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Detecção de Tendências Monotônicas Temporais e Relação com Erros dos Tipos I e II: Estudo de Caso em Séries de Precipitações Diárias Máximas Anuais do Estado do Acre

Detecting Monotonous Time Trends as Related to Type I and Type II Errors: Case Study in Annual Maximum Daily Precipitation Series Observed in the State of Acre

Resumo

Atualmente, é quase consenso que mudanças climáticas estão acontecendo e, provavelmente, se intensificarão no futuro. Com isso, os testes estatísticos para detecção de tendências em séries de observações de variáveis hidrológicas tornaram-se ferramentas importantes para a construção e melhoramento dos modelos de predição e de planos de preparação da sociedade para os possíveis impactos causados por eventos extremos. Sob este foco, o presente artigo busca discutir uma metodologia proposta recentemente para a detecção de tendências, à luz dos erros do tipo I e II associados a testes de significância estatística, e comparar com o teste não paramétrico de Mann-Kendall, complementado pelo estimador de declive de Sen. Contempla, ainda, um estudo de caso nas três principais séries de precipitações diárias máximas anuais do estado do Acre, Brasil. Os resultados evidenciaram tendência significativamente crescente apenas para a série de observações localizada em Tarauacá, um dos municípios do estado em questão, e que dispõe de uma estação meteorológica de referência.

Palavras-chave:
detecção de tendências; erros do tipo I e tipo II; séries de precipitações máximas

Abstract

Climate changes are taking place and will probably be reinforced in the future. In such a context, statistical tests for detecting trends in time series of hydrologic observations are certainly important tools for building and improving prediction models and societal preparedness plans to deal with possible impacts from extreme events. This paper focuses on discussing a recent method proposed for detecting monotonous trends in time series by accounting for both type I and type II errors, and comparing its results with the conventional Mann-Kendall nonparametric test, as complemented by Sen slope estimator, following application to the three main series of annual maximum daily rainfall observed in the Brazilian state of Acre. The results point out a significant increasing tendency for the series observed at the raingauge of Tarauacá.

Keywords:
trend detection; type I and type II errors; maximum precipitation series

1. Introdução

Atualmente, é quase um consenso que as mudanças climáticas, tanto em escala regional quanto global, estão ocorrendo e, possivelmente, se intensificarão no futuro. É reconhecido também que a tarefa quantificar tais alterações e seus impactos reais sobre a sociedade é bastante complexa, dada a incerteza presente na dinâmica dos processos hidrológicos. Este pode ser um dos maiores desafios para o futuro da humanidade.

Neste contexto, o estudo do comportamento de séries temporais de dados hidrológicos se apresenta como importante ferramenta científica, de valor prático na obtenção de estimativas confiáveis de suas grandezas características, e sua posterior associação com suas respectivas frequências e impactos. Em geral, os modelos estatísticos voltados aos processos hidrológicos consideram a estacionariedade como uma de suas premissas fundamentais, isto é, de que os registros amostrais representam eventos de uma população cujas características distributivas são invariantes no tempo. No entanto, o reconhecimento da existência de não-estacionariedade, apesar de ser objeto de estudos relativamente recentes, já é algo largamente aceito pela comunidade científica e organismos nacionais e internacionais (Clarke, 2007CLARKE, R.T. Hydrological prediction in a non-stationary world. Hydrology and Earth System Sciences, v. 11, p. 408-414, 2007.; Milly et al., 2008MILLY P.C.D.; BETANCOURT J.; FALKENMARK M.; HIRSCH R.M.; KUNDZEWICZ Z.W.; LETTENMAIER D.P.; STOUFFER R.J. Stationarity is dead: Whither water management?, Science, v. 319, p. 573-574, 2008.; Villarini et al., 2010VILLARINI, G.; SMITH, J.A.; NAPOLITANO, F. Nonstationary modeling of a long record of rainfall and temperature over Rome. Advances in Water Resources, v. 33, p. 1256-1267, 2010.; Silva et al., 2012SILVA, A.T.; PORTELA, M.M.; NAGHETTINI, M. Nonstationarities in the occurrence rates of flood events in Portuguese watersheds. Hydrology and Earth System Sciences, v. 16, p. 241-254, 2012.). Com isso, investigar previamente a presença de tendências e outras não-estacionariedades em séries amostrais hidrológicas tornou-se fundamental, impondo a necessidade de testes de significância cada vez mais robustos.

Em particular, a identificação de tendências em séries de variáveis hidrológicas, entre elas e precipitação, tornou-se notadamente importante dado o interesse crescente por modelos estocásticos focados na predição e preparação da sociedade para os impactos provocados por possíveis eventos extremos ou raros (Paiva e Clarke, 1995PAIVA, E.M.C.D.; CLARKE, R.T. Análise de tendência de precipitação na Amazônia. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 10, p. 37-41, 1995.; Katz et al., 2002KATZ, R.; PARLANGE, M.B.; NAVEAU, P. Statistics of extremes in hydrology. Advances in Water Resources, v. 25, p. 1287-1304, 2002.; Khaliq et al., 2006KHALIQ, M.N.; OUARDA, T.B.M.J.; ONDO, J.C.; GACHON, P.; BOBÉE, B. Frequency analysis of a sequence of dependent and/or non-stationary hydro-meteorological observations: A review. Journal of hydrology, v. 329, p. 534-552, 2006.; Milly et al., 2008MILLY P.C.D.; BETANCOURT J.; FALKENMARK M.; HIRSCH R.M.; KUNDZEWICZ Z.W.; LETTENMAIER D.P.; STOUFFER R.J. Stationarity is dead: Whither water management?, Science, v. 319, p. 573-574, 2008.; Villarini et al., 2009VILLARINI G.; SMITH J.A.; SERINALDI F.; BALES J.; BATES P.D.; KRAJEWSKI W.F. Flood frequency analysis for nonstationary annual peak records in an urban drainage basin. Advances in Water Resources, v. 32, p. 1255-1266, 2009.; Gilroy e McCuen, 2012GILROY, K.L.; MCCUEN, R.H. A nonstationary flood frequency analysis method to adjust forfuture climate change and urbanization. Journal of Hydrology, v. 414-415, p. 40-48, 2012.; Ishak et al., 2013ISHAK, E.H.; RAHMAN, A.; WESTRA, S.; SHARMA, A.; KUCZERA, G. Evaluating the non-stationarity of Australian annual maximum flood. Journal of Hydrology, v. 494, p. 134-145, 2013.). Entretanto, Vogel et al. (2013)VOGEL, R.M.; ROSNER, A.; KIRSCHEN, P.H. Brief communication: Likelihood of societal preparedness for global change: trend detection. Natural Hazards and Earths System Sciences, v. 13, p. 1773-1778, 2013. demonstram algumas preocupações que concernem aos testes para detecção de tendências em tais variáveis, principalmente pelo fato de serem formulados sob a perspectiva dos Testes de Significância da Hipótese Nula – NHST, tradução da terminologia de língua inglesa Null-Hypothesis Significance Testing. Os autores citados alertam para a necessidade de cuidadosa investigação das duas fontes de erros inerentes à tomada de decisão com base em testes de hipóteses do tipo NHST.

Dos inúmeros estudos em que tendências foram detectadas em variáveis hidrológicas, muitos postulam as ações antrópicas como principal causa. Porém, quando uma tendência realmente está presente em uma dessas variáveis, ela pode ter sido por mudanças climáticas de origem antrópica ou por processos ainda desconhecidos e relacionados à variabilidade climática natural, ou ainda, por fenômenos meteorológicos específicos como El Niño – Oscilação Sul (ENSO), flutuações interanuais da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) e Oscilação do Atlântico Norte (NAO), entre outros, agindo em conjunto ou isoladamente. Neste sentido, a compreensão de alterações hidrológicas em escala regional é importante para entender os fenômenos de escala global, e vice-versa. E sob este foco, cabe destaque à Região Amazônica, que tem se tornado alvo de diversas pesquisas, sobretudo por suas particularidades climáticas e influência sobre o clima de outras regiões (Parthasarathy e Dhar, 1976PARTHASARATHY, B.; DHAR, O.N., A study of trends and periodicities in the seasonal and annual rainfall of India. Indian J. Meteorol. Hydrol. Geophys, v. 27, p. 23-28, 1976.; Marengo e Nobre, 2009MARENGO, J.A.; NOBRE, C.A. Clima da Região Amazônica. In: CAVALCANTE, I. F. A.; FERREIRA, N.J.; DIAS, A.F.S.; SILVA, M.G.A.J. (org.). Tempo e clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 2009, p. 197-212.; Keener et al., 2010KEENER, V.W.; FEYEREISEN, G.W.; JONES, J.W.; BOSCH, D.D.; LOWRANCE, R. El-Niño/Southern Oscillation (ENSO) influences on monthly NO3 load and concentration, stream flow and precipitation in the Little River Watershed, Tifton, Georgia (GA). Journal of hydrology, v. 381, p. 352-363, 2010.; Sonali e Kumar, 2013SONALI, P.; KUMAR, D.N. Review of trend detection methods and their application to detect temperature changes in India. Journal of Hydrology, v. 476, p. 212-227, 2013.; Coopersmith et al., 2014COOPERSMITH, E.J.; MINSKER, B.S.; SIVAPALAN, M. Patterns of regional hydroclimatic shits: Na analysis of changing hydrologic regimes. Water Resources Research, v. 50, p. 1960-1983, 2014.).

Este artigo visa contribuir com o tema da análise de tendências em séries temporais de variáveis hidrológicas, empregando um método para detecção de tendências, recentemente proposto por Vogel et al. (2013)VOGEL, R.M.; ROSNER, A.; KIRSCHEN, P.H. Brief communication: Likelihood of societal preparedness for global change: trend detection. Natural Hazards and Earths System Sciences, v. 13, p. 1773-1778, 2013., com base nas probabilidades dos erros do tipo I e do tipo II, comumente associadas a testes de hipóteses, discutindo suas particularidades e comparando seus resultados com os obtidos por meio de um dos mais utilizados testes não paramétricos para a detecção de tendência em séries de observações hidrológicas, o teste de Mann-Kendall, complementado com o estimador de declive de Sen. O trabalho contempla ainda, um estudo de caso realizado a partir das observações de precipitações diárias máximas anuais das três principais séries (mais longas) do estado do Acre, Brasil. Os resultados obtidos servirão de subsídio a novas pesquisas, bem ferramenta de auxílio às instituições públicas e privadas para a tomada de decisão em medidas de controle e minimização dos impactos causados por eventos hidrológicos extremos.

2. Métodos Estatísticos para Identificação de Tendências em Séries Hidrológicas

Muitos testes estatísticos para detecção de tendências em séries de observações hidrológicas são apresentados na literatura, com destaque para os classificados em paramétricos e não paramétricos. Os testes paramétricos partem das premissas de que os dados amostrais analisados sejam independentes e, em geral, normalmente distribuídos, enquanto que os não paramétricos não necessitam de especificação prévia do modelo populacional, exigindo apenas a independência entre os elementos amostrais (Naghettini e Pinto, 2007NAGHETTINI, M.C.; PINTO, E.J. Hidrologia Estatística. Belo Horizonte: CPRM, 2007.; Alexandre et al., 2010ALEXANDRE, G.R.; BAPTISTA, M.B.; NAGHETTINI, M. C. Estudo para identificação de tendências do regime pluvial na Região Metropolitana de Belo Horizonte a partir de métodos estatísticos. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 15, n. 2, p. 115-136, 2010.; Shadmani et al., 2011). No contexto presente, o mais utilizado é o teste não paramétrico de Mann-Kendall (Mann, 1945MANN, H.B. Non-parametric tests against trend. Econometria, v. 13, p. 245-259, 1945.; Kendall, 1975KENDALL, M.G. Rank correlation Methods. 4.ed. Londres: Charles Griffin, 1975.).

Rosner et al. (2014)ROSNER, A.; VOGEL, R.M.; KIRSHEN, P.H. A risk-based approach to flood management decisions in a nonstationary world. Water Resources Research, v. 50; p. 1928-1942, 2014. alertam para o fato de que os testes NHST, aqui incluído o de Mann-Kendall, apresentam papel fundamental na tomada de decisão para a gestão recursos naturais disponíveis, porém, ao se focarem no teste da hipótese nula (H0), em geral vinculada à ausência de tendências na série, dão pouca ou nenhuma atenção à probabilidade de se ignorar uma tendência, se ela realmente existir. Os citados autores ressaltam que tal equívoco pode provocar várias consequências na abordagem de eventos hidrológicos extremos, dentre as quais, o excesso de preparação para um evento extremo, denominado de sobre-preparação, ou o inverso, classificado como sub-preparação.

Além disso, apesar de existir um grande número de abordagens para a detecção de tendências em séries de observações hidrológicas, a maioria voltada a tendências monotônicas, Chebana et al. (2013)CHEBANA, F.; OUARDA, T.B.M.J.; DUONG, T.C. Testing for multivariate trends in hydrologic frequency analysis. Journal of hydrology, v. 486, p. 519-530, 2013. argumentam que os estudos com foco em tendências não-monotônicas, às vezes resultantes de flutuações quase-periódicas do clima, podem ser mais satisfatórios, tendo a análise multivariada como uma das alternativas. Essa constatação remete à certeza de que novas abordagens ainda são necessárias, dada a complexa variabilidade implícita na dinâmica dos processos hidrológicos.

2.1. Teste de Mann-Kendall

O teste não paramétrico de Mann-Kendall (MK) é amplamente utilizado para a identificação de tendências em séries de observações hidrológicas. De acordo com Portela et al. (2011)PORTELA, M.M.; QUINTELA, A.C.; SANTOS, J.F.; VAZ, C; MARTINS, C. Tendências em séries temporais de variáveis hidrológicas. Associação Portuguesa de Recursos Hídricos (APRH), v. 32, n. 1, p. 43-60, 2011., o referido teste é relatado por inúmeros autores, que evidenciam resultados bastante consistentes. Alertam, todavia, que o referido teste deve ser aplicado para a detecção de tendências monotônicas. Chebana et al. (2013)CHEBANA, F.; OUARDA, T.B.M.J.; DUONG, T.C. Testing for multivariate trends in hydrologic frequency analysis. Journal of hydrology, v. 486, p. 519-530, 2013. acrescentam que é uma ferramenta poderosa para teste de tendências e destacam que o mesmo foi concebido para testar a hipótese nula (H0), de ausência de tendência.

Como explicitado por Yue et al. (2002)YUE, S.; PILON, P.; CAVADIAS, G. Power of the Mann-Kendall and Spearman's rho tests for detecting monotonic trends in hydrological series. Journal of Hydrology, v. 259, p. 254-271, 2002. e Wagesho et al. (2012)WAGESHO, N.; GOEL, N.K.; JAIN, M.K. Investigation of non-stationarity in hydro-climatic variables at Rift Valley lakes basin of Ethiopia. Journal of Hydrology, v. 444-445, p. 113-133, 2012., dada uma série (X1, X2, …, Xn) proveniente de uma amostra de n variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuídas (iid), a estatística do teste MK é dada por

(1) S = i = 1 n 1 j = i + 1 n s i n a l ( X j X i )

onde Xi representa os valores da série, em geral tomados em intervalos de tempo anuais, i e j são os índices de tempo, e n é o número de elementos da série. O termo sinal (XjXi) é determinado por

(2) s i n a l ( X j X i ) = { + 1 s e ( X j X i ) > 0 0 s e ( X j X i ) = 0 . 1 s e ( X j X i ) < 0

Mann (1945)MANN, H.B. Non-parametric tests against trend. Econometria, v. 13, p. 245-259, 1945. e Kendall (1975)KENDALL, M.G. Rank correlation Methods. 4.ed. Londres: Charles Griffin, 1975. explicitam que a estatística S segue aproximadamente uma distribuição normal para n ≥ 8. Para dados sem elementos vinculados (valores iguais), a estatística de teste apresenta média E(S) e variância Var(S) dadas respectivamente por

(3) E ( s ) = 0
(4) V a r ( s ) = 1 / 18 [ n ( n 1 ) ( 2 n + 5 ) ] .

Caso haja pontos vinculados, a variância é corrigida pela seguinte expressão

(5) V a r ( S ) = 1 / 18 [ n ( n 1 ) ( 2 n + 5 ) p = 1 q t p ( t p 1 ) ( 2 t p + 5 ) ]

na qual tp denota o número de pontos vinculados de índices p até q.

A significância do teste MK pode ser verificada através de um teste bilateral, com estatística padronizada ZMK expressa por

(6) Z M K = { S 1 V a r ( S ) s e S > 0 0 s e S = 0 . S + 1 V a r ( S ) s e S < 0

A hipótese nula (H0), para ausência de tendência na série, é rejeitada caso |ZMK| > Zα/2, onde α é o nível de significância adotado e Zα/2 é o valor da distribuição normal padrão com probabilidade de excedência de α/2. O sinal de |ZMK| indica se a tendência é crescente (|ZMK| > 0) ou decrescente (|ZMK| < 0). O nível de significância comumente utilizado é α = 0,05, como é o caso do presente estudo.

O p-valor da estatística S para os dados da amostra pode ser estimado pela probabilidade acumulada da distribuição normal, considerando que se p ≤ α, o teste apresenta evidências para rejeição de H0, sugerindo a presença de tendências na série.

2.2. Estimador de declive de Sen

Apesar da eficiência do teste de Mann-Kendall, ele não fornece a magnitude das tendências detectadas, podendo ser complementado pelo estimador de declive proposto por Sen (1968)SEN, P.K. Estimates of the regression coefficient based on Kendall's Tau. J. Am. Stat. Association, v. 63, p. 1379-1389, 1968., o qual, tal como descrito por Portela et al. (2011)PORTELA, M.M.; QUINTELA, A.C.; SANTOS, J.F.; VAZ, C; MARTINS, C. Tendências em séries temporais de variáveis hidrológicas. Associação Portuguesa de Recursos Hídricos (APRH), v. 32, n. 1, p. 43-60, 2011. e Tao et al. (2014)TAO, H.; FRAEDERICH, K.; MENZ, C.; ZHAI, J. Trends in extreme temperature indices in the Poyang Lake Basin, China. Stoch. Environ. Res. Risk Asses., v. 28, p. 1543-1553, 2014., é estimado através da estatística Q, dada por

(7) Q i j = X j X i j i com i < j

onde Xi e Xj representam os valores da variável em estudo nos anos i e j. Valor positivo ou negativo para Q indica tendência crescente ou decrescente, respectivamente. Se há n valores na série analisada, então o número de pares estimados de Q é dado por N = n(n – 1)/2. O estimador de declive de Sen é a mediana dos N valores de Qij.

2.3. Probabilidades dos erros do tipo I e do tipo II

Numerosos estudos para detecção de tendência são baseados nos NHST. Em geral, esta abordagem foca-se na formulação da hipótese a ser testada, denominada hipótese nula (H0) para ausência, e da hipótese alternativa (HA) para presença de tendências na série. A rejeição de H0, quando se trata de uma hipótese verdadeira, implica o chamado erro do tipo I, enquanto sua não rejeição, quando sabidamente falsa, implica o erro do tipo II, cujas probabilidades são denotadas por α e β, respectivamente.

Apesar da enorme aceitação e utilização dos NHST tanto em estudos sobre fenômenos hidrológicos como em outras áreas do conhecimento, há objeções sobre sua utilização. As principais referem-se ao foco exclusivo na hipótese de ausência de tendências e atribuição de um nível de significância α, além de não relacionar os erros do tipo I e do tipo II (Gill, 1999GILL, J. The insignificance of Null Hypothesis Significance Testing. Political Research Quarterly, v. 52, n. 3, p. 647-674, 1999.; Johnson, 1999JOHNSON, D.H. The insignificance of statistical significance testing. Journal of wildlife management, v. 63, n. 3, p. 763-772, 1999.; Cohn e Lins, 2005COHN, T.A.; LINS, H.F. Nature's style: Naturally trendy. Geophysical Research letters, v. 32, p. 1-5, 2005.; Branch, 2014BRANCH, M. Malignant side effects of null-hypothesis significance testing. Theory & Psychology, v. 24, n. 2, p. 256-277, 2014.; Cumming, 2014CUMMING, G. The New Statistics: Why and How. Psychological Science, v. 25, n. 1, p. 7-29, 2014.).

Segundo Vogel et al. (2013)VOGEL, R.M.; ROSNER, A.; KIRSCHEN, P.H. Brief communication: Likelihood of societal preparedness for global change: trend detection. Natural Hazards and Earths System Sciences, v. 13, p. 1773-1778, 2013., só recentemente começaram a surgir preocupações sobre a importância e os impactos dos erros do tipo II em estudos de séries de variáveis hidrológicas. Os autores citados ressaltam ainda, que o erro do tipo II, num contexto de tomada de decisão, implica na sub-preparação para eventos extremos, podendo produzir maiores consequências do que o erro do tipo I, que implica em sobre-preparação. Além disso, defendem que a combinação das hipóteses para tendências pode ser uma excelente ferramenta na gestão de eventos extremos, em um contexto de aplicação de abordagens não-estacionárias, e propõem uma nova metodologia para analisar tendências com base nas probabilidades dos erros do tipo I e do tipo II. Finalmente, destacam que, mesmo diante da incerteza associada aos fenômenos naturais, a referida combinação fornece novos elementos para detecção de tendências em séries de observações hidrológicas, consideradas as objeções já mencionadas relativamente aos métodos tradicionais.

2.4. Análise de tendências com base nas probabilidades dos erros do tipo I e do tipo II

A metodologia proposta por Vogel et al. (2013)VOGEL, R.M.; ROSNER, A.; KIRSCHEN, P.H. Brief communication: Likelihood of societal preparedness for global change: trend detection. Natural Hazards and Earths System Sciences, v. 13, p. 1773-1778, 2013. utiliza regressão linear simples, baseada em mínimos quadrados ordinários, denominado de OLS, do termo em inglês Ordinary Least Squares, tal como exposta a seguir.

Seja um modelo linear simples y = ln(p) = β0 + β1x + ε, onde y é o logaritmo natural do valor da precipitação diária máxima anual, esta denotada por p, x é o ano de ocorrência, β0 e β1 são os coeficientes da regressão e ε os valores dos resíduos. Para a inferência do modelo, deve-se considerar independência, homocedasticidade e distribuição aproximadamente normal para os resíduos, podendo a metodologia ser aplicada independentemente do sinal da inclinação do modelo ajustado. O modelo ajustado assume a forma y = b0 + b1x, com parâmetros estimados a partir da série temporal de tamanho n. É importante perceber que este modelo de regressão linear simples é um modelo da média condicional de y, ou seja, E[y|x] = b0 + b1x, em que E[y|x] denota o valor esperado de y condicionado ao valor de x.

Uma vez admitidas as premissas de base para o estudo de tendências, a estatística resultante conforma-se a um teste t de Student convencional sobre a estimativa de inclinação b1, com hipótese nula H0:b1 = 0 contra uma hipótese alternativa unilateral HA:b1 > 0. Neste contexto, a probabilidade do erro do tipo I pode ser calculada por

(8) α = 1 F ( t )

onde F é a função acumulada de probabilidade para uma variável aleatória de t de Student, com n – 2 graus de liberdade (Tn – 2) e t = b1/sb1, sendo b1 a estimativa OLS da declividade e sb1 a estimativa do desvio padrão de b1 (Naghettini e Pinto, 2007NAGHETTINI, M.C.; PINTO, E.J. Hidrologia Estatística. Belo Horizonte: CPRM, 2007.).

Sob a hipótese alternativa, o valor da tendência de inclinação é suposto conhecido e igual a β1, o que resulta que t‘ = t1 – α; n – 2 – (β1b1) segue uma distribuição t de Student, com n – 2 graus de liberdade, de tal modo que a probabilidade do erro do tipo II é simplesmente β = F(t’). Neste caso, t1 – α; n – 2 é o valor da variável aleatória da distribuição t de Student, com n – 2 graus de liberdade, e probabilidade de não-excedência dada por 1 – α.

Para produzir uma equação geral para β, foram utilizadas as expressões básicas do modelo linear simples, ou seja, y = ln(q) = β0 + β1x + ε, incluindo os fatos de que β1 = ρ σy/σx, σb1=σε/(σxn) e σε/σx=1ρ2, onde σy, σx e σε são os desvios-padrão de y, x e ε, respectivamente, e ρ é o coeficiente de correlação entre y e x. Combinando esses elementos, a expressão β = F(t') pode ser escrita como

(9) β = F ( t 1 α , n 2 δ n )

em que δ=1/ρ121. Como a hipótese alternativa proposta é de que há uma tendência positiva, o resultado apresentado corresponde a um teste unilateral.

O resultado apresentado na Eq. (9) é aplicável às situações em que se espera que haja tendência positiva ou negativa, a priori. Da Eq. (8) e da Eq. (9) aplicam-se as situações em que se utiliza um modelo de tendência linear usando regressão dos mínimos quadrados ordinários, resultando em modelo de resíduos ε que são homocedásticos, independentes e normalmente distribuídos.

Os valores de α e β são inversamente relacionados entre si e sua relação depende apenas dos valores de n e ρ. Deve-se observar que a tendência do termo b1 está relacionada com ρ através da relação b1 = ρ σy/σx, sendo σy e σx os desvios-padrão de y e x, respectivamente. A ausência de correlação implica não haver tendência (b1 → 0 com ρ → 0) e uma alta correlação implica tendência igual ao termo b1 = σy/σx.

De acordo com Rosner et al. (2014)ROSNER, A.; VOGEL, R.M.; KIRSHEN, P.H. A risk-based approach to flood management decisions in a nonstationary world. Water Resources Research, v. 50; p. 1928-1942, 2014., várias conclusões importantes podem ser tiradas a partir da relação inversa entre α e β, as quais têm implicações importantes na gestão de riscos e impactos relacionados às variáveis hidrológicas. Além disso, dada a proporcionalidade presente entre α e β, se n e ρ são fixos, nota-se que para garantir uma probabilidade muito baixa do erro do tipo I, deve-se aceitar uma alta probabilidade para o erro do tipo II. Somente se os valores de n ou ρ são aumentados, é que os valores de α e β são diminuídos. Mas, aumentar o valor de n significa esperar por anos adicionais para aumentar o tamanho da amostra, podendo ser tarde para a detecção de tendência na série, além de diversas outras consequências. Portanto, uma elevação do valor de ρ, se possível, é uma opção muito mais viável, já que pode resultar de melhorias na capacidade de realizar a detecção de tendência, atribuição e predição para os eventos observados.

Como a abordagem tradicional se concentra na compreensão baseada na ausência de tendência, ou seja, não controla a probabilidade de rejeitar uma tendência quando ela realmente existe (erro do tipo II), a tomada de decisão pode ser comprometida pela ausência de métodos que considerem tanto o erro do tipo I quanto o erro do tipo II, ponto central da proposta de Vogel et al. (2013)VOGEL, R.M.; ROSNER, A.; KIRSCHEN, P.H. Brief communication: Likelihood of societal preparedness for global change: trend detection. Natural Hazards and Earths System Sciences, v. 13, p. 1773-1778, 2013., que considera as probabilidades associadas às duas fontes.

O erro do tipo I, da sobre-preparação, implica na preparação da sociedade para uma tendência que pode não existir, enquanto o erro do tipo II, da sub-preparação, implica não estar preparado para tendências que realmente podem existir, levando a sociedade a refletir sobre sua preparação para os impactos causados por possíveis eventos hidrológicos ou extremos, denominado por Rosner et al. (2014)ROSNER, A.; VOGEL, R.M.; KIRSHEN, P.H. A risk-based approach to flood management decisions in a nonstationary world. Water Resources Research, v. 50; p. 1928-1942, 2014., de “arrependimento social”. No contexto de infraestrutura voltada à mitigação dos impactos causados por eventos hidrológicos, o erro do tipo I pode induzir à decisão de incorrer em custos desnecessários com estruturas superdimensionadas, enquanto que o erro do tipo II, além do arrependimento devido ao sub dimensionamento ou à ausência de estrutura, agrega-se ainda a necessidade de maiores gastos diante dos impactos causados pela vulnerabilidade existente, podendo ser mais caro do que os custos decorrentes do erro do tipo I.

Esta abordagem evidencia que a proposição de metodologias que utilizem as duas fontes de erro mencionadas, baseadas nos riscos, pode ter notória relevância nos processos de tomada de decisão, tanto num mundo estacionário quanto num contexto não-estacionário.

3. Estudo de Caso em Séries de Precipitações Diárias Máximas Anuais do Estado do Acre

A área escolhida para aplicação dos testes em evidência, o estado do Acre, justifica-se pela pequena quantidade de estudos sobre o seu regime de chuvas e suas relações com outras variáveis hidrológicas. Além disso, está inserido na Amazônia brasileira, cuja configuração climática apresenta sensíveis heterogeneidades espaciais, além de exercer influência sobre os climas regional e global (Paiva e Clarke, 1995PAIVA, E.M.C.D.; CLARKE, R.T. Análise de tendência de precipitação na Amazônia. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 10, p. 37-41, 1995.; Duarte, 2005DUARTE, A.F. Variabilidade e tendência das chuvas em Rio Branco, Acre, Brasil. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 20, n. 1, p. 37-42, 2005.).

3.1. O estado do Acre

O estado do Acre está localizado no extremo sudoeste da Amazônia brasileira, entre as latitudes de 07°07' S e 11°08' S, e as longitudes de 66°30' W e 74°00' W. Faz fronteiras nacionais com os estados do Amazonas e Rondônia, e fronteiras internacionais com Peru e Bolívia. Sua área é de pouco mais de 164.220 km2 (Acre, 2010ACRE (Estado). Governo do Estado do Acre. Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre, Fase II – Escala 1:250.000: Documento Síntese. Rio Branco: SEMA, 2010.).

O clima da região é quente e úmido, com duas estações bem definidas: seca (verão amazônico, que geralmente ocorre no período de maio a setembro) e chuvosa (inverno amazônico, entre os meses de outubro e abril). A temperatura média anual está em torno de 24,5 °C e precipitação média anual de aproximadamente 2.000 mm (Macêdo et al., 2013MACÊDO, M.N.C.; DIAS, H.C.T.; COELHO, F.M.G.; ARAÚJO, E.A. SOUZA, M.L.H.; SILVA, E. Precipitação pluviométrica e vazão da bacia hidrográfica do Riozinho do Rôla, Amazônia Ocidental. Ambi-Água, v. 8, n. 1, p. 206-221, 2013.).

Segundo Duarte (2005)DUARTE, A.F. Variabilidade e tendência das chuvas em Rio Branco, Acre, Brasil. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 20, n. 1, p. 37-42, 2005., a Amazônia sofre influência de diversos fenômenos hidroclimáticos, e o estado do Acre está localizado em uma parte desta região onde há considerável variabilidade interanual, em especial da precipitação pluviométrica.

O estado do Acre dispõe de apenas três estações meteorológicas de referência, com séries de observações superiores a 30 anos, instaladas em regiões distintas do estado. Essas três estações são operadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia – INMET, e localizadas nos municípios de Cruzeiro do Sul (82704), Tarauacá (82807) e Rio Branco (82915). Na Fig. 1 estão assinaladas as localizações das referidas estações.

Figura 1
Mapa do estado do Acre e localização das três estações meteorológicas de referência.

Neste estudo, foram utilizados os dados observados de precipitações diárias máximas anuais nas três estações em evidência, no período de 1971 a 2012. As falhas pontuais apresentadas nas séries em verificação não foram consideradas na análise, porém, não houve comprometimento das conclusões obtidas no presente estudo (Nery et al., 1997NERY, J.T.; VARGAS, W.M.; MARTINS, M.L.O.F. Variabilidade interanual da precipitação do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 12, n. 1, p. 49-62, 1997.).

3.2. Aplicação de testes estatísticos para detecção de tendências

Visando a detecção de tendências significativas, com a devida quantificação, o teste não paramétrico de Mann-Kendall, complementado pelo estimador de declive de Sen, foi aplicado às três séries de observações de precipitações diárias máximas anuais em análise. A Tabela 1 apresenta os resultados obtidos.

Tabela 1
Resultados do teste de Mann-Kendall e estimador de declive de Sen, para as três principais séries de precipitações diárias máximas anuais do estado do Acre, Amazônia, Brasil.

Dos resultados da aplicação do teste MK para as precipitações diárias máximas anuais das séries em estudo, verificou-se, ao nível de significância de 5%, que apenas os dados observados na estação 82807, localizada no município de Tarauacá, apresentaram evidências para a não aceitação da hipótese nula (H0), de ausência de tendência. Na abordagem tradicional dos NHST, o resultado sugere a presença de tendência significativa na série, mesmo sem considerar a probabilidade de rejeitar uma tendência quando ela de fato existe (erro do tipo II). Para as demais, as evidências convergem para a não rejeição de H0. A Tabela 1 mostra, também, os valores dos coeficientes de declividade de Sen, com destaque para a magnitude de tendência nos dados da estação de Tarauacá, que além de ser a única com sinal positivo, é maior do que para as demais, ao mesmo nível de significância adotado no teste MK.

É importante esclarecer, que pela concepção do teste de Mann-Kendall, em geral, a decisão é baseada na hipótese nula (H0) para a ausência de tendência, ou seja, na probabilidade α do erro do tipo I, não levando em conta a importância do erro β. Ressalta-se aqui, em conformidade com Sarewitz e Pielke (2003)SAREWITZ, D.; PIELKE JR, R. Vulnerability and risk: some thoughts from a political and policy perspective. Risk Analysis, v. 23, n. 4, p. 805-810, 2003., que um equívoco na suposição de estacionariedade, pode aumentar a vulnerabilidade da sociedade à ocorrência de eventos extremos, bem como incorrer em elevados custos.

Sobre os dados em foco, aplicou-se ainda a abordagem proposta por Vogel et al. (2013)VOGEL, R.M.; ROSNER, A.; KIRSCHEN, P.H. Brief communication: Likelihood of societal preparedness for global change: trend detection. Natural Hazards and Earths System Sciences, v. 13, p. 1773-1778, 2013., que visa associar as duas fontes de erros, do tipo I e do tipo II, ao estudo de eventuais tendências monotônicas em séries de extremos pluviométricos. Inicialmente, foi feito o ajuste do modelo log-linear aos registros de cada uma das séries em análise, tendo o ano de ocorrência como covariável. Os diagramas de dispersão e as correspondentes equações de regressão obtidas estão apresentados na Fig. 2. As premissas de homogeneidade, independência e normalidade dos resíduos foram verificadas conforme testes não paramétricos descritos em Naghettini e Pinto (2007)NAGHETTINI, M.C.; PINTO, E.J. Hidrologia Estatística. Belo Horizonte: CPRM, 2007.. As probabilidades dos erros do tipo I (α) e do tipo II (β) para cada uma das estações em análise foram obtidas de acordo com a Eq. (8) e a Eq. (9), e encontram-se também apresentadas na Fig. 2.

Figura 2
Modelo log linear ajustado aos dados das principais séries de precipitações diárias máximas anuais do estado do Acre, Brasil. Valores de α e β são as probabilidades dos erros do tipo I e do tipo II, respectivamente.

O ajuste de um modelo linear simples ao logaritmo natural dos valores de precipitações diárias máximas anuais para as estações em análise evidenciou decréscimo temporal não significativo (p > 0,05) para os dados das estações 82704 (Cruzeiro do Sul) e 82915 (Rio Branco), e declividade crescente bem mais acentuada para os dados da estação 82807 (Tarauacá), como apresentado na Fig. 2. Voltando-se às probabilidades dos erros do tipo I (α) e do tipo II (β), para Pereira e Leslie (2009)PEREIRA, S.M.C.; LESLIE, G. Hypjotesis Testing. Australian Critical Care, v. 22, p. 187-191, 2009., em uma análise típica de um teste de hipóteses, comumente se adota o valor de α = 0,05, admitindo-se que β ≤ 0,20 quando considerado. No caso dos dados da série de Tarauacá, em que α = 0,0037 e β = 0,0468 (Fig. 2), conforme o método proposto por Vogel et al. (2013)VOGEL, R.M.; ROSNER, A.; KIRSCHEN, P.H. Brief communication: Likelihood of societal preparedness for global change: trend detection. Natural Hazards and Earths System Sciences, v. 13, p. 1773-1778, 2013., as probabilidades encontradas são comparáveis entre si e apresentam-se em conformidade àquelas inerentes à tomada de decisões equivocadas, em condições admissíveis.

Nas duas outras estações em análise, tanto os valores de α como de β são bastante elevados (Fig. 2). Se apenas um teste convencional, do tipo NHST, fosse aplicado a esses casos, a decisão deveria ser pela não rejeição da hipótese nula, ou seja, a de que não há tendência monótona significativa na amostra, ignorando completamente a probabilidade de aceitar uma falsa hipótese nula. Porém, sob o foco da análise de detecção de tendências e decisão baseada em sub e sobre-preparação, estes valores são importantíssimos para um planejamento que engloba custos e impactos de possíveis eventos extremos, dada a preocupação atual relacionada às mudanças climáticas.

Tendo-se em conta a noção de risco como o produto da probabilidade de um evento adverso pelas consequências de sua ocorrência, geralmente calculadas como valores esperados de custos ou prejuízos, é oportuno destacar a importância da investigação sobre não-estacionariedades. Em geral, na análise quantitativa de riscos e preparação para impactos de eventos extremos, decorrentes de processos hidrológicos, parece ser fundamental uma análise prévia da presença de tendências em uma série de observações, a partir das probabilidades α e β, para que se provejam os modelos de auxílio à tomada de decisão de elementos adequados à análise. Rosner et al. (2014)ROSNER, A.; VOGEL, R.M.; KIRSHEN, P.H. A risk-based approach to flood management decisions in a nonstationary world. Water Resources Research, v. 50; p. 1928-1942, 2014. veem os erros α e β (sobre-preparação e sub-preparação, respectivamente) como probabilidades condicionais dadas por α = P (nenhuma tendência sobre-preparação) e β = P (existência de tendências sub-preparação), realizando uma combinação para tomada de decisão baseada nos riscos, analisando consequências econômicas e estratégias de adaptação aos impactos de eventos hidrológicos extremos. Esses autores mostraram que, em diversos casos, é possível preparar melhor a sociedade com menores custos, tanto num mundo estacionário quanto num não-estacionário.

Conforme a sequência apresentada em Rosner et al. (2014)ROSNER, A.; VOGEL, R.M.; KIRSHEN, P.H. A risk-based approach to flood management decisions in a nonstationary world. Water Resources Research, v. 50; p. 1928-1942, 2014., supondo-se no presente estudo de caso, que os prejuízos hipotéticos associados a eventos hidrológicos extremos em Tarauacá, sob o cenário de que nenhum esforço de adaptação tenha sido empreendido, sejam P1 e P2. O P1 corresponde aos prejuízos sob o cenário de que não se observou, de fato, uma tendência ao longo do tempo, dado que não houve preparação prévia para esse cenário. Neste caso, a decisão foi coerente e os prejuízos são aqueles inerentes à ocorrência natural de um dado evento extremo. Contrariamente, se foi observado, de fato, uma tendência ao longo do tempo, dado que não houve preparação para esse cenário, o prejuízo é P2. Neste caso, a decisão foi de não rejeitar uma hipótese falsa, ou seja, cometeu-se o erro do tipo II, o de sub-preparação, cuja probabilidade é β.

Por outro lado, supondo-se agora que se tenha gasto o montante M para fim de preparação da sociedade para uma certa tendência crescente para futuros eventos extremos em Tarauacá. Sob essa condição, caso se observe, de fato, a referida tendência ao longo do tempo, a decisão de rejeitar uma hipótese falsa (H0: não há tendência) foi coerente. Supõe-se também que o prejuízo hipotético associado a eventos crescente com o tempo seja P3. Contrariamente, se não se observou a tendência, dado que houve preparação prévia, a decisão foi de rejeitar uma hipótese verdadeira, ou seja, cometeu-se o erro do tipo I, o de sobre-preparação, cuja probabilidade é α. Neste caso, supõe-se que o prejuízo associado seja P4.

Para esse exemplo hipotético, o chamado custo de arrependimento, tradução livre do termo em língua inglesa “cost of regret”, está associado às decisões incorretas mencionadas anteriormente. Caso tenha havido sub-preparação, o custo de arrependimento será dado por [P2 – P3 – M]. Para o caso de ter havido sobre-preparação o custo de arrependimento será dado por [M + P4 – P1]. Os valores esperados de arrependimento, tomadas as decisões equivocadas anteriormente mencionadas serão de α.[M + P4 – P1] para sobre-preparação, e β.[P2 – P3 – M] para sub-preparação. A decisão mais lógica será certamente a que produzir menor valor esperado de arrependimento. Esse exemplo hipotético demonstra o valor de se explorar uma análise desta natureza na estrutura lógica e na quantificação dos erros do tipo I e do tipo II, principalmente num contexto de alterações nos processos hidrológicos.

Em suma, a aplicação dos testes estatísticos aqui recorridos revelou evidências suficientes para a não rejeição da hipótese de tendência significativamente ascendente nas precipitações diárias máximas anuais apenas para as observações da estação 82807, localizada em Tarauacá, um dos municípios do estado do Acre que dispõe de uma estação meteorológica de referência.

4. Conclusões

A abordagem baseada nas probabilidades dos erros do tipo I e do tipo II apresenta-se como uma importante ferramenta para detecção de tendências em séries hidrológicas.

As vantagens descritas por Vogel et al. (2013)VOGEL, R.M.; ROSNER, A.; KIRSCHEN, P.H. Brief communication: Likelihood of societal preparedness for global change: trend detection. Natural Hazards and Earths System Sciences, v. 13, p. 1773-1778, 2013. somadas às expostas neste trabalho, tornam a abordagem mais atraente, uma vez que os erros α e β podem ser associadas à análise dos impactos relacionados a eventos extremos advindos de possíveis alterações nos processos hidrológicos, conforme relatado por Rosner et al. (2014)ROSNER, A.; VOGEL, R.M.; KIRSHEN, P.H. A risk-based approach to flood management decisions in a nonstationary world. Water Resources Research, v. 50; p. 1928-1942, 2014.. Os testes usuais, geralmente baseados na lógica dos NHST, como o de Mann-Kendall e o de Sen, limitam-se à verificação de tendências na série.

O presente trabalho permitiu concluir, também, que existe coerência entre os resultados obtidos por meio do teste proposto por Vogel et al. (2013)VOGEL, R.M.; ROSNER, A.; KIRSCHEN, P.H. Brief communication: Likelihood of societal preparedness for global change: trend detection. Natural Hazards and Earths System Sciences, v. 13, p. 1773-1778, 2013. e aqueles obtidos através dos testes usuais aqui recorridos, verificando-se tendência significativamente ascendente na série de precipitações diárias máximas anuais de Tarauacá, Acre. As demais séries apresentaram decréscimo temporal não significativo para o período em análise.

Adicionalmente, são necessários estudos complementares que venham a corroborar a particularidade pluviométrica evidenciada em Tarauacá, relativamente a outras séries acreanas, ou mesmo lançar evidências de não-estacionariedades de outra natureza, pois, de acordo com Liberato e Brito (2010)LIBERATO, A.M.; BRITO, J.I.B. Influência de mudanças climáticas no balanço hídrico da Amazônia Ocidental. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 3, p. 170-180, 2010. e Santos (2013)SANTOS, D.C.; MEDEIROS, R.M.; SANTOS, D.C.; BRITO, J.I.B. Variabilidade climática de regiões pluviometricamente homogêneas na Amazônia Ocidental. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 6, n. 4, p. 903-918, 2013., atividades antrópicas, padrões de circulação do Atlântico e outros fenômenos como ENSO também produzem flutuações nas condições climáticas da Amazônia brasileira.

Portanto, os resultados aqui descritos servirão de subsídios a novas pesquisas na região em estudo, bem como de ferramentas de auxílio à decisão e preparação da sociedade para a minimização dos possíveis impactos provocados em consequência de alterações nos processos hidrológicos.

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto Nacional de Meteorologia – INMET e à Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Estado do Acre – SEMA, pela disponibilização de alguns dados utilizados neste trabalho. Os autores também agradecem à CAPES e ao CNPq pelo apoio a esta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2016
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2014
  • Aceito
    23 Out 2015
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