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Caracterização Espaço-Temporal das Secas no Nordeste a partir da Análise do índice SPI

Spatio-temporal Characterization of Droughts in Northeast based on the Analysis of the SPI Index

Resumo

Busca-se neste trabalho caracterizar os padrões espaço-temporais das secas no Nordeste brasileiro a partir da análise multivariada, via técnica de análise das componentes principais (PC), do índice de Precipitação Padronizada (SPI), criado a partir de dados de precipitação na região para o período 1980-2013. Na primeira PC, que responde por 42% da variabilidade dos dados, observa-se uma seca distribuída por toda a região. A segunda PC é responsável por 11% da variabilidade e apresenta um padrão dipolo norte-sul. A partir das séries temporais dessas duas componentes, identificou-se objetivamente as secas mais severas e extremas ocorridas, que coincidiram com os anos secos citados na literatura, como 1982 e 1993. Entretanto, este é o primeiro trabalho a mostrar a localização exata (e área) do Nordeste atingida por cada uma das secas mais extremas identificadas, além de apontar secas menos intensas e que não aparecem na literatura, como as ocorridas em 1981, 1996 e 1998 e que atingiram entre 20% e 36% da região. Ademais, uma análise de correlação cruzada das PCs com os índices NINO3.4 e dipolo do Atlântico tropical revelou que a influência desses índices nas secas da região atua em diferentes escalas temporais e com distintos impactos espaciais.

Palavras-chave:
secas; índice SPI; Nordeste brasileiro; variabilidade espaço-temporal

Abstract

Here we characterize the spatio-temporal patterns of droughts in the Brazilian Nordeste through a Principal Component Analysis (PCA) of the Standardized Precipitation Index (SPI), obtained from rainfall data for the 1980-2013 period. In the first PC, that responds to 42% of the data variability, we observe a homogeneous drought throughout the region. The second PC is responsible for 11% of the data variance and presents a north-south dipole pattern. From the historical series of the two PCs, we objectively identified the most severe and extreme droughts, which coincided with the driest years reported in the literature, such as 1982 and 1993. However, to the best of our knowledge this is the first work to show the exact location and area of Nordeste hit by each extreme drought identified. We also show the less intense droughts that do not appear in the literature, such as those that took place in 1981, 1996 and 1998 and hit between 20% and 36% of the region. Moreover, a cross-correlation analysis of the PCS and the NINO3.4 and tropical Atlantic dipole indexes revealed that the influence of such indices on the droughts in the regions act at different temporal scales with distinguished spatial impacts.

Keywords:
droughts; SPI; Northeast Brazil; spatial-temporal variability

1. Introdução

Secas são catástrofes naturais e consideradas o pior desastre natural em número de pessoas afetadas e prejuízos financeiros (Rajsekhar et al., 2015RAJSEKHAR, D.; SINGH, V.P.; MISHRA, A.K. Multivariate drought index: An information theory based approach for integrated drought assessment. J. Hydrol., v. 526, p. 164-182, 2015.; Aghakouchak, 2015AGHAKOUCHAK, A. A multivariate approach for persistence-based drought prediction: Application to the 2010-2011 East Africa drought. J. Hydrol., v. 526, p. 127-135, 2015.). O Nordeste brasileiro é uma região conhecida pelos impactos causados por secas intensas, configurando-se entre os principais desastres climáticos dos trópicos em função das grandes perdas econômicas e problemas sociais que causam (Hastenrath et al., 1984HASTENRATH, S.; WU, M-C.; CHU, P-S. Towards the monitoring and prediction of north-east Brazil droughts. Quart. J. R. Met. Soc., v. 110, n. 464, p. 411-425, 1984.; Hastenrath, 1990HASTENRATH, S. Prediction of Northeast Brazil rainfall anomalies. J. Clim., v. 3, n. 8, p. 893-904, 1990.). Apenas em 1958, por exemplo, aproximadamente 10 milhões de pessoas abandonaram suas residências em função da seca, enquanto a seca de 1979-1983 custou cerca de 7,8 bilhões de dólares para o governo (Marengo et al., 2016MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - Past, present, and future. Theor Appl Climatol., v. 129, n 3-4, p. 1189-1200, 2016.). As causas apontadas para as secas remontam ao clima predominantemente semiárido, com alta variabilidade interanual e espacial da precipitação, chegando a menos de 400 mm por ano em algumas áreas (Kousky, 1979KOUSKY, V.E. Frontal Influences on Northeast Brazil. Mon. Weather Rev., v. 107, n. 9, p. 1140-1153, 1979.), e a grande vulnerabilidade da região, em especial por parte da população mais carente.

A dinâmica espaço-temporal das chuvas (e consequentemente das secas) no Nordeste é complexa e seu entendimento científico, assim como a identificação de mecanismos de teleconecção climática associados, remontam da década de 1970. Destaca-se nesse contexto, por exemplo, o trabalho de Kousky (Kousky, 1980KOUSKY, V.E. Diurnal rainfall variation in Northeast Brazil. Mon. Weather Rev., v. 108, n. 4, p. 488-498, 1980.), que investigou a influência do sistema de ventos na precipitação ao longo da parte leste, constatando um vínculo com a intensidade da brisa terrestre, a qual se relaciona com a diferença entre a temperatura da superfície do mar (TSM) e a temperatura média do ar. Rao et al. (1993RAO, V.B.; LIMA, M.C.; FRANCHITO, S.H. Seasonal and interannual variations of rainfall over Eastern Northeast Brazil. J. Clim., v. 6, n. 9, p. 1754-1763, 1993.) também associaram a TSM com a precipitação na região. As chuvas na parte sul foram estudadas por Kousky (1979KOUSKY, V.E. Frontal Influences on Northeast Brazil. Mon. Weather Rev., v. 107, n. 9, p. 1140-1153, 1979.), que identificou o movimento equatorial de frentes frias como um elemento causador. Moura e Shukla (1981MOURA, A.D.; SHUKLA, J. On the dynamics of droughts in Northeast Brazil: Observations, theory and numerical experiments with a general circulation model. J. Atmos. Sci., v. 38, n. 12, p. 2653-2675, 1981.) sugeriram também que o gradiente de TSM ao longo do Atlântico tropical (dipolo do Atlântico) leva a uma redução da precipitação sazonal quando águas mais quentes aparecem no norte e águas mais frias no sul, atribuindo como causa um movimento subsidente da célula de Hadley sobre o Nordeste brasileiro. Mais recentemente, Marengo et al. (2016MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - Past, present, and future. Theor Appl Climatol., v. 129, n 3-4, p. 1189-1200, 2016.) descreveram as secas no Nordeste, particularmente na região central caracterizada pelo clima semiárido, num contexto histórico, atual e futuro.

Em razão da dinâmica e dos impactos causados em diferentes escalas espaciais e temporais, torna-se fundamental desenvolver ferramentas que possam melhor caracterizar e monitorar as secas, indo além das análises realizadas para dados de chuva. Nesse sentido, foram desenvolvidos diversos índices de seca que buscam quantificar a severidade, duração e distribuição espacial do evento a partir da evolução temporal da chuva e, eventualmente, de outras variáveis climáticas (Hao e Singh, 2015HAO, Z.; SINGH, V.P. Drought characterization from a multivariate perspective: A review. J. Hydrol., v. 527, p. 668-678, 2015.). O estudo de índices de seca possui uma extensa literatura e foge do escopo deste trabalho uma revisão mais detalhada. Em termos de índices utilizados, observa-se uma grande preferência na literatura pelo índice de Precipitação Padronizada (SPI - Standardized Precipitation Index). Por exemplo, Hayes et al. (1999HAYES, M.J.; SVOBODA, M.D.; WILHITE, D.A.; VANYARKHO, O.V. Monitoring the 1996 drought using the standardized precipitation index. Bull. Am. Meteorol. Soc., v. 80, n. 3, p. 429-438, 1999.) utilizaram o SPI para analisar a seca que ocorreu nos Estados Unidos em 1996, enquanto Hao e AghaKouchak (2013HAO, Z.; AGHAKOUCHAK, A. Multivariate Standardized Drought Index: A parametric multi-index model. Adv. Water Resour., v.57, p. 12-18, 2013.) verificaram que o SPI consegue identificar adequadamente o início de secas que ocorrem nos Estados Unidos. No Brasil, Costa et al. (2016COSTA, D.D.; PEREIRA, T.A.S.; FRAGOSO JR., C.R.; MADANI, K.; UVO, C.B. Understanding drought dynamics during dry season in Eastern Northeast Brazil. Front. Earth Sci., v. 4, p. 1-11, 2016.) estudaram as relações existentes entre eventos de seca ocorridos no Leste do Nordeste brasileiro e diferentes índices climáticos, incluindo o indicador SPI. Na mesma região, Santos et al. (2013SANTOS, M.S.; PINTO, E.J.A.; MARTINS, L.K.L.A.; PINTO, J.A. O. Definição de liminares de secas e cálculo do índice de precipitação padronizada por meio de análise regional de frequências na Bacia do Alto São Francisco. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 18, n. 2, p. 95-105, 2013.) usaram uma análise de frequência regional para o cálculo do SPI, que foi usado para determinar períodos de seca em postos no Alto São Francisco. Os autores apontam que essa técnica melhora a estimativa do SPI, mas que uma definição cuidadosa da escala e do período considerado (seco ou chuvoso) no estudo é fundamental para que o índice possa ser utilizado como uma ferramenta de gestão e de monitoramento de secas. Dantas et al. (2014DANTAS, C.E.O.; CIRILO, J.A.; NETO, A.R.; SILVA, E.R. Caracterização da Formação de Cheias na Bacia do Rio Una em Pernambuco: Análise Estatística Regional. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 19, n. 4, p. 239-248, 2014.) adaptaram o SPI para classificar chuvas intensas, visando caracterizar os padrões de precipitação que geram inundações na bacia do rio Uno, em Pernambuco.

Apesar dos diversos trabalhos que focaram no estudo de secas no Nordeste, observa-se ainda uma lacuna no entendimento mais amplo da dinâmica espaço-temporal das secas quando caracterizadas por meio de índices (e.x. SPI). Em geral, os estudos mais abrangentes tendem a focar na análise da precipitação somente, enquanto a análise voltada para índices de seca tende a ser limitada no espaço e no tempo. Dessa forma, verifica-se a necessidade de ampliar o entendimento científico das secas históricas no Nordeste a partir da utilização de índices de seca, particularmente num contexto em que monitores de seca já vêm sendo utilizados na região (e.x., http://msne.funceme.br/) e que modelos de previsão de seca são demandados e serão desenvolvidos e aperfeiçoados a partir do conhecimento da dinâmica desses índices de seca.

Assim, este trabalho visa preencher tal lacuna a partir do estudo da dinâmica espaço-temporal de secas no Nordeste brasileiro como caracterizadas pelo índice SPI. Utiliza-se aqui a técnica de análise das componentes principais (PCA) para melhor entender os modos de variabilidade do índice SPI sobre o Nordeste e as maiores secas que afetaram a região, em termos de magnitude e abrangência espacial. Finalmente, busca-se entender a relação entre indicadores climáticos de larga escala que refletem a TSM no Atlântico e Pacífico tropicais e as maiores secas no Nordeste indicadas pelo SPI. Após esta introdução, o artigo está organizado da seguinte forma: a seção 2 apresenta uma descrição dos dados utilizados e da metodologia empregada. Na seção 3 são apresentados os resultados em termos de caracterização da dinâmica espaço-temporal das secas no Nordeste a partir do índice SPI. As considerações finais são abordadas na seção 4.

2. Materiais e Métodos

2.1. O índice SPI

Para representar e caracterizar as secas meteorológicas no Nordeste do Brasil, foi escolhido o índice de Precipitação Padronizada - SPI (Standardized Precipitation Index), que é um índice de seca meteorológica (Rajsekhar et al., 2015RAJSEKHAR, D.; SINGH, V.P.; MISHRA, A.K. Multivariate drought index: An information theory based approach for integrated drought assessment. J. Hydrol., v. 526, p. 164-182, 2015.) muito utilizado em sistemas de monitoramento e previsão (e.x.: http://clima1.cptec.inpe.br/spi/pt), incluindo apenas dados de precipitação em seu cálculo (Mishra e Singh, 2010MISHRA, A.K.; SINGH, V.P. A review of drought concepts. J. Hydrol., v. 391, n. 1-2, p. 202-216, 2010.). A principal vantagem do SPI reside na possibilidade do seu cálculo para várias escalas temporais (Mckee et al., 1993MCKEE, T.B.; DOESKEN, N.J.; KLEIST, J. The relationship of drought frequency and duration to time scales. Eighth Conference on Applied Climatology. Anaheim, California, p. 179-184, 1993.; Steinemann et al., 2005STEINEMANN, A.C.; HAYES, M.J.; CAVALCANTI, L.F.N. Drought Indicators and Triggers. In: Wilhite, D.A. (ed.) Drought and Water Crises Science, Technology, and Management Issues. Taylor & Francis Group, New York, 2005.; Mishra e Singh, 2010MISHRA, A.K.; SINGH, V.P. A review of drought concepts. J. Hydrol., v. 391, n. 1-2, p. 202-216, 2010.; Rajsekhar et al., 2015RAJSEKHAR, D.; SINGH, V.P.; MISHRA, A.K. Multivariate drought index: An information theory based approach for integrated drought assessment. J. Hydrol., v. 526, p. 164-182, 2015.), como 3, 6, 12, 24 e 48 meses, o que permite avaliar os impactos do déficit de precipitação em diferentes elementos do ciclo hidrológico. Ademais, por ser padronizado, permite a comparação entre locais diferentes.

O cálculo do SPI tem como base o ajuste de uma distribuição normal aos dados acumulados de precipitação registrada e, para cada valor observado, são indicados os quantis obtidos a partir da distribuição normal acumulada. A escala temporal (1, 3, 6, 12, 24 e 48 meses) refere-se ao período de acumulação da precipitação (maiores detalhes podem ser vistos em Mckee et al., 1993MCKEE, T.B.; DOESKEN, N.J.; KLEIST, J. The relationship of drought frequency and duration to time scales. Eighth Conference on Applied Climatology. Anaheim, California, p. 179-184, 1993.). A Tabela 1 mostra as classificações das secas conforme os valores do SPI, bem como o percentual do tempo em cada categoria indicada.

Tabela 1
Classes do SPI (adaptado de Mckee et al., 1993MCKEE, T.B.; DOESKEN, N.J.; KLEIST, J. The relationship of drought frequency and duration to time scales. Eighth Conference on Applied Climatology. Anaheim, California, p. 179-184, 1993., com modificações).

2.2. índices climáticos e secas no Nordeste

O principal modo de variabilidade da precipitação sazonal no Nordeste está possivelmente associado à Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), cuja posição e intensidade estão ligadas a um gradiente ou dipolo de temperatura ao longo do Atlântico Tropical (Huang et al., 2005HUANG, H.; ROBERTSON, A.W.; KUSHNIR, Y. Atlantic SST gradient and the influence of ENSO. Geophys. Res. Lett., v. 32, n. 20, p. 1-4, 2005.), usualmente definido como a diferença entre a TSM no Atlântico Norte tropical (TNA) e a TSM no Atlântico Sul tropical (TSA). Quando o gradiente é positivo (temperatura ao norte mais alta do que ao sul), a ZCIT é deslocada para o norte, reduzindo a precipitação sobre o Nordeste (Huang et al., 2005HUANG, H.; ROBERTSON, A.W.; KUSHNIR, Y. Atlantic SST gradient and the influence of ENSO. Geophys. Res. Lett., v. 32, n. 20, p. 1-4, 2005.). Hastenrath e Heller (1977HASTENRATH, S.; HELLER, L. Dynamics of climatic hazards in northeast Brazil. Quart. J. R. Met. Soc., v. 103, n. 435, p. 77-92, 1977.), Hastenrath et al. (1984HASTENRATH, S.; WU, M-C.; CHU, P-S. Towards the monitoring and prediction of north-east Brazil droughts. Quart. J. R. Met. Soc., v. 110, n. 464, p. 411-425, 1984.), Moura e Shukla (1981MOURA, A.D.; SHUKLA, J. On the dynamics of droughts in Northeast Brazil: Observations, theory and numerical experiments with a general circulation model. J. Atmos. Sci., v. 38, n. 12, p. 2653-2675, 1981.), Hastenrath (1990HASTENRATH, S. Prediction of Northeast Brazil rainfall anomalies. J. Clim., v. 3, n. 8, p. 893-904, 1990.) e Rao et al. (1993RAO, V.B.; LIMA, M.C.; FRANCHITO, S.H. Seasonal and interannual variations of rainfall over Eastern Northeast Brazil. J. Clim., v. 6, n. 9, p. 1754-1763, 1993.) relacionaram esse mecanismo climático à ocorrência de secas na região.

Eventos de El Niño (Curtis, 2008CURTIS, S. The El Niño-Southern oscillation and global precipitation. Geography Compass, v. 2, n. 3, p. 600-619, 2008.) alteram os padrões de pressão na superfície do mar, modificando a célula de Walker, que se desloca e passa a ter um ramo de subsidência sobre a Amazônia e parte do Nordeste, o que pode inibir a convecção atmosférica e causar (ou acentuar) secas. Rao et al. (1993RAO, V.B.; LIMA, M.C.; FRANCHITO, S.H. Seasonal and interannual variations of rainfall over Eastern Northeast Brazil. J. Clim., v. 6, n. 9, p. 1754-1763, 1993.) e Marengo et al. (2016MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - Past, present, and future. Theor Appl Climatol., v. 129, n 3-4, p. 1189-1200, 2016.) verificaram uma ocorrência simultânea de secas na região e eventos El Niño, que atuam como uma variável moduladora da ocorrência desses períodos secos. Costa et al. (2016COSTA, D.D.; PEREIRA, T.A.S.; FRAGOSO JR., C.R.; MADANI, K.; UVO, C.B. Understanding drought dynamics during dry season in Eastern Northeast Brazil. Front. Earth Sci., v. 4, p. 1-11, 2016.) relacionaram eventos El Niño com a ocorrência de secas no leste do Nordeste.

2.3. Fonte de dados

Dados mensais de precipitação para o período de 1980 a 2013 (totalizando 408 meses) são disponibilizados por Xavier et al. (2016XAVIER, A.C.; KING, C.W.; SCANLON, B.R. Daily gridded meteorological variables in Brazil (1980-2013). Int. J. Climatol., v. 36, n. 6, p. 2644-2659, 2016.) em uma grade com resolução espacial de 0,25° x 0,25° . Para cada ponto da grade, foi calculado o SPI de 3 meses a partir do ajuste de uma distribuição normal aos dados mensais de precipitação. Para os objetivos deste trabalho, a grade sobre a região Nordeste brasileira foi delimitada pelas coordenadas 1,375° S-18,125° S e 34,875° W-48,125° W.

Os índices climáticos (TNA, TSA e NINO3.4) foram obtidos para o mesmo período do SPI e são calculados a partir de dados de TSM interpolados, cuja metodologia é apresentada em Kaplan et al. (1998KAPLAN, A.; CANE, M.A.; KUSHNIR, Y.; CLEMENT, A.C.; BLUMENTHAL, M.B.; RAJAGOPALAN, B. Analyses of global sea surface temperature 1856-1991. J. Geophys. Res., v. 103, n. C9, p. 18567-18589, 1998.) e Reynolds et al. (2002REYNOLDS, R.W.; RAYNER, N.A.; SMITH, T.M.; STOKES, D.C.; WANG, W. An improved in situ and satellite SST analysis for climate. J. Clim., v. 15, n. 13, p. 1609-1625, 2002.). Os dados são disponibilizados pelo International Research Institute for Climate and Society (IRI) da Columbia University (http://iridl.ldeo.columbia.edu/SOURCES/.KAPLAN/.EXTENDED/). O índice TNA é definido como a média espacial da TSM na região 5,5° N e 23,5° N e 15° W e 57,5° W, enquanto o índice TSA é definido pela média espacial da TSM em 20° S e 0° e 30° W e 10° E. O dipolo é calculado como a diferença TNA-TSA. Os eventos El Niño são representados aqui pelo índice NINO3.4, definido como a média espacial da TSM na área entre 5° S e 5° N e 170° W e 120° W (Kaplan et al., 1998KAPLAN, A.; CANE, M.A.; KUSHNIR, Y.; CLEMENT, A.C.; BLUMENTHAL, M.B.; RAJAGOPALAN, B. Analyses of global sea surface temperature 1856-1991. J. Geophys. Res., v. 103, n. C9, p. 18567-18589, 1998.), já que essa região concentra uma extensa parte das águas do Pacífico leste equatorial (Guo et al., 2011GUO, J.; SUN, J.; CHANG, X.; GUO, S.; LIU, X. Correlation analysis of NINO3.4 SST and Inland Lake level variations monitored with satellite altimetry: Case studies of Lakes Hongze, Khanka, La-ang, Ulungur, Issyk-kul and Baikal. Terr. Atmos. Ocean. Sci., v. 22, n. 2, p. 203-213, 2011.).

2.4. Análise das componentes principais

Os padrões de variabilidade espacial e temporal dos índices de seca ao longo da região Nordeste foram avaliados a partir da ferramenta de Análise das Componentes Principais (PCA - Principal Component Analysis), que permite reduzir linearmente um conjunto contendo um grande número de dados em um novo conjunto constituído de um menor número de variáveis, as quais são uma combinação linear das originais e contêm a maior parte da variabilidade dos dados iniciais, eliminando redundâncias geradas por fortes correlações (Wilks, 2011WILKS, D.S. Statistical Methods in the Atmospheric Sciences. Academic Press, 3rd ed., International Geophysics Series, v. 100, p. 519-562, 2011.).

Assim, os dados originais, de dimensão n, são projetados em um subespaço que apresenta máxima variância e possui dimensão m, sendo m ≤ n. O subespaço pode ser obtido a partir dos autovetores da matriz de correlação (ou covariância) dos dados, que rotacionam os eixos originais, criando um novo sistema de coordenadas em que os eixos estão alinhados na direção da maior parte da variabilidade dos dados (Wilks, 2011WILKS, D.S. Statistical Methods in the Atmospheric Sciences. Academic Press, 3rd ed., International Geophysics Series, v. 100, p. 519-562, 2011.). Essa direção em que os dados estão mais representados corresponde ao autovetor associado ao maior autovalor, sendo que este indica a variância representada pelo respectivo eixo. A segunda direção, que representa a segunda maior fração da variabilidade dos dados originais, é ortogonal à primeira e correspondente ao autovetor referente ao segundo maior autovalor, e assim por diante. Cada componente principal é então uma média ponderada dos elementos originais, em que os pesos são os autovetores correspondentes (Wilks, 2011WILKS, D.S. Statistical Methods in the Atmospheric Sciences. Academic Press, 3rd ed., International Geophysics Series, v. 100, p. 519-562, 2011.). A j-ésima componente principal da série temporal de um índice de seca será então dada por:

(1) Y t , j = U j T y t T

em que Yy,j representa as componentes principais, yt = [yt,1 yt,2yt,J] são os dados originais, UjT é o j-ésimo autovetor (correspondente ao j-ésimo autovalor) da matriz de correlação das séries dos índices e J é o número total de pontos. As séries Yt,j, j = 1, … J, não são correlacionadas (a covariância entre cada par de eixos principais é zero), podendo assim ser modeladas independentemente. Os índices originais podem ser obtidos pela relação inversa:

(2) y t T = U j Y t , j .

Para avaliar a característica das secas ao longo da região, foram produzidos mapas contendo os padrões espaciais dos autovetores (ou pesos). Além disso, foram geradas as séries temporais de cada componente principal.

2.5. Análise de secas extremas e área de abrangência

A Tabela 1 mostra que valores do SPI abaixo de -1,5 indicam secas severas e extremas, correspondendo a 6,7% do tempo na categoria. Assim, a análise de extremos foi realizada determinando, nas componentes principais do SPI, os meses correspondentes aos valores 6,7% mais extremos. Para cada mês considerado como de ocorrência de seca severa/extrema, foi então realizada uma busca espacial para identificar quais pontos da grade tiveram os valores do SPI abaixo de -1,5. A partir dessa informação, foi possível determinar a localização e o percentual da área do Nordeste afetada em cada mês de seca severa/extrema, como apontado pelo SPI.

2.6. Análise de correlação cruzada

Essa análise consiste em estimar as correlações entre duas variáveis em diferentes tempos de adiantamento (ou atraso) de uma em relação à outra. Seja então V1 a variável resposta, que corresponde a uma dada componente principal do SPI, V2 o índice climático que a precede e t o tempo de adiantamento. A correlação cruzada Cor, em um tempo t, é dada então por:

(3) C o r ( V 1 ( t + τ ) , V 2 ( t ) ) , τ 0 .

Neste trabalho, essa análise foi utilizada para verificar a associação entre o índice de seca SPI e os índices climáticos descritos anteriormente, visando avaliar a influência da TSM nos oceanos Atlântico e Pacífico nas secas ocorridas no Nordeste e em qual atraso essa relação é máxima. Foram considerados valores de t entre 0 e 12 meses.

3. Resultados e Discussão

3.1. Análise das componentes principais e os padrões de variabilidade espaço-temporais

As três primeiras componentes do SPI (escala temporal de 3 meses) explicam 41,61%, 11,33% e 5,65% da variância dos dados SPI, respectivamente. Em geral, componentes que explicam menos do que 10% da variabilidade dos dados estão associadas com fortes ruídos, o que pode dificultar a interpretação. Assim, decidiu-se focar neste trabalho apenas nas duas primeiras componentes, que juntas representam 52,94% da variância do SPI.

A Fig. 1 mostra os padrões espaciais dos pesos (loadings) das componentes do SPI sobre o Nordeste brasileiro. Observa-se que os pesos associados com a primeira componente do SPI (Fig. 1a) apresentam apenas valores positivos, indicando um padrão homogêneo de seca em toda região, com uma maior magnitude ao longo de uma faixa central e, portanto, condições mais secas nessa área. Os pesos da segunda componente (Fig. 1b) mostram um comportamento do tipo dipolo, com valores positivos ao sul e negativos ao norte, sugerindo que condições secas ao sul (quando o SPI é negativo e os valores da segunda componente principal são também negativos) ocorrem com condições úmidas (ou próximas de neutras) ao norte e vice-versa.

Figura 1
Padrões espaciais dos pesos da primeira (a) e da segunda (b) componentes do SPI.

3.2. Análise de extremos e abrangência espacial das secas

Para a primeira componente do SPI, que representa um padrão homogêneo de seca no Nordeste (Fig. 1a), foram detectados os 6,7% valores mais baixos. Já para a segunda componente, em razão do comportamento do tipo dipolo (Fig. 1b), identificou-se os 6,7% menores (SPI - 2ª componente inferior) e os 6,7% maiores (SPI - 2ª componente superior) valores. A Fig. 2 mostra as séries temporais das duas primeiras componentes do SPI, onde as linhas horizontais representam os quantis de 6,7% considerados. é importante observar que a escolha desse quantil leva a classificação de secas como severas ou extremas (vide Tabela 1).

Figura 2
Séries temporais da primeira (a) e da segunda (b) componente do SPI, em que as linhas vermelhas representam os quantis de 6,7%.

A Fig. 3 mostra o percentual da área do Nordeste atingida nos extremos indicados por cada componente principal (27 eventos extremos cada). Uma tabela detalhada contendo os valores exatos dessas áreas e os meses correspondentes é apresentada na Tabela S1. A título ilustrativo, a Fig. 4 mostra o comportamento espacial do SPI nos meses correspondentes às secas que atingiram as maiores áreas ao longo do período considerado. A seca severa/extrema de maior abrangência espacial (56,43% da área) foi a de março de 1993, seguida pela seca de maio de 2012 (51,08%) e pela seca de abril de 1993 (49,90%). Para avaliar outro período de seca que ocupou uma área também expressiva (40,18%), escolheu-se a seca de junho de 1983, que foi o 6° evento de maior abrangência. Todos esses eventos foram sinalizados pela primeira componente do SPI. Observa-se, então, que os eventos de maior abrangência espacial foram os indicados pela primeira componente em função da mesma representar a maior parte da variabilidade dos dados.

Figura 3
Percentual da área do Nordeste atingida pelos eventos extremos de secas identificados pela a) 1° componente (principal component - PC); b) segunda componente, parte inferior; e c) segunda componente, parte superior.

O Nordeste sofreu uma seca plurianual entre os anos de 1979 (não analisado neste trabalho) e de 1983, que afetou grande número de pessoas no Semiárido e produziu vários impactos na agricultura e na pecuária (Marengo et al., 2016MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - Past, present, and future. Theor Appl Climatol., v. 129, n 3-4, p. 1189-1200, 2016.). As duas componentes do SPI detectaram secas extremas em alguns meses entre os anos de 1980 a 1983. Na primeira componente, as secas corresponderam a um total de 9 meses. A seca de junho de 1983 atingiu cerca de 40,18% da região nordestina (Fig. 4). O mês seguinte, julho/1983, ainda apresentou uma grande área (38,95%) de seca severa ou extrema. A segunda componente, parte inferior e que atinge mais severamente a região sul do Nordeste (Fig. 1b), sinalizou apenas 2 meses no ano de 1982, mas que corresponderam às maiores áreas (21,76% e 35,12%) atingidas de todos os eventos identificados pela componente. Já a segunda componente, parte superior, detectou 5 meses do ano de 1981 como extremos, sendo que julho de 1981 foi o que apresentou a maior área identificada pela componente (33,35%).

Figura 4
Abrangência espacial e intensidade do SPI para as secas de maiores proporções que atingiram o Nordeste: junho/1983 (40,18% da área), março/1993 (56,43% da área), abril/1993 (49,90% da área) e maio/2012 (51,08% da área).

Nos anos de 1986 e 1987 houve uma seca na região, mas com poucos impactos (Marengo et al., 2016MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - Past, present, and future. Theor Appl Climatol., v. 129, n 3-4, p. 1189-1200, 2016.). Ela foi detectada apenas pela segunda componente do SPI, representando uma área considerável (20,78%), apenas em dezembro de 1987, para a parte superior da componente (secas mais severas na região norte do Nordeste, vide Fig. 1b).

O período de 1990 a 1995 foi de uma seca longa, mais intensa em 1992-1993. Especificamente no ano de 1993, o fenômeno foi ligado ao El Niño (Marengo et al., 2016MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - Past, present, and future. Theor Appl Climatol., v. 129, n 3-4, p. 1189-1200, 2016.). A primeira componente sinalizou meses dos anos de 1990, 1992 e 1993 como extremos, sendo que março e abril de 1993 foram, respectivamente, os eventos com a maior e a terceira maior abrangência espacial dos 27 considerados, tendo sido detalhados nas Figs. 5 e 6. A segunda componente (parte superior) indicou alguns meses dessa seca, com áreas expressivas em 1992 e 1993 no norte do Nordeste.

Figura 5
Correlação cruzada entre o Dipolo e a) a primeira e b) a segunda componente do SPI, em que as linhas pretas tracejadas mostram as faixas a partir das quais as correlações são estatisticamente significantes ao nível de significância de 5%.
Figura 6
Assim como na Fig. 5, mas para o indicador NINO3.4.

A seca de 2010 foi meteorológica e apresentou poucos impactos para a população, tendo sido localizada principalmente no Ceará. Ela foi detectada apenas pela segunda componente e não representou uma grande área. Já a seca de 1998 espalhou-se por vários estados e afetou a agricultura e a economia (Marengo et al., 2016MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - Past, present, and future. Theor Appl Climatol., v. 129, n 3-4, p. 1189-1200, 2016.). A primeira componente do SPI detectou 3 meses, de abril a junho de 1998, como de seca severa ou extrema, período correspondente a uma área afetada de mais de 32% nos dois primeiros meses. A segunda componente sinalizou o mês de janeiro de 1998, com uma área afetada pequena, de 3,14% localizada na parte sul do Nordeste.

A seca que começou em 2012-2013 e persistiu até 2017/2018 foi indicada em 8 eventos de um total de 27 eventos de seca que aparecem no SPI, sendo 5 meses em 2012 e 3 meses em 2013. O mês de maio de 2012 apresentou a segunda maior porcentagem de área do Nordeste atingida por uma seca severa/extrema (Fig. 4). A segunda componente, parte superior (secas no norte do Nordeste), também sinalizou 2 meses da seca: novembro de 2012 e janeiro de 2013.

Das secas reportadas pela literatura (Marengo et al., 2016MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - Past, present, and future. Theor Appl Climatol., v. 129, n 3-4, p. 1189-1200, 2016.; Martins et al., 2015MARTINS, E.S.P.R.; DE NYS, E.; MOLEJóN, C.; BIAZETO, B.; SILVA, R. F. V.; ENGLE, N. Monitor de Secas do Nordeste, em Busca de um Novo Paradigma para a Gestão de Secas, 1ª edição, Banco Mundial, Brasília, 2015.) como as principais ao longo do período de análise (1980 a 2013), apenas a seca de 2001-2002 não foi identificada pelo SPI. Por outro lado, a segunda componente do índice SPI identificou meses de seca severa/extrema nos anos de 1994-1996, 1999, 2008 e 2009 e que não são reportadas na literatura.

3.3. Eventos extremos de maior abrangência espacial

A seca de junho de 1983 (Fig. 4) atingiu especialmente o estado do Piauí, com valores extremos de SPI (cerca de -4), além de partes dos estados do Maranhão e do Ceará. Os demais estados do Nordeste foram menos afetados. A seca de março de 1993 (Fig. 4) apresentou valores de SPI em torno de -2, indicando uma seca de menor magnitude do que a seca de junho de 1983, mas com uma maior abrangência espacial, afetando os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Ceará e Bahia. A seca de abril de 1993 (Fig. 4) apresentou comportamento semelhante à da seca de março/1993, porém com uma menor área atingida. A seca de maio de 2012 (Fig. 4) apresenta-se bem distribuída em todos os estados da região, ocupando parte considerável dos estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Os valores do SPI apresentaram magnitude semelhante aos valores encontrados para as secas de 1993. Nota-se que o Ceará foi um dos estados atingidos pela seca em maio de 2012, fato que também foi citado em Martins et al. (2015MARTINS, E.S.P.R.; DE NYS, E.; MOLEJóN, C.; BIAZETO, B.; SILVA, R. F. V.; ENGLE, N. Monitor de Secas do Nordeste, em Busca de um Novo Paradigma para a Gestão de Secas, 1ª edição, Banco Mundial, Brasília, 2015.).

3.4. Correlação com indicadores climáticos

As Figs. 5 e 6 mostram as correlações cruzadas entre os índices Dipolo e NINO3.4, respectivamente, e as duas primeiras componentes do SPI. O atraso t refere-se à defasagem (em meses) do SPI com relação ao índice climático. As linhas pretas pontilhadas mostram as faixas a partir das quais as correlações são consideradas estatisticamente significantes ao nível de significância a = 5%. Observa-se que a maior parte dos valores de correlação encontra-se na faixa de significância estatística.

A Fig. 5a apresenta todos os valores de correlação negativos, sugerindo que valores positivos do dipolo (Atlântico Norte Tropical mais quente do que o Atlântico Sul Tropical) estão associados com valores negativos da primeira componente do SPI, ou seja, relacionam-se a padrões de seca. Esse padrão de TSM provoca o deslocamento da ZCIT para o norte, reduzindo a precipitação sobre o Nordeste, como indicado na literatura (Moura e Shukla, 1981MOURA, A.D.; SHUKLA, J. On the dynamics of droughts in Northeast Brazil: Observations, theory and numerical experiments with a general circulation model. J. Atmos. Sci., v. 38, n. 12, p. 2653-2675, 1981.). O pico de correlação acontece no atraso t = 4 meses, sugerindo tal período para a organização entre o aquecimento da TSM, o efeito na posição da ZCIT e os impactos na seca como representada pelo SPI. Já na segunda componente (Fig. 5b), o efeito é mais rápido, com o pico ocorrendo com um mês de atraso, sugerindo um impacto espacial de rápido efeito, que se inicia na região norte do Nordeste e que se propaga em direção a porção sul da região à medida que o tempo avança.

O efeito do índice NINO3.4 (Fig. 6) assemelha-se ao observado para o dipolo (Fig. 5) e descrito na literatura (ex. Costa et al., 2016COSTA, D.D.; PEREIRA, T.A.S.; FRAGOSO JR., C.R.; MADANI, K.; UVO, C.B. Understanding drought dynamics during dry season in Eastern Northeast Brazil. Front. Earth Sci., v. 4, p. 1-11, 2016.), onde valores positivos do índice (eventos de El Niño) estão associados à ocorrência de secas no Nordeste do Brasil, com início na parte norte da região. O pico da teleconecção climática tende a ocorrer entre 4 e 6 meses após o evento El Niño.

4. Considerações Finais

Utilizou-se aqui o índice SPI para avaliar a dinâmica espaço-temporal de secas no Nordeste e a influência de forçantes climáticas de larga escala relacionadas à TSM nos oceanos Pacífico e Atlântico. A partir da análise dos pesos das componentes principais, observou-se que o índice SPI representa as secas no Nordeste brasileiro seguindo um modelo de condições secas homogêneas em toda a região, que explica em torno de 41,61% da variabilidade dos dados. Um padrão do tipo dipolo norte-sul, aparece na segunda componente e responde por 11,33% da variância dos dados.

Em relação à análise de extremos, o SPI mostrou-se eficaz em identificar secas extremas, visto que a maior parte dos resultados coincidiu com os registros na literatura. Os eventos de secas com maior abrangência espacial ocorreram em março/1993, maio/2012, abril/1993 e junho/2012. Nesses eventos, assim como na seca de junho/1983, todos os estados do Nordeste foram atingidos, mesmo que em pequenas proporções.

As correlações cruzadas com os índices climáticos dipolo do Atlântico e NINO3.4 mostraram que a influência desses dois índices na formação das secas no Nordeste, especialmente com 3-4 meses de atraso da primeira componente principal do SPI.

Dessa forma, este trabalho é o primeiro a caracterizar objetivamente as secas que ocorreram no Nordeste no período 1980-2013, indicando a magnitude e abrangência espacial de cada evento, o que pode ser então utilizado para associar os diferentes impactos com o tipo e magnitude de cada seca identificada, incluindo o reconhecimento de regiões e locais mais resilientes ao fenômeno. A constatação de dois modos principais de variabilidades das secas e a correlação temporal com índices climáticos de larga escala leva também a um melhor entendimento da dinâmica dos eventos e abre caminho para o desenvolvimento de novos modelos empíricos de previsão sazonal de secas para a região.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2018
  • Aceito
    14 Out 2019
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