Resumo
O cálculo da constante de gás para o ar seco depende das concentrações dos principais constituintes atmosféricos. A variação da concentração de N2, O2 e CO2 nos últimos 23 milhões de anos produz um efeito muito pequeno, porém calculável, no valor da constante. Para a época moderna, faz-se uma comparação de algumas estimativas da constante existentes na literatura, e propõe-se uma modificação heurística nas concentrações dos principais componentes de maneira a levar em conta o aumento do CO2 durante as últimas décadas; um intervalo de confiança para o valor atual da constante também é estimado. Para escalas temporais mais longas, dois períodos são analisados: a era Cristã (Período I) e os últimos 23 Ma (Período II). Observou-se que o aumento na concentração de CO2 que se iniciou com a Revolução Industrial tem um impacto discernível sobre a constante no Período I, enquanto que as mudanças na constante durante o Período II são causadas pelo aumento do O2 no período.
Palavras-chave:
constante de gás; ar seco; composição química da atmosfera
Abstract
The calculation of the dry-air constant depends on the concentrations of the main atmospheric constituents. The variation in N2, O2 and CO2 concentration over the last 23 million years has a small, but calculable, effect on the value of the constant. For modern times, a comparison is made between some estimates in the literature, and a heuristic adjustment of the concentrations of the main components is proposed, in order to account for the CO2 increase during the last decades; a confidence interval for the value of the constant is also estimated. Over longer time scales two periods are analyzed: the Christian era (Period I), and the last 23 Ma (Period II). It is found that the increase in CO2 that started with the Industrial Revolution has an impact on the constant over Period I, but that changes in the constant during Period II are caused by increasing O2 levels.
Keywords:
gas constant; dry air; chemical composition of the atmosphere
1. Introdução
Para o efeito de cálculo de diversas propriedades da atmosfera, frequentemente é útil considerar que a mesma é uma mistura de dois gases ideais: “ar seco” e “vapor d’água”. Além disso, uma vez que a concentração de vapor d’água na atmosfera é fortemente variável, frequentemente os principais componentes do ar seco são listados separadamente, sem a inclusão do vapor d’água.
A constante de gás do “ar seco”, isto é, da mistura de gases na atmosfera excluindo-se o vapor d’água, depende da composição química da atmosfera. Essa composição vem mudando ao longo da história do planeta. Neste trabalho, nós avaliamos o pequeno efeito sobre a constante de ar seco dessas mudanças para diversas escalas temporais. A avaliação é feita de forma separada para o período 1973–2020, para a era Cristã, e para os últimos 23 milhões de anos.
Este é um trabalho de revisão: diversos aspectos sobre o cálculo da constante de ar seco, a partir de sua dedução, são explorados, utilizando as informações relativamente escassas na literatura necessárias para tal cálculo. Os objetivos desta nota são os seguintes. Em primeiro lugar, proporcionar uma dedução completa e acessível da constante de ar seco (e da massa molecular equivalente do ar seco, ). A dedução é simples e pode ser encontrada em diversas fontes na literatura (por exemplo, em Iribarne e Godson (1981)IRIBARNE, J.V.; GODSON, W.L. Atmospheric Thermodynamics. 2. ed. Dordrecht: D. Reidel, 1981.), mas sua disponibilidade em acesso livre pode ser útil a um grande número de alunos de graduação e pós-graduação e de profissionais interessados no tema.
Em segundo lugar, comparar diversos “cenários” existentes na literatura, e um novo aqui proposto, para a atmosfera seca moderna em termos das concentrações de seus principais componentes. O novo valor proposto é um ajuste baseado nos dados disponíveis na atualidade, mas ainda carrega as incertezas devidas ao fato de que medições simultâneas dos principais constituintes atmosféricos não estão, ao que tudo indica, disponíveis. Os valores de e constantemente citados datam de modelos para a atmosfera propostos ainda nos anos 1970. Desde então, a concentração de gases de efeito estufa aumentou bastante. Como veremos, isso produz uma pequena modificação no valor de . No entanto, é importante ressaltar que o impacto dessa modificação nos cálculos de diversas variáveis na atmosfera é muito pequeno, devido às concentrações igualmente pequenas de gases de efeito estufa em relação às concentrações de Nitrogênio e Oxigênio. A incerteza no valor de também é estimada. Em terceiro lugar, avaliar as mudanças produzidas sobre pela variabilidade (natural e de origem antropogênica) da composição atmosférica em períodos mais longos. Cenários plausíveis para as concentrações dos 4 principais componentes (Nitrogênio, Oxigênio, Argônio e Dióxido de Carbono) são construídos a partir de reconstituições das séries de O2 e de CO2 ao longo de milhares e de milhões de anos, e os efeitos correspondentes sobre são calculados.
As mudanças na composição da atmosfera proporcionam uma oportunidade de acompanhar a evolução dos valores de e de atualizar a sua estimativa, bem como de desvendar os detalhes, não muito difíceis, de seu cálculo.
2. Teoria
A equação de estado de um gás ideal é
onde é a pressão, V é o volume ocupado pelo gás, é o número de moles, (no SI) é a constante universal dos gases, e T é a temperatura termodinâmica. Ela também pode ser escrita na forma
onde M é a massa molar e m é a massa do gás, valendo
A constante de gás é
e finalmente
é sua massa específica.
As equações (1) –(5) também podem ser aplicadas a uma mistura de gases ideais, com algumas modificações simples. Seja i cada gás na mistura; então, o número total de moles na mistura é
onde é o número de moles do gás i. Para cada gás, nós admitimos que também vale a lei dos gases ideais. No modelo de pressões parciais, cada gás exerce uma pressão parcial , e todos compartilham o volume V:
A pressão total da mistura é simplesmente
Agora, a soma sobre (7) recupera a lei dos gases para a mistura:
A fração de pressão parcial e a fração molar são ambas dadas por
e são muito frequentemente utilizadas para reportar a concentração dos constituintes atmosféricos em %, partes por milhão (ppm), partes por bilhão (ppb), etc..
A equação de estado do gás i também pode ser escrita
em analogia com (2). A massa molar do gás i é ; sua massa é , valendo
A constante de gás de i é
e sua massa específica é
Verifiquemos que (2) também vale para uma mistura de gases ideais. A massa total da mistura é
As massas específicas também se somam:
Com esses elementos, definimos a fração mássica, ou concentração mássica, do gás i:
Somamos agora (10) sobre todos os componentes, obtendo
Note que (17)define a constante de gás R da mistura. Prosseguindo,
Isso mostra como calcular R a partir das constantes de gás individuais.
De forma independente, define-se a massa molar média da mistura como
Note como (19) recupera (3), agora explicitamente, para a mistura. Finalmente, podemos prosseguir com o cálculo de R da mistura a partir de (18):
onde na última linha acima utilizamos (19); (20) é o mesmo que (4), agora obtida explicitamente para a mistura.
O conjunto relativamente longo de equações acima contém toda a informação necessária para o cálculo da constante de gás de uma mistura. Nas próximas seções, nós o utilizaremos para o cálculo da constante de gás do ar seco, , para diversos cenários de composição da atmosfera.
3. A Constante : Uma Revisão de Valores Modernos (1973–2020)
Uma fonte frequentemente utilizada para o cálculo de é a atmosfera padrão definida em COESA (1976)COESA. U.S. Standard Atmosphere, 1976. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1976.; a 1ª edição de Iribarne e Godson (1981)IRIBARNE, J.V.; GODSON, W.L. Atmospheric Thermodynamics. 2. ed. Dordrecht: D. Reidel, 1981. é um pouco anterior (1973); uma referência relativamente recente que reporta uma tabela de componentes da atmosfera seca é Wallace e Hobbs (2006)WALLACE, J.M.; HOBBS, P.V. Atmospheric Science: An Introductory Survey. 2. ed. Amsterdam: Elsevier, 2006.. Referências não acadêmicas incluem as páginas de Internet Wikipedia (2020a)WIKIPEDIA. Atmosphere of Earth. https://en.wikipedia.org/wiki/Atmosphere_of_Earth, 2020a.
https://en.wikipedia.org/wiki/Atmosphere...
e Co2.earth (2020)CO2.EARTH. The World's CO2 Home Page. https://www.co2.earth/, 2020.
https://www.co2.earth/...
; a última reporta um valor muito recente de 414.11 ppm para a concentração de CO2 em 05/03/2020.
Para um cálculo razoavelmente acurado de , provavelmente é suficiente considerar os principais gases que compõem a atmosfera, em ordem decrescente de fração molar x: Nitrogênio (N2), Oxigênio (O2), Argônio (Ar), Dióxido de Carbono (CO2), Neônio (Ne), Hélio (He), Metano (CH4), Criptônio (Kr), Hidrogênio (H2) e óxido nitroso (N2O). Além desses, COESA (1976)COESA. U.S. Standard Atmosphere, 1976. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1976. lista o Xenônio (Xe).
A Tabela 1 reproduz os componentes utilizados por Iribarne e GodsonIRIBARNE, J.V.; GODSON, W.L. Atmospheric Thermodynamics. 2. ed. Dordrecht: D. Reidel, 1981. (1981 Tabela I-4) (IRI), COESA (1976COESA. U.S. Standard Atmosphere, 1976. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1976., Tabela 3) (COE), Wallace e Hobbs (2006WALLACE, J.M.; HOBBS, P.V. Atmospheric Science: An Introductory Survey. 2. ed. Amsterdam: Elsevier, 2006., Tabela 5.1) (WAL), Wikipedia (2020a)WIKIPEDIA. Atmosphere of Earth. https://en.wikipedia.org/wiki/Atmosphere_of_Earth, 2020a.
https://en.wikipedia.org/wiki/Atmosphere...
(WIK) e finalmente um conjunto de valores propostos no presente trabalho (PRE). Para garantir uniformidade e consistência, todos os valores das massas molares foram obtidos em NIST (2020)NIST. NIST Chemistry Web Book, SRD69.https://webbook.nist.gov/chemistry/mw-ser/, 2020.
https://webbook.nist.gov/chemistry/mw-se...
. Alguns pontos importantes podem ser notados na Tabela 1. Em primeiro lugar, naturalmente, a concentração de CO2 aumenta à medida que a referência se torna mais recente. Em segundo lugar, para diversos constituintes os valores não mudam (por exemplo, para o Argônio em COE, WAL e WIK): é mais ou menos evidente que eles têm sido reproduzidos pelas sucessivas fontes sem que novas medições tenham sido feitas, ou levantadas na literatura. Em terceiro lugar, a casa decimal do último algarismo signifcativo varia muito de constituinte para constituinte. Isso significa que o erro absoluto de medição varia muito entre os constituintes. Na próxima seção, nós avaliaremos o erro do cálculo de e . Para COE, WAL e WIK, o último algarismo significativo está sublinhado. Para IRI e PRE, não faz sentido identificar o último algarismo significativo, porque as últimas casas decimas das concentrações foram propositadamente manipuladas para que a soma das frações molares desse exatamente 1. Em quarto e último lugar, a soma das frações molares aumenta entre COE e WIK de um valor ligeiramente inferior a 1 até um valor ligeiramente superior a 1. Evidentemente, isso é causado pelo aumento da concentração de CO2 devido às emissões antropogênicas de carbono, sem que as demais concentrações reportadas tenham sido correspondentemente ajustadas.
Composição de uma atmosfera seca para efeito do cálculo de , segundo diversas fontes: IRI (Iribarne e Godson, 1981IRIBARNE, J.V.; GODSON, W.L. Atmospheric Thermodynamics. 2. ed. Dordrecht: D. Reidel, 1981.), COE (COESA, 1976COESA. U.S. Standard Atmosphere, 1976. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1976.), WAL (Wallace e Hobbs, 2006WALLACE, J.M.; HOBBS, P.V. Atmospheric Science: An Introductory Survey. 2. ed. Amsterdam: Elsevier, 2006.), WIK (Wikipedia, 2020aWIKIPEDIA. Atmosphere of Earth. https://en.wikipedia.org/wiki/Atmosphere_of_Earth, 2020a.
https://en.wikipedia.org/wiki/Atmosphere... ) e PRE (presente trabalho).
Conforme já mencionado, na coluna PRE nós procuramos compensar heuristicamente o aumento da concentração de CO2 reduzindo as dos outros gases mais ou menos proporcionalmente. Não existe uma solução única, e o ajuste foi feito com o objetivo de introduzir o menor número possível de casas decimais “adicionais”, principalmente no N2 e no O2. Como sempre, os valores da coluna PRE devem ser considerados aproximações razoáveis que satisfazem o critério de que as concentrações somem exatamente 1. Agora podemos prosseguir para: (a) reportar os valores de citados nas diversas referências e (b) recalcular a partir da Tabela 1 o valor de para as condições de uma atmosfera padrão: e (COESA, 1976COESA. U.S. Standard Atmosphere, 1976. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1976.). Os símbolos M e R válidos para uma mistura genérica na seção 2 agora serão trocados por e , para enfatizar o seu cálculo em uma atmosfera seca. A massa molar e a constante de gás da mistura são obtidas da seguinte forma: utiliza-se (9) para o cálculo da pressão parcial ; (12) para o cálculo da constante do gás i; (10) para o cálculo da massa específica ; (19) para o cálculo de e (18) para o cálculo de .
A Tabela 2 lista tanto os valores reportados (quando o são) nas referências originais quanto os calculados neste trabalho a partir da Tabela 1. Estritamente falando, o cálculo deveria ser feito para , mas as diferenças em relação a 1 das somas em COE, WAL e WIK são pequenas e foram desprezadas. Para IRI, COE e WAL, os valores reportados são ligeiramente diferentes dos calculados. Iribarne e Godson (1981)IRIBARNE, J.V.; GODSON, W.L. Atmospheric Thermodynamics. 2. ed. Dordrecht: D. Reidel, 1981. não citam explicitamente os valores de e utilizados para o cálculo de e , e isso pode ajudar a explicar a discrepância; no caso de COE, os valores da atmosfera padrão (na superfície) citados no parágrafo anterior são exatamente os mesmos que foram utilizados por nós, mas o próprio valor adotado para varia ligeiramente: em Iribarne e Godson (1981)IRIBARNE, J.V.; GODSON, W.L. Atmospheric Thermodynamics. 2. ed. Dordrecht: D. Reidel, 1981.
, em COESA (1976)COESA. U.S. Standard Atmosphere, 1976. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1976., , enquanto que estamos utilizando , que é o valor mais recente (2019) no SI (Wikipedia, 2020bWIKIPEDIA. Gas Constant. https://en.wikipedia.org/wiki/Gas_constant, 2020b.
https://en.wikipedia.org/wiki/Gas_consta...
). Wallace e Hobbs (2006)WALLACE, J.M.; HOBBS, P.V. Atmospheric Science: An Introductory Survey. 2. ed. Amsterdam: Elsevier, 2006. citam os valores de e no Capítulo 3, mas os valores de concentração vêm da sua Tabela 5.1: evidentemente, nesse caso não houve pelos autores uma tentativa de calcular e diretamente da Tabela 5.1. Em todos os casos, arredondamentos e truncamentos propositais ou não, seja durante os cálculos ou para reportar os resultados finais, também podem ter contribuído para as discrepâncias.
Valores de e reportados nas referências e recalculados a partir da Tabela 1 para cada fonte pesquisada.
Um resultado interessante (e previsível) que se depreende da última coluna da Tabela 2 é que o valor da constante de ar seco está diminuindo, desde 1976, devido ao aumento da concentração de CO2.
4. O Erro nas Estimativas de e
Nós desconhecemos tentativas de reportar e com intervalos de erro. Isso é possível com relativa facilidade. Para tanto,
-
Considere que o último algarismo significativo tem uma incerteza de . Costa (2003COSTA, A. Erros e algarismos significativos. Gazeta de Física, Sociedade Portuguesa de Física, v. 26, n. 4, p. 4-10, 2003.) sugere , mas dobraremos esse valor para sermos conservadores.
-
Considere que a incerteza é igual a dois desvios-padrão; desta forma, cerca de 95% das medições caem dentro do intervalo de erro.
Agora, se o último algarismo significativo de uma fração molar reportada na Tabela 1 está na k-ésima casa decimal, o erro de é
Em (21), é o desvio-padrão da medição de . Por simplicidade, suponha agora que não há erro nos valores das massas molares ; então, a partir de (19), a variância de é
Por sua vez, o desvio-padrão de a partir do desvio-padrão de é
A Tabela 3 mostra os valores de k utilizados para o cálculo dos erros de e , retirados da coluna WIK da Tabela 1. Os erros de e calculados a partir de (22) e (23) (iguais a duas vezes os respectivos desvios-padrão) são e . Portanto, devemos reportar os resultados da última linha da Tabela 2 da seguinte forma: ; e . Se a coluna PRE da Tabela fosse correta (tendo-se em mente que ela é apenas um ajuste heurístico para o aumento da concentração de CO2), o intervalo de confiança para o valor atual de seria 287,037–287,049.
5. sobre escalas mais longas: de centenas a milhões de anos.
Em 1973, o ano da 1ª edição de Iribarne e Godson (1981)IRIBARNE, J.V.; GODSON, W.L. Atmospheric Thermodynamics. 2. ed. Dordrecht: D. Reidel, 1981., a concentração de CO2 na atmosfera terrestre já havia subido consideravelmente em relação aos valores pré-industriais. é interessante portanto investigar escalas de tempo maiores do que as poucas décadas entre 1973 e 2020, e a variação de ao longo dessas escalas.
Nesta seção, nós analisaremos em um certo detalhe dois períodos. O primeiro período (a partir de agora, Período I) compreende a maior parte da era cristã, entre os anos e 2014. Os dados de concentração de CO2 do período foram estudados por Meinshausen et al. (2017)MEINSHAUSEN, M.; VOGEL, E.; NAUELS, A.; LORBACHER, K.; MEINSHAUSEN, N.; et al. Historical greenhouse gas concentrations for climate modelling (CMIP6). geosmd, v. 10, n. 5, p. 2057-2116, 2017., e a série correspondente que analisaremos está disponível em https://www.co2.earth/historical-co2-datasets. Note que não existe um “ano 0” no calendário, que passa de 1 AC para 1 DC; portanto, o ano “0” desses dados corresponde ao ano 1 AC. Os dados são mostrados na Figura 1.
Dados de concentração de CO2 durante a era cristã (linha preta contínua), estimados por Meinshausen et al. (2017)MEINSHAUSEN, M.; VOGEL, E.; NAUELS, A.; LORBACHER, K.; MEINSHAUSEN, N.; et al. Historical greenhouse gas concentrations for climate modelling (CMIP6). geosmd, v. 10, n. 5, p. 2057-2116, 2017. e concentrações de O2 (constante; linha cinza contínua) e N2 (levemente variável; linha cinza tracejada) estimadas neste trabalho.
O segundo período (a partir de agora, Período II) vai de 22,912 Ma (milhões de anos) atrás até o presente. Os dados de concentração de CO2 correspondentes foram estimados por Cui et al. (2020)CUI, Y.; SCHUBERT, B. A.; JAHREN, A. H. A 23 My record of low atmospheric CO2. Geology, v. 48, p. 888-892, 2020., e a série correspondente que analisaremos está disponível em sua Tabela S2 (material suplementar). Esses dados são mostrados na Figura 2.
Dados de concentração de CO2 nos últimos 23 Ma (linha preta contínua) estimados por Cui et al. (2020)CUI, Y.; SCHUBERT, B. A.; JAHREN, A. H. A 23 My record of low atmospheric CO2. Geology, v. 48, p. 888-892, 2020. e concentrações de O2 (levemente variável; linha cinza contínua) e N2 (levemente variável; linha cinza tracejada) para o mesmo período estimadas neste trabalho, por interpolação dos dados de Berner (2006)BERNER, R. A. GEOCARBSULF: a combined model for Phanerozoic atmospheric O2 and CO2. Geocos, v. 70, n. 23, p. 5653-5664, 2006..
Como já vimos, estritamente falando, dados de todos os elementos químicos constantes da Tabela 1 seriam necessários para o cálculo ao longo do tempo de . No entanto, até mesmo dados de O2 com a mesma resolução temporal dos dados de CO2 são difíceis de encontrar na literatura (em nossa pesquisa bibliográfica, não encontramos nenhum). Na verdade, a maior parte do interesse sobre o O2 atmosférico parece se voltar para escalas de tempo ainda maiores, de centenas de milhões a bilhões de anos. Estimativas de concentração de O2 atmosférico até cerca de 600 Ma atrás podem ser encontradas em Berner (2006BERNER, R. A. GEOCARBSULF: a combined model for Phanerozoic atmospheric O2 and CO2. Geocos, v. 70, n. 23, p. 5653-5664, 2006., Figura 20). Os controles sobre as concentrações de O2 e CO2 na escala de dezenas e centenas de milhões de ano são discutidos na introdução de Berner (2006)BERNER, R. A. GEOCARBSULF: a combined model for Phanerozoic atmospheric O2 and CO2. Geocos, v. 70, n. 23, p. 5653-5664, 2006. e referências ali citadas, e envolvem as reações químicas
Os dados da Figura 20 de Berner (2006)BERNER, R. A. GEOCARBSULF: a combined model for Phanerozoic atmospheric O2 and CO2. Geocos, v. 70, n. 23, p. 5653-5664, 2006. foram redigitalizados e são mostrados na Figura 3; a região em cinza corresponde ao período dos dados de Cui et al. (2020)CUI, Y.; SCHUBERT, B. A.; JAHREN, A. H. A 23 My record of low atmospheric CO2. Geology, v. 48, p. 888-892, 2020.. Diante da relativa pobreza de informações detalhadas sobre a composição química da atmosfera em escalas de tempo mais longas, nós adotamos um procedimento simplificado para a estimativa de nessas escalas, e que descrevemos a seguir.
Dados de concentração de O2 nos últimos 600 Ma estimados por Berner (2006)BERNER, R. A. GEOCARBSULF: a combined model for Phanerozoic atmospheric O2 and CO2. Geocos, v. 70, n. 23, p. 5653-5664, 2006.. A região em cinza corresponde ao período dos dados de Cui et al. (2020)CUI, Y.; SCHUBERT, B. A.; JAHREN, A. H. A 23 My record of low atmospheric CO2. Geology, v. 48, p. 888-892, 2020..
Para ambos os períodos I e II, considere que existem dados de fração molar de CO2 e de O2 na mesma resolução temporal, denominados respectivamente e . Da mesma forma que Iribarne e Godson (1981)IRIBARNE, J.V.; GODSON, W.L. Atmospheric Thermodynamics. 2. ed. Dordrecht: D. Reidel, 1981., suporemos que a composição química da atmosfera é formada apenas pelos 4 primeiros elementos da Tabela 1: N2, O2, Ar e CO2. Resta portanto determinar as concentrações de N2 e de Ar a cada intervalo de tempo. Isso é feito resolvendo o sistema
onde
é a relação entre as concentrações de Ar e de N2 obtida da Tabela 1, suposta constante.
O Período I está tão próximo do presente na escala da Figura 3, que nós fixamos (o mesmo valor da 1ª coluna da Tabela 1). Para o Período II, os valores de foram interpolados a partir dos dados, em resolução muito menor, da Figura 3. As concentrações de N2 e de O2 obtidas dessa forma, correspondentes aos períodos I e II, estão plotadas nas Figuras 1 e 2, respectivamente.
Os valores de ao longo do tempo podem agora ser calculados a partir dos valores de , , e por meio de (19) e (20). O resultado para o Período I está mostrado na Figura 4, e para o Período II na Figura 5. Com uma concentração constante (especificada) de O2 durante o período I, a queda no valor de vista na Figura 4 é obviamente relacionada com o aumento visível da concentração de CO2 a partir de 1800 mostrada na Figura 1. Por outro lado, a queda mais ou menos contínua de durante o Período II pode ser explicada pelo aumento da concentração de O2 durante o mesmo. De fato, de (20) é inversamente proporcional a ; por sua vez, em primeira aproximação
onde e são as massas molares do O2 e do N2 respectivamente, com (vide Tabela 1). Portanto, o aumento da concentração de O2 durante o Período II leva a um aumento de e consequentemente a uma redução de .
6. Conclusões
O aumento da concentração de CO2 desde 1976 contribuiu para uma diminuição no valor da constante de ar seco, de 287,06 ou 287,05 em 1976 para o entorno de 287,04. A diferença, obviamente, é muito pequena para produzir efeitos importantes nos cálculos práticos envolvendo . As incertezas existentes nas medições das concentrações dos principais constituintes da atmosfera, Nitrogênio, Oxigênio, Argônio e Dióxido de Carbono, são suficientemente pequenas para que se tenha confiança no valor de até a segunda casa decimal (no SI), desde que as frações molares desses gases sejam conhecidas com acurácia. Nós desconhecemos, entretanto, revisões recentes dos valores dessas frações molares, exceto para o próprio CO2. De fato, nas tabelas existentes, não há informação suficiente sobre as medições originais, suas técnicas analíticas, sua acurácia, etc.. Neste sentido, seria desejável a realização de medições das frações molares dos principais constituintes atmosféricos apresentados na Tabela 1, amostrando-se no mesmo local e instante todos os componentes. Medições desse tipo em diversas condições e em diferentes pontos do planeta contribuiriam para estimativas atualizadas e acuradas da constante de gás de ar seco.
Também é possível detectar variações nos valores da “constante” sobre escalas de tempo consideravelmente maiores. Aqui, as reconstituições disponíveis para o período 0–2014 e (com pior resolução temporal para a concentração de O2 para o período desde 22,912 Ma atrás até o presente), mostram que variou de forma muito pequena mas detectável. Durante o Período I, diminui devido ao aumento de CO2 na atmosfera em consequência da Revolução Industrial. Durante o Período II, também diminui, mas desta vez devido ao aumento de O2 no período.
Agradecimentos
Esta pesquisa foi realizada com o apoio de bolsa de pesquisa do CNPq, Processo 301420/2017-3.
Referências
- BERNER, R. A. GEOCARBSULF: a combined model for Phanerozoic atmospheric O2 and CO2. Geocos, v. 70, n. 23, p. 5653-5664, 2006.
- CO2.EARTH. The World's CO2 Home Page https://www.co2.earth/, 2020.
» https://www.co2.earth/ - COESA. U.S. Standard Atmosphere, 1976. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1976.
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- CUI, Y.; SCHUBERT, B. A.; JAHREN, A. H. A 23 My record of low atmospheric CO2. Geology, v. 48, p. 888-892, 2020.
- IRIBARNE, J.V.; GODSON, W.L. Atmospheric Thermodynamics 2. ed. Dordrecht: D. Reidel, 1981.
- MEINSHAUSEN, M.; VOGEL, E.; NAUELS, A.; LORBACHER, K.; MEINSHAUSEN, N.; et al. Historical greenhouse gas concentrations for climate modelling (CMIP6). geosmd, v. 10, n. 5, p. 2057-2116, 2017.
- NIST. NIST Chemistry Web Book, SRD69.https://webbook.nist.gov/chemistry/mw-ser/, 2020.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Mar 2021 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2021
Histórico
-
Recebido
22 Jun 2020 -
Aceito
18 Set 2020