (Chan, 1990; Mota e Gandu, 1998), Alta da Bolívia, Zona de Convergência do Atlântico Sul (Quadro, 1994; Satyamurty et al., 1998), linhas de instabilidade (Cohen, 1989), Complexos Convectivos de Mesoescala (Reeder e Smith, 1998; Veltishev, 1990).

Os Vórtices Ciclônicos dos Altos Níveis (VCAN), também chamados de Baixa Fria de Alta Troposfera, são capazes de promover grandes alterações no tempo, sobretudo na região do NEB (Gan, 1982; Gan e Kausky, 1986; Ferreira, 2005). Os VCAN são classificados de acordo com a sua posição geográfica, estrutura espacial, processo de desenvolvimento e dissipação em tipos Palmén ou Palmer. Na região do NEB atuam os VCANs do tipo Palmer, esses são oriundos de latitudes tropicais, mais frequentes no verão (Kousky e Gan, 1981; Silva e Lima, 2001; Molion et al., 2002) e são sistemas barotrópicos (Mishra et al., 2001). Os VCANs são responsáveis por grandes totais pluviométricos no flanco norte e leste do vórtice e de períodos de estiagem nas regiões localizadas sob seu núcleo (Silva, 2002). Os VCANs têm formação de setembro a abril, com maior frequência no mês de janeiro (Gan, 1982; Silva e Lima, 2001).

As Correntes de Jato (CJ) têm grande influência no tempo. Desde a época da identificação da CJ até os dias atuais, poucos foram os estudos sobre a dinâmica e os efeitos no tempo desses fortes ventos zonais em altos níveis que atuam sobre o NEB. A posição do centro de velocidades máximas varia de acordo com o período do ano e podem persistir por 24h, às vezes, por 3 a 4 dias consecutivos (Fedorova, 1999).

Segundo Gomes (2003), a CJ sobre o NEB (CJNEB) foi encontrada em todas as estações do ano em Alagoas, apresentando uma intensidade fraca. Nos meses de janeiro (verão) e abril (outono), a velocidade média da CJNEB ficou um pouco abaixo de 30m/s. Já nos meses de julho (inverno) e outubro (primavera) os ventos médios foram superiores a 30m/s. As CJNEB nos meses de verão mostraram ter ligações com os VCANs.

Segundo Molion e Bernardo (2000) e Silva (2002), as Perturbações Ondulatórias nos Ventos Alísios (POA) é outro sistema sinótico produtor de chuva no NEB. Essas perturbações ondulatórias provocam a formação dos diferentes tipos de nuvens (St ou Cb). As POA também são capazes de promover o desenvolvimento de Complexo Convectivo de Mesoescala (CCM) e, com isso, provocar precipitações muito intensas no Estado de Alagoas (Silva, 2002 e Fedorova et al., 2004).

Com isto, os estudos dos processos físicos da formação de trovoadas no Estado de Alagoas são importantes para toda a população do Estado, devido ao fato delas provocarem acidentes graves inclusive a perda de vidas humanas. Entre os meses de fevereiro e março de 2008 foram registradas 5 mortes no Estado de Alagoas, por causa da presença de descargas elétricas nuvem-solo (Gazeta de Alagoas, 2008). Essas perdas humanas ocorreram nos dias 27 e 28 de fevereiro, 13 e 19 de março de 2008. Este trabalho pretende analisar o comportamento das trovoadas no Estado de Alagoas com o intuito de melhorar a previsão deste fenômeno, favorecendo assim o aumento da segurança dos aviões durante pouso e decolagem no Aeroporto Zumbi dos Palmares, e da população que vive nas encostas das montanhas e que trabalha em canaviais. Outro motivo para se elaborar estudos nesta área é a inexistência de uma técnica que permita acompanhar a formação e evolução do fenômeno adverso no Estado de Alagoas e ausência de métodos de previsão em curto prazo.

Os objetivos deste trabalho foram realizar um estudo da frequência das trovoadas no Estado de Alagoas, estudar os processos sinóticos e termodinâmicos na sua formação e finalmente elaborar uma metodologia para que seja possível realizar uma previsão destes com base nos resultados obtidos. Uma breve descrição do modelo HYSPLIT e dessa metodologia encontra-se nas seções 2.2c e 2.2f, respectivamente.

2. DADOS E METODOLOGIA

2.1 Dados

Utilizou-se os dados de Reanálise do National Centers for Environmental Prediction/National Center for Atmospheric Research (NCEP/NCAR), para construção do campo de análise das linhas de corrente e magnitude do vento nos níveis de 1000, 850, 500 e 200hPa para a região (0°S a 25°S) de latitude e (28°W a 46°W) de longitude, a cada 6 horas, obtidos no portal do Earth System Research Laboratory (http://www.esrl.noaa.gov/psd/data/reanalysis/reanalysis.shtml). Para visualização dos dados, foi utilizado o software Grid Analysis and Display System (GrADS).

As imagens em mosaico dos Satélites GOES e METEOSAT nos canais infravermelho (IR) e vapor d'água (WV) foram utilizadas para análise sinótica dos eventos de trovoadas. Essas imagens foram obtidas no portal do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE) (http://www.cptec.inpe.br), nos horários sinóticos. Neste trabalho foi apresentada a imagem no canal IR para o dia 29 de janeiro de 2003, às 12 UTC.

Os dados de radiossondagem para Recife (PE), Natal (RN) e Fortaleza (CE) foram utilizados em análise termodinâmica das trovoadas. Esses dados estão disponíveis no portal da Universidade de Wyoming (http://www.weather.uwyo.edu/).

O radar do Sistema de Radar Meteorológico de Alagoas (SIRMAL), que foi instalado em Maceió (AL), é um radar banda-C WR-110-5/EEC implementado com um sistema eletrônico de digitalização do sinal radar - Sistema SASSANDRA. Esse radar faz a localização das células de precipitação, dadas em função de níveis de refletividade correspondendo à intensidade da precipitação por área. Essa informação é obtida em intervalos de minutos, onde os contornos dos ecos de radar presentes são plotados em cartas, que contém o referênciamento geográfico da região sob observação. As imagens desse radar meteorológico são fornecidas em horários sinóticos e sub-sinóticos (às 00, 03, 06, 09, 12, 15, 18 e 21h local), em 4 escala (30, 130, 250, 380km). As imagens utilizadas neste trabalho foram para os horários que mais se aproximaram do momento da ocorrência do evento e que melhor apresentaram o sistema causador das trovoadas.

Os arquivos dos dados do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) foram usados para determinação climatológica da ocorrência de trovoadas e, também, para obter dados de temperatura (T) e temperatura do ponto do orvalho (Td) em superfície. Dados de trovoadas do AZP tem alcance máximo de 20Km de raio, não contemplando todo o Estado. A localização do Aeroporto Zumbi do Palmares (AZP) tem as seguintes latitudes e longitudes: 09°31'S e 34°55'W, respectivamente. Com esses dados foi realizada uma climatologia anual do número de dias com trovoadas e suas respectivas datas, entre os anos de 1992 até 2007. Além dos dados meteorológicos convencionais do DECEA, também foram confirmados os registros de trovoadas através do banco de dados dos fenômenos adversos do Aeroporto.

Foram utilizados também dados de descargas elétricas do satélite TRMM (Tropical Rainfall Measuring Mission). A bordo do satélite TRMM, está o sensor LIS (Lightning Imaging Sensor), que é um instrumento usado para detectar relâmpagos nas regiões tropicais do globo. Como o satélite TRMM descreve uma órbita tropical, a 350 km de altitude, o LIS pode observar a atividade de relâmpagos entre as latitudes de 35°S a 35ºN (Cristian et al., 1992). É importante ressaltar, que as imagens utilizadas neste trabalho tiveram sua resolução ampliada em 9,0 x 18,0 graus do tamanho real. Foram utilizados ainda imagens de satélites do período de 10 anos (entre os anos de 1998 até 2007) para estudo das trovoadas. A frequência das trovoadas conjunta de ambas as fontes (DECEA e TRMM) foi analisada para o mesmo período de 10 anos. A Figura 1 mostra uma imagem do satélite TRMM para o dia 15 de março de 2003. Nessa figura foram verificados centros com vários relâmpagos no continente (NEB) e Oceano Atlântico, no círculo, em cinza, observa-se uma trovoada sobre o município de Maceió - AL.


Os dados de Anomalia de Temperatura da Superfície do Mar (ATSM) também foram utilizados do Climate Prediction Center / National Oceanic and Atmospheric Administration (CPC/NOAA), adquiridas através do site: (http://www.cpc.ncep.noaa.gov/products/analysis _monitoring/ensostuff/ensoyears.ERSST.v3.shtml). Com os dados de ATSM do CPC/NOAA foram analisadas as frequências das trovoadas nos anos de La Nina e El Nino.

2.2 Metodologia

2.2.1 Estrutura espacial dos sistemas sinóticos associados às trovoadas

A análise da estrutura espacial dos sistemas sinóticos associados às trovoadas, foi obtida utilizando o campo de linhas de corrente em 1000, 500 e 200 hPa, extraídos das Reanálise do NCEP/NCAR para o período de 10 anos (1998-2007). Foi estudado um total de 139 dias com trovoadas registradas durante o período analisado. Na avaliação sinótica foi elaborada uma análise os sistemas meteorológicos predominantes.

2.2.2 Posicionamento das trovoadas em relação ao VCAN e a CJNEB

A partir da análise dos sistemas sinóticos associados às trovoadas em altos níveis foi possível verificar a predominância de VCAN e CJNEB sobre o NEB. Com isso, foi analisado o posicionamento das trovoadas associadas ao VCAN e a CJNEB, utilizado campos de linhas de corrente em 200hPa. Tais campos foram visualizados utilizando o software GrADS e os dados de Reanálise do NCEP. Para tanto, o posicionamento das trovoadas associadas ao VCAN e a CJNEB foi obtido utilizando os seguintes critérios:

1) A indicação da posição das trovoadas em relação ao VCAN foi classificada como sendo CT - centro; N - norte; NE - nordeste; E - leste; SE - sudeste; S - sul; SO - sudoeste; O - oeste; NO - noroeste.

2) A localização da trovoada na região da CJNEB foi classificada como sendo CT - centro ou eixo da corrente de jato; EQ - entrada lado quente; EF - entrada lado frio; SQ - saída lado quente; SF - saída lado frio.

2.2.3 Descrição do modelo HYSPLIT

O HYSPLIT (HYbrid Single-Particle Lagrangian Integrated Trajectory) é um modelo lagrangiano que determina a trajetórias das parcelas de ar, resultado de um esforço conjunto entre NOAA e a meteorologia Australiana. Esse modelo abrange algumas funcionalidades, como: algoritmos de advecção, estabilidade e equações de dispersão (HYSPLIT, 2007).

O modelo HYSPLIT (modelo on-line) foi utilizado para o cálculo das trajetórias das parcelas de ar, com 12, 24, 36 e 48h de antecedência do fenômeno em estudo. Os dados de entrada utilizados foram os dados do NCEP/NCAR. A direção da trajetória é a BACKWARD, isto é de onde a trajetória veio. A trajetória está construída nos planos horizontais e verticais. O ponto final da trajetória da parcela de ar foi definido para a localidade de Maceió (-10°S, -36°W). As saídas do modelo são gráficos nos planos horizontal (latitude, longitude) e vertical (altura).

2.2.4 Escolha dos casos de trovoadas para análise termodinâmica

Para a análise termodinâmica das trovoadas durante o período de estudo foram escolhidos 4 eventos em 5 dias, entre os anos de 2003 e 2004. Os casos escolhidos foram devido às grandes consequências causadas, com perdas humanas e prejuízos materiais na região de Maceió. Enfim, os dias selecionados foram 15 e 16 de março de 2003; 29 de janeiro de 2003; 18 de janeiro de 2004 e 6 de fevereiro de 2004.

2.2.5 Análise termodinâmica

A análise termodinâmica basea-se em perfis verticais da temperatura do ar (T) e do ponto de orvalho (Td). O perfil vertical previsto (Pp) foi elaborado para os dias com trovoadas selecionadas, com o objetivo de estudar o comportamento termodinâmico da atmosfera tanto em dias com ocorrências de trovoadas, quanto para verificar a eficiência do modelo HYSPLIT na previsão desse fenômeno adverso. Para isto primeiramente foram construídas trajetórias das parcelas de ar para as cidades de Maceió, Recife, Natal e Fortaleza, utilizando o modelo HYSPLIT. Essas trajetórias foram calculadas para até 48h de antecedência e para 10 níveis. O Pp foi construído com 12, 24, 36 e 48h de antecedência ao evento das trovoadas, utilizando dados de T e Td, extraídos das reanálises nos pontos iniciais (latitude, longitude e altura) das trajetórias das parcelas de ar, e na superfície com base nos dados do DECEA. Os perfis Pp foram elaborados para Maceió (Ppm), Recife (Ppr), Natal (Ppn) e Fortaleza (Ppf).

O perfil reanálise (Pr) foi construído com dados de reanálise do NCEP nos 10 níveis (950, 900, 850, 800, 700, 600, 550, 500, 400 ou 450 e 300hPa) para as mesmas cidades como Pp. Essa Pr foi obtida por falta de dados de radiossondagem no Estado de Alagoas. Pelo mesmo motivo, foram utilizados dados de Radiossondagem (perfil observado - Po) para as cidades de Recife e Natal. No caso do dia 18 de janeiro de 2004, foi utilizado Po para Fortaleza por falta de radiossondagem em ambos os lugares citados anteriormente. Nesse caso, foi utilizado a Po do CPTEC, por causa de erros na Po construído pela University of Wyoming. Os erros nessas radiossondagens são referentes aos perfis não foram totalmente construídos e, com isto, índices de instabilidade não confiáveis devido aos erros nos perfis. Com a comparação Pr com Po pode-se obter informações sobre a qualidade dos perfis simulação na realização da previsão.

Recentes trabalhos, como os de Bluestein (1992), Djuric (1994), UCAR (2007), indicam alguns parâmetros úteis para avaliar o potencial de convecção e diagnosticar o potencial de trovoadas, são eles:

1) Índice de levantamento (LI) que é calculado pela diferença entre a temperatura observada a 500hPa e a temperatura do ar de uma parcela levantada a 500hPa adiabaticamente de superfície (Equação 1). Quanto mais instável o ambiente, LI mais negativo e maior é a profundidade das nuvens cumuliformes. Valores de LI foram relacionados à convecção como mostra a Tabela 1. Esses limiares são válidos para o leste dos Estados Unidos.

2) Índice Total Totais (TT) é outro importante índice meteorológico (Tabela 1), que é calculado utilizando a temperatura e a umidade em 850hPa e a temperatura em 500hPa. Quanto maior a umidade e temperatura em 850hPa e menor a temperatura 500hPa, maior será a instabilidade na camada atmosférica e o valor resultante TT. Valores de TT são relacionados com grave risco meteorológico. O calculo do índice TT é realizado pela Equação 2, onde T850 é a temperatura em 850hPa; Td850 a umidade (Td850) em 850 hPa e T500 a temperatura em 500 hPa.

3) CAPE+ (Convective Available Potential Energy) é representado pelo espaço em um diagrama skew-T, delimitado pela temperatura ambiente e pelo perfil úmido adiabático, correndo a partir do nível de condensação convectiva (NCC). Essa área, representada nesse diagrama, indica a quantidade de energia disponível. A CAPE+ é medida em unidades de joules por quilograma (J / kg) e foi calculada com base na Equação 3:

Quanto maior for a área positiva, o valor CAPE+ e a instabilidade, maior será o potencial para intensa convecção. A Tabela 1 oferece uma maneira geral de correlação entre a CAPE+ e a estabilidade atmosférica.

4) Índice K é particularmente útil para identificar chuvas convectivas produtoras de descargas. Seu cálculo leva em conta a distribuição vertical da temperatura e umidade. Ele não requer um Diagrama skew-T log-p e é simplesmente computado a partir das temperaturas em 850, 700, e 500hPa e umidades em 850 e 700hPa. Quanto maior a umidade, maior a diferença das temperaturas entre 850-500hPa, maior será o K e o potencial de convecção (Tabela 1). Para calcular o índice K se utiliza a Equação 4.

A avaliação das curvas de temperaturas T e Td em todos os perfis Pp e Pr foi feita em baixos, médios e altos níveis da atmosfera. Foram consideradas boas previsões, quando as curvas presumiram o perfil simulado e/ou a radiossondagem, ou seja, as diferenças T e Td não ultrapassaram 1,5ºC. A avaliação de todos os perfis verticais da atmosfera também foi feita utilizando os índices de instabilidade (K, TT e LI) e a CAPE+.

2.2.6 Procedimento utilizado na previsão de trovoadas

Na elaboração do algoritmo de previsão de trovoadas foram utilizados os resultados obtidos neste trabalho. Tal algoritmo é divido em três partes: climatologia, sinótica e termodinâmica. Na climatologia foram analisados todos os casos registrados pelo DECEA e pelo satélite TRMM. Após a análise dos dados, foram avaliados os meses de maior frequência de trovoadas. Na análise sinótica foram utilizados campos de linhas de corrente nos níveis de 200, 500 e 1000hPa, nos dias com trovoadas no período de 10 anos. Nessa parte, como foram encontrados VCAN e CJNEB em mais de 60% dos casos, foi avaliado ainda o posicionamento das trovoadas associadas a estes sistemas (Item 2.2b.). Por último, na parte termodinâmica da previsão, as trovoadas foram avaliadas com base nos resultados adquiridos nos 5 dias analisados. Nesta parte a previsão baseou-se em perfis previstos comparados a perfis simulados e radiossondagem. Tais perfis previstos foram feitos em duas etapas: 1°) foram calculadas as trajetórias das parcelas de ar pelo modelo HYSPLIT com 12, 24, 36 e 48h de antecedência da ocorrência de trovoadas, sendo os dados de entrada extraídos do NCEP/NCAR. A direção da trajetória é a BACKWARD, com isso, foi determinado o ponto inicial da trajetória. 2°) foram construídos perfis verticais de T e Td, para cada nível (950, 900, 850, 800, 700, 600, 550, 500, 400 ou 450 e 300hPa). Nesses perfis também foram utilizadas T e Td à superfície, a partir dos dados do DECEA. Com os perfis previstos construídos foram calculados os índices de instabilidade K, TT, LI e a CAPE positiva. O resultado dessas análises é mostrado no item 3.4 em um diagrama de fluxo de previsão de trovoadas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Frequência das trovoadas

A frequência das trovoadas foi elaborada através dos dados do Aeroporto Zumbi dos Palmares e pelas imagens do satélite TRMM, durante um período de 10 anos (1998 - 2007) que está apresentada na Tabela 2. Observou-se que as trovoadas foram encontradas em todo o ano, exceto em setembro, sendo mais frequentes nos meses em que predominam as temperaturas mais altas (dezembro a abril). Ressalta-se que nesse período, a maior média de atividade de trovoadas foi encontrada em março com 2,8 dias de trovoadas a cada ano. Anualmente, no Estado de Alagoas foram observados mais de 14 dias com trovoadas.

É importante assinalar que, em ambas as fontes dos dados, houve dias com trovoadas que não foram registradas devido à falta de informações. Por exemplo, em abril de 2000, foram registrados 2 casos pelos dados do Aeroporto que não foram detectados pelo satélite TRMM. Todavia, a quantidade de trovoadas detectadas pelo satélite, foi maior do que as observadas no Aeroporto. O ano de 1998, por exemplo, os dados do satélite detectou 6 casos, não havendo nenhum casos registrados do Aeroporto.

Outro importante resultado é a cerca do crescente aumento de dias com ocorrência de trovoadas sobre o Estado de Alagoas durante o período de 1998 a 2007. No ano de 1998, último ano da fase quente da Oscilação Decadal do Pacífico (ODP) (Molion, 2005), foram verificados 6 dias com trovoadas. Nesse ano, houve forte inibição da formação das trovoadas pela forte ATSM positiva. Após o ano de 1998, com início da fase fria da ODP, é observado um crescente aumento dos dias com descargas elétricas chegando a 19 dias com trovoadas no ano de 2007 (Brito et al., 2008b). Esse aumento não foi sempre crescente, pois foram verificadas algumas variações para baixo como no ano de 2001 e 2004, com 12 dias/ano com trovoadas. Com isso, durante o período em estudo foi verificado um aumento em três vezes da frequência das trovoadas.

Nos meses com ATSM positiva observou-se que houve uma diminuição da ocorrência de trovoadas sobre o Estado de Alagoas. Essa diminuição mostra que os eventos de El Niño inibem tal fenômeno, sendo observados em 20% dos casos. Já nos meses com ATSM negativa (eventos de La Niña) ou quando a ATSM do Oceano Pacífico está em neutralidade, foi observado um aumento dos dias com trovoadas, chegando a 80% dos casos.

3.2 Sistemas sinóticos

3.2.1 Sistemas báricos nos níveis padrões

Analisando os sistemas sinóticos em baixos níveis predominantes nos dias de trovoadas, foi verificada a existência dos Alísios com curvatura ciclônica em mais de 50% dos dias estudados (Tabela 3). Em médios níveis não foi bem definido o sistema sinótico predominante, sendo observada uma crista em 34%, cavado em 32%, anticiclone em 19% e ciclone em 15% dos dias em estudo. Em altos níveis (200hPa), constatou-se que o VCAN e CJNEB predominaram (67 e 64% dos casos, respectivamente), sobre a região NEB, nos dias com trovoadas. Aparentemente os casos com VCAN e CJNEB somados obteriam mais do que os 139 casos estudados, isto por que em muitos casos estes sistemas sinóticos estiveram juntos. Nesse nível, além do VCAN e da CJNEB também foram encontrados anticiclone e crista (21% dos casos).

3.2.2 Posicionamento das trovoadas

As trovoadas associadas ao VCAN, foram observadas a noroeste (NO) em 41 casos e a sudoeste (SO) do centro do VCAN, em 13 casos (Fig. 2a). Na maioria dos casos de trovoadas associadas ao VCAN, o centro desse sistema esteve posicionado sobre o Oceano Atlântico. A formação das trovoadas em outros setores do VCAN raramente foi documentada. Segundo Gan (1982), movimentos descendentes de ar frio e seco na região do centro do VCAN e movimento ascendente de ar quente e úmido na sua periferia são observados. Todavia, as trovoadas ocorreram também no centro do VCAN em dois casos. No centro do VCAN ao entrar em regiões continentais pode haver, devido ao forte aquecimento da superfície, a formação nuvens convectivas e pequenas tempestades que, com isto, irá também ajudar a destruir o vórtice (Kousky e Gan, 1981).


Em geral, os resultados mostraram que as trovoadas se posicionaram, no lado quente da entrada da CJNEB (EQ, 28 casos) e no lado frio da saída (SF, 30 casos) (Figura 2b). Essas regiões são típicas para formação os movimentos ascendentes nas correntes de jato subtropicais (Djuric, 1994). As trovoadas com frequência menor foram desenvolvidas nas outras regiões da CJNEB.

3.3 Análise do evento de trovoada

Como um exemplo da análise dos dias com trovoadas intensas apresenta-se a descrição do evento no dia 29 de janeiro de 2003. Observa-se na imagem de satélite para este dia uma banda de nebulosidade na forma de S, não bem definida, formada pelo VCAN (do tipo Palmer, clássico) sobre o NEB, pela convecção na região da Amazônia e pelo sistema frontal (Figura 3a). Foram observados ainda aglomerados de nuvens Cumulonimbos (Cb) sobre o NEB, associados aos ventos Alísios e a processos de mesoescala (Nascimento, 2005; Molion e Bernardo, 2000). Na imagem diária do satélite TRMM pode-se observar a localização (9,3° de latitude e 35,6° de longitude) dos relâmpagos neste dia. Na imagem de radar verifica-se a presença de uma grande área com uma intensidade de precipitação acima de 23 mm/h, que mostra Maceió como parte mais atingida (Figura 3b). Nas linhas de corrente em 200 hPa observa-se um VCAN (localizado em 14°S de latitude e 27°W de longitude) e, o CJNEB, com núcleo de ventos máximos a oeste do VCAN, sobre a costa leste do Estado da Bahia. O CJNEB aparece com uma velocidade máxima chegando a 28m/s (Figura 3c). Contudo, a trovoada foi observada na saída e próxima ao eixo da CJNEB e na parte noroeste do VCAN (Figura 3c).



Em relação às trajetórias das parcelas de ar verifica-se que as mesmas chegaram a Maceió no dia 29 de janeiro de 2003, às 12UTC. As trajetórias das parcelas de ar apresentadas na Figura 4 para os 4 níveis ((a) 800, (b) 700, (c) 550 e (d) 300hPa), tiveram um deslocamento zonal, de leste para oeste, dos baixos níveis até os 600hPa (Figura 4a e 4b). No nível de 550hPa é possível notar que as parcelas de ar deslocaram-se de sudeste sobre o NEB em direção ao Estado de Alagoas (Figura 4c). No nível de 300hPa, constatou-se uma trajetória com curvatura ciclônica nas últimas 18h que antecederam as trovoadas, indicando a presença de um VCAN sobre o NEB (Figura 4d). Na troposfera foram observados ainda, pequenos movimentos ascendentes (inferiores a 500m), associados à periferia do VCAN.



Na Figura 5, são apresentados Pp ePr para Maceió, obtidos para às 12UTC do dia 29 de janeiro, e com até 48h de antecedência. Foi obtida boa previsão nas várias horas de antecedência, onde os perfis de temperatura previstos foram parecidos com os perfis de temperatura simulados. A curva de estratificação de Td, também se mostrou com uma boa previsibilidade apenas no Pp com 24h de antecedência (Figura 5d e 5e). As maiores diferenças entre Td previsto e simulado foram encontradas principalmente em médios níveis.


Para a avaliação da qualidade dos Pp e Pr foi feita uma comparação com Po (perfil observado). A Figura 6 mostra a comparação dos perfis com uma radiossondagem de Recife, para às 12:00UTC, do dia 29 de janeiro de 2003. As curvas de estratificação de T, nos perfis previstos, ficaram próximos das curvas dos Po com 48h de antecedência, enquanto que as curvas de Td não foram captadas nos perfis previstos, pois de uma forma geral os perfis previstos estiveram mais secos que radiossondagem em todos os níveis da troposfera. Portanto, a umidade observada nos Po nos níveis de 780 e 600hPa não foi captada pelos Pp.


3.4 Previsão das trovoadas intensas

3.4.1 Qualidade da previsão dos perfis T e Td

Para a análise da qualidade da previsão das curvas de T e Td, os Pp foram comparados aos Pr, ambos para Maceió. E também com mesmo propósito foram comparados os Pp de Recife, Natal e Fortaleza com às respectivas radiossondagens. A quantidade de horas de antecedência para uma previsão satisfatória das curvas de T e Td foram apresentadas na Figura 7.


Para Maceió foi observado que a previsão das curvas de T foi semelhante (em grandes partes iguais e em outras partes com pequenos desvios, menor que 1,5°C) aos perfis reanálise com 48h de antecedência para 3 eventos, e de 24h de antecedência para 2 eventos (Figura 7). Resultados similares foram obtidos pelas comparações dos perfis previstos com os observados de alguns Estados do NEB.

As curvas de Td para Maceió, em geral, previram a presença de trovoadas com 24 horas de antecedência em 3 casos (29 de janeiro de 2003, 18 de janeiro de 2004 e 06 de fevereiro de 2004), até 36h em 15 de março de 2003 e na hora do evento no dia 16 de março de 2003. Nas cidades dos Estados do NEB estudadas, a curva Td (perfis previstos com 00h de antecedência) não apresentaram boa concordância com as radiossondagens (Figura 7).

3.4.2. Índices de instabilidade e a energia da CAPE+ previstos

Os índices de instabilidade e a energia convectiva potencial disponível da atmosfera para os dias com trovoadas intensas, foram calculados de 00 a 48h de antecedência pelos Pp (Tabela 4). Os índices foram calculados para Maceió e, comparadas, com 3 cidades do NEB supracitadas. O índice LI e a CAPE+ atingiram valores altos (LI < -2,5; CAPE+ > 1500) e ajudaram a prever uma atmosfera muito instável com até 48h de antecedência, em todos os 5 dias analisados detalhadamente. Os índices K e TT adquiriram valores baixos (K < 24; TT < 44), não mostrando bons resultados para a previsão das trovoadas.

Na maioria dos casos, os valores da CAPE+ nas radiossondagens (não mostrado) foram abaixo dos valores encontrados nos perfis previstos. Em alguns casos também os valores, nos perfis previstos, foram abaixo dos valores propostos na literatura. Segundo Djuric (1994), os índices K>24, TT>44 e CAPE+>2000J/Kg indicaram grande possibilidade de ocorrência de trovoadas. Com isso, as trovoadas puderam ser previstas com valores abaixo (CAPE+>1500J/Kg) dos mencionados na literatura.

3.5. Diagrama de fluxo de previsão de trovoadas

Um método de previsão de trovoadas (Figura 8) foi elaborado em função dos resultados das análises realizadas neste trabalho, que tem como base um período de 10 anos. Com esses resultados o meteorologista deve realizar três etapas para elaborar a previsão, seguindo os determinados passos: 1) avaliação climatológica; 2) previsão sinótica e por fim 3) previsão termodinâmica.


Primeiramente, deve-se ser obtida uma climatologia das trovoadas para um longo período de dados e, com isso, avaliar o seu comportamento na região. Para Alagoas, como já foi assinalado anteriormente nas análises anteriores, as trovoadas foram mais frequentes no verão e no mês de março com uma média de 2,8 casos/mês. Ressalta-se que as trovoadas tem uma atividade maior nos 5 meses do ano, isto é, de dezembro a abril (Figura 8).

No segundo passo, deve-se analisar os sistemas sinóticos produtores de descargas elétricas atuantes na região de estudo, observando nos níveis de 200 e 1000hPa, a existência dos seguintes sistemas: 1) nos altos níveis VCAN e CJNEB (foram predominantes nos eventos com trovoadas em mais de 60% dos casos, quase sempre juntos); e 2) Alísios com curvatura ciclônica (foram observados em mais de 50%, mas Alísios retos quase não foram vistos em dias de trovoadas), nos baixos níveis. Caso o previsor deseje fazer previsões de trovoadas para outras regiões, terá que estudar o mecanismo de formação de trovoada da região pretendida.

É importante ressaltar, que as trovoadas se posicionaram, em geral, no lado quente da entrada da CJNEB e no lado frio da saída, assim como no noroeste e sudoeste do VCAN. Com esses resultados, o previsor das trovoadas deverá avaliar nos campos sinóticos a presença das trovoadas nestas áreas específicas do VCAN e da CJNEB em altos níveis, e se os Alísios têm curvatura ciclônica em baixos níveis.

Por fim, conjuntamente com previsão climatológica e sinótica, é necessário analisar os perfis termodinâmicos da atmosfera (Figura 8). Essa última, obtida de acordo com os resultados dos 5 dias com trovoadas analisados.

Os perfis verticais previstos devem ser elaborados em duas etapas. Na primeira, devem ser calculadas as trajetórias das parcelas de ar pelo modelo HYSPLIT com 12, 24, 36 e 48h de antecedência ao fenômeno, utilizando dados de entrada extraídos do NCEP/NCAR. O previsor pode utilizar outros tipos de dados de entrada, tais como, GDAS, FNL, EDAS-40Km, EDAS-80Km, NGM. A direção da trajetória deve ser escolhida de onde a parcela de ar veio (ou seja, BACKWARD). Depois, será determinado o ponto final da trajetória, que são a latitude e a longitude da localidade onde o meteorologista queira obter a previsão. A trajetória das parcelas de ar também será determinada no plano vertical. As saídas do modelo são gráficos nos planos horizontal (latitude, longitude) e vertical (movimentos verticais), e são disponibilizados os dados a cada hora em tabelas.

Na segunda etapa, deve utilizar os dados de saída do modelo HYSPLIT para pontos iniciais das trajetórias e com estes dados construir perfis verticais das temperaturas T e Td, em cada um dos 10 níveis. Nos perfis previstos tem que utilizar também T e Td em superfície, com os dados da DECEA. Com os perfis previstos construídos, deve calcular os índices de instabilidade LI e a CAPE+ (Figura 8). Se LI < -2,5 e a CAPE+ > 1500, por fim pode prever a ocorrência de trovoadas, com 48h de antecedência.

Essa metodologia, para previsão de trovoadas, pode ser utilizada na região leste do Nordeste do Brasil. Caso o previsor queira obter uma previsão para outras regiões como no Sudeste e no Sul do Brasil, deve ser realizada uma climatologia e analisar os principais mecanismos de sua formação. Também segundo Brito et al. (2008a) em observações de imagens anuais de densidade de raios na América do Sul, verificou que no norte da Argentina, Paraguai e sul do Brasil tem-se a maior densidade de raios da América do Sul. Essa região é marcada pela grande frequência de Complexos Convectivos de Mesoescala, principalmente no verão (Joshua e Thomas, 2009).

4. CONCLUSÃO

Foram estudadas as frequências das trovoadas para o período de 10 anos (1998-2007) com os dados do satélite TRMM e do DECEA e estabelecida a climatologia das trovoadas no Estado de Alagoas.

Os estudos mostraram que as trovoadas ocorreram durante praticamente todo o ano, sendo os meses de verão (de dezembro a abril) com maior predominância, época em que são registradas as maiores temperaturas do ano. Na soma de ambas as fontes, DECEA e satélite TRMM, o mês de março obteve maior média, atingido o valor de 2,8casos/ano.

As análises sinóticas revelaram a atuação dos seguintes sistemas durante os eventos: 1) no nível de 200hPa, observou-se uma predominância de VCAN e CJNEB fracos (próximo ou um pouco menos do que 30m/s); 2) no nível de 500hPa, não foram definidos os sistemas predominantes; 3) no nível de 1000hPa, verificou-se a presença dos Alísios com curvatura ciclônica em mais de 50% dos casos, sobre o NEB.

Foi encontrado o padrão do posicionamento das trovoadas em relação ao VCAN e a CJNEB: 1) As trovoadas se formaram predominantemente no noroeste do VCAN; 2) as trovoadas se posicionaram no lado quente da entrada e lado frio da saída da CJNEB.

A parte termodinâmica da previsão foi baseada em estudo de 5 casos de trovoadas estudados. Com isso, os perfis verticais previstos, construídos pelas trajetórias das parcelas de ar pelo modelo HYSPLIT, mostraram bons resultados na previsão de curvas de estratificação de temperatura até 48h de antecedência. Para a previsão das curvas de estratificação de temperatura do ponto de orvalho, os resultados foram satisfatórios com 24 horas de antecedência.

O índice LI e a energia da CAPE+ previram uma atmosfera muito instável com 48h de antecedência em todos os casos. Já, os índices K e TT não apresentaram bons resultados para a previsão das trovoadas no Estado de Alagoas. Em todos os casos, os valores da CAPE+, calculados pelos dados de radiossondagem, foram abaixo dos valores obtidos pelos perfis previstos. Valores típicos para previsão dos trovoadas foram LI < -2,5 e CAPE+ > 1500. Assim, propõe-se que esses valores sejam usados para previsões de trovoadas.

5. AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL) e do Sistema de Radar Meteorológico de Alagoas (SIRMAL). Os autores também gostariam de agradecer aos revisores, que contribuíram muito para o melhoramento do trabalho.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido Fevereiro 2009

Aceito Setembro 2010

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011

Histórico

  • Recebido
    Fev 2009
  • Aceito
    Set 2010
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