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Estudo de Caso de um Distúrbio Ondulatório de Leste sobre o Estado do Rio Grande do Norte - Brasil

Case Study of an Easterly Wave Disturbance Over Rio Grande do Norte State - Brazil

Resumo

Distúrbios ondulatórios de leste (DOL) são sistemas atmosféricos presentes na região tropical, preferencialmente sobre áreas dos oceanos Atlântico e Pacífico. Sobre o Atlântico são identificados, inicialmente, próximos à costa oeste do continente Africano e se propagam embebidos no fluxo dos Alíseos, em forma de ondas que se deslocam de leste para oeste. No Atlântico tropical sul, os DOL atuam, preferencialmente sobre o leste do Nordeste do Brasil (NEB) contribuindo significativamente para os totais anuais de chuva. O presente trabalho analisa um caso de ocorrência de um DOL sobre o NEB, no estado do Rio Grande do Norte, no dia 13 de Junho de 2014, fazendo o uso de dados de reanálise da componente meridional do vento e vorticidade relativa nos níveis de 850 hPa, água precipitável e dados observados de chuva. Observa-se que o DOL se intensifica entre os dias 12 e 13 de Junho, com valores de vorticidade negativa e água precipitável significativos, próximo à costa do NEB, e se apresenta inicialmente como uma extensão da atividade convectiva presente na ZCIT, desde o Oeste Africano. O DOL causou valores significativos de chuva, gerando deslizamentos de terra, alagamentos e problemas no trânsito de Natal, durante copa do mundo de futebol.

Palavras-chave:
Distúrbios Ondulatórios de Leste; chuva; vento meridional; NEB; evento extremo

Abstract

Easterly Wave Disturbances (EWD) are atmospheric systems present in the tropical region, preferably over areas of the Atlantic and Pacific oceans. Over the Atlantic they are identified, firstly, near the west coast of the African continent, spreading soaked in the flow of Trade winds in the form of waves moving from east to west. In the southern tropical Atlantic, they act, preferentially, on the east of Northeast Brazil (NEB) contributing significantly to the total annual rainfall. This paper analyzes a case of occurrence of EWD on the NEB in the Rio Grande do Norte state on June 13th, 2014, making use of reanalysis data of meridional wind component and relative vorticity in 850 hPa level, precipitable water and rain observed data. It is observed that the EWD intensifies between 12 and 13 June, with significant values of negative vorticity and precipitable water near the NEB's coast, and performing as an extension of convective activity present in the ITCZ, since West Africa. The EWD has caused significant amounts of rain, leading to landslides, flooding and problems on Natal's traffic during the soccer world cup.

Keywords:
Easterly Wave Disturbances; rain; meridional wind; NEB; extreme event

1. Introdução

As chuvas na região Nordeste do Brasil - NEB, principalmente no interior, são caracterizadas por uma grande variabilidade espacial e temporal, no geral com baixos índices e com uma estação chuvosa restrita a poucos meses do ano.

Diferentes regimes de chuvas são identificados no NEB, em decorrência dos sistemas meteorológicos que atuam sobre a região, em épocas distintas do ano. De acordo com Strang (1972)STRANG, D.M.G.D. Climatological analysis of rainfall normal in Northeast Brazil. Paper n.° IAE-M02/72. (Available from Centro Tecnológico Aeroespacial, 12200, São José dos Campos, São Paulo, Brazil.) 70 p. – 1972., no norte da Região, a estação chuvosa principal ocorre entre março e abril, enquanto no sul, as chuvas ocorrem, principalmente, durante o período de dezembro a fevereiro. No leste do NEB, a estação chuvosa é em média de maio a julho. No entanto, o norte da Região pode ter seu período chuvoso extendido de fevereiro a maio, devido à atuação irregular da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) que influi na qualidade da estação chuvosa principal.

Rao et al. (1993)RAO, V.B., LIMA, M., FRANCHITO, S.H.: Seasonal and Interannual Variations of Rainfall over Eastern Northeast Brazil. Journal of Climate, v. 6, p. 1754-1763, 1993. afirmam que a principal estação chuvosa do NEB, incluindo o norte e leste da Região, que explica 60% da chuva anual é de abril a julho, e a estação seca principal, para a maior parte da região, ocorre de setembro a dezembro com apenas 10% do total anual.

As regiões costeiras recebem em média um total de precipitação anual de 1600 mm, enquanto que em muitas áreas do interior, o total pluviométrico é da ordem de 750 mm (Kousky e Chu, 1978KOUSKY, V.E., CHU, P.S. Fluctuations in annual rainfall for Northeast Brazil. Journal of the Meteorological Society of Japan, v.56, n. 5, p.457- 465, 1978.). Esta variabilidade está associada também aos eventos ENOS (El Niño/Oscilação Sul) sobre o Pacífico Equatorial e a ocorrência de anomalias de temperatura da superfície do mar (TSM) sobre o Atlântico Tropical (Nóbrega et al., 2006NÓBREGA, R.S.; SOUZA, E.P.; CAVALCANTI, E.P. Energia estática na atmosfera sobre o Nordeste do Brasil: Fluxo e variação sazonal de energia. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental v.10, n.1, p.132-139, 2006.).

A curta estação chuvosa nas diferentes áreas do NEB, combinada com temperaturas elevadas e altas taxas de evaporação observadas, conferem a esta região um clima semiárido, não obstante a sua localização na região tropical. No NEB, a ocorrência frequente de eventos extremos, tanto de secas severas, como de chuvas torrenciais, causados por diversos sistemas meteorológicos que influenciam o tempo e clima da Região, chama a atenção da comunidade científica e dos governantes, pois estes eventos quando não previstos em tempo hábil, causam transtornos em diversas atividades, nomeadamente agricultura, pecuária, abastecimento de água e geração de energia, com reflexos expressivos na economia.

O regime pluviométrico dos setores norte e leste do NEB recebe uma contribuição significativa de chuva, causada pelos Distúrbios Ondulatórios de Leste - DOL (Kouadio et al., 2012Kouadio, Y.K., SERVAIN, J., MACHADO, L.A.T. and LENTINI, C.A.D. Heavy Rainfall Episodes in the Eastern Northeast Brazil Linked to Large-Scale Ocean-Atmosphere Conditions in the Tropical Atlantic. Advances in Meteorology, v. 2012, Article ID 369567, 16 p., 2012. doi:10.1155/2012/369567
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) que se deslocam sobre o Atlântico Sul durante todo o ano, afetando, contudo, o NEB com maior amplitude e propagação de fase mais organizada, durante as estações de outono e inverno austral (Chan, 1990CHAN, CHOU S. Análise de Distúrbios Ondulatórios de Leste sobre o Oceano Atlântico Equatorial Sul. 134 p. (INPE 5222 - TDL/437). Dissertação (Mestrado em Meteorologia) - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), São José dos Campos. 1990.). Este sistema pode provocar eventos extremos de chuva, com alagamentos e deslizamentos de encostas, resultando em danos materiais e, por vezes, perda de vidas humanas (Santos et al., 2012SANTOS, A.H.M., ARAGÃO, M.R.S., CORREIA, M.F., ARAUJO, H. A., SILVA, A.B. Distúrbio Ondulatório de Leste e seus impactos na cidade de Salvador. Revista Brasileira de Meteorologia, São Paulo, v. 27, n. 3, p. 355-364, 2012.; Machado et al., 2012MACHADO, C.C.C., NÓBREGA, R.S, OLIVEIRA, T.H., ALVES, K.M.A.S. Distúrbio Ondulatório de Leste como Condicionante a Eventos Extremos de Precipitação em Pernambuco. Revista Brasileira de Climatologia, 8, v. 11, 2012.; Alves et al., 2013ALVES, K.M.A.S.; CAVALCANTI, L.;NÓBREGA, R.S. Eventos extremos e risco de inundação: uma análise do comportamento evolutivo dos distúrbios ondulatórios de leste em junho de 2010 sobre a bacia do Rio Una Pernambuco. Geotextos (Online), v. 9, p. 173-189, 2013.).

O estudo deste sistema atmosférico se mostra mais avançado para os eventos que ocorrem no Atlântico Norte, pois estes são precursores de tempestades tropicais e furacões que atingem, sobretudo, a América Central, o Caribe e a América do Norte. Logo, a comunidade cientifica desde cedo, procurou entender o funcionamento deste sistema de forma a antever e minimizar os seus impactos. Riehl (1945)RIEHL, H., Waves in the easterlies and polar front in the tropics. Chicago: Chicago University, Departament of Meteorology, 79 p., 1945. foi o primeiro a detalhar a estrutura tridimensional das ondas nos ventos de leste da região do Caribe, a partir de observações de oscilações nos campos de pressão e vento se deslocando para oeste, dentro da corrente de leste do estado básico na baixa troposfera com as seguintes características:

  • Comprimento de onda: ~ 2000 km;

  • Período: ~ 4 dias;

  • Velocidade: ~ 6 m.s−1;

  • Inclinação horizontal: NNE-SSW;

  • Inclinação vertical: para leste com a altura, na baixa e média troposfera;

  • Nuvens e chuva: máximos tendem a ocorrer a leste do cavado e nas suas proximidades.

Posteriormente, estas ondas se movendo de leste para oeste, foram reconhecidas por toda região tropical. No entanto, Asnani (1993)ASNANI, G.C. Tropical meteorology. Vols. I-II Chapter 8 - Easterly waves, Pune-India: Noble Printers, 1993, 1201p. classifica as ondas detalhadas por Riehl (1945)RIEHL, H., Waves in the easterlies and polar front in the tropics. Chicago: Chicago University, Departament of Meteorology, 79 p., 1945., na região do Caribe, como as ondas de leste clássicas. A estrutura detalhada da onda de leste varia de região para região e continua sendo objeto de muitas pesquisas. Riehl (1954)RIEHL, H. Tropical Meteorology. McGraw-Hill, 392 p., 1954. propôs um modelo conceitual para o sistema se movendo sobre o Caribe, Golfo do México e América Central, ilustrada pela Fig. 1.

Figura 1
Modelo conceitual de um DOL no HN (região do Caribe). As linhas de corrente (vermelho) mostram o escoamento entre 3000 e 4600 m, as linhas tracejadas (pretas) mostram as isóbaras em superfície e as linhas cheias (brancas) indicam os eixos dos cavados em superfície e a 3-4 quilômetros acima desta, mostrando inclinação para leste com a altura.

De acordo com Coutinho e Fisch (2007)COUTINHO, E.C.; FISCH, G. Distúrbios ondulatórios de leste (DOLs) na região do centro de lançamento de Alcântara-MA. Revista Brasileira de Meteorologia, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 193-203, 2007., as mudanças que Riehl (1954)RIEHL, H. Tropical Meteorology. McGraw-Hill, 392 p., 1954. observou na direção do vento, acompanhavam a formação e deslocamento de centros isalobáricos e essas mudanças sugeriram que esses centros eram manifestações da propagação de ondas atmosféricas se deslocando de leste para oeste. Foi então que se definiu esse tipo de sistema como sendo uma onda de leste. No entanto, posteriormente, mudou-se esta denominação para Distúrbios Ondulatórios de Leste.

Nas primeiras décadas, que se seguiram ao modelo conceitual proposto por Riehl, o estudo das propriedades dos DOL, tais como o ciclo de vida (gênese, intensificação, maturação, enfraquecimento e dissipação), a estrutura dinâmica, termodinâmica e energética do sistema se concentrou sobre as áreas tropicais dos oceanos Atlântico Norte, mar do Caribe e Pacífico Leste (Simpson et al., 1968SIMPSON, R.H.; FRANK, N.; SHIDELER, D.; JOHNSON, H.M. Atlantic Tropical Disturbances 1967. Monthly Weather Review, v. 96, n. 4, p. 251-259, 1968.; Carlson, 1969aCarlson, T.N.: Synoptic histories of three African disturbances that developed into Atlantic hurricanes. Monthly Weather Review, v. 97, n. 3, p. 256-276. 1969A.,bCarlson, T.N.: Some remarks on African disturbances and their progress over the tropical Atlantic. Monthly Weather Review, v. 97, n. 10, p. 716-726. 1969b.; Burpee, 1972Burpee, R.W. The origin and structure of easterly waves in the lower troposphere of North Africa. Journal of the Atmospheric Sciences, v. 29, p. 77-90. 1972.; Rennick, 1976RENNICK, M.A. The generation of African Waves. Journal of the Atmospheric Sciences, v. 33, p. 1955-1969, 1976.), além do Pacífico Oeste e Central (Yanai et al., 1968YANAI, M.; MARUYAMA, T.; NITTA, T.; HAYASHI, Y. Power spectra of large scale disturbances over the tropical Pacific. Journal of the Meteorological Society of Japan, v.46, n. 4, p. 308-323, 1968.; Chang et al., 1970CHANG, C.P.; MORRIS, V.F.; WALLACE, J.M. A statistical study of easterly waves in the western Pacific: July-December 1964. Journal of the Atmospheric Sciences, v. 27, p. 195-201, 1970.), regiões essas que concentram a maior ocorrência deste sistema. Admitia-se então a ocorrência de DOL sobre todos os oceanos, exceto o Atlântico Sul, até os estudos de Yamazaki (1975)YAMAZAKI, Y. Estudos teóricos e sinóticos dos distúrbios tropicais. 56 p. (INPE-624-LAFE) Dissertação (Mestrado em Meteorologia) - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), São José dos Campos. 1975., Neiva (1975)NEIVA, E.J.F. An investigation of wave-type disturbances over the Tropical South-Atlantic. 58 p. Dissertação (Mestrado em Meteorologia) - Naval Post Graduate School, Monterey, California, USA. 1975. e Yamazaki e Rao (1977)YAMAZAKI, I; RAO, V.B. Tropical cloudiness over South Atlantic Ocean. Journal of The Meteorological Society of Japan, v. 55, n. 2, p. 205-207, 1977. comprovarem a existência deste fenômeno nas adjacências da costa do Nordeste e Norte do Brasil. Todavia, antes destes estudos, segundo Neiva (1975)NEIVA, E.J.F. An investigation of wave-type disturbances over the Tropical South-Atlantic. 58 p. Dissertação (Mestrado em Meteorologia) - Naval Post Graduate School, Monterey, California, USA. 1975., já havia algumas evidências de distúrbios atravessando a costa Ocidental Africana para o Atlântico, entre o equador e 5°S (Mbele-Mbong, 1974MBELE-MBONG, J. Rainfall in West Central Africa. Atmospheric Science Paper N° 222, Colorado State University, 126 p. 1974.), e da costa leste da América do Sul para dentro do continente, em aproximadamente 10°S (Ramos, 1974RAMOS, R.P.L. Precipitation characteristics in the Northeastern Brazil dry region. Atmospheric Science Paper N° 224, Colorado State University, 56 p. 1974.).

Hall (1989)HALL, B.A. Westward-moving disturbances in the South Atlantic coinciding with heavy rainfall events at Ascension Island. Meteorololgy Magazine, v. 118, p. 175-181, 1989. apud Coutinho e Fisch (2007)COUTINHO, E.C.; FISCH, G. Distúrbios ondulatórios de leste (DOLs) na região do centro de lançamento de Alcântara-MA. Revista Brasileira de Meteorologia, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 193-203, 2007. observou através da estrutura horizontal de uma onda de leste do Hemisfério Sul - HS (Fig. 2(a)), que antes do eixo da onda, a componente meridional do vento (V) era positiva (sul-norte) e que, após a passagem da mesma, esta se torna negativa (norte-sul). O eixo da onda apresenta inclinação na mesma direção de propagação do distúrbio, ou seja, para oeste, no Hemisfério Sul, e a maior atividade convectiva encontra-se, exatamente, sobre o eixo da onda (Fig. 2(b)). A escala horizontal na Fig. 2(b) mostra o tempo aproximado em que a onda utilizou para atravessar a Ilha de Ascensão no Oceano Atlântico Sul.

Figura 2
(a) Estrutura horizontal, em baixos níveis e (b) estrutura vertical de uma onda de leste no HS.

O estudo dos DOL, ao longo do tempo, foi se caracterizando com dificuldades que Asnani (1993)ASNANI, G.C. Tropical meteorology. Vols. I-II Chapter 8 - Easterly waves, Pune-India: Noble Printers, 1993, 1201p., listou da seguinte forma:

  1. intensidade relativamente fraca, isto é, os DOL são pouco amplos se comparados aos cavados e cristas semiestacionários das latitudes tropicais, não podendo ser identificados em cartas sinóticas corriqueiras;

  2. falta de uma estrutura homogênea: os DOL estão na corrente zonal, e essa corrente exibe características diferentes em cada região do planeta, que por sua vez mostram diferentes estruturas a cada estação. Se o escoamento de leste é raso (apenas baixos níveis), são esperados DOL rasos, mas numa corrente de leste mais profunda (até altos níveis), são esperadas ondas mais profundas;

  3. poucos dados nos trópicos: grande parte da região tropical é coberta por oceanos, onde é difícil estabelecer observatórios meteorológicos. Mesmo nos continentes, a densidade de estações meteorológicas é limitada. Nesse ínterim, os satélites têm provido dados para áreas carentes como desertos e oceanos.

Como principais métodos usados para o estudo deste sistema visando a sua melhor compreensão, o mesmo autor lista: estudo de casos individuais; análise de gráficos de compostos das variáveis associadas ao sistema; Análise espectral; e simulação dinâmica.

Coutinho e Fisch (2007)COUTINHO, E.C.; FISCH, G. Distúrbios ondulatórios de leste (DOLs) na região do centro de lançamento de Alcântara-MA. Revista Brasileira de Meteorologia, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 193-203, 2007. afirmam que os DOL possuem 4 regiões distintas, a saber:

  • Uma região de crista com tempo bom e visibilidade alta, escoamento divergente na superfície com subsidência e nebulosidade baixa formada por nuvens Cumulus (rasos) de bom tempo;

  • Uma região próxima ao eixo do cavado, com nuvens do tipo Cumulus em desenvolvimento, nuvens Cirrus e Altocumulus e visibilidade contínua, porém já com a formação de precipitação esparsa;

  • Uma região no eixo do cavado: presença de nuvens Cumulus Congestus, Cirrus, Altocumulus e chuvas frequentes;

  • Uma região a leste do cavado, de tempo ruim, com escoamento convergente e forte movimento ascendente do ar com a ocorrência de Cumulonimbus e precipitação de moderada para forte.

Estudos mais recentes se dedicaram a compreensão deste sistema e a análise de padrões sinóticos, dinâmicos e termodinâmicos associados a sua ocorrência no Atlântico Sul, nas proximidades do leste do Nordeste Brasileiro.

Kayano (2003)KAYANO, M.T. Low-level high-frequency modes in the Tropical Atlantic and their relation to precipitation in the equatorial South America. Meteorology and Atmospheric Physics, Viena, v. 83, p. 263-276, 2003. fez uma análise para os modos dominantes de alta frequência da componente meridional do vento em 925 hPa e da água precipitável e as relacionou com as anomalias de precipitação sobre a América do Sul equatorial para as estações de verão e inverno austral. Concluiu que as ondas de leste são insuficientes para justificar as chuvas de verão dado que estas ocorrem como um efeito combinado ou interação com outros sistemas tais como, Vórtice Ciclônico de Altos Níveis - VCAN, Zona de Convergência Inter-Tropical - ZCIT e remanescentes de Sistemas Frontais - SF. Esta situação contrasta com o inverno austral, em que a variabilidade de alta frequência do Atlântico Tropical Norte e de parte da área norte do Atlântico Tropical Sul é, principalmente, devido aos distúrbios ondulatórios de leste, que têm um papel importante na modulação do acumulado diário de precipitação sobre o setor norte da América do Sul, o que inclui parte do norte do Nordeste Brasileiro.

Outros estudos, como os de Coutinho e Fisch (2007)COUTINHO, E.C.; FISCH, G. Distúrbios ondulatórios de leste (DOLs) na região do centro de lançamento de Alcântara-MA. Revista Brasileira de Meteorologia, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 193-203, 2007. e Torres e Ferreira (2011)Torres, R.R.; FERREIRA, N.J. Case Studies of Easterly Wave Disturbances over Northeast Brazil Using the Eta Model. Weather and Forecasting, v. 26, p. 225-235, 2011., analisaram alguns casos de ocorrência de DOL, descrevendo as principais características observadas do sistema e realizando simulações numéricas, enquanto Pontes da Silva (2011)PONTES DA SILVA, B.F. Contribuição dos Distúrbios Ondulatórios de Leste para a chuva no Leste do Nordeste do Brasil: evolução sinótica média e simulações numéricas. 123 p. Dissertação (Mestrado em Meteorologia) - Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) - Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2011. e Gomes (2012)GOMES, H.B. Distúrbios Ondulatórios de Leste no Nordeste Brasileiro: CLIMATOLOGIA e Modelagem NUMéRICA. 99 P. TESE (DOUTORADO EM METEOROLOGIA) - Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) - Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2012. realizaram climatologias de ocorrência do sistema, além de experimentos com modelos numéricos visando testar a acurácia dos mesmos na sua localização e rastreamento. Mais recentemente, Kouadio et al. (2012)Kouadio, Y.K., SERVAIN, J., MACHADO, L.A.T. and LENTINI, C.A.D. Heavy Rainfall Episodes in the Eastern Northeast Brazil Linked to Large-Scale Ocean-Atmosphere Conditions in the Tropical Atlantic. Advances in Meteorology, v. 2012, Article ID 369567, 16 p., 2012. doi:10.1155/2012/369567
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estudaram o efeito da temperatura da superfície do Oceano Atlântico Tropical em episódios de chuvas intensas no Leste do Nordeste do Brasil, relacionando às condições de grande escala e do acoplamento oceano-atmosfera e concluíram que processos oceano-atmosféricos são responsáveis por fortes episódios de chuva sobre o Leste do NEB, principalmente, na presença de anomalias positivas de TSM, na bacia do Atlântico Equatorial Sul, que levam à evaporação e aumento do calor latente. Estes fatores contribuem para a intensificação de DOLs nesta área.

Nos dias atuais, ainda se faz necessário aprofundar o entendimento sobre o sistema, pois fazer uma previsão acurada da sua ocorrência e ciclo de vida se apresenta como uma tarefa desafiadora. O presente artigo tem como objetivo, fazer um estudo de caso de um DOL que atingiu o litoral do NEB, no dia 13 de Junho de 2014, afetando, principalmente, os estados do Rio Grande do Norte e do Ceará. As análises são feitas para o nível de 850 hPa e se concentram principalmente, sobre a cidade de Natal, onde foram registrados elevados valores de precipitação, gerando alagamentos e deslizamentos de encostas. Segundo registros consultados, da imprensa eletrônica (site G1 e blog local) e do boletim agroclimatológico do INMET, a chuva ocorrida entre os dias 13 e 15 de junho em Natal, teve como consequências deslizamento de encostas colocando várias residências em risco de desabamento, erosão de algumas ruas com abertura de crateras, vários pontos de alagamento e transbordamento de algumas lagoas de captação da cidade. Devido à estas ocorrências, a prefeitura do município decretou estado de calamidade e a FIFA cancelou a Fan Fest que aconteceria no dia 13 de junho, pois as vias de acesso ao local do evento se encontravam alagadas.

2. Materiais e Métodos

A área de estudo tem como foco parte do NEB que está compreendida entre os paralelos 5° N e 10° S e os meridianos 20° W a 50° W, abrangendo Estados do norte e leste da região, além do oceano Atlântico equatorial adjacente e é ilustrada pela Fig. 3. O caso a ser analisado ocorreu entre os dias 13 e 15 de junho de 2014, e para elucidar o potencial convectivo do sistema foi usado a composição de imagens de satélite (GOES 13 + METEOSAT 10) nos canais infravermelho termal realçado [com temperatura de brilho (°C) do topo das nuvens] e no canal de vapor de água para o dia 13 de junho de 2014, fornecidos pela Divisão de Satélites e Sistemas Ambientais do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos, pertencente ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (DSA/CPTEC/INPE).

Figura 3
Localização da área de estudo e atuação do DOL.

Também foram utilizados dados horários de precipitação pluvial (mm), fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) para a estação meteorológica automática de Natal-RN, os quais foram acumulados em intervalos de 06 horas, horário sinótico UTC, para atender a resolução temporal dos dados de reanálise Climate Forecast System Reanalysis (CFSR) do National Center for Enviromental Prediction (NCEP) utilizados, que possuem também uma resolução espacial horizontal de 0.5° x 0.5° lat/lon e 37 níveis de pressão (Saha et al., 2010SAHA, S., MOORTHI, S., PAN, H., WU, X., WANG, J., et al. The NCEP Climate Forecast System Reanalysis. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 91, p. 1015-1057, 2010.).

Foram plotados campos com a espacialização horizontal de variáveis, como velocidade vertical (Pa.s−1) e velocidade do vento (m.s−1) em linhas de corrente no nível de 850 hPa, além da umidade relacionada ao sistema através do Índice Normalizado de Água Precipitável - NPWI (Zeng e Lu, 2004ZENG, X.; LU, E. Globally Unified Monsoon Onset and Retreat Indexes. Journal of Climate, v. 17, p. 2241-2248, 2004.), para o dia 13 de junho, dia em que o sistema atingiu Natal com acumulados significativos. Diagramas de Hovmöller de tempo vs. longitude, centradas na latitude de Natal (5°47’ S), de variáveis como a componente meridional da velocidade do vento (m.s−1), umidade específica (g.kg−1) e vorticidade relativa (s−1) foram usadas para analisar a evolução e deslocamento do sistema, assim como, cortes verticais entre os níveis de 1000 hPa e 500 hPa, aplicados a variáveis como umidade específica e vento meridional para os dias de atuação do DOL.

A vorticidade relativa “ζ” foi calculada levando em conta as componentes meridional “v” e zonal “u” do vento, de acordo com a seguinte formulação, e resolvida usando-se diferenças finitas:

(1) ζ = v x u y .

Para localizar as áreas com disponibilidade de umidade suficiente para alimentar a convecção e gerar precipitação foi utilizado o Índice Normalizado de Água Precipitável (NPWI), desenvolvido por Zeng e Lu (2004)ZENG, X.; LU, E. Globally Unified Monsoon Onset and Retreat Indexes. Journal of Climate, v. 17, p. 2241-2248, 2004., baseado na normalização da quantidade de água precipitável presente na coluna atmosférica de determinado lugar. Água precipitável (mm) é definida como a quantidade de água líquida que seria obtida se toda a umidade (integrada da superfície ao topo da atmosfera) fosse condensada sobre um determinado ponto. É dada pela seguinte formulação:

(2) W = 1 g p t o p p s u p q d p

em que W é água precipitável, g é aceleração da gravidade, q é umidade específica, Psup é a pressão atmosférica à superfície e Ptop é a pressão atmosférica no topo da atmosfera.

A variável água precipitável é obtida através do conjunto de reanálises CFSR. A sua normalização é feita da seguinte forma:

(3) N P W I = P W P W min P W max P W min

em que PW (do inglês - Precipitable Water) é água precipitável diária, PWmax e PWmin são os valores máximos e mínimos da média diária de água precipitável, no intervalo de tempo considerado, em cada ponto de grade. O valor do índice é adimensional e varia então de 0 a 1. Zeng e Lu (2004)ZENG, X.; LU, E. Globally Unified Monsoon Onset and Retreat Indexes. Journal of Climate, v. 17, p. 2241-2248, 2004. desenvolveram o Índice (NPWI) para identificar o início da estação chuvosa em regiões monçônicas, utilizando como critério valores do NPWI superior ao limiar de 0,618 por mais de 3 dias consecutivos. Porém, aqui será utilizado apenas o critério do NPWI superior ao limiar para cada dia de ocorrência do sistema, como indicativo de umidade suficiente, para que na presença de mecanismo dinâmico de convecção, favoreça a precipitação pluvial.

3. Resultados e Discussões

Através da Fig. 4, observa-se que o sistema se encontra bem configurado próximo à costa do Rio Grande do Norte com nebulosidade convectiva acentuada, evidenciada pelos valores da temperatura de brilho em torno de −60 °C. A imagem é referente ao horário de 12 h UTC que corresponde às 9 h local, ou seja, o sistema ainda não tinha alcançado o continente, mas, provavelmente, já chovia com alguma intensidade sobre o oceano. A passagem do DOL entre os dias 13 e 15 de junho de 2014, sobre o estado do Rio Grande do Norte, gerou acumulados significativos de chuva na capital Natal, como pode ser observado na Fig. 5. Entre as 12 h e 17 h local, o que equivale ao intervalo entre 15 h e 20 h UTC do dia 13 de Junho de 2014, foram precipitados em torno de 60 mm de chuva sobre a estação meteorológica automática do INMET em Natal. Como consequência deste evento, foram observados vários pontos de alagamentos e deslizamentos de encostas com reflexos no trânsito, em dia de grande movimento devido ao jogo da copa do mundo de futebol, que decorria na cidade. O total acumulado de chuva ocasionado por esse sistema durante os três dias de atuação sobre Natal, foi de 198,64 mm.

Figura 4
Composição de imagens de satélite (GOES 13 + METEOSAT 10) nos canais infravermelho termal realçado com temperatura de brilho (°C) do topo das nuvens e no canal de vapor de água para as 12h GMT (09h local) do dia 13 de Junho de 2014.
Figura 5
Precipitação pluvial acumulada a cada 06h na estação meteorológica automática de Natal - RN.

Os campos de umidade associada ao sistema são representados através do Índice Normalizado de Água Precipitável (Normalized Precipitable Water Index - NPWI) superior ao limiar de 0.618, na Fig. 6, e ilustram a evolução média diária do teor de umidade distribuído verticalmente na atmosfera do dia 9 ao dia 16 de junho de 2014. No dia 9 de junho, são observados valores elevados do índice NPWI ao longo da faixa latitudinal de 10°N, que nesta época do ano, justifica-se como sendo a umidade associada à convecção na Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), deslocada para sua posição mais ao norte no Atlântico Tropical. Próximo ao continente Africano, ao sul do arquipélago de Cabo Verde, se observa uma grande área de umidade disposta no sentido noroeste-sudeste (circulada em preto - Área A), que pode estar relacionada à ZCIT alimentando a monção da costa ocidental africana. Também se observa uma pequena área, indicada pela seta preta (Área B), com valores do índice próximo a 0,7 nos arredores da costa leste do NEB, que nos dias seguintes se intensifica, fruto da interação com a ZCIT. Essa região é analisada com mais detalhes, por ser a área de atuação do DOL.

Figura 6
Campo de umidade média diária, representado pelo Índice Normalizado de Água Precipitável (NPWI) calculado para os dias 09 a 16 de junho de 2014.

Nos dias seguintes (10, 11 e 12 de junho) se observa o deslocamento da área A, de leste para oeste se expandindo meridionalmente, interagindo com a área B e aumentando a umidade próxima à costa leste do NEB. No dia 13 de junho, o NPWI atinge valores máximos (entre 0,8 e 0,9) na área B, sobre o oceano Atlântico próximo ao NEB, adjacente ao Rio Grande do Norte e Ceará, o que condiz com os valores elevados de chuva observados no mesmo dia em Natal (Fig. 5). Seria então, a chegada do sistema DOL sobre o continente. A análise do campo de umidade associado ao NPWI sugere que este sistema se apresenta como uma extensão de uma onda de leste de maior amplitude presente no Atlântico Norte (área A), ou então, resultado de uma perturbação desta no escoamento sobre o Atlântico sul, gerando o distúrbio ora em análise. Nos dias 14 e 15 de junho o campo de umidade continua significativo na área de estudo com valores elevados do NPWI e com o sistema se deslocando, ligeiramente, para oeste embebido no escoamento da ZCIT. Conforme o sistema se desloca para oeste, observa-se um enfraquecimento do mesmo corroborando com a diminuição das chuvas sobre a capital do estado Potiguar.

A Fig. 7 mostra os campos de velocidade vertical (Pa.s−1) em sombreado sobreposto com linhas de corrente do vento (m.s−1) no nível de 850 hPa, para os dias 12 e 13 de junho nos horários sinóticos. Estes dias antecedem e marcam, respectivamente, a chegada do DOL sobre Natal, com alguma intensidade traduzida por quase 100 mm de chuva entre as 12 h e 23 h local do dia 13 de junho.

Figura 7
Campos de velocidade vertical (sombreado) e velocidade/direção do vento em 850 hPa (linha de corrente) para os dias 12 (a) e 13 (b) de Junho para os horários sinóticos.

É possível notar, através das linhas de corrente do dia 12 de junho [Fig. 7 (a)], a presença constante de um cavado de pouca amplitude se estendendo desde o hemisfério norte (5° N) até próximo à costa do Rio Grande do Norte. Observa-se em todos os horários sinóticos, confluência nos ventos Alíseos e valores negativos de velocidade vertical que simbolizam movimento ascendente. Ou seja, nesse dia já estavam configuradas as condições dinâmicas e de umidade necessárias para a convecção.

Estas condições com sinais de intensificação na confluência dos ventos, fortalecimento do cavado e aumento da velocidade vertical (movimento ascendente), principalmente às 18 h UTC do dia 12 de junho, já seriam precursores da chegada do DOL sobre o continente. No dia 13 de junho [Fig. 7 (b)], nos horários 00 h e 06 h UTC, há indícios de um desprendimento do cavado inicial originando um cavado mais curto com amplitude maior e menor comprimento de onda, além de uma intensificação na velocidade vertical ascendente ao sul do mesmo. Isto sugere a influência de algum mecanismo de intensificação, talvez relacionado à interação com a proximidade do continente, efeito orográfico ou mesmo efeito das águas mais rasas próximas ao litoral, que sendo mais aquecidas, potencializam o movimento vertical ascendente e o aumento da umidade. Nos horários das 12 h e 18 h UTC, respectivamente 09 h e 15 h horário local, observa-se dois núcleos de forte velocidade vertical ascendente, acompanhados de expressiva confluência nos ventos e com dois pulsos de circulação ciclônica coincidentes com os núcleos de velocidade vertical ascendente, próximos aos estados do Rio Grande do Norte e do Ceará, respectivamente. Esta configuração demonstra o potencial convectivo do sistema e é certificado pelo valor precipitado entre as 12 h e 17 h local próximo a 60 mm deste dia. Este cenário sofreu um pequeno deslocamento para noroeste no horário das 18 h UTC, fruto do movimento do sistema para oeste, contornando o continente. O cavado apresenta uma desaceleração com relação a corrente do estado básico, mudando a sua orientação de NE/SO, nos primeiros horários do dia 12 de junho para NO/SE no dia 13 de junho, fazendo um deslocamento no sentido anti-horário, influenciado pela corrente de leste dos Alíseos, o que corrobora a Asnani (1993)ASNANI, G.C. Tropical meteorology. Vols. I-II Chapter 8 - Easterly waves, Pune-India: Noble Printers, 1993, 1201p..

Na Fig. 8 são mostrados diagramas de Hovmöller da componente meridional da velocidade do vento (m.s−1), da umidade específica (g.kg−1), da vorticidade relativa (s−1) e da velocidade vertical (Pa.s−1). Esta ultima, considerando apenas os valores negativos referentes ao movimento ascendente. Estes diagramas são do tipo tempo vs. longitude, centrada em 5° S e para se fazer a análise com relação a Natal deve-se considerar a longitude de 35° W.

Figura 8
Diagramas de Hovmöller (longitude x tempo) fixada na latitude de Natal, da componente meridional da velocidade do vento (a), da umidade específica (b), da vorticidade relativa (c) e da velocidade vertical (d).

Analisando a componente meridional do vento, nota-se que no dia 12 de junho esta é positiva, ou seja, de sul para norte com intensidade próxima a 5 m.s−1 e no dia 13 junho, perde força e adquire valores negativos correspondentes ao vento de norte para sul, estando o cavado do sistema, exatamente, onde se tem a mudança do sinal do vento. Nesta mesma região é possível notar um aumento gradativo da umidade específica com dois momentos de pico: um do dia 12 para o dia 13 e outro, no dia 15 de junho. A vorticidade relativa e a velocidade vertical apresentam uma configuração semelhante com valores positivos mais a leste da área de interesse, o que condiz com a condição de bom tempo na retaguarda do cavado e valores negativos, correspondendo a vorticidade ciclônica e movimento ascendente na dianteira do cavado. Estas configurações são semelhantes às indicadas por Hall (1989)HALL, B.A. Westward-moving disturbances in the South Atlantic coinciding with heavy rainfall events at Ascension Island. Meteorololgy Magazine, v. 118, p. 175-181, 1989..

Foram efetuados cortes verticais, longitude vs. a altitude, sendo a altitude compreendida entre os níveis de 1000 hPa e 500 hPa, longitude variando entre 30° W e 45° W, centrados na latitude de 5° S para analisar o comportamento das variáveis umidade específica (sombreado) e componente meridional do vento (isolinhas) nos dias de atuação do sistema, visando o acompanhamento do seu deslocamento (Fig. 9). Para a variável componente meridional do vento ilustrado através das isolinhas, valores negativos são representados pela isolinha tracejada e os valores positivos pela isolinha sólida, ambas rotuladas pelos respectivos valores de velocidade e sinais da direção, enquanto a isolinha correspondente a 0 m.s−1 marca a posição do eixo do cavado na vertical.

Figura 9
Corte vertical centrada na localização de Natal - RN das variáveis umidade específica (sombreado) e componente meridional do vento (contorno) para os horários sinóticos dos dias 12 (a), 13 (b), 14 (c) e 15 (d) de Junho de 2014.

Nas primeiras horas do dia 12 de junho [Fig. 9(a)], o vento é predominantemente de sul dentro do domínio analisado e a umidade específica apresenta seus maiores valores entre 1000 hPa e 900 hPa. Entre as 06 h e 12 h UTC, observa-se valores negativos da componente meridional do vento entre 850 hPa e 700 hPa, próximo a longitude de 32° W, indicando o posicionamento aproximado do cavado associado ao DOL, justamente onde se tem a mudança no sinal do vento de positivo (sul) para negativo (norte). No final do dia, o cavado já se encontra próximo da longitude de Natal, onde se observa um aumento da umidade específica alcançando os níveis verticais próximo a 700 hPa.

No dia 13 de junho [Fig. 9 (b)], a 00 h UTC, um núcleo nas isolinhas de vento meridional negativo com valor máximo em módulo de 6 ms−1, entre 850 hPa e 800 hPa, é observado próximo ao meridiano de 32° W, enquanto o cavado se move para as proximidades do meridiano de 36° W e a umidade específica associada ao sistema (superior a 8 gkg−1) alcança o nível de 650 hPa. Esta configuração se manteve no horário sinótico seguinte (06 h UTC), porém com um pequeno deslocamento do sistema para oeste. Entre as 12 h e 18 h UTC, observa-se uma intensificação na componente meridional do vento de norte (negativo) entre 850 hPa e 750 hPa, coincidente com a amplificação do cavado em 850 hPa, observado na Fig. 7 (b), entre os meridianos 33° W e 39° W, e responsável pelo total precipitado neste dia de 100 mm, registrado na estação automática no INMET em Natal (Fig. 5).

No dia 14 de junho [Fig. 9 (c)], o DOL continua se deslocando para oeste próximo a 38° W com um aumento na extensão vertical do cavado para próximo do nível de 500 hPa, porém, se observa um mínimo de intensidade na velocidade meridional do vento de norte, no horário da 00 h UTC, que se mantém no horário sinótico seguinte (06 h UTC) e coincide com o mínimo de precipitação observado nas primeiras horas deste dia, sugerindo um enfraquecimento do sistema, talvez devido a transição do ciclo diurno para noturno. Entre os horários das 12 h e 18 h UTC ocorre o deslocamento do cavado para o meridiano de 41° W, entre os níveis de 850 hPa e 500 hPa, apresentando um enfraquecimento às 18h UTC, pois não se consegue identificar o cavado, visto que, praticamente, não se observa valores negativos do vento meridional. Como a atmosfera continua úmida, favorecida pela advecção de umidade pelos ventos Alíseos de Sudeste, as chuvas acontecem com alguma intensidade ainda neste dia, com um acumulado de aproximadamente 60 mm.

No dia 15 de junho [Fig. 9 (d)], a atmosfera se mantém úmida desde a superfície até próximo ao nível de 700 hPa, para todos os horários sinóticos, e surge um novo cavado de pouca intensidade, na longitude de 36° W às 06 h UTC, instabilizando a atmosfera e gerando precipitação. Este novo cavado se desloca rapidamente para oeste e às 18 h, já se encontra no meridiano de 39° W. Na Fig. 8 é possível observar o sinal da umidade específica, vorticidade e velocidade vertical associado a este novo cavado. A análise de imagens de satélite (não mostradas aqui) sugerem que esta nova perturbação se desenvolve devido ao remanescente de um sistema frontal sobre o oceano Atlântico que estende seu ramo frio até próximo do NEB, cuja atmosfera já se encontrava instabilizada devido a passagem do DOL em análise.

4. Conclusões

O DOL aparenta se manifestar próximo à costa do NEB como uma extensão da atividade convectiva presente na ZCIT, interpretação sugerida também a partir da análise de imagens de satélite (não apresentadas). A intensificação do sistema pode estar também associada a valores mais elevados da temperatura da superfície do mar no Atlântico adjacente ao leste do NEB, conforme o sistema se aproxima da plataforma continental, onde as águas são mais rasas.

Foi possível observar que o DOL atendeu ao modelo conceitual proposto por Riehl (1954)RIEHL, H. Tropical Meteorology. McGraw-Hill, 392 p., 1954. para o Caribe, sendo necessário inverter a orientação do cavado de nordeste para sudoeste do hemisfério norte, para a disposição de noroeste para sudeste no hemisfério sul, como mostrado por Hall (1989)HALL, B.A. Westward-moving disturbances in the South Atlantic coinciding with heavy rainfall events at Ascension Island. Meteorololgy Magazine, v. 118, p. 175-181, 1989.. Neste caso, a convergência de massa, convecção e precipitação se localizam a frente do cavado, sendo observadas condições de tempo bom na sua retaguarda (subsidência e vorticidade positiva).

O Índice Normalizado de Água Precipitável representou bem o campo de umidade associado ao sistema e se apresenta como uma ferramenta útil na predição de ocorrência de chuva baseado no teor de umidade da coluna atmosférica.

Os cortes verticais ilustraram bem o deslocamento do sistema, assim como os diagramas de Hovmöller, permitiram uma análise comparativa das diferentes variáveis que compõem o sistema. O DOL se apresenta com grande aporte de umidade, desde a superfície até próximo a 500 hPa, estando o máximo concentrado próximo ao nível de 850 hPa. Neste nível também se observou o máximo do vento meridional com respectiva mudança de sinal no momento da passagem do cavado.

No geral, verifica-se um deslocamento médio do DOL analisado, de aproximadamente 3° de longitude a cada 12 h, o que corresponde a uma velocidade de propagação de aproximadamente 7 m.s−1, e um comprimento de onda no início do evento de aproximadamente 2000 km, com o cavado pouco amplo. Posteriormente, o sistema se amplifica e se desprende da circulação de grande escala, se movendo mais lentamente com relação a corrente do estado básico.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao INMET, DSA/CPTEC/INPE e NCEP pela concessão dos dados. Agradecem também a Sra. Nizely da Costa Santos pelo auxílio com a geração das figuras e aos dois revisores anônimos, pelos comentários e sugestões que foram muito úteis para o aperfeiçoamento do manuscrito original. O primeiro autor agradece a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de doutorado. Este artigo foi desenvolvido no âmbito do projeto Rede de Pesquisa dos Eventos Hidrometeorológicos Extremos do Leste do Nordeste Brasileiro - CORDEL com o suporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Fontes de Internet

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2015
  • Aceito
    11 Nov 2015
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