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Dano por Granizo na Cultura da Soja em Condições de Lavoura: Um Estudo de Caso

On-Farm Hail Damage In Soybean: A Case Study

Resumo

O objetivo deste trabalho foi quantificar os danos causados por um evento de granizo sobre uma lavoura comercial de soja. O evento de granizo ocorreu no município de Água Santa, no Estado do Rio Grande do Sul, durante o ano agrícola de 2013/2014. Foram realizadas avaliações da matéria seca do limbo foliar, pecíolo, legume e do índice de área foliar. Tais medições foram obtidas em data anterior e posterior ao evento de granizo que ocorreu no dia 08/02/2014. Com o auxílio de imagens de satélites e de radar foi possível identificar a intensidade do evento e a presença de granizo nas nuvens. Os danos provocados pelo granizo na cultura da soja foram: a redução da matéria seca nos limbos foliares (0,13 Mg ha−1), nos pecíolos (0,01 Mg ha−1) e nos legumes (0,002 Mg ha−1) das plantas da lavoura; o decréscimo no índice de área foliar de 7 a 34%; e a quebra do ápice de crescimento em 32% das plantas do experimento. Possivelmente, devido a esta redução na massa seca, houve diminuição na produtividade de soja da lavoura. As imagens de satélite e de radar podem ser ferramentas para auxiliar os extensionistas na determinação dos danos de granizo nas lavouras de soja.

Palavras chave:
Glycine max; índice de área foliar; granizo; radares meteorológicos

Abstract

The objective of this study was to quantify the damages caused by a hail event on a soybean farm. The hail event happened at Água Santa County, Rio Grande do Sul State, Brazil, during the 2013/2014 growing season. Were conducted dry matter evaluations of leaf, petiolate, pod and leaf area index. Such measurements were obtained before and also after of the hail event occurred on 08/02/2014. By using satellite and radar images it was possible to identify the hail event intensity. The hail event damage on the soybean crop were reduction dry matter on leaf blade (0.13 Mg ha−1), on petiolate (0.01 Mg ha−1) and on pods (0.002 Mg ha−1), also were observed a decrease in leaf area index that varying from 7 to 34% and breaking off the growth apex in 32% of plants on the experiment. Therewith, the satellite and radar images can be a tool to help the extension on determination of hail damage on soybean farms.

Keywords:
Glycine max; leaf area index; hail; weather radar

1. Introdução

A precipitação da água da atmosfera para a superfície terrestre ocorre na forma de chuva, granizo ou neve. A precipitação na região sul do Brasil é causada principalmente pelas frentes frias e ocorre durante todo o ano, com a precipitação média variando de 1400 a 2000 mm ano−1 (Reboita et al., 2010REBOITA, M.S.; GAN, M.A.; ROCHA, R.P.; AMBRIZZI, T. Regimes de precipitação na América do Sul: Uma revisão bibliográfica. Revista Brasileira de Meteorologia, São José dos Campos. v. 25, n. 2, p. 185–204, 2010.). As frentes frias são mais frequentes de junho a setembro e têm efeito na intensidade e distribuição das chuvas (Cavalcanti e Kousky, 2009CAVALCANTI, I.F.A.; KOUSKY, V.E. Frentes Frias sobre o Brasil. In: CAVALCANTI, I.F.A.; FERREIRA, N.J.; JUSTI da SILVA, M.G.A.; SILVA DIAS, M.A.F. (Eds.) Tempo e Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 2009. p. 135–147.).

O granizo, por sua vez, se forma em nuvens de grande desenvolvimento vertical (células convectivas geradoras de instabilidade) e é um fenômeno altamente prejudicial para a agricultura, principalmente pelos danos físicos causados à parte aérea das plantas (Lucas et al., 2012LUCAS, D.D.P.; HELDWEIN, A.B.; MALDANER, I.C.; DALCIN, J.S.; LOOSE, L.H. Escala diagramática de quantificação de dano causado por granizo em folhas de girassol. Revista Ciência Agronômica, Fortaleza. v. 43, p. 822–826, 2012.) e em estruturas urbanas. Os dados de ocorrência de granizo da Coordenadoria Estadual da Defesa Civil (CEDEC) no período de 1989 a 2009 mostraram que as áreas e regiões de maior frequência de ocorrências desses eventos localizam-se na metade norte do Rio Grande do Sul, com destaque para as regiões do Alto Uruguai e Planalto Médio (Nedel et al., 2012NEDEL, A.; SAUSEN, T.M.; SAITO, S.M. Zoneamento dos desastres naturais ocorridos no estado do Rio Grande do Sul no período 1989 - 2009: Granizo e vendaval. Revista Brasileira de Meteorologia, São José dos Campos. v. 27, p. 119–126, 2012.). Berlato et al. (2000)BERLATO, M.A.; MELO, R.W.; FONTANA, D.C. Risco de ocorrência de granizo no Estado do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria. v. 8, p. 121–132, 2000., também verificaram que as áreas mais propícias aos eventos de granizo foram as de maior altitude e/ou continentalidade, sendo a primavera a estação com o maior número de ocorrência de tais eventos.

Um evento de granizo pode provocar danos variáveis aos cultivos agrícolas, dependendo do tamanho das pedras de gelo, da densidade por área e velocidade de queda das pedras de gelo, da duração do evento, da velocidade do vento e da fase de desenvolvimento das culturas (Mota, 1981MOTA, F.S. Meteorologia agrícola. São Paulo: Livraria Nobel, 1981. 376 p.). Na cultura da soja, os principais danos ocorrem nas folhas, hastes e ápice de crescimento, podendo provocar redução da área foliar, lesões que favorecem a incidência de doenças e morte das plantas.

Os trabalhos sobre simulação de danos foliares, como os que acontecem por granizo (Lucas et al., 2012LUCAS, D.D.P.; HELDWEIN, A.B.; MALDANER, I.C.; DALCIN, J.S.; LOOSE, L.H. Escala diagramática de quantificação de dano causado por granizo em folhas de girassol. Revista Ciência Agronômica, Fortaleza. v. 43, p. 822–826, 2012.), geralmente são realizados com desfolha artificial de folhas inteiras, o que não representa fielmente o dano físico causado em condições de lavoura. Conley et al. (2008)CONLEY, S.P.; ABENDROTH, L.; ELMORE, R.; CHRISTMAS, E.P.; ZARNSTORFF. Soybean seed yield and composition response to stand reduction at vegetative and reproductive stages. Agronomy Journal, Madison. v. 100, p. 1666–1669, ed.6, 2008. simularam três níveis de intensidade de desfolha artificial (25, 50 e 75%) em quatro estádios de desenvolvimento (V3, V6, R1 e R3.5). Estes autores sugeriram que a soja pode compensar a perda de plantas quando o dano ocorre antes do estádio R1, se a população final de plantas for igual ou superior a 247.000 plantas ha−1. Com a atual tecnologia de monitoramento dos sistemas atmosféricos, como radares e satélites meteorológicos, é possível monitorar e prever com antecedência os eventos de granizo, e assim quantificar “in situ” os danos destes eventos meteorológicos sobre a cultura. Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi quantificar os danos causados por um evento de granizo sobre a cultura da soja em condições de lavoura.

2. Material e Métodos

O local de estudo foi uma lavoura comercial de soja no município de Água Santa (28°10′ S, 52°02′ O, 650 m) localizado na região do Planalto Médio (Rio Grande do Sul). O clima local, segundo a classificação de Köppen, é do tipo Cfa, ou seja, Clima Subtropical Úmido (Kuinchtner e Buriol, 2001KUINCHTNER, A; BURIOL, G.A. Clima do Estado do Rio Grande do Sul segundo a classificação climática de Köppen e Thornthwaite. Disciplinarum Scientia, Santa Maria. v. 2, p. 171–182, 2001.). Foram realizadas avaliações em duas áreas distintas denominadas de “lavoura comercial” e “experimento”, conforme ilustrado na Fig. 1.

Figura 1
Croqui com a localização da área do experimento (0,01 ha) e da lavoura comercial (6 ha). Os pontos brancos mostram a localização das 10 plantas marcadas e os círculos ao redor dos pontos indicam a área de 10 m, onde eram feitas as coletas de massa seca.

2.1. Avaliações na lavoura comercial

As avaliações foram realizadas durante o ano agrícola de 2013/2014, sendo que a semeadura da lavoura comercial ocorreu no dia 08/11/2013 com a cultivar BMX Turbo RR, sob espaçamento de 0,49 m entre-linhas e densidade de 280.000 plantas ha−1. Foram marcados quatro pontos, distribuídos em quadrantes e distanciados de aproximadamente 150 m (Fig. 1). Quinzenalmente foram realizadas coletas da parte aérea de plantas da cultivar BMX Turbo RR, em 2 m lineares de plantas (em torno de 27 plantas), localizadas nos arredores destes pontos. Além disso, foram marcadas 10 plantas em cada ponto e nessas foram realizadas avaliações de número de nós e fenologia. As coletas de massa seca foram realizadas entre os estádios de desenvolvimento V2 (15/12/2013) e o estádio R8 (27/03/2014). Logo após a coleta, este material era dividido em limbo foliar, pecíolo e legumes. Também foram coletadas, aleatoriamente, 10 folhas de diferentes tamanhos, nas quais foram medidos o comprimento e a largura do folíolo central de cada folha. As amostras de matéria verde das partes das plantas coletadas e das 10 folhas foram colocadas para secar em estufa a 60 °C, até que o peso se mantivesse constante. Após, foi determinada a massa seca dos componentes (Mg ha−1).

2.2. Avaliações no experimento

Em uma das extremidades da lavoura comercial foi semeado (03/12/2013) um experimento com seis cultivares de soja (NS 4823 RR, BMX Energia RR, Igra RA 518 RR, BMX Turbo RR, NA 5909 RR, e TEC5936IPRO). O experimento foi conduzido na forma de parcela demonstrativa (sem repetição), sendo cada parcela formada por quatro linhas de cada cultivar com 5 m de comprimento.

No experimento foram marcadas dez plantas aleatoriamente, para cada uma das seis cultivares. Nas plantas marcadas foram realizadas avaliações quinzenais de desenvolvimento, segundo a escala de Fehr e Caviness (1977)FEHR, W.R.; CAVINESS, C.E. Stages of soybean development. Ames: Iowa State University of Science and Technology, 1977. 15 p. (Special Report, 80).. Quando as cultivares atingiram os estádios de início de floração (R1) e enchimento de grãos (R5), foram medidos o comprimento e a largura do folíolo central de todas as folhas da haste principal e das ramificações, de três plantas por cultivar, conforme metodologia descrita em Richter et al. (2014)RICHTER, G.L.; ZANON, A.J.; STRECK, N.A.; GUEDES, J.V.C; KRÄULICH, B.; et al. Estimating leaf area of modern soybean cultivars by a non-destructive method. Bragantia, Campinas. v. 73, p. 416–425, 2014..

2.3 Avaliações após o evento de granizo

No dia 08/02/2014, logo após a finalização das avaliações de fenologia e coleta de plantas para a obtenção de massa seca, ocorreu uma precipitação de granizo, com duração aproximada de 12 minutos (das 18:13 às 18:25 h, horário local) e tamanho das pedras de gelo de aproximadamente 2 cm de diâmetro. Não foi possível mensurar a intensidade da precipitação e a velocidade do vento, pois a estação meteorológica automática mais próxima estava localizada a aproximadamente 35 km da lavoura comercial, no município de Passo Fundo. No dia 09/02/2014, foi realizada novamente a determinação da área foliar das mesmas plantas avaliadas no experimento com as seis cultivares. Já na lavoura foi amostrada a parte área das plantas nos 2 m de linha em cada ponto, e também, as folhas e legumes que haviam caído em virtude da queda do granizo no dia anterior.

2.4. Identificação de evento de granizo

O evento de granizo pôde ser caracterizado com base em imagens de radar, satélite e carta sinótica. As imagens de radar foram retiradas do site da Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica - REDEMET (http://www.redemet.aer.mil.br/radar/) e indicaram a região de máxima atividade convectiva e, portanto, apropriadas para monitorar nuvens com potencial de forte precipitação e granizo. As imagens de satélite foram retiradas do site do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos -CPTEC (http://satelite.cptec.inpe.br/acervo/) e permitiram visualizar quais sistemas meteorológicos atuavam sobre determinada região. As cartas sinóticas, que contém a descrição técnica dos eventos meteorológicos atuantes sobre uma região, também foram retiradas do site do CPTEC (http://www.cptec.inpe.br/noticias/noticia/125803).

3. Resultados e Discussão

O evento de granizo provocou danos nas folhas, legumes e ápices de crescimento das plantas do experimento e da lavoura comercial de soja (Fig. 2). A Fig. 3a mostra a imagem do radar de Santiago-RS às 20:20 GMT (18:20 horário de Brasília), horário em que ocorreu a maior intensidade do sinal no radar, e que coincidiu com o horário da precipitação de granizo na lavoura comercial de soja no município de Água Santa. As circunferências concêntricas na imagem de radar representam a distância de varredura do radar e o índice da direita indica a intensidade do sinal refletido em dBZ. O círculo vermelho indicado na figura destaca a região onde está localizado o município de Água Santa. A intensidade do sinal entre 50 e 60 dBZ, indica grande possibilidade de presença de granizo na nuvem, pois conforme Gomes (2006)GOMES, A.M.; HELD, G. Identificação, Rastreamento e Previsão de Tempestades Severas Parte I: Evento de Granizo. Anais do XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, Florianopolis, SC, 2006, o granizo estará presente na nuvem sempre quando as refletividades acima de 45 dBZ são observadas a 1,4 km ou mais, acima do nível de congelamento. Este intervalo de valores também indica que, naquele dia, ocorreu uma forte precipitação de natureza convectiva, na ordem de 50 e 100 mm h−1.

Figura 2
Fotos dos danos causados pela precipitação de granizo ocorrida em 08/02/2014 na lavoura de soja no município de Água Santa, RS - (a) visão geral da lavora; (b) visão geral do experimento; (b) e (c) ápice de crescimento quebrado.
Figura 3
(a) Imagem de radar de Santiago-RS, Brasil, do dia 08/02/2014, às 20:20GMT. Na área circulada em vermelho situa-se o município de Água Santa-RS (18:20 horário de Brasília), as áreas hachuradas em vermelho indicam os locais onde ocorreram as instabilidades neste horário. FONTE: http://www.redemet.aer.mil.br/radar/. (b) Imagem de satélite de parte da América do Sul, retirada no dia 08/02/2014 às 20:30GMT. As áreas em verde e vermelho indicam temperatura do topo da nuvem entre -50 e -70 °C, respectivamente. Os valores de −70 °C indicam presença de granizo dentro da nuvem. FONTE: http://satelite.cptec.inpe.br/acervo/.

A cor vermelho-escuro na imagem de satélite no horário das 20:30 GMT (Fig. 3b) mostra que o topo da nuvem atingiu em torno de -70 °C. Tal fato indica que houve um alto desenvolvimento vertical e convecção intensa naquela região. Estas áreas de instabilidade estavam associadas a um cavado (região na atmosfera em que a pressão atmosférica é baixa relativa às regiões vizinhas do mesmo nível) posicionado na região costeira do Rio Grande do Sul, como observado na carta sinótica (Fig. 4). Segundo a estação automática do INMET localizada em Passo Fundo, a temperatura máxima naquele dia foi de 33,5 °C e, após a chuva, diminuiu para 19,5 °C.

Figura 4
(a) Carta sinótica da América do Sul no dia 08/02/2014 às 18GMT (15:00 horário de Brasília); (b) imagem ampliada do Rio Grande do Sul, sendo a linha pontilhada amarela a representação de um cavado sob a região costeira do estado. FONTE: http://www.cptec.inpe.br/noticias/noticia/125803.

Durante a vistoria do experimento e da lavoura comercial, realizada após o evento de granizo, verificou-se que um número expressivo de plantas apresentavam o ápice de crescimento quebrado. Nas plantas do experimento, 32% tiveram seu ápice de crescimento quebrado pelo granizo e na lavoura 17%. Em avaliações posteriores verificou-se que algumas dessas plantas apresentaram a emissão de ramificações laterais, provavelmente estimuladas pela quebra do ápice de crescimento principal.

Na lavoura comercial, a evolução da matéria seca de limbo foliar, pecíolo e legume da cultivar BMX Turbo RR, ao longo da estação de crescimento, está representada na Fig. 5. Os principais danos causados pelo granizo ocorreram nos limbos foliares (Fig. 5a), havendo uma redução de 0,13 Mg ha−1. Nos pecíolos e nos legumes, a redução foi de 0,01 Mg ha−1 e 0,002 Mg ha−1, respectivamente. A pequena redução da massa seca de legumes deve-se principalmente ao fato de que a maioria das plantas encontrava-se próximo ao estádio R3, ou seja, poucas plantas apresentavam legumes maiores que 0,01 m, diminuindo assim a probabilidade de dano pelo granizo.

Figura 5
Evolução da massa seca do limbo foliar (a), dos pecíolos (b) e dos legumes (c) da cultivar de soja BMX Turbo RR, ao longo da estaçao de crescimento, em uma lavoura comercial no município de Água Santa, RS, 2014. A seta indica a data de ocorrência da precipitação de granizo.

Na lavoura comercial em Água Santa, devido ao evento de granizo, houve uma perda de 34% no IAF da cultivar BMX Turbo RR (Fig. 6). Nos dias seguintes ao evento de granizo, ocorreu um aumento na taxa de crescimento do IAF, evidenciando assim uma resposta da planta após a desfolha. Tal fato compensa parcialmente as perdas de área foliar, quando o nível de desfolha não é tão expressivo. Já no experimento, o evento de granizo promoveu uma redução do IAF em todas as cultivares de soja (Fig. 7), com a maior e a menor redução de 0,8 (21%) e 0,3 (7%) nas cultivares BMX Turbo RR (folhas grandes) e NA 5909 RG (folhas pequenas), respectivamente.

Figura 6
Evolução do índice de área foliar da cultivar de soja BMX Turbo RR ao longo da estação de crescimento, em uma lavoura comercial no município de Água Santa, RS, 2014. A seta indica a data de ocorrência da precipitação de granizo.
Figura 7
Índice de área foliar em seis cultivares de soja, antes (08/02/2014) e após (09/02/2014) a precipitação de granizo, no município de Água Santa, RS.

Na lavoura, a produtividade foi de 3,25 Mg ha−1, sendo os grãos de soja colhidos com uma umidade de 13%. Tal valor apresentou-se inferior à meta de 3,6 Mg ha−1 usada para fazer a recomendação de adubação. Uma das hipóteses para essa redução na produtividade pode ser a queda de granizo ocorrida na lavoura comercial pois, como as avaliações eram feitas a cada 10 dias, não foram detectados sintomas de estresses abióticos (não houve sintomas morfológicos de deficiência hídrica) e bióticos (o controle de plantas daninhas, insetos e doenças foram realizados de acordo com as recomendações técnicas da cultura da soja), o que aumenta a confiança de que a redução da produtividade ocorreu em função dos danos às plantas causados pelo granizo. Além disso, as lavouras dos produtores vizinhos que não foram atingidas pelo granizo e que possuíam o mesmo nível tecnológico de manejo apresentaram uma variação da produtividade de 3,4 a 3,8 Mg ha−1.

Ribeiro e Costa (2000)RIBEIRO, A.L.P.; COSTA, E.C. Desfolhamento em estádios de desenvolvimento da soja, cultivar BR16, no rendimento de grãos. Ciência Rural, Santa Maria. v. 30, p. 767–771, 2000. avaliaram a capacidade de produção da cultura da soja sob diferentes níveis de desfolha, e concluíram que níveis de desfolha de 50% no estádio R3 podem provocar uma redução no rendimento da cultura em torno de 18%. Costa et al. (2003)COSTA, M.A.G.; BALARDIN, R.S.; COSTA, E.C.; GRÜTZMACHER, A.D.; SILVA, M.T.B. Níveis de desfolha na fase reprodutiva da soja, cv. Ocepar1 4, sobre dois sistemas de cultivo. Ciência Rural, Santa Maria. v. 33, p. 813–819, 2003. encontraram uma redução no rendimento de grãos de aproximadamente 23%, quando o nível de desfolha foi de 33% no estádio R3. No presente trabalho não foi possível quantificar a perda na produtividade pelo granizo, pois foi um evento natural que afetou toda a lavoura e, portanto, não houve testemunha sem o dano. Porém, de acordo com o trabalho realizado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, no Estado de Nebraska (Tabela 1) (Kleim e Shapiro, 2011KLEIM, R.N.; SHAPIRO, C.A. Evaluating hail damage to soybeans. UNL Extension. Lincoln-NE. 2011, 8 p.), no qual pode-se estimar a perda da produtividade em função do estádio de desenvolvimento da planta e da redução de área foliar causada pelos danos devido ao granizo, pode-se estimar que a perda de rendimento neste estudo foi em torno de 4 a 6%. Sendo assim, visando mitigar o impacto do granizo nas lavouras de soja do Rio Grande do Sul, recomenda-se a adoção de medidas preventivas nos locais onde há maior frequência de queda de granizo, como por exemplo na região do Alto Uruguai e Planalto Médio (Nedel et al., 2012NEDEL, A.; SAUSEN, T.M.; SAITO, S.M. Zoneamento dos desastres naturais ocorridos no estado do Rio Grande do Sul no período 1989 - 2009: Granizo e vendaval. Revista Brasileira de Meteorologia, São José dos Campos. v. 27, p. 119–126, 2012.). Entre as medidas possíveis, destacamos a contração de seguro agrícola e semeadura em diferentes épocas.

Tabela 1
Porcentagem de perda de rendimento de cultivares de soja indeterminadas afetadas por grau de desfoliação.

A quantificação do dano por granizo em uma lavoura comercial, realizada neste trabalho, representa melhor os efeitos desse evento meteorológico sobre a cultura das soja do que trabalhos que utilizam a forma canônica com desfolha artificial (Gazzoni e Moscardi, 1998GAZZONI, D.L.; MOSCARDI, F. Effect of defoliation levels on recovery of leaf area, on yield and agronomic traits of soybeans. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília. v. 33, p. 411–424, 1998.; Bahry et al., 2013BAHRY, C.A.; VENSKE, E.; NARDINO, M.; ZIMMER, P.D.; SOUZA, V.Q. et al. Desempenho agronômico da soja em função da desfolha em diferentes estádios vegetativos. Tecnologia e Ciência Agropecuária, Paraíba. v. 7, p. 19–24, 2013.). A possibilidade de monitoramento em tempo real das condições atmosféricas que propiciam a formação de nuvens com potencial destrutivo (Figs. 3 e 4) promove um aumento das ferramentas disponíveis para os extensionistas, consultores e técnicos de seguradoras. Assim, quantificando os efeitos reais de um evento como este sobre a cultura e, com base na intensidade do dano e no momento do ciclo de desenvolvimento em que a cultura se encontra, é possível estimar os danos da parte aérea e os prováveis prejuízos à produtividade de grãos de soja.

4. Conclusões

O evento de granizo na lavoura comercial de soja provocou redução na massa seca de folhas, no índice de área foliar e quebra do ápice de crescimento das plantas que, possivelmente, foram os principais fatores que causaram a redução da produtividade.

As imagens de satélite e de radar são ferramentas que podem auxiliar os extensionistas na determinação dos danos de granizo nas lavouras de soja.

Agradecimentos

Ao CNPq pelo financiamento do projeto (Processo número 471860/2012-3).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2015
  • Aceito
    07 Jul 2015
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