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Temperatura Basal Inferior e Soma Térmica da Rúcula em Sistemas de Produção Convencional e Hidropônico

Lower Basal Temperature and Thermal Sum of the Arugula in Conventional and Hydroponic Production Systems

Resumo

Dentre os fatores ambientais que influenciam o crescimento vegetal, tem-se a temperatura do ar. A taxa de crescimento de uma planta pode ser determinada a partir de sua temperatura basal inferior (Tb), que corresponde à temperatura abaixo da qual a taxa de expansão foliar é desprezível ou ocorre de maneira reduzida. Este trabalho teve por objetivo determinar a Tb e a soma térmica (ST) da rúcula Rococó, durante o período compreendido entre a germinação e a colheita em sistemas de produção convencional e hidropônico. O experimento foi realizado em Florianópolis, entre abril de 2018 a março de 2020, totalizando cinco e sete safras conduzidas nos sistemas convencional e hidropônico, respectivamente. A Tb foi obtida pela média de três métodos, a saber: menor desvio padrão em dias, desenvolvimento relativo e coeficiente de regressão. Com o valor de Tb, determinou-se a soma térmica (ST), aplicando o método simplificado de graus-dia para cada uma das safras. A partir dos valores de ST determinados foi obtido uma média para estabelecer a ST da rúcula. Durante o período compreendido entre a germinação e colheita, considerando os sistemas de produção convencional e hidropônico, os valores obtidos de Tb foram respectivamente, 4,4 °C e 3,6 °C, enquanto os de ST foram 559 e 490 graus-dia acumulado.

Palavras-chave:
constante térmica; Eruca sativa ; graus-dia

Abstract

Among the environmental factors that influence plant growth, one of them is the air temperature. The plant growth rate can be determined through its lower basal temperature (Tb), which corresponds to the temperature below which the leaf expansion rate is negligible or occurs in a reduced way. This work aimed to determine Tb and the thermal sum (ST) of the ‘Rococó’ arugula during the time period comprising germination and harvest in conventional and hydroponic production system. The experiment took place in Florianópolis, from April 2018 to March 2020, totalizing five and seven harvests in the conventional and hydroponic production system, respectively. The Tb was obtained by using the average of three methods, namely: least standard deviation in days, relative development and the regression coefficient. With the Tb value, the thermal sum (ST) was determined using the simplified degree-day method for each harvest. From the ST determined values, an average was obtained to establish the ST of the arugula. During the period comprising germination and harvest, considering the conventional and hydroponic production systems, obtained values of Tb were respectively 4,4 and 3,6 °C whereas the ST were 559 and 490 accumulated degree-day.

Keywords:
thermal constant; Eruca sativa ; degree-day

1. Introdução

A rúcula (Eruca sativa L.) é uma hortaliça herbácea de pequeno porte e folhas tenras, pertencente à família Brassicaceae. Esta verdura é rica em vitaminas A e C e minerais como cálcio, enxofre, ferro e potássio (Venzon e Paula Júnior, 2007VENZON, M.; PAULA JúNIOR, T.J. de. (ed.) 101 Culturas: Manual de Tecnologias Agrícolas. Viçosa: Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, 800 p., 2007.), além de ser fonte de ômega 3 e possuir propriedades medicinais que auxiliam no tratamento de doenças pulmonares e anemias (Filgueira, 2000FILGUEIRA, F.A.R. Novo Manual de Olericultura: Agrotecnologia Moderna na Produção e Comercialização de Hortaliças. Viçosa: Ed. UFV, 402 p., 2000..). A sua produção é melhor sob temperaturas amenas, sendo que, em temperaturas mais elevadas, o pendão floral é emitido prematuramente e as folhas tornam-se menores e rígidas (Filgueira, 2008FILGUEIRA, F.A.R. Novo Manual de Olericultura: Agrotecnologia Moderna na Produção e Comercialização de Hortaliças. 3.ed. Viçosa: Ed. UFV, 421 p., 2008.). De acordo com Venzon e Paula Júnior (2007)VENZON, M.; PAULA JúNIOR, T.J. de. (ed.) 101 Culturas: Manual de Tecnologias Agrícolas. Viçosa: Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, 800 p., 2007., apesar de ser mais apreciada nas regiões Sul e Sudeste, há um aumento do consumo em outras regiões do país devido ao seu sabor marcante.

Um dos maiores desafios atuais é aumentar a produção de alimentos, com reduzidos impactos no meio ambiente, aproveitando a mesma área de solo, recursos hídricos e condições climáticas, usando tecnologias economicamente acessíveis e que possibilitem lucro aos produtores (Rodrigues, 2002RODRIGUES, L.R.F. Técnicas de Cultivo Hidropônico e de Controle Ambiental no Manejo de Pragas, Doenças e Nutrição Vegetal em Ambiente Protegido. Jaboticabal: FUNEP, 762 p., 2002.). Nesse contexto, os cultivos hidropônicos têm surgido como uma alternativa para atender tais requisitos. A hidroponia é um sistema que promove o crescimento dos vegetais com a substituição do solo por um meio inerte, no qual é adicionada uma solução contendo os elementos minerais essenciais às plantas (Resh, 2012RESH H.M. Hydroponic food production: A Definitive Guidebook for the Advanced Home Gardener and the Commercial Hydroponic Grower. 7. ed. Califórnia: Woodbridge, 567 p., 2012.).

Conforme Jones Júnior (2005)JONES JúNIOR, J.B. Hydroponics: A Practical Guide for the Soilless Grower. 2 ed. Boca Raton: CRC Press, 423 p., 2005., a técnica de cultivo mais usada na hidroponia é a NFT (Nutrient Film Technique), traduzida como “Técnica do Fluxo Laminar de Nutrientes”. Nesse sistema, as plantas são cultivadas com as raízes parcialmente submersas na lâmina de solução nutritiva que as circula, permitindo, assim, a respiração normal (Bezerra e Barreto, 2011BEZERRA, E.N.; BARRETO, L.P. As Técnicas de Hidroponia. Recife: Academia Pernambucana de Ciência Agronômica, p. 107-137, 2011.).

A quantificação do crescimento vegetal é importante para a análise de crescimento das espécies, já que este estudo está relacionado a parâmetros como diferenciação celular, iniciação e aparecimento de órgãos reprodutivos na planta, estendendo-se até a senescência, tendo um valor fundamental para os fins de manejo do sistema de cultivo (Wilhelm e McMaster, 1995WILHELM, W.W.; McMASTER, G.S. Importance of the phyllochron in studying development and growth in grasses. Crop Science, v. 35, p. 1-3, 1995.). Essas etapas do ciclo de vida das plantas ocorrem a partir do acúmulo de unidades térmicas ou fototérmicas. Para isso, pode-se utilizar o conceito de graus-dia, que se baseia no fato de que a taxa de crescimento de uma espécie vegetal está relacionada à temperatura do ar.

O conceito de graus-dia pressupõe a existência de temperaturas basais inferior (Tb) e superior (TB), respectivamente, abaixo ou acima das quais a planta não apresenta expansão foliar, e se o fizer, a taxa de expansão será muito reduzida. As temperaturas basais variam entre espécies vegetais e até mesmo entre genótipos dentro da mesma espécie, podendo ocorrer alterações com a idade e a fase fenológica da planta (Streck et al., 2003STRECK, N.A.; WEISS, A.; XUE, Q.; BAENZIGER, P.S. Improving predictions of developmental stages in winter wheat: a modified Wang and Engel model. Agricultural and Forest Meteorology, v. 115, p. 139-150, 2003.).

De acordo com Biscaro (2007)BISCARO, G.A. Meteorologia Agrícola Básica. Cassilândia: Uni-Graf, 86 p., 2007., o conceito de graus-dia é relevante para estimar as possíveis datas de colheita, tendo como base os dias apropriados para o plantio. Deve-se observar, porém, que a temperatura base superior dificilmente será atingida em condições de campo e, por isso, nem sempre é considerada (Lago et al., 2009LAGO, I.; STRECK, N.A.; CARVALHO, M.P. de; FAGUNDES, L.K.; PAULA, G.M. de; et al. Estimativa da temperatura base do subperíodo emergência-diferenciação da panícula em arroz cultivado e arroz vermelho. Revista Ceres, v. 56, n. 3, p. 288-295, 2009.). Pereira et al. (2002)PEREIRA, A.R.; ANGELOCCI, L.R.; SENTELHAS, P.C. Agrometeorologia: Fundamentos e Aplicações Práticas. Guaíba: Agropecuária, 478 p., 2002. atentam que o conceito de graus-dia leva em conta apenas o fator térmico, sem considerar o efeito de outros fatores ambientais sobre o crescimento vegetal. Após a determinação da temperatura base inferior, a soma térmica ou constante térmica pode ser obtida a partir do somatório dos graus-dia acumulado do ciclo ou para as fases fenológicas da cultura (Biscaro, 2007).

Diante da carência de informações, referentes aos índices térmicos aplicados ao planejamento das épocas de cultivo, o objetivo deste estudo foi determinar a temperatura basal inferior e a soma térmica para a cultura da rúcula em sistemas de produção convencional e hidropônico.

2. Material e Métodos

Os experimentos, referentes aos sistemas de produção convencional e hidropônico foram realizados no Centro de Ciências Agrárias (CCA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), localizado no município de Florianópolis (latitude: 27,56° sul, longitude: 48,50° oeste e altitude de 5 metros). De acordo com a metodologia de Köppen, o clima da região é do tipo Cfa, classificado como subtropical úmido, com temperatura média anual mínima de 15,6 °C e máxima de 24,7 °C (Alvares et al., 2013ALVARES, C.A.; STAPE, J.L.; SENTELHAS, P.C.; GONçALVES, J.L.de M; SPAROVEK, G. Köppen's climate classification map for Brazil. Meteorologische Zeitschrift, v. 22, n. 6, p. 711-728, 2013.).

A cultivar de rúcula utilizada foi a Rococó, comercializada pela empresa TSV Sementes®(2019), a qual possui boa tolerância a pragas e doenças, rusticidade, plantas vigorosas e folhas mais largas. O seu plantio pode ser feito durante todo o ano, tendo um ciclo que varia de 40 a 50 dias.

2.1. Cultivo convencional

O experimento ocorreu em condições de campo, no período compreendido entre abril e agosto de 2018, quando foram realizadas cinco épocas de semeaduras. O cultivo foi realizado em 16 vasos plásticos de 3,6 litros, os quais foram dispostos em arranjo fatorial 4x4, contendo como substrato o “turfa green”, condicionador de solo classe A, que contém: turfa e calcário calcítico. Este substrato retém umidade, possui alta CTC (Capacidade de Troca de Cátions) e fornece uma boa estruturação do solo para a germinação, emergência e estabelecimento da cultura.

Em cada vaso, o plantio foi realizado em três covas com espaçamentos de cinco centímetros, sendo que, foram depositadas quatro sementes por cova. Transcorridos cinco dias após a emergência das plantas, foi realizado o desbaste, retirando as plantas de menor porte e deixando as duas mais vigorosas. Como área útil, foram considerados os quatro vasos centrais e, para determinação da umidade do solo a 10 cm de profundidade, foi instalado um tensiômetro em um vaso que ficava ao lado da parcela.

Não foi usado qualquer tipo de adubação durante os ciclos ou previamente às semeaduras. A irrigação foi aplicada diariamente com regador, exceto em dias com ocorrência de chuvas ou quando o tensiômetro indicava a saturação do solo. Durante período experimental, não foi observado qualquer ataque de pragas ou doenças, tornando-se desnecessário o uso de controle, seja ele químico, mecânico ou biológico.

A data de emergência foi estabelecida a partir do momento em que mais de 50% das plantas da área útil estavam acima do nível do solo.

2.2. Cultivo hidropônico

O experimento foi realizado de abril de 2019 a março de 2020 em uma casa de vegetação do tipo arco, medindo 10 m de largura, 30 m de comprimento, pé direito central com 5 m e pé direito lateral com 3,5 m. Para cobertura de instalação, foi utilizado um filme plástico com espessura de 125 micras e uma tela aluminizada termorrefletora com sombreamento de 50% para reduzir a entrada de radiação solar direta durante os momentos com temperatura mais elevada.

As sete semeaduras foram realizadas manualmente em placas de espuma fenólica. No dia anterior à semeadura, as placas foram imersas em um recipiente contendo água e carbonato de sódio (Na2CO3) na concentração 0,6 g.L-1 para a correção do pH. Após 15 horas, as espumas foram enxaguadas para remover o produto e antes de proceder à semeadura, foi realizada a limpeza da estufa de germinação e de todos utensílios com álcool 70%. Em seguida, foi feita a desinfecção do ar na cama de germinação com um aparelho ozonizador, a partir da aplicação de ozônio durante 90 minutos. Foram utilizadas 70 células de espuma fenólica por semeadura. As células foram perfuradas a 1 cm de profundidade, de modo a ter dois furos por célula, sendo adicionada uma semente em cada furo. As placas foram pulverizadas com água e, posteriormente, procedeu-se à aplicação de 1,5 g.L-1 de CompostAid Alltech®, composto por enzimas e bactérias que evitam a contaminação por fitopatógenos. Cada espuma fenólica permaneceu na cama de germinação durante, aproximadamente, 28 horas a uma temperatura média de 25 °C. E em seguida foi realizada a transferência para a bancada de crescimento inicial.

Na bancada de crescimento inicial, a condutividade elétrica (CE) da solução nutritiva era próxima de 0,3 dS m-1, a qual estava contida em um reservatório com capacidade de 100 litros. Durante o período diurno, a solução era aplicada a cada 3 min, utilizando o intervalo de 90 min entre os eventos de irrigação. No entanto, a solução era aplicada a cada 5 min no período noturno, com intervalos de 200 min entre irrigações. As soluções nutritivas foram adaptadas a partir da formulação proposta por Barcelos-Oliveira (2008)BARCELOS-OLIVEIRA, J.L. Formulação de correção para alface hidropônica em sistema NFT, com plantas de mesma idade na bancada final. In: II Encontro Sul-Brasileiro de Hidroponia, Florianópolis, p. 18-25, 2008., conforme descrita na Tabela 1. Assim, a solução inicial foi aplicada na bancada de crescimento inicial e no momento do transplantio para as bancadas de crescimento final, enquanto que a solução de correção foi utilizada somente na bancada final. No sistema NFT, a solução circulava nos canais de cultivo, intermitentemente, com o auxílio de um temporizador, sendo que sua condutividade elétrica era corrigida diariamente.

Tabela 1
Formulação das soluções nutritivas utilizadas no cultivo hidropônico.

Como critério de transplantio das rúculas da bancada de crescimento inicial para a bancada final, teve-se o período de cinco dias de duração. Este período foi caracterizado pelo crescimento das plantas até a altura de aproximadamente 1,5 cm, culminando com as folhas cotiledonares totalmente expandidas. No total, foram utilizadas 64 células de espuma fenólica no experimento, sendo, porém seis foram descartadas. O desbaste foi realizado no momento do transplantio para a bancada final, deixando-se a planta mais vigorosa em cada célula. Foram utilizados quatro canais de cultivo por bancada, aproveitando-se os oito furos centrais de cada um, o que totalizou 32 orifícios, dos quais os 12 centrais foram considerados como área útil. Em cada orifício foram acomodadas duas células de espuma fenólica, cada uma contendo uma planta.

No dia do transplante, a CE da solução, armazenada em um reservatório de 200 litros, permaneceu em 1,4 dS m-1; passando para 1,5 dS m-1 nos dias seguintes; e, a partir do 22° dia após a semeadura (DAS), para 1,7 dS m-1. Nas bancadas finais, a solução nutritiva era aplicada utilizando ciclos de operação ligado/desligado de 5 min /5 min durante o período diurno e de 5 min /120 min no período noturno. Como a rúcula é exigente em ferro, foram adicionados, semanalmente, 3 g de quelato de ferro EDDHA à solução.

2.3. Determinação da temperatura basal e soma térmica

Para especificar o término do ciclo da rúcula em ambos os cultivos, foi usado como critério a altura de duas folhas de cada planta cultivada na área útil, sendo que 85% destas deveriam ter um comprimento maior ou igual a 15 cm.

Os valores horários da temperatura do ar foram obtidos a partir um termohigrômetro (modelo HT160, da empresa Xintest, fabricado na China, em Guangdong) conjugado com um datalogger. Em ambos os sistemas de produção, o instrumento foi instalado em um abrigo meteorológico a uma altura de aproximadamente 1,50 m em cada um, dos dois ambientes em que foram realizados os experimentos. Os dados obtidos foram utilizados para determinar a temperatura basal inferior (Tb) e a soma térmica da rúcula para o período germinação-colheita. Para determinar a Tb, foram utilizados três métodos, a saber: menor desvio padrão, em dias (DPdias), desenvolvimento relativo (DR) e coeficiente de regressão (CR).

Arnold (1959)ARNOLD, C.Y. The determination and significance of the base temperature in a linear heat unit system. Proceeding American Society for Horticultural Science, v. 74, p. 430-445, 1959. sugeriu a determinação da temperatura basal através do método de menor desvio padrão em dias (DPdias), conforme demonstra a Eq. (1):

(1) D P d i a = D P g d d X t T b

em que DPdia = desvio padrão em dia; DPgdd = desvio padrão, em graus-dia; e Xt = temperatura média do ar para o período germinação-colheita da cultura de todos os plantios, em °C.

O método do desenvolvimento relativo (DR) é baseado na relação entre a temperatura média do período fenológico e o desenvolvimento relativo da cultura, sendo calculado através da Eq. (2), proposta por Brunini et al. (1976)BRUNINI, O.; LISBãO, R.S.; BERNAR-DI, J.B.; FORNASIER, J.B.; PEDRO JúNIOR, M.J. Temperatura-base para alface cultivar “White Boston”, em um sistema de unidades térmicas. Bragantia, v. 35, n. 1, p. 213-219, 1976.:

(2) D R = 100 N

em que DR = desenvolvimento relativo à temperatura média do ar, N = número de dias do período germinação-colheita, e 100 = valor arbitrário do desenvolvimento.

A partir da regressão linear simples gerada, a temperatura basal foi encontrada pelo prolongamento da equação da reta até o eixo das abscissas, ou seja, onde o desenvolvimento relativo é nulo.

O método do coeficiente de regressão (CR) tem como base a aplicação de um modelo de regressão linear. Hoover (1955)HOOVER, M.W. Some effects of temperature on the growth of southern peas. Proceeding American Society for Horticultural Science, v. 66, p. 308-312, 1955. estudou a relação entre a temperatura média do ar e graus-dia acumulado (GDA). Desenvolveu, assim, o método de determinação da temperatura basal, no qual utiliza GDA como variável dependente e a temperatura média como variável independente. Neste método, também foram utilizadas as Tb candidatas, isto é, valores escolhidos aleatoriamente para definir a Tb escolhida, de acordo com os critérios supracitados dos métodos. Se o coeficiente de regressão for positivo, a temperatura selecionada é muito alta; caso contrário, o CR será negativo. A temperatura basal adequada proporciona um coeficiente de correlação igual ou muito próximo a zero.

A Tb foi determinada pela média aritimética simples dos valores obtidos por cada um dos três métodos previamente destacados. Com o valor de Tb, obteve-se a soma térmica (ST), aplicando o método simplificado para cada uma das safras. A partir dos valores obtidos, foi calculado o valor médio para estabelecer a soma térmica da rúcula, conforme Eq. (3).

(3) S T = i = 1 n ( T m e d     T b )

em que n corresponde ao número de dias do ciclo fenológico, e Tmed é a temperatura média diária do ar, obtida a partir dos valores horários medidos com o termo-higrômetro.

A diferença entre as médias de Tb e ST, obtidas para os sistemas de produção convencional e hidropônico, foram avaliadas estatisticamente usando o teste t Student a 5% de significância.

3. Resultados e Discussão

A duração dos ciclos e a temperatura média do ar, em cada uma das safras da rúcula, mostram uma dispersão dos dados no sistema convencional de 20,9% e 13,5%, respectivamente, sendo mais que o dobro em comparação ao obtido no hidropônico (Tabela 2). Algo compreensível quando se compara uma forma de cultivo em ambiente protegido, que permite um melhor controle nutricional e das condições meteorológicas, em relação ao cultivo em ambiente desprotegido, localizado em região onde as oscilações de temperatura são bem distintas no decorrer do ano. Dependendo do tipo de cultura, o cultivo hidropônico permite obter de duas a quatro colheitas a mais, na mesma área, em relação aos plantios em solo, aumentando consideravelmente a receita dos produtores (Sganzerla, 1995SGANZERLA, E. Nova Agricultura: A Fascinante Arte de Cultivar com os Plásticos. 5.ed. Guaíba: Agropecuária, 341 p., 1995.). Além disso, neste estudo, o uso de quelato de ferro pode ter proporcionado à cultura um crescimento adequado, tendo em vista que o ferro é um elemento crucial para a rúcula, conforme atestado por Matsuzaki (2013)MATSUZAKI, R.T. Quelatos de Ferro Afetam o Crescimento e a Produção de Rúcula Cultivada em Sistema Hidropônico. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 66 p., 2013..

Tabela 2
Temperatura média do ar e duração do ciclo para o período germinação-colheita de cada uma das safras da rúcula em sistemas de produção convencional e hidropônico.

No contexto geral, a duração do ciclo respondeu inversamente à temperatura do ar em ambos os sistemas de produção, isto é, há um prolongamento do ciclo à medida que a temperatura do ar diminui, comprovando que o crescimento da cultura é afetado por tal elemento meteorológico. Pelas médias dos dois sistemas de produção já se pode notar que a duração do ciclo foi menor no sistema hidropônico estando num ambiente em média mais quente (23,9 °C). Assim, a duração do ciclo foi menor (24 dias) em relação ao sistema de produção convencional em ambiente externo, no qual o ciclo da rúcula foi de 38 dias, em média, sob ambiente 5 °C mais frio.

Os valores da temperatura basal inferior para a rúcula, obtidos para cada um dos três métodos utilizados e associados à respectiva média, mostram valores próximos entre ambos os sistemas de produção, de maneira que a sua diferença média de 0,8 °C não é estatisticamente significativa (Tabela 3). Os valores de Tb de 4,4 °C e 3,6 °C, correspondentes aos sistemas de produção convencional e hidropônico, respectivamente, caracterizam o limite térmico inferior da rúcula. Portanto, quando a temperatura diária do ar estiver abaixo deste limiar, o metabolismo da planta diminui ou se torna nulo. Estes valores são relativamente baixos e mostram que a rúcula é uma cultura apta a se desenvolver em qualquer época do ano em regiões com grande amplitude térmica anual como o sul do Brasil.

Tabela 3
Temperatura basal inferior (Tb) média e obtida pelo método do menor desvio padrão em dias (DPdias), do crescimento relativo (DR) e do coeficiente de regressão (CR) para a cultura da rúcula.

Filgueira (2008) afirma que temperaturas baixas são ideais para o crescimento e desenvolvimento da rúcula. Venzon e Paula Júnior (2007) acrescentam que essa hortaliça é mais adaptada a regiões altas e de clima ameno, onde o crescimento das plantas é melhor, permitindo que tenham folhas com maior massa verde e mais sabor.

A diferença média de Tb entre os sistemas de produção poderia ser ainda menor, pois, pelo método do menor desvio padrão, houve a maior diferença de 1,9 °C, principalmente, devido ao Tb encontrado para o cultivo convencional de 5,5 °C. Para o sistema de produção hidropônico, a Tb de 3,6 °C, obtida pelo método de DPdias foi próxima às encontradas pelos outros dois métodos. Algo compreensível, uma vez que, em todas as safras, a temperatura do ar média não apresentou grande dispersão.

O gráfico de dispersão e o coeficiente de inclinação da equação de regressão atestam a relação de aumento da temperatura do ar com o crescimento da rúcula em sistemas de produção convencional (Fig. 1a) e hidropônico (Fig. 1b). O valor do coeficiente de inclinação na equação de regressão corresponde à Tb indicada pelo método do desenvolvimento relativo, conforme apresentado na Tabela 3.

Figura 1
Gráfico de dispersão e equação da regressão do crescimento relativo (DR) em função da temperatura média do ar (°C), para o período germinação-colheita da rúcula em sistemas de produção convencional (a) e hidropônico (b). ns não significativo, ** Significativo a 5% pelo valor-p.

Com a determinação da Tb, foi calculada a soma térmica (ou constante térmica) utilizando o método simplificado. Assim, na Tabela 4 constam os graus-dia acumulados (GDA) em cada safra. A partir da média destes valores obteve-se somas térmicas de 559 GDA e 490 GDA para a rúcula, respectivamente para os sistemas de produção convencional e hidropônico. Assim, os valores especificados de soma térmica indicam o quanto de energia térmica procedente do ambiente é transferido para a cultura completar o seu ciclo.

Tabela 4
Soma térmica (em GDA) para cada safra do ciclo da rúcula em sistemas de produção convencional e hidropônico.

A temperatura do ar influencia o metabolismo vegetal básico, mesmo que haja outros fatores que influenciam a duração do ciclo fenológico de uma cultura, como o tipo de solo, os diferentes genótipos e outras variáveis meteorológicas (Bergonci e Bergamaschi, 2002BERGONCI, J.I.; BERGAMASCHI, H. Ecofisiologia do milho. In: XXIV Congresso Nacional de Milho e Sorgo, Florianópolis, CD-ROM, 2002.). A fotossíntese líquida tem aumento acentuado sob baixas temperaturas, em decorrência de incrementos diferenciados nos processos de fotossíntese e respiração. A fotossíntese líquida é positiva entre os dois extremos de adaptação da espécie ou cultivar, os quais representam as temperaturas basais inferior e superior. Fora desses limites, a assimilação líquida é negativa, visto que as plantas têm o seu crescimento paralisado e passam a sofrer estresse térmico. Isso significa que, na prática, a relação indicada entre o crescimento relativo e, ou, duração do ciclo com a temperatura do ar não é sempre linearmente positiva, por isso, a existência da temperatura basal superior nas culturas.

Wang (1960)WANG, J.Y. A critique of heat unit approach to plant response studies. Ecology, v. 41, p. 785-790, 1960. acrescenta que a exigência em graus-dia é constante, somente para a amplitude na qual existe linearidade entre o crescimento relativo e a temperatura. Isto poderia ser atestado, se em algumas das safras, a rúcula tivesse se defrontado com temperaturas superiores ao ponto ótimo. Por isso, não houve necessidade de se adotarem outros modelos, como os não-lineares Beta e RCM, que descrevem muito bem a resposta das plantas a temperaturas em condições supra-ótimas (Yin et al., 1995YIN, X.; KROPFF, M.J.; MCLAREN, G.; VISPERAS, R.M. A nonlinear model for crop development as a function of temperature. Agricultural and Forest Meteorology, v. 77, p. 1-16. 1995.)

Além disso, não foi objetivo da pesquisa proposta associar a temperatura do ar com características morfológicas, uma vez que já têm estudos (Venzon e Paula Júnior, 2007VENZON, M.; PAULA JúNIOR, T.J. de. (ed.) 101 Culturas: Manual de Tecnologias Agrícolas. Viçosa: Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, 800 p., 2007.; Figueira, 2008) que indicam o benefício de temperaturas mais baixas no desempenho agronômico da rúcula. Trani et al. (1992)TRANI, P.E; FORNASIER J.B; LISBãO, R.S. Cultura da Rúcula. Boletim Técnico 146. Campinas: IAC, 8 p., 1992. especificam que, no Brasil, as condições ideais para o desenvolvimento da cultura são encontradas entre os meses de março a julho (outono/inverno), quando as temperaturas variam entre 15 °C a 18 °C.

A rúcula é uma cultura que possui pouca resposta ao fotoperiodismo. O cálculo do tempo térmico possibilita estimativas da duração do ciclo de cultivo, a partir dos graus-dia acumulados para espécies que não sejam sensíveis à duração do período diurno ou que apresentem pequena resposta fotoperiódica. Por isso, mesmo utilizando sistemas distintos de produção no presente trabalho, não foram encontradas diferenças significativas nas temperaturas basais inferiores e nas somas térmicas. Com base nos resultados obtidos, durante cinco ciclos de cultivo no sistema de produção convencional e sete ciclos de cultivo no hidropônico, pode-se concluir que os valores de Tb e ST são específicos de uma determinada espécie vegetal e não são afetados pelo sistema de produção utilizado.

4. Conclusões

Durante o período compreendido entre a germinação e a colheita, a temperatura basal inferior da rúcula é de 4,4 °C e 3,6 °C, para sistemas de produção convencional e hidropônico do tipo NFT, respectivamente. Com as referidas temperaturas basais inferiores, a soma térmica necessária para a rúcula completar o ciclo de cultivo convencional e hidropônico do tipo NFT foi de 559 e 490 GDA, respectivamente.

A análise estatística aplicada aos dados obtidos, durante cinco ciclos de cultivo no sistema de produção convencional e sete ciclos de cultivo no hidropônico, não revelou diferenças significativas. Assim, pode-se concluir que os valores de Tb e ST são peculiares a uma determinada espécie vegetal e não são afetados pelo sistema de produção utilizado.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2020
  • Aceito
    20 Jul 2020
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