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Caracterização Hídrica Espacial e Sazonal de Mato Grosso do Sul com Dados em Grid

Spatial and Seasonal Water Characterization of Mato Grosso do Sul with Grid Data

Resumo

A utilização dos dados de reanálise atmosférico global (ERA-Interim), produzidos pelo European Centre for Medium Range Weather Forecasts - ECMWF se torna uma importante ferramenta para regiões de produção agrícola, principalmente em áreas escassas de estações meteorológicas. Objetivou-se neste trabalho, caracterizar a variabilidade espacial e sazonal hídrica do estado do Mato Grosso do Sul usando dados de reanálise meteorológica do ERA-Interim. O estudo foi realizado no Mato Grosso do Sul, localizado na região Centro-Oeste do Brasil. Os dados decendiais de precipitação pluvial e temperatura média do ar foram obtidos pelo ERA-Interim entre os anos de 1989 e 2015, totalizando 566 pontos. Estimou-se o armazenamento de água no solo, a deficiência hídrica e o excedente hídrico a partir do balanço hídrico normal de Thornthwaite e Mather (1955). No Mato Grosso do Sul ocorreu variação espacial e sazonal dos componentes do balanço hídrico. A variação sazonal do armazenamento hídrico do solo ocorreu com a mudança das estações do ano. A região sul do estado do Mato Grosso do Sul apresenta os maiores recursos hídricos, com DEF reduzido, ARM próximo de 100% e EXC elevados. Os maiores excedentes hídricos ocorrem no período de dezembro a março, enquanto, de agosto a outubro ocorrem os menores valores de excedentes hídricos no estado.

Palavras-chave:
componentes do balanço hídrico; variabilidade; ECMWF; dados em grid

Abstract

The use of global atmospheric reanalysis data (ERA-Interim) produced by the European Center for Medium Range Weather Forecasts (ECMWF) becomes an important tool for agricultural production regions, especially in scarce weather station areas. We sought to characterize the spatial and seasonal water variability of the state of Mato Grosso do Sul using meteorological reanalysis data from ERA-Interim. The study was conducted in Mato Grosso do Sul, located in the Midwest region of Brazil. Decendial rainfall and mean air temperature data were obtained from ERA-Interim between 1989 and 2015, totaling 566 points. We estimated soil water storage, water deficit and water surplus from the normal water balance of Thornthwaite and Mather (1955). In Mato Grosso do Sul there was spatial and seasonal variation of water balance components. Seasonal variation in soil water storage occurred with the change of seasons. The southern region of the state of Mato Grosso do Sul has the largest water resources, with reduced DEF, close to 100% ARM and high EXC. The largest water surpluses occur from December to March, while from August to October the lowest water surpluses occur in the state.

Keywords:
water balance components; variability; ECMWF; grid data

1. Introdução

As informações quantitativas dos componentes do balanço hídrico são de grande importância na agricultura, principalmente, nas tomadas de decisões concisas em vários processos de planejamento, como para previsão de inundações de curto prazo, secas de longo prazo e o manejo sustentável da água (Jillo et al., 2017JILLO, A.Y.; DEMISSIE, S.S.; VIGLIONE, A.; ASFAW, D.H.; SIVAPALAN, M. Characterization of regional variability of seasonal water balance within Omo-Ghibe River Basin, Ethiopia. Hydrological Sciences Journal, v. 62, n. 8, p. 1200-1215, 2017.; Schmidt et al., 2018SCHMIDT, D.M.; LIMA, K.C.; JESUS, E.S. Variabilidade Climática da Disponibilidade Hídrica na Região Semiárida do Estado do Rio Grande do Norte. Anuario do Instituto de Geociencias, v. 41, n. 3, 2018.). A compreensão das informações dos elementos climáticos permite que o planejamento pelos agricultores seja executado com maiores níveis de precisão (Filgueira et al., 2018FILGUEIRAS, R.; OLIVEIRA, V.M.R.; CUNHA, F.F.; MANTOVANI, E.C. Variabilidade temporal de parâmetros do balanço hídrico no manejo de culturas agrícolas. Engenharia Agrícola, v. 38, n. 5, 2018.), no entanto, as observações superficiais são dispersas e não há homogeneidade espacial dos solos e vegetação na superfície terrestre (Orth e Seneviratne, 2014ORTH, R.; SENEVIRATNE, S. I. Using soil moisture forecasts for sub-seasonal summer temperature predictions in Europe. Climate dynamics, v. 43, n. 12, p. 3403-3418, 2014.; Orth et al., 2017ORTH, R.; DUTRA, E.; TRIGO, I.F.; BALSAMO, G. Advancing land surface model development with satellite-based Earth observations. Hydrology and Earth System Sciences, v. 21, n. 5, p. 2483-2495, 2017.).

As determinações diretas e frequentes das variáveis climáticas utilizadas no balanço hídrico são bastante difíceis e trabalhosas, principalmente em grandes áreas territoriais (Ortolani e Camargo, 1987). A utilização dos dados de reanálise meteorológica (ERA-Interim) (Dee et al., 2011DEE, D.; UPPALA, S.; SIMMONS, A.; BERRISFORD, P.; POLI, P.; KOBAYASHI, S.; ANDRAE, U.; BALMASEDA, M.; BALSAMO, G.; BAUER, P. The ERA-Interim reanalysis: Configuration and performance of the data assimilation system. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, v.137, n.656, p.553-597, 2011.), produzidos pelo European Centre for Medium Range Weather Forecasts (ECMWF), para o conhecimento da variabilidade espacial e sazonal das variáveis do balanço hídrico torna-se importante para a agricultura brasileira. Os dados de reanálise do ERA-Interim geram previsões e estimativas de clima em grid e vem sendo utilizado por diversas áreas como indústria, turismo, segura e principalmente na agricultura. O ERA-Interim colabora substancialmente no fornecimento de dados em regiões com poucas estações meteorológicas de superfície (Alessandrini et al. 2013ALESSANDRINI, S.; SPERATI, S.; PINSON, P. A comparison between the ECMWF and COSMO Ensemble Prediction Systems applied to shortterm wind power forecasting on real data. Appl. Energy, v. 107, p. 271-280, 2013.; Ceglar et al., 2016CEGLAR, A.; TORETI, A.; LECERF, R.; VELDE, M.V.D.; DENTENER, F. Impact of meteorological drivers on regional inter-annual crop yield variability in France. Agricultural and Forest Meteorology, v. 216, p. 58-67, 2016.) e potencializa o uso de ferramentas de análise geoestatística.

O estado do Mato Grosso do Sul (MS), assim como todo o território brasileiro, não tem uma rede de estações meteorológicas de superfície que atenda todas as necessidades agrícolas, apresentando uma estação meteorológica a cada 900 hectares (INMET, 2018INMET - INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA, 2017: BDMEP - Banco de Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa. Disponível em: <http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=bdmep/bdmep>. Access in: julho de 2018.
http://www.inmet.gov.br/portal/index.php...
). O MS situa-se em uma das principais regiões de produção agrícola nacional, com uma área de 357.125 km². O estado é produtor de milho, soja, cana-de-açúcar e mandioca, além disso, é o quinto maior produtor de grãos do Brasil, segundo o IBGE (2018)IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016. Disponível em: <http:// www.ibge.gov.br>. Access in: julho de 2018.
http:// www.ibge.gov.br...
.

Trabalhos sobre caracterização hídrica são encontrados na literatura como Passos et al. (2017), Guimarães et al. (2016) e Lopes et al. (2019). Pantano et al. (2017) descreveram que o impacto dos períodos de seca depende da cultura e da época do ano. E os períodos de frutificação e da floração são os mais sensíveis para as colheitas e escassez de água, pois o armazenamento de água no solo contribui para o desenho de estratégias de adaptação para amenizar a vulnerabilidade da produção agrícola.

O balanço hídrico é uma ferramenta importante para a avaliação das características hídricas em nível regional sem que utilize medidas diretas dos solos da região. Assim, objetivou-se caracterizar a variabilidade espacial e sazonal hídrica do estado do Mato Grosso do Sul usando dados de reanálise meteorológica do ERA-Interim.

2. Material e Métodos

O estudo foi realizado no estado do Mato Grosso do Sul, localizado na região Centro-Oeste do Brasil. Os dados decendiais de precipitação pluvial (P, em mm) e temperatura média do ar (T, em °C) do estado do Mato Grosso do Sul utilizados neste estudo foram obtidos pelo ERA-Interim entre os anos de 1989 e 2015. O conjunto dos dados foram coletados em grid com resolução espacial de 0,25 graus (± 25 x 25 km), sendo uma informação meteorológica para cada grid.

Para o estado do Mato Grosso do Sul foram coletados 566 pontos meteorológicos em grid de estações globais (Fig. 1), com informações meteorológicas de precipitação pluvial e temperatura do ar.

Figura 1
Mapa de localização das Estações Virtuais Meteorológicas (EVM) da reanálise do ERA-Interim.

O balanço hídrico (BH) climatológico normal foi estimado pelo método de Thornthwaite e Mather (1955)THORNTHWAITE, C.W.; MATHER, J.R. The water balance. Centerton: Drexel Institute of Technology, Laboratory of Climatology, 1955. 104p. Publications in climatology, v. 8, n. 1, 1955.. Foi utilizado uma capacidade de água disponível (CAD) de 100 mm para todas as localidades pois é um valor padrão para fins climáticos e de caracterização da disponibilidade hídrica regional (Brasil, 1981BRASIL (1981) Ministério das Minas e Energia. Secretaria Geral. Projeto RADAMBRASIL. Rio de Janeiro: Levantamento de Recursos Naturais, 25, 29, 31., Duarte e Sentelhas, 2019DUARTE, Y.C.N.; SENTELHAS, P. NASA/POWER and DailyGridded weather datasets-how good they are for estimating maize yields in Brazil? International Journal of Biometeorology. 2019.). As estimativas de armazenamento de água no solo, deficiência hídrica e excedente hídrico foram obtidas pelas Eqs. (1)- (6).

(1) S e ( P E T P ) i < 0 = { N A C i = N A C i 1 + ( P E T P ) i A R M i = C A D e ( N A C ) i C A D
(2) S e ( P E T P ) i 0 = { N A C i = C A D ln ( A R M i C A D ) A R M = ( P E T P ) i + A R M i 1
(3) A L T i = A R M i A R M i 1
(4) E T R i = { P + | A L T i | , s e A L T < 0 E T P i , s e A L T 0
(5) D E F = E T P E T R
(6) E X C i = { 0 , se A R M i < C A D ( P E T P ) i A L T i se A R M i = C A D

em que ETP é a Evapotranspiração Potencial (mm); CAD é a Capacidade de água Disponível no solo (mm), ARM é o armazenamento de água no solo (mm); NAC é o Negativo acumulado; P é a precipitação (mm); DEF é a deficiência hídrica no sistema solo-planta-atmosfera (mm); ETR é a evapotranspiração real (mm), EXC é o excedente hídrico do sistema solo-planta-atmosfera (mm); ALT é o armazenamento de água no solo no mês atual - armazenamento de água no solo do mês anterior (mm) e i é o período mensal.

A Evapotranspiração Potencial (ETP) foi calculada utilizando o método Penman e Monteith (Allen et al., 1998ALLEN, R.G.; PEREIRA, L.S.; RAES, D.; SMITH, M. Crop evapotranspiration-Guidelines for computing crop water requirements-FAO Irrigation and drainage paper 56. Fao, Rome, v. 300, n. 9, p. D05109, 1998.), descrito nas Eqs (7)- (10).

(7) E T P = 0 , 408 × s × ( R n G ) + γ × 900 × U 2 × ( e s e a ) T + 273 s + γ × ( 1 + 0 , 34 × U 2 )
(8) s = 4098 × e s ( T + 273 ) 2
(9) e a = U R × e s 100
(10) e s = 0 , 6108 × e 17 , 27 × T 237 , 3 + T

em que Rn é a radiação líquida (MJ m-2 d-1); UR é umidade relativa; G é o fluxo de calor no solo igual a 0 MJ m-2 d-1; T é a temperatura do ar (°C); γ é a constante psicométrica igual a 0,063 kPa °C-1; s é a declividade da curva da pressão de vapor versus temperatura (kPa °C-1); U2 é a velocidade do vento (m s-1) na altura de 2 m; es é a pressão da saturação de vapor (kPa); ea é a pressão de vapor atual (kPa).

Foi realizada a análise estatística descritiva cujo objetivo foi identificar as variações do conjunto de dados coletados. Em seguida, as estimativas do BH foram especializadas para o estado do Mato Grosso do Sul. Ao final, foi realizado uma análise multivariada para agrupar as localidades mais umidas e as mais secas. Esta análise é ilustrada por um gráfico dendrograma a partir da matriz de semelhança (distância euclidiana), e a ligação dos grupos foi realizada pelo método de Ward (Rolim et al., 2007ROLIM, G.S.; CAMARGO, M.B.P.; LANIA, D.G.; MORAES, J.F.L. Classificação climática de Köppen e de Thornthwaite e sua aplicabilidade na determinação de zonas agroclimáticas para o estado de são Paulo. Bragantia, v. 66, n. 4, p. 711-720, 2007.). O teste de distribuição de probabilidade foi feito pelo método de Kolmogorov-Smirnov.

3. Resultados e Discussão

3.1. Estatística descritiva

O ARM, EXC e DEF anuais para o estado do Mato Grosso do Sul foram de 660 (±186,42) mm, 172 (±95,96) mm e 147 (±67,60) mm, respectivamente (Fig. 2). Os valores do ARM demonstraram grande variabilidade entre as localidades estudadas, demonstrando um coeficiente de variação de 28,19%, sendo que o maior e menor foram de 1193,32 e 109,99 mm, respectivamente. As variáveis do balanço hídrico climatológico apresentaram distribuição normal dos dados segundo o teste de Kolmogorov-Smirnov.

Figura 2
Box-plot e histograma do Armazenamento de água no solo (ARM), Excedente hídrico (EXC) e Deficiência hídrica (DEF) anuais para o estado do Mato Grosso do Sul.

O ARM diz respeito à variação de armazenamento de água no volume considerado, por intervalo de tempo, representando o que entrou e o que saiu de água em um volume de solo, sendo um a variável de extrema importância para as atividades agricolas (Aparecido et al., 2018APARECIDO, L.E.O.; ROLIM, G.S.; MORAES, J.R.S.C.; ROCHA, H.G.; LENSE, G.H.E. Agroclimatic zoning for urucum crops in the state of Minas Gerais, Brazil. Bragantia, v. 77, n. 1, p. 193-200, 2018.). O ARM tem seus menores valores no período de setembro a outubro, com média em torno de 20 mm mês-1, configurando o período de estiagem (Fig. 3). Os maiores valores de ARM ocorreram no período de janeiro a março com média de 98 mm, considerado o período de maior oferta hídrica no estado. Em relação aos meses, dezembro apresentou maior variação dos dados de ARM, entre 50 e 100 mm, devido ser um mês de transição entre o período de menor e maior precipitação, variando entre as cidades coletadas.

Figura 3
Box-plot do Armazenamento de água no solo (ARM) mensal para o estado do Mato Grosso do Sul (MS).

O EXC hídrico apresentou entre janeiro e março os maiores valores, com média mensal de 82 mm (Fig. 4). Apenas no verão, entre dezembro e março, as médias mensais de EXC foram acima de 20 mm, enquanto, nos outros meses foram abaixo de 5 mm mês-1. Estes resultados estão semelhantes ao encontrados por Gonçalves et al. (2006)GONCALVES, A.O.; PEREIRA, N.R.; COSTA, L.L. da. Caracterização climática e aptidão das culturas anuais e perenes no zoneamento pedoclimático do Estado do Mato Grosso do Sul - 1ª fase. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2006. 52 p. (Embrapa Solos. Boletim de pesquisa e desenvolvimento, 99).. Houve grande variação no EXC devido à variação entre os pontos de grid coletados, pois essa variação está relacionada às regiões mais chuvosas e outras mais áridas.

Figura 4
Box-plot do excedente hídrico (EXC) mensal para o estado do Mato Grosso do Sul.

A menor DEF apresentou-se no verão devido à alta disponibilidade hídrica nesse período (Fig. 5). A maior DEF foi entre julho e setembro, com média de 30 mm. O mês de agosto foi o com maior variação de deficiência hídrica no estado. Nesses meses ocorrem o inverno, período de menores precipitações na região. Esses resultados estão similares ao de Soriano e Galdino (2002)SORIANO, B.M.A.; GALDINO, S. Análise das condições climáticas em 2000 na sub-região da Nhecolândia, Pantanal, Mato Grosso do Sul, Brasil. Corumbá: Embrapa Pantanal, 2002. 34 p. il. (Embrapa Pantanal. Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento, 30).. O DEF é umas das variáveis climáticas que mais influência as culturas agrícolas, podendo ser positivamente ou negativamente, depende do estádio fenológico do cultivo (Martins et al., 2015MARTINS, E.; APARECIDO, L.E. de O.; SANTOS, L.P.S.; MENDONçA, J.M.A. de; SOUZA, P.S. de. Influência das condições climáticas na produtividade e qualidade do cafeeiro produzido na região do sul de Minas Gerais. Coffee Science, v.10, p.499-506, 2015.; Aparecido et al., 2017APARECIDO, L.E. de O.; ROLIM, G. de S.; LAMPARELLI, R.A.C.; SOUZA, P.S. de; SANTOS, E.R. dos. Agrometeorological models for forecasting coffee yield. Agronomy Journal, v. 109, n. 1, p. 249-258, 2017.).

Figura 5
Box-plot da deficiência hídrica (DEF) mensal para o estado do Mato Grosso do Sul.

3.2. Variação espacial e sazonal

No estado do Mato Grosso do Sul ocorreu variação espacial dos componentes do balanço hídrico (Fig. 6). As deficiências hídricas anuais do estado do Mato Grosso do Sul variaram entre 250 mm e 25 mm (Fig. 6A). O aumento dos valores de deficiência hídrica ocorreu com a diminuição da latitude. Na região Sul do estado se concentrou as áreas com menores DEF, abaixo de 25 mm. Em contrapartida, os lados norte e noroeste são as áreas que apresentaram maior DEF, entre 160 e 200 mm. Este fato pode ser explicado pelas maiores temperaturas anuais ocorrerem nestas regiões, médias acima de 27,5 °C, estarem correlacionadas com as latitudes mais baixas.

Figura 6
Espacialização anual no estado do Mato Grosso do Sul: (A) Deficiência hídrica, (B) Excedente hídrico e (C) Armazenamento de água no solo.

O aumento da deficiência hídrica é uma indicação do potencial de secagem dos solos, portanto, a irrigação suplementar se torna necessária para a agricultura nesta região, a fim de evitar que os solos sequem e para manter a produtividade dos cultivos (Mccabe e Wolock, 2015MCCABE, G.J.; WOLOCK, D.M. Increasing Northern Hemisphere water deficit. Climatic change, v. 132, n. 2, p. 237-249, 2015.). A deficiência hídrica tem maior relevância fisiológica para as plantas do que os elementos climáticos padrão, como temperatura e precipitação (Stephenson, 1990STEPHENSON, N.L. Climatic control of vegetation distribution: the role of the water balance. The American Naturalist, v. 135, n. 5, p. 649-670, 1990.).PáNTANO, V.C.; PENALBA, O.C.; SPESCHA, L.B.; MURPHY, G.M. Assessing how accumulated precipitation and long dry sequences impact the soil water storage. International Journal of Climatology, v. 37, n. 12, p. 4316-4326, 2017.

A amplitude dos valores de excedente hídrico anual do estado do Mato Grosso do Sul foi de 500 mm (Fig. 6 B). Os maiores EXC são encontrados nas áreas marginais do norte do estado. Enquanto na região sudoeste do MS registrou os menores EXC, valores menores que 50 mm. Isso se deve ao fato que nessa região são registradas temperaturas elevadas nas estações de verão, outono e primavera, com valores acima de 27 °C e baixa oferta hídrica no verão e outono (Moraes et al., 2018). Por sua vez, na região Sul mostrou-se mais úmida, sendo em torno de 110 a 250 mm, onde a temperatura se demonstrou mais amenas.

No estado do Mato Grosso do Sul, foram encontrados os armazenamentos de água do solo de 130 a 1200 mm (Fig. 6C). As áreas com características climáticas mais marcantes, com baixo DEF e alto EXC hídrico no caso da região sul do estado, caracterizaram esta região do MS como a área de maior ARM, ou seja, mais de 900 mm. A região central do estado e parte da região sudoeste obtiveram os menores ARM, abaixo de 300 mm, devido a maior temperatura do ar, e consequentemente maior evapotranspiração potencial (ETP) e menor precipitação se comparado ao sul, com a junção desses dois fatores resulta em um menor ARM.

Essas variações de DEF, EXC e ARM pelo Balanço Hídrico normal em MS reforçam a importância desses componentes hídricos para o planejamento agrícola e tomada de decisão, pois esses fornecem as condições de capacidade produtiva do local conforme sua caracterização climática, pois considera a textura física do solo, profundidade efetiva do sistema radicular das culturas e o movimento de água no solo durante um determinado período. Assim fornece o saldo de água disponível no solo para o vegetal, ou seja, contabiliza a entrada (precipitação e ou irrigação) e a saída (evapotranspiração potencial) (Medeiros et al., 2013; Matos et al., 2014).

A variação sazonal do armazenamento hídrico do solo ocorreu com a mudança das estações do ano (Fig. 7). Os meses do verão, janeiro a março (Fig. 7 A- C), apresentaram maiores valores de ARM para o estado, superiores a 91 mm. Esse período é caracterizado por ser o mais chuvoso do estado. No mês de abril a novembro (Fig. 7 D e K), a alta temperatura da região central do estado implicou em menor ARM, em torno de 61 a 70 mm, devido à alta temperatura (consequentemente à alta ETP) e a baixa precipitação nessa região.

Figura 7
Variação espacial e sazonal do Armazenamento de água no solo (ARM) para o estado do Mato Grosso do Sul. A) janeiro, B) fevereiro, C) março, D) abril, E) maio, F) junho, G) julho, H) agosto, I) setembro, J) outubro, K) novembro e L) dezembro.

No norte do estado apresentaram os menores ARM de água no solo, ficando com média de 21 a 50 mm em maio (Fig. 7 E), 21 a 40 mm em junho (Fig. 7 F), 11 a 30 mm em julho (Fig. 7 G), 0,42 a 20 mm em agosto (Fig. 7 H), 0,42 a 10 mm em setembro e outubro (Fig. 7 I e J), devido ao período de estiagem e de baixa precipitação. Quando houve chuva em novembro, o ARM na região norte voltou aumentar de 21 a 70 mm (Fig. 7 K). No mês de dezembro com o aumento da precipitação, o ARM voltou a subir em todo o estado, ficando um pouco menor na região central do estado em torno de 31 a 40 mm. A região Sul do MS apresentou os maiores valores de ARM em todos os meses não havendo variação no decorrer do ano, com valores acima de 91 mm.

O mês de janeiro (Fig. 8 A) apresentou os maiores valores de EXC, com valores de 119 a 140 mm na região leste, entre 52 a 65 mm para a região central e no extremo oeste aproximou de 0 a 13 mm. Nos meses de fevereiro e março (Fig. 8 B e C) houve uma diminuição do EXC nas regiões oeste, central e sul devido a diminuição da precipitação. As variações sazonais do excedente hídrico a partir de abril foram semelhantes, com valores próximos de zero (Fig. 8 D-K), o sul do estado caracterizou-se como a região de maiores acúmulos hídricos, principalmente nos períodos de maiores deficiência hídrica e temperaturas médias do ar no estado. No mês de dezembro (Fig. 8 L) com o retorno da precipitação, o sul e norte retornaram a ter EXC com mais de 40 mm como também observado por Fietz e Urchei (2000)FIETZ, C.R.; URCHEI, M.A. Balanço hídrico seqüencial da região de Dourados, MS, período de 1979 a 1998. Ministério da agricultura e do abastecimento, 2000..

Figura 8
Variação espacial e sazonal do Excedente hídrico (EXC) para o estado do Mato Grosso do Sul. A) janeiro, B) fevereiro, C) março, D) abril, E) maio, F) junho, G) julho, H) agosto, I) setembro, J) outubro, K) novembro e L) dezembro.

O estado do Mato Grosso do Sul apresentou cinco meses de maior deficiência hídrica, de junho a outubro (Fig. 9 F-J), principalmente no inverno que tem baixas temperaturas do ar e menores precipitações. Nesse período deve ter um planejamento agrícola, principalmente levando em consideração a época do plantio e a fenologia das plantas, para que não ocorra a redução da produtividade das áreas. A região sul do estado apresentou DEF hídrico baixo ou nulo durante todo o ano, mostrando que a região é propicia para plantio durante todo o ano.

Figura 9
Variação espacial e sazonal da deficiência hídrica (DEF) para o estado do Mato Grosso do Sul. A) janeiro, B) fevereiro, C) março, D) abril, E) maio, F) junho, G) julho, H) agosto, I) setembro, J) outubro, K) novembro e L) dezembro.

é nítida a separação das localidades em 6 grandes cluster em função do ARM, DEF e EXC. No grupo 1 encontram-se as localidades que demonstram os maiores indices de umidades de todo estado do Mato Grosso do Sul, como Juti, Naviraí, Eldorado e Rio Brilhante, com média de DEF proxima de 0 mm. Já no grupo 6 estão as localidades mais secas, por exemplo, Ladário e Corumba, que evidenciam DEF médiso acima de 39.5 mm (Fig. 10).

Figura 10
Dendrograma de identificação de similariedade dos locais em função armazenamento de água no solo, deficiência hídrica e excedente hídrico do Mato Grosso do Sul.

4. Conclusões

O estado do Mato Grosso do Sul evidenciou elevada variação espacial dos elementos climatológicos, com DEF variando de 0 a 250 mm anuais, ARM variando de 130 a 1200 mm anuais e EXC variando de 0 a 500 mm anuais. O que demonstra que o MS apresenta regiões extremamente úmidas e outras relativamente secas.

Os maiores excedentes hídricos ocorrem no período de dezembro a março, enquanto, de agosto a outubro ocorrem os menores valores de excedentes hídricos no estado. O excedente hídrico é uma variável importante, pois está diretamente ligada ao reabastecimento dos lenções freáticos e mananciais.

A região sul do estado do Mato Grosso do Sul demonstrou os maiores recursos hídricos, com DEF reduzido, ARM próximo de 100% e EXC elevados. E esse é um dos motivos desta região ter grande destaque produtivo, principalmente nos cultivos de milho, soja e cana-de-açúcar.

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto Federal de Mato Grosso Sul, Campus Naviraí, pelo financiamento desta pesquisa.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2019
  • Aceito
    13 Dez 2019
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