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Calibração de modelos agrometeorológicos para estimar a produtividade da cultura do trigo, considerando sistemas de manejo do solo, em Ponta Grossa-PR

Calibration of agrometeorological models for predicting the wheat crop productivity, considering soil tillage systems, in Ponta Grossa Region, State of Parana, Brazil

Resumos

O presente estudo teve por objetivo avaliar as relações hídricas e o desempenho de modelos simplificados e agrometeorológicos na estimativa da produtividade da cultura do trigo, em quatro sistemas de manejo do solo, na região de Ponta Grossa, Estado do Paraná. O local estudado possui um Latossolo Vermelho distrófico típico e clima Cfb, segundo a classificação de Köppen. Os dados de produtividade da cultura do trigo (cinco safras) e meteorológicos foram disponibilizados pela Fundação ABC e SIMEPAR, respectivamente. Os modelos agrometeorológicos utilizados têm como variáveis de entrada a produtividade potencial e as relações ER/ETc (evapotranspiração real e cultura), que foram determinadas em balanços hídricos diários sequenciais, durante os estádios fenológicos da cultura. A evapotranspiração de referência (ETo) foi estimada com o método de Penman-Monteith. Considerando as inúmeras análises realizadas, o modelo que permitiu as melhores estimativas de produtividade foi o de Jensen, utilizando coeficientes hídricos de penalização obtidos por regressão múltipla.

Planejamento de safras; Triticum aestivum; balanço hídrico


The objective of this work was to evaluate hydric relations and the performance of simplified and agrometeorological models to estimate the productivity of wheat crop, considering four tillage soil systems, in Ponta Grossa, Parana State. The soil type at the experimental area has been classified as Typic Hapludox and the climate of the region classified as Cfb type, according to Köppen climatic classification. The yield data of wheat crop (five seasons) and meteorological were supplied by the ABC Foundation and SIMEPAR, respectively. The tested models are based on the crop yield potential and the ER/ETc relation (actual / crop evapotranspiration), determined by daily water balance occurred during different growth stages. The reference evapotranspiration (ETo) was estimated by the Penman-Monteith method. Considering the numerous tests carried out, the Jensen model show the best estimates of productivity, using yield response factor obtained by multiple regression.

Crops planning; Triticum aestivum; water balance


ARTIGOS

Calibração de modelos agrometeorológicos para estimar a produtividade da cultura do trigo, considerando sistemas de manejo do solo, em Ponta Grossa-PR

Calibration of agrometeorological models for predicting the wheat crop productivity, considering soil tillage systems, in Ponta Grossa Region, State of Parana, Brazil

Jorge Luiz Moretti de SouzaI; Emerson GerstembergerI; Marla Alessandra AraujoII

IUniversidade Federal de Paraná, Setor de Ciências Agrárias, Departamento de Solos e Engenharia Agrícola, Curitiba, PR, Brasil, jmoretti@ufpr.br, emersonberger@ig.com.br

IIUniversidade Federal de Lavras, Lavras, MG, Brasil, marla.agro@bol.com.br

RESUMO

O presente estudo teve por objetivo avaliar as relações hídricas e o desempenho de modelos simplificados e agrometeorológicos na estimativa da produtividade da cultura do trigo, em quatro sistemas de manejo do solo, na região de Ponta Grossa, Estado do Paraná. O local estudado possui um Latossolo Vermelho distrófico típico e clima Cfb, segundo a classificação de Köppen. Os dados de produtividade da cultura do trigo (cinco safras) e meteorológicos foram disponibilizados pela Fundação ABC e SIMEPAR, respectivamente. Os modelos agrometeorológicos utilizados têm como variáveis de entrada a produtividade potencial e as relações ER/ETc (evapotranspiração real e cultura), que foram determinadas em balanços hídricos diários sequenciais, durante os estádios fenológicos da cultura. A evapotranspiração de referência (ETo) foi estimada com o método de Penman-Monteith. Considerando as inúmeras análises realizadas, o modelo que permitiu as melhores estimativas de produtividade foi o de Jensen, utilizando coeficientes hídricos de penalização obtidos por regressão múltipla.

Palavras-chave: Planejamento de safras, Triticum aestivum, balanço hídrico.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate hydric relations and the performance of simplified and agrometeorological models to estimate the productivity of wheat crop, considering four tillage soil systems, in Ponta Grossa, Parana State. The soil type at the experimental area has been classified as Typic Hapludox and the climate of the region classified as Cfb type, according to Köppen climatic classification. The yield data of wheat crop (five seasons) and meteorological were supplied by the ABC Foundation and SIMEPAR, respectively. The tested models are based on the crop yield potential and the ER/ETc relation (actual / crop evapotranspiration), determined by daily water balance occurred during different growth stages. The reference evapotranspiration (ETo) was estimated by the Penman-Monteith method. Considering the numerous tests carried out, the Jensen model show the best estimates of productivity, using yield response factor obtained by multiple regression.

Keywords: Crops planning, Triticum aestivum, water balance.

1. INTRODUÇÃO

O trigo é um dos cereais mais importantes produzidos, correspondendo a 30% da produção mundial de grãos, aproximadamente. O Brasil participa com apenas 0,6% da produção mundial, sendo um dos países que mais importam o cereal. Cerca de 90% da produção nacional de trigo está concentrado na região sul do país e o Paraná contribuiu nos últimos anos com mais de 50% da safra nacional. A região de Ponta Grossa contribuiu com aproximadamente 13,9% da produção Estadual na safra de 2006/07, tendo produtividade média de 3200 kg ha–1 (SEAB, 2009).

O desenvolvimento do trigo é complexo e, além de sua constituição genética, a planta é muito afetada por fatores externos a sua fisiologia. Estresses abióticos são condições ambientais que afetam negativamente o potencial genético de crescimento e rendimento da cultura. Sua produtividade está diretamente relacionada com a capacidade de manter elevada atividade fotossintética das folhas e intensidade de crescimento dos grãos durante o período reprodutivo (Machado et al., 1993). O déficit hídrico proporciona decréscimo da produção da área foliar, fechamento dos estômatos, aceleração da senescência, abscisão das folhas, abortamento e chochamento de frutos (Taiz e Zeiger, 2004). Por outro lado, elevadas precipitações pluviométricas podem provocar perdas na cultura, favorecendo a incidência de doenças e problemas radiculares.

O efeito do estresse hídrico na produção das culturas depende do estádio de desenvolvimento da planta, da sua intensidade e duração, acrescido da capacidade das plantas em responder às mudanças do ambiente (Doorenbos e Kassam, 1979). Para Santos e Carlesso (1998) a duração do estádio fenológico da cultura e a frequência e intensidade do déficit hídrico são os fatores mais importantes à limitação da produção agrícola. Dependendo do clima e duração do ciclo, a cultura do trigo necessita entre 450 mm a 600 mm de água (Doorenbos e Kassam, 1979). Quanto ao rendimento de grãos, Frizzone e Olitta (1990) obtiveram que a fase mais sensível à desidratação ficou compreendida entre o início do florescimento e o estádio de grão leitoso. Beltrano et al. (2006) verificaram que o estresse produzido durante os estádios aquoso e leitoso reduziu o peso final dos grãos em 47% e 20%, respectivamente. De acordo com Doorenbos e Kassam (1979), a produtividade da cultura do trigo é bastante influenciada pelas condições hídricas, principalmente durante o período de formação dos órgãos reprodutivos e na floração.

Na literatura, inúmeros estudos foram desenvolvidos objetivando estimar o rendimento do trigo a partir de parâmetros climáticos, conforme relatam Zhang e Oweis (1999), Choudhry et al. (2002) e Junges (2008). Frizzone et al. (2005) comentam que os modelos agrometeorológicos constituem uma ferramenta simples e básica à decisão dos planos de desenvolvimento, e expressam a influência de elementos agrometeorológicos no rendimento de culturas agrícolas. Berlato (1987), Zhang e Oweis (1999) e Choudhry et al. (2002) mostram que o ajustamento dos coeficientes ou fatores hídricos dos modelos agrometeorológicos, para uma região, é um importante instrumento para pesquisa, planejamento e monitoramento de culturas. No entanto, apesar da importância sócio-econômica da cultura de trigo para a região de Ponta Grossa, Estado do Paraná, ainda não foram conduzidos trabalhos visando à identificação e parametrização de modelos de estimativa de produtividade do trigo, principalmente considerando a produtividade obtida a partir de diferentes sistemas de cultivo.

O presente estudo teve por objetivo avaliar as relações hídricas e o desempenho de modelos simplificados (linear, potencial, exponencial e logarítmico) e agrometeorológicos na estimativa da produtividade da cultura do trigo, sob diferentes sistemas de cultivo, na região de Ponta Grossa, Estado do Paraná.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Os dados de produtividade da cultura do trigo foram registrados em um experimento realizado entre os anos de 1989 a 2007, em que foram totalizados cinco ciclos produtivos, devido ao esquema de rotação de culturas (Tabela 1), empregando quatro sistemas de manejo do solo (PD – plantio direto; PC – plantio convencional; PM – preparo mínimo; PDE – plantio direto com uma escarificação a 30 cm de profundidade a cada três anos, iniciado a partir da instalação do experimento). O experimento foi conduzido na Estação Experimental da Fundação ABC, situada no município de Ponta Grossa, localizada nas coordenadas geográficas de 25º00'48" de latitude Sul e 50º09'05" de longitude Oeste, em altitude média de 890 m, Paraná, Brasil. O local possui um relevo suave ondulado e Latossolo Vermelho distrófico típico e textura argilosa (Araujo, 2008; Araujo et al., 2009).

A fim de se comparar as médias das produtividades entre os sistemas de manejo estudados, realizou-se a análise estatística (ANOVA) considerando o delineamento em blocos ao acaso, contendo quatro tratamentos (PD, PC, PM, PDE) dispostos em cinco blocos. Esta análise foi realizada com o auxílio do programa estatístico SOC (EMBRAPA, 1990).

Os valores diários dos componentes do balanço hídrico, como evapotranspiração da cultura (ETc), evapotranspiração real (ER), deficiência hídrica (Def) e excedente hídrico (Exc) foram determinados com o auxílio de um programa denominado "MORETTI – Módulo: Balanço hídrico sequencial", versão 1.0" (Souza, 2008), o qual foi desenvolvido baseando-se na metodologia proposta por Thornthwaite e Mather (1955).

As análises foram realizadas para uma periodicidade diária e, conforme recomendação de Souza e Gomes (2008), a opção "equação co-senoidal" foi utilizada para o cálculo do armazenamento de água no solo e/ou "negativo acumulado". O programa necessitou também dos seguintes dados de entrada para a simulação do balanço hídrico para cada safra: precipitação pluvial (P, em mm dia-1), evapotranspiração de referência (ETo, em mm dia-1), coeficiente de cultivo (kc, adimensional), capacidade de água disponível (CAD, em mm) e fração de água disponível no solo para um determinado tipo de cultura (p, adimensional).

Os dados diários de precipitação pluvial (P) e demais dados meteorológicos necessários para a estimativa da ETo (temperatura média, mínima e máxima do ar, umidade relativa, velocidade do vento a dois metros de altura e insolação), variáveis de entrada no programa balanço hídrico, foram disponibilizados pelo Instituto Tecnológico do Paraná (SIMEPAR), sendo provenientes da: (a) antiga estação climatológica convencional de Ponta Grossa, anteriormente localizada no Parque Estadual de Vila Velha, sob latitude 25º14´17´´ S, longitude 50º01´16´´ W, altitude 801 m, e clima Cfb, subtropical com chuvas bem distribuídas durante o ano e verões amenos, segundo a classificação de Köppen; e, (b) estação climatológica automática do campo demonstrativo e experimental de Ponta Grossa - Fundação ABC, sob latitude 25º00´49´´S, longitude 50º09´08´´ W, altitude 882 m e clima Cfb, segundo a classificação de Köppen.

A ETo diária da região de Ponta Grossa-PR para o período estudado foi estimada a partir do método de Penman-Monteith, parametrizado pela Food and Agriculture Organization of the United Nations – FAO (Allen et al., 1998), cuja equação geral é dada por:

sendo: ETo – evapotranspiração de referência (mm dia-1); Δ – declividade da curva de pressão de vapor da água à temperatura do ar (kPa ºC–1); Rn – radiação líquida na superfície (MJ m–2 d–1); G – balanço do fluxo de calor no solo (MJ m–2 dia–1); γpsy – constante psicrométrica (kPa ºC–1); T – temperatura média do ar (ºC); u2 – velocidade do vento a dois metros de altura (m s–1); es – pressão de saturação de vapor (kPa); ea – pressão atual do vapor (kPa).

Os cultivares utilizados no presente estudo (Tabela 1) apresentou um ciclo médio de 140 dias. Os valores de kc utilizados para transformar a ETo em evapotranspiração da cultura (ETc) foram ajustados para este período, baseando-se nos valores apresentados por Doorenbos e Kassam (1979). Os estádios de desenvolvimento do trigo foram estabelecidos considerando a escala de Feeks-Large (Tabela 2). A duração dos subperíodos e a profundidade efetiva do sistema radicular também foram definidas conforme as recomendações de Doorenbos e Kassam (1979).

Os valores médios de CAD utilizados (Tabela 2) foram obtidos em um estudo prévio, realizado por Araujo (2008) e Araujo et al. (2009) na área experimental, em que foram detalhados aspectos referentes ao processo de coleta das amostras, análises do solo, obtenção dos valores de capacidade de campo (CC) e ponto de murcha permanente (PMP), análise estatística, entre outros. Na determinação da água disponível no solo (AD) com o modelo de Souza (2008), em cada i-ésimo estádio fenológico, considerou-se a fração de água disponível no solo igual a 0,55 para a cultura do trigo, seguindo as recomendações da FAO (Allen et al., 1998). As estimativas do armazenamento de água no solo (ARM), no momento da semeadura da cultura do trigo (Tabela 1), para as cinco safras analisadas, foram realizadas com balanços hídricos diários iniciados no mês de janeiro.

A estimativa da produtividade da cultura do trigo foi realizada com quatro modelos simplificados (linear, potencial, exponencial e logarítmico) e seis modelos agrometeorológicos específicos (Equações 2 a 7), para a região de Ponta Grossa. As análises de regressão e correlação com os quatro modelos simplificados (linear, potencial, exponencial e logarítmico), visando verificar o ajustamento da produtividade real com dados meteorológicos (ETo, ETc, ER, ER/ETc e P) foram realizadas com o auxílio de uma planilha eletrônica. Mediante as recomendações e sugestões apontadas por Moraes et al. (1998) e Frizzone et al. (2005), foram selecionados os seguintes modelos agrometeorológicos para a análise de regressão e correlação realizada entre os valores, medidos e estimados, de produtividade:

- Howell e Hiler (1975):

- Jensen (1968):

- Minhas et al. (1974):

- Doorenbos e Kassan (1979):

- Stewart et al. (1976), proposto por Doorenbos e Kassan (1979):

- Rao et al. (1988):

sendo: Yr – produtividade estimada da cultura do trigo (kg ha–1); Yp – produtividade potencial da cultura do trigo na região (kg ha–1); ERi – evapotranspiração real da cultura no i-ésimo estádio fenológico (mm ciclo–1); ETci – evapotranspiração da cultura no i-ésimo estádio fenológico (mm ciclo–1); Ky ou Kyi – coeficientes de penalização da produtividade por déficit para as diferentes fases fenológicas do trigo (adimensional); λi – fator hídrico de penalização da produtividade por déficit para as diferentes fases fenológicas do trigo (adimensional); i – estádios fenológicos da cultura; n – número de estádios fenológicos.

As análises de estimativa de produtividade com os modelos agrometeorológicos foram realizadas empregando coeficientes ou fatores de penalização da produtividade por déficit para as diferentes fases fenológicas do trigo: (a) disponibilizados na literatura (Tabela 3); e, (b) coeficientes ky, kyi e fatores λi obtidos em análises de regressão linear simples (ky) e múltipla (kyi e λi), estabelecida entre as transformadas dos termos que continham o rendimento relativo (Y/Ym) do trigo e da evapotranspiração relativa (ER/ETc), utilizando os dados climáticos e culturais das cinco safras estudadas para Ponta Grossa-PR. As análises de regressão linear foram resolvidas com o método dos mínimos quadrados e o sistemas de equações lineares solucionado com o método da eliminação de Gauss (Araujo, 2008).

As estimativas das produtividades para cada sistema de manejo e safra estudado foram feitas a partir da inserção dos modelos agrometeorológicos em uma planilha eletrônica. Para isso, foram utilizados: os fatores e coeficientes de penalização da produtividade por déficit para as diferentes fases fenológicas do trigo (disponíveis na bibliografia ou ajustados); e, os valores de ETc e ER, obtidos no cálculo do balanço hídrico diário, em cada i-ésimo estádio fenológico da cultura do trigo e j-ésima safra na região de Ponta Grossa.

A precisão da estimativa de cada modelo agrometeorológico foi determinada a partir de análise de regressão linear e correlação, realizada entre os valores anuais de produtividade real (levantado na região) e estimada com os referidos modelos em Ponta Grossa. Para avaliar o grau de exatidão entre valores de produtividade reais e estimados da cultura do trigo, foi utilizado o índice "d" de concordância de Willmott et al. (1985). Adotou-se também o índice "c" de Camargo e Sentelhas (1997), que serve como indicador de desempenho dos métodos alternativos, considerando: c > 0,85 – ótimo, 0,76 < c < 0,85 – muito bom, 0,66 < c < 0,75 – bom, 0,61 < c < 0,65 – mediano, 0,51 < c < 0,60 – sofrível, 0,41 < c < 0,50 – mau e c < 0,40 – péssimo.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Figura 1 estão apresentadas as médias das produtividades alcançadas nos quatro sistemas de manejo adotados na Estação Experimental da Fundação ABC. A produtividade do ano de 1995 (1.839 kg ha–1) foi a menor verificada entre todas as safras analisadas. O ano de 2004 apresentou a maior produtividade, sendo de 5282 kg ha–1. Os anos de 1995 e 1998, cultivados com o cultivar BR 23, apresentaram produtividades 42,51% e 23,69% inferiores a produtividade média da região (3200 kg ha–1) (SEAB, 2009), respectivamente. Os anos de 2001 e 2004, empregando os cultivares CD 105 e Avante, apresentaram produtividades 39,10% e 65,05% superiores à média da região, considerando a safra 2008/09, respectivamente (Figura 1 e Tabela 1). A produtividade do ano de 1992 foi a que ficou mais próxima da média da região. (Tabela 1).


A análise de variância (ANOVA) não revelou a existência de diferenças significativas ao nível de 5% de probabilidade de erro entre os quatro sistemas de manejos (PD, PC, PM e PDE) estudados. Constatou-se que as produtividades, dentre todos os sistemas de cultivo (Figura 1), seguiram a mesma linha de tendência. Nos anos de baixa produtividade, como o ano de 1995, a redução ocorreu em proporções semelhantes em todos os sistemas de cultivo. Os mesmos efeitos também foram observados em anos de produtividade mais elevadas, como os anos de 2001 e 2004. Na mesma área experimental do presente estudo, porém considerando as culturas do milho e soja, respectivamente, Pauletti et al. (2003) e Araújo (2008) também verificaram que o rendimento de grãos não foi afetado pelo sistema de manejo do solo (PD, PC, PM e PDE) e de culturas ao longo dos anos.

No cálculo dos balanços hídricos empregou-se um valor único médio de CAD (Tabela 2), para cada estádio fenológico da cultura, sob os quatro sistemas de manejo, devido à inexistência de efeito significativo entre elas (ao nível de 5% de probabilidade), conforme observado no trabalho de Araújo (2008) e Araújo et al. (2009), para a mesma área experimental. A Tabela 4 apresenta, para as cinco safras analisadas da cultura do trigo na região de Ponta Grossa-PR, um resumo dos valores médios (mm ciclo–1) dos componentes do balanço hídrico (ETo, ETc, P, ER, Def e Exc). A Tabela 5 apresenta a deficiência hídrica e o número de dias em que ocorreram os déficits nos estádios fenológicos (I, II, III e IV), nas cinco safras analisadas.

Os valores de ETc (mm ciclo–1) estimados para a cultura do trigo com o programa balanço hídrico, nas safras analisadas, ficaram abaixo dos limites apresentados por Doorenbos e Kassam (1979). O maior valor de ETc ocorreu no ano de 1995 (394,4 mm ciclo–1) e o menor no ano de 1998 (253,1 mm ciclo–1).

Os valores de P nas safras foram sempre superiores aos valores de ETc. Este fato permitiu a ocorrência de excedente hídrico, contudo, não impediram a ocorrência de deficiência hídrica ao longo do ciclo da cultura em todas as safras. O menor valor de Def foi de 4,0 mm ciclo–1 (safra 1998) e o maior valor foi de 178,5 mm ciclo–1 (safra 1995).

É válido observar que Frizzone e Olitta (1990) encontraram para a cultura do trigo, cultivado na região de Ilha Solteira-SP, que a fase mais sensível à desidratação ficou compreendida entre o início do florescimento e o estádio de grão leitoso, sendo que a ocorrência de deficiência hídrica nesses estádios pode proporcionar perdas significativas na produtividade. Neste sentido, verificou-se a redução de 42,51% na produtividade considerando todos os sistemas de cultivos estudados durante o ano de 1995, fato este que pode ser explicado pelo déficit hídrico ocorrido no período compreendido entre o final do alongamento e 80% do estádio de espigamento (48 dias), totalizando um déficit de 8 mm e 170,5 mm, respectivamente.

Excetuando-se a safra de 1995, em que os efeitos do déficit hídrico foram notadamente perceptíveis, as demais safras analisadas não apresentaram problemas quanto ao suprimento de água durante os estádios de crescimento. No entanto, na safra de 2004 e estádio fenológico III, ocorreu o segundo maior período de deficiência registrado nas análises das safras (87,5 mm estádio–1). Como o estádio III é considerado crítico, verifica-se que outras variáveis interferiram acentuadamente no sistema. A mudança do cultivar, a qual tem um potencial produtivo superior aos cultivares utilizado anteriormente, pode ser uma explicação para a contradição ocorrida.

A obtenção de modelos comumente utilizados a partir de análises de regressão simples e correlação (linear, potencial, exponencial e logarítmico), quando possível, é uma excelente forma de realizar estimativas sobre um determinado fenômeno, baseando-se no conhecimento de apenas uma variável descritora. No entanto, a tentativa de ajustar os dados de produtividade das cinco safras da cultura do trigo com parâmetros climáticos (ETo, ETc, ER, ER/ETc e P) não apresentaram efeito significativo entre elas ao nível de 5% de probabilidade (R < 0,63) para as equações do tipo linear, potencial, exponencial e logarítmica.

Os modelos agrometeorológicos empregando coeficientes obtidos na literatura (Tabela 3), com exceção do modelo de Minhas et al. (1974), também não apresentaram efeito significativo ao nível de 5% de probabilidade entre os valores reais de produtividade registrados para as cinco safras versus produtividades estimadas com os modelos testados. O modelo de Minhas et al. (1974) obteve R = 0,81, significativo ao nível de 5%. No entanto, com o índice de concordância "d" = 0,62, o desempenho (índice "c") obtido com o modelo classificou-se com "mau" (Tabela 6). Desta forma, a utilização de coeficientes ou fatores obtidos na literatura levou a obtenção de índices "c" de desempenho predominantemente "péssimo" e "mau".

Diante de resultados insatisfatórios com a utilização de coeficientes ou fatores obtidos na literatura, outro procedimento recomendado consiste na realização do ajuste estatístico dos coeficientes ou fatores dos modelos agrometeorológicos. Berlato (1987) relata que diferenças entre as cultivares, manejo, tipo de solo, fertilidade, clima, entre outros, variam de região para região, e até dentro da mesma região, salientando a importância da calibração de coeficientes ou fatores para cada localidade, o que possibilita a obtenção de estimativas mais precisas.

Com a realização do ajuste estatístico dos coeficientes ou fatores dos modelos agrometeorológicos, os valores de R e índice "d" melhoraram. No entanto, somente o ajuste dos valores de ky, kyi e λ não foram suficientes para gerar bons resultados com todas as equações que permitem este procedimento dentre as seis testadas (Tabela 6).

Apenas os modelos de Stewart et al. (1976), proposto por Doorenbos e Kassan (1979) e Jensen (1968), apresentaram efeito significativo ao nível de 5% de probabilidade para os coeficientes de correlação (valores de R > 0,759), obtidos entre os valores reais de produtividade registrados para as cinco safras versus produtividades estimadas com os modelos testados (Tabela 6). Os índices "c" de desempenho ficaram classificados como "péssimo" para todas as análises considerando os modelos Howell e Hiler (1975), Doorenbos e Kassan (1979) e Rao et al. (1988). O modelo de Minhas et al. (1974) ficou classificado como "mediano" (quatro sistemas de plantio, PC, PM e PDE) e "sofrível" (PD). O modelo de Stewart et al. (1976), proposto por Doorenbos e Kassan (1979) obteve desempenho predominante "bom" (quatro sistemas de plantio, PD, PC e PM) e um desempenho "péssimo" (PDE). O modelo de Jensen (1968) obteve desempenho predominantemente "muito bom" (quatro sistemas de plantio, PC, PM e PDE) e "bom" (PD). Zhang e Oweis (1999) e Choudhry et al. (2002), também obtiveram bons resultados com o modelo Jensen (1968). Para o segundo autor, assim como no presente trabalho, os resultados foram significativos apenas com o ajuste dos coeficientes ou fatores em análises de regressão múltipla.

De forma geral, mesmo com o ajuste dos coeficientes ou fatores ky, kyi e λ, foi possível observar que os valores encontrados diferiram bastante dos encontrados na literatura (Tabela 7). Nas análises realizadas com os seis modelos agrometeorológicos observou-se, inclusive, valores negativos para alguns coeficientes ou fatores ajustados nos estádios II e IV, que correspondem ao período de alongamento e maturação, respectivamente.

As análises realizadas por Zhang e Oweis (1999) e Choudhry et al. (2002) evidenciaram que a existência de deficiência hídrica no período de maturação (estádio IV), não comprometeram a produtividade da cultura do trigo. Os autores obtiveram valores de l negativos ou iguais a zero neste estádio de desenvolvimento (estádio IV). No presente trabalho, após o ajustamento dos dados, os valores encontrados ficaram entre –0,8891 e –2,1078.

Para os estádios I, II e III, Zhang e Oweis (1999) obtiveram valores de λ iguais a 0,01; 0,31 e 0,245, respectivamente (Tabela 3). Nas análises realizadas no presente trabalho, após o ajustamento, encontraram-se valores de λ variando entre 3,0565 e 3,4860 para o estádio I; entre –33,1809 e –29,6027 para o estádio II e entre 3,8892 e 4,3428 para o estádio IV. No entanto, os valores de λ obtidos por Zhang e Oweis (1999) e Choudhry et al. (2002) também diferem entre si, evidenciando a necessidade de ajustamentos do fator para cada localidade, conforme relata Berlato (1987).

Os trabalhos de Zhang e Oweis (1999) e Choudhry et al. (2002) foram realizados em regiões semiáridas, Síria e Paquistão, respectivamente. Desta forma, como o coeficiente λII (período de alongamento) obtido no presente trabalho foi negativo (Tabela 7), pode-se supor que a existência de deficiências neste estádio, até um determinado limite, poderia beneficiar a produtividade do trigo em Ponta Grossa, devido às características do solo (Latossolo Vermelho distrófico típico, textura argilosa) e clima (clima Cfb, subtropical com chuvas bem distribuídas durante o ano). Contudo, é importante observar que a obtenção e utilização do valor negativo de l no modelo de Jensen pode levar a inconsistência. Desta forma, a relação ER/ETc pode ser menor do que um, a um ponto que a cultura sofra problemas de deficiência hídrica e consequentemente perda de produtividade, mas o modelo indicaria ganhos de produtividades nesta situação.

De forma geral, devido a sua simplicidade, verificar que o modelo de Jensen (1968) apresentou desempenho predominantemente "muito bom" é extremamente interessante para as atividades de planejamento com a cultura do trigo em Ponto Grassa. O modelo considera somente o consumo relativo de água como variável independente, e sabe-se que a produtividade é resultado da interação entre fatores intrínsecos (genética, adaptabilidade) e extrínsecos (luz, água, solo, ocorrência de pragas, entre outros) à planta, que muitas vezes são difíceis de mensurar. Desta forma, considerando apenas séries de dados climáticos de Ponta Grossa, novas análises para a cultura do trigo, como a identificação das melhores épocas de plantio, poderão ser realizadas e auxiliar nas atividades de planejamento.

4. CONCLUSÃO

Os modelos simplificados (linear, potencial, exponencial, logaritmo) e modelos agrometeorológicos empregando coeficientes ou fatores de penalização da produtividade por deficit obtidos na bibliografia, não possibilitaram, conforme o local estudado e metodologia testada, a obtenção de estimativas de produtividade estatisticamente satisfatórias.

O modelo de Jensen utilizando coeficientes e fatores obtidos por regressão múltipla proporcionaram relações lineares mais estreitas entre as produtividades reais e estimadas, e o seu desempenho obtido é predominantemente "muito bom" em Ponta Grossa. Os demais modelos testados apresentam desempenho classificado entre "péssimo" e "bom".

5. AGRADECIMENTOS

À Fundação ABC, pelo fornecimento dos dados de produtividade da cultura do trigo; ao SIMEPAR, pela disponibilização dos dados meteorológicos da região de Ponta Grossa.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido Julho de 2011

Aceito Maio de 2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    Jul 2011
  • Aceito
    Maio 2013
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