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Impacto das Mudanças Climáticas na Aridez da Bacia Estendida do rio São Francisco, Brasil

Impact of Climate Change on the Aridity of the São Francisco River Extended Basin, Brazil

Resumo

As projeções futuras divulgadas pelos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, atentam para a ocorrência de variações e mudanças no clima. Tais alterações, tendem a impactar especialmente o ciclo hidrológico global, uma vez que são projetadas modificações nos padrões de precipitação em larga escala e elevação na temperatura média da atmosfera. A Bacia Hidrográfica Estendida do Rio São Francisco (BESF) está localizada entre as regiões Sudeste e Nordeste do Brasil. O índice de Aridez (IA) pode contribuir no planejamento da segurança hídrica de um território. O objetivo deste estudo é analisar a aridez para a BESF através das precipitações e de temperaturas mínimas e máximas, obtidas por intermédio dos modelos climáticos do CMIP6 e do CORDEX. Calculou-se o índice de Aridez (IA) e realizou-se a comparação dos resultados do IA obtidas dos modelos climáticos com os dados de referência da Unidade de Pesquisa Climática (CRU). Ambos modelos, CMIP6 e CORDEX, apresentaram boa performance em representar o IA, quando comparados com o CRU. Os modelos do CMIP6 e CORDEX indicam indicam uma alteração na condição de aridez de na BESF, embora que os dados do CORDEX sejam mais recomendáveis para a BESF, em função de sua resolução espacial.

Palavras-chave
precipitação; temperatura; índice de aridez

Abstract

The future projections disclosed by the Intergovernmental Panel on Climate Change report on the occurrence of variations and changes in the climate. Such changes tend to have a notable impact on the global hydrological cycle, once modifications are made in large-scale precipitation patterns and an increase in the atmosphere's average temperature. The São Francisco River Extended Hydrographic Basin (BESF) located between the Southeast and Northeast regions of Brazil. The Aridity Index (AI) is a supporting instrument for risk and uncertainty management, which can contribute to the water security planning of a territory. Given the above, the objective of this study is to analyze the dryness of the BESF through rainfall and the change of extreme temperatures obtained through the climate models of CMIP6 and CORDEX. For this analysis, the Aridity Index (AI) was calculated and the AI results obtained from the climate models were compared with the reference data from the Climatic Research Unit (CRU). The CMIP6 and CORDEX models indicate an increase in Potential Evapotranspiration for all scenarios, with divergence in relation to precipitation. Both models, CMIP6 and CORDEX, presented good performance in representing the IA when compared with the CRU. When comparing the results obtained by both models, it is possible to observe that the CORDEX data are more recommendable for BESF, due to the spatial resolution of the indices obtained by their models.

Keywords
precipitation; temperature; aridity index

1. Introdução

As projeções futuras, divulgadas pelos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), atentam para a ocorrência de variações e mudanças no clima (IPCC, 2007IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Cambridge: IPCC, 18 p., 2007.; 2014IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change 2014: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. CORE WRITING TEAM, PACHAURI, R.K.; MEYER, L.A. (eds.).Geneva: IPCC, 151 p., 2014.; 2022IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate change 2022: Summary for policymakers. In: Global Warming of 1.5 °C. Masson-Delmotte, V.; Zhai, P.; Pörtner, H.-O.; Roberts, D.; Skea, J., et al. (eds). Geneva: IPCC, 2018.). Tais alterações tendem a impactar especialmente o ciclo hidrológico global, uma vez que são projetadas modificações nos padrões de precipitação em larga escala e elevação na temperatura média da atmosfera (Silva et al., 2020SILVA, G.K.; SILVEIRA, C.S.; SILVA, M.V.M.; MARCOS, A.D.; SOUZA FILHO, F.A. GUIMARãES, S.O. Análise de projeções das mudanças climáticas sobre precipitação e temperatura nas regiões hidrográficas brasileiras para o século XX. Revista Brasileira de Ciências Ambientais, v. 55, n. 3, p. 420-436, 2020.). A dinâmica destes fatores meteorológicos impacta especialmente o processo de evapotranspiração, reduzindo assim a umidade do solo, o armazenamento subterrâneo, a geração de escoamento superficial e o armazenamento da água (Chen et al., 2014; Collischonn e Dornelles, 2015COLLISCHONN, W.; DORNELLES, F. Hidrologia Para Engenharias e Ciências Ambientais. 2ª ed. Porto Alegre: Associação Brasileira de Recursos Hídricos, 336 p., 2015.). Estes relatórios são produzidos desde 1990 e são considerados pela comunidade científica os relatórios climáticos mais importantes na área. Desde o século XIX sabe-se que os gases de efeito estufa como, por exemplo o dióxido de carbono tem entre as suas propriedades a retenção do calor e, consequentemente, o aquecimento do planeta (IPCC, 2007IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Cambridge: IPCC, 18 p., 2007.).

O Quinto Relatório de Avaliação do IPCC (AR5), enfatizou a influência das ações antrópicas e das mudanças climáticas (Fernandes et al., 2017). Os Relatórios de Avaliação do IPCC projetam que mesmo nos cenários mais conservadores, para os próximos 20 anos, a temperatura global deve se elevar em aproximadamente 1,5 °C (IPCC, 2018). Essa projeção é especialmente um limiar pois supera a meta do acordo de Paris de limitar o aquecimento global desde o período pré industrial a 1,5 °C.

O Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (AR6), em seu turno, altera a perspectiva de que as mudanças climáticas resultem um potencial fenômeno futuro, mas da atualidade. Além disso, alerta que, em função das emissões já realizadas, potenciais efeitos dessas mudanças climáticas até o ano de 2050 sejam iminentes. No entanto, expõe que uma eventual redução das emissões atmosféricas possam, consequentemente, a redução dos impactos climáticos (IPCC, 2022IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability 2022. Geneva: IPCC, 3670 p., 2022.).

Para além disso, os relatórios do IPCC também advertem para a ocorrência de extremos hidrológicos, tanto no que concerne aos eventos de secas, os quais podem ser mais prolongados e intensos, quanto aos episódios de enxurradas, que tendem a ser mais acentuados (Silva et al., 2020SILVA, G.K.; SILVEIRA, C.S.; SILVA, M.V.M.; MARCOS, A.D.; SOUZA FILHO, F.A. GUIMARãES, S.O. Análise de projeções das mudanças climáticas sobre precipitação e temperatura nas regiões hidrográficas brasileiras para o século XX. Revista Brasileira de Ciências Ambientais, v. 55, n. 3, p. 420-436, 2020.). Tais projeções acabam por requerer mais dos sistemas de gestão dos recursos hídricos, sobretudo em regiões com maior aridez, uma vez que estas são historicamente mais vulneráveis às mudanças climáticas e aos impactos socioambientais provocados pelas grandes secas (Nys et al., 2016DE NYS, E.; ENGLE, N.L.; MAGALHãES, A.R. Secas no Brasil: Política e Gestão Proativas. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 292 p., 2016.; Mutti et al., 2020MUTTI, P.R.; DUBREUIL, V.; BEZERRA, G.B.; DAMIEN, A. OLIVEIRA, C.P. SANTOS E SILVA, C.M. Assessment of gridded CRU TS data for long-term climatic water balance monitoring over the São Francisco watershed, Brazil. Atmosphere, v. 11, n. 11, p. 1207, 2020. doi
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; Marengo et al., 2020MARENGO, J.A.; CUNHA, A.P.M.A.; NOBRE, C.A.; RIBEIRO NETO, G.G.; MAGALHAES, A.R.; TORRES, R.R.; et al. Assessing drought in the drylands of northeast Brazil under regional warming exceeding 4 °C. Nat Hazards, v. 103, p. 2589-2611, 2020. doi
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; Kimiura, 2020KIMIURA, R. Global detection of aridifcation or increasing wetness in arid regions from 2001 to 2013. Natural Hazards, v. 103, n. 2, p. 2261-2276, 2020.).

Associado a estas tendências, nas últimas cinco décadas houve um aumento significativo na dinâmica demográfica nacional, elevando as demandas por alimento e energia (Barros, 2020BARROS, K.N.; ALBUQUERQUE, M.A.; FERNANDES, M.C.L. Non-linear bayesian model applied to the population's prediction of states of Brazil. Research, Society and Development, v. 9, n. 8, e580985558, 2020 DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i8.5558
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; IBGE, 2020IBGE, Insttuto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades. 2020. Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/, a cesso em 2 março 2021.
https://cidades.ibge.gov.br/...
; Carvalho et al., 2020). A indústria, o abastecimento humano e a irrigação, por exemplo, são responsáveis por 80% do consumo de água no país (ANA, 2020). Apesar do aumento da produtividade em diversas culturas (Leão et al., 2020LEãO, P.C.S.; NASCIMENTO, J.H.B.; MORAES, D.S.; SOUZA, E.R. Rootstocks for the new seedless table grape BRS Vitória? Under tropical semi-arid conditions of São Francisco Valley. Ciência e Agrotecnologia, v. 44, p. e025119, 2020.) e da intensificação da exploração de ferramentas de agricultura de precisão em vários sistemas de produção (Doll et al., 2009DöLL, P.; FIEDLER, K.; ZHANG, J. Global-scale analysis of river flow alterations due to water withdrawals and reservoirs. Hydrology and Earth System Sciences, v. 13, n. 12, p. 2413-2432, 2009.), observa-se também uma considerável expansão das fronteiras agrícolas (Assad et al., 2013ASSAD, E.D.; PINTO, H.S.; NASSAR, A.; HARFUCH, L.; FREITAS, S.; FARINELLI, B.; LUNDELL, M.; BACHION, L.C.; FERNANDES, C.M. Impactos das Mudanças Climáticas na Produção Agrícola Brasileira. Washington, D.C.: The World Bank, 2013.).

No que se refere à geração de energia, Silva et al. (2021)SILVA, M.V.M.; SILVEIRA, C.S.; COSTA, J.M.F.; MARTINS, E.S.P.R.; VASCONCELOS JúNIOR, F.C. Projection of Climate Change and Consumptive Demands Projections Impacts on Hydropower Generation in the São Francisco River Basin, Brazil. Water, v. 13, n. 3, p. 332, 2021. avaliaram a produção hidrelétrica futura na Bacia do Rio São Francisco para diferentes cenários de clima e de demandas e apontaram um possível contrassenso entre a redução da disponibilidade de água para a geração e o aumento da demanda de consumo. Este estudo corroborou com de Silveira et al. (2017) que havia analisado os impactos na vazão média anual do São Francisco, mostrando uma tendência de redução da vazão média anual nas regiões Sudeste/Centro-Oeste.

Estima-se que em um horizonte futuro, o Brasil atingirá a marca de 238,3 milhões de habitantes em 2050, e que a população mundial chegue a ordem de 9,7 bilhões de habitantes (Coyle e Simons, 2014COYLE, E.D.; SIMMONS, R.A. Understanding the Global Energy Crisis. West Lafayette: Purdue University Press, 2014.; ONU, 2019). Tal cenário tende a intensificar a pressão sobre o sistema hidráulico e hidrológico para suprir as demandas populacionais e, consequentemente, os riscos de conflitos conexos aos recursos hídricos (Carvalho et al., 2020).

Simulações numéricas realizadas por Feng e Fu (2013)FENG, S.; FU, Q. Expansion of global drylands under a warming climate. Atmospheric Chemistryand Physics, v. 13, p. 14637-14665, 2013. doi
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entre 1948-2008 e 1948-2100, demonstraram uma convergência para expansão das regiões semiáridas na América do Sul, as quais possivelmente desencadearão escassez de água, seca e posterior aridificação. Diante à complexidade desse cenário, preocupações relativas à gestão da demanda da água têm causado apreensão aos tomadores de decisão (Silva et al. 2020SILVA, F.J.B.C.; AZEVEDO, J.R.G. Temporal trend of drought and aridity indices in semi-arid pernambucano to determine susceptibility to desertification Brazilian Journal of Water Resources, v. 25, e32, 2020.).

Ter conhecimento acerca da aridez de uma determinada região pode contribuir para identificar áreas degradadas ou susceptíveis a desertificação (CGEE, 2016CENTRO DE GESTãO E ESTUDOS ESTRATéGICOS. Desertificação, Degradação da Terra e Secas no Brasil. Brasilia: CGEE, 252 p., 2016.; Lopes et al., 2017LOPES, I.; SANTOS, S.M.; TAURA, T.A.; OLDONI, H.; LEAL, B.G. Desertification climatic susceptibility to the Center-North region of Brazilian Semi-Arid. Journal of Hyperspectral Remote Sensing, v. 7, n. 2, p. 101-110, 2017.), e corroborar com a necessidade de formulação de planos e políticas públicas (Costa et al., 2018COSTA, J.M.F.; MARCOS JUNIOR, A.D., SILVEIRA, C.S.; VASCONCELOS JúNIOR, F.C. Influência das mudanças climáticas, projetadas pelo IPCC, na aridez do Brasil. Revista AIDIS de Ingeniería y Ciências Ambientales. Investigación, Desarrollo y práctica, v. 11, n. 3, p. 429-442, 2018. doi
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). Diversos estudos demostraram que as regiões áridas e semiáridas são susceptíveis às mudanças climáticas, bem como às degradações ambientais provocadas por ações antrópicas, podendo inclusive intensificar seus níveis de aridez (Greve et al., 2017GREVE, P.; RODERICK, M.L.; SENEVIRATNE, S.I. Simulated changes in aridity from the last glacial maximum to 4xCO2. Environmental Research Letters, v. 12, n. 11, p. 114021, 2017.; Kimiura, 2020KIMIURA, R. Global detection of aridifcation or increasing wetness in arid regions from 2001 to 2013. Natural Hazards, v. 103, n. 2, p. 2261-2276, 2020.).

Deste modo, o índice de Aridez (IA) resulta em um instrumento coadjuvante para gestão de riscos e incertezas (Feng e Fu, 2013FENG, S.; FU, Q. Expansion of global drylands under a warming climate. Atmospheric Chemistryand Physics, v. 13, p. 14637-14665, 2013. doi
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), e pode contribuir no planejamento da segurança hídrica de um território (Marcos Junior et al., 2018MARCOS JUNIOR, A.D.; SILVEIRA, S.S.; VASCONCELOS JúNIOR, F.C.; GUIMARãES, S.O.; DA COSTA, J.M.F. Classificação climática de Thornthwaite para o Brasil com base em cenários de mudanças climáticas do IPCC-AR5. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 33, n. 4, p. 647-664, 2018. doi
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). Este índice tem como premissa a razão entre os volumes precipitados anualmente numa determinada região e suas perdas para a atmosfera, estimadas através da evapotranspiração potencial anual, ao passo que, quanto maior for o déficit, maior será a sua aridez (Allen et al., 1998ALLEN, R.G.; PEREIRA, L.S.; RAES, D.; SMITH. M. United Nations Environment Program - World Atlas of Desertification. Crop Evapotranspiration (guidelines for computing crop water requirements). Fao Irrigation and Drainage Paper 56. FAO, Roma, 1998.).

A Bacia Hidrográfica Estendida do São Francisco (BESF) consiste num sistema de alta complexidade, localizado entre as regiões Sudeste e Nordeste do Brasil. Esta bacia possui enorme significância, pois transporta água das regiões mais úmidas para as regiões com menor disponibilidade hídrica (Silva et al., 2020SILVA, G.K.; SILVEIRA, C.S.; SILVA, M.V.M.; MARCOS, A.D.; SOUZA FILHO, F.A. GUIMARãES, S.O. Análise de projeções das mudanças climáticas sobre precipitação e temperatura nas regiões hidrográficas brasileiras para o século XX. Revista Brasileira de Ciências Ambientais, v. 55, n. 3, p. 420-436, 2020.). O conceito “Estendida está associado à inclusão de sub-bacias localizadas na região Nordeste do Brasil, onde ocorre a área da transposição do rio São Francisco.

Nesse contexto, o objetivo deste estudo é analisar a aridez para a Bacia Hidrográfica Estendida do São Francisco através das precipitações e de temperaturas mínimas e máximas obtidas por intermédio dos modelos climáticos do CMIP6 e CORDEX.

2. Materials e Métodos

A metodologia deste estudo está dividida em cinco etapas:

  1. Primeiramente, foram obtidos os campos de precipitação e temperatura mínima e máxima dos modelos participantes do projeto CORDEX e CMIP6 no cenário histórico e século XXI, para a área de estudo;

  2. Estimou-se a Evapotranspiração Potencial (ETP) com o método de Hargreaves-Samani (Hargreaves; Samani, 1985HARGREAVES, G.H.; SAMANI, Z.A. Reference crop evapotranspiration from temperature. Applied Engineering in Agriculture, v. 1, n. 2, p. 96-99, 1985.), utilizando os dados de temperatura mínima e máxima;

  3. Realizou-se a correção estatística dos dados de precipitação e ETP dos modelos com os dados do University of East Anglia Climate Research Unit (CRU) (Harris et al., 2020HARRIS, I.; OSBORN, T.J.; JONES, P.; LISTER, D. Version 4 of the CRU TS monthly high-resolution gridded multivariate climate dataset. Scientific Data, v. 7, n. 1, p. 1-18, 2020.), através da remoção de viés, utilizando a função de distribuição cumulativa (FDC) Gama (HEO et al., 2019HEO, J.H.; AHN, H.; SHIN, J.Y.; KJELDSEN, T.R.; JEONG, C. Probability distributions for a quantile mapping technique for a bias correction of precipitation data: A case study to precipitation data under climate change. Water, v. 11, n. 7, p. 1475, 2019.);

  4. Calculou-se o índice de Aridez (IA);

  5. Comparou-se os resultados do IA obtidas dos modelos do CORDEX e CMIP6 com os dados de referência do CRU.

2.1. área de estudo

A área de estudo (AE) consiste na Bacia Hidrográfica Estendida do Rio São Francisco, (Fig. 1), a qual fora delimitada no âmbito do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF), que foi desenvolvido e executado pelo Ministério da Integração Nacional (atual Ministério do Desenvolvimento Regional). Esta área abrange além da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, as bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional, as quais são receptoras das águas da transposição. Além da área onde ocorre a transposição a AE é dividida em quatro sub-bacias, são elas: Sub-bacia do Alto São Francisco, Sub-bacia do Médio São Francisco, Sub-bacia do Sub-médio São Francisco, Sub-bacia do Baixo São Francisco. Estão inseridos na AE o Distrito Federal e os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe.

Figura 1
Situação geográfica da área de estudo.

2.2. Dados utilizados

Neste estudo foram utilizados dados observacionais do CRU (University of East Anglia Climate Research Unit), de modelos participantes do projeto CORDEX (Coordinated Regional Climate Downscaling Experiment) e do CMIP6 (Coupled Model Intercomparison Project Phase 6) que fazem parte do cenário histórico para os séculos XX e cenários futuros para o século XXI. Foi utilizado o período de 1951 a 2000, para o histórico, e dois períodos de 30 anos (2021 a 2050 e 2051 a 2080) para os cenários futuros.

2.2.1. Observacional

Para a remoção de viés e comparação dos resultados dos IA, foram utilizados dados observados de precipitação e temperatura mínima e máxima espacializados em grade com resolução de 0,5° x 0,5° (aproximadamente 50 km) obtidos do CRU na versão 4.05 (Harris et al., 2020HARRIS, I.; OSBORN, T.J.; JONES, P.; LISTER, D. Version 4 of the CRU TS monthly high-resolution gridded multivariate climate dataset. Scientific Data, v. 7, n. 1, p. 1-18, 2020.). Esse dado foi utilizado em diversos estudos que, assim como este, corrigiram e analisaram a performance de modelos climáticos para a representatividade de índices climáticos, como o índice de aridez (Costa et al., 2018COSTA, J.M.F.; MARCOS JUNIOR, A.D., SILVEIRA, C.S.; VASCONCELOS JúNIOR, F.C. Influência das mudanças climáticas, projetadas pelo IPCC, na aridez do Brasil. Revista AIDIS de Ingeniería y Ciências Ambientales. Investigación, Desarrollo y práctica, v. 11, n. 3, p. 429-442, 2018. doi
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; Marcos Junior et al., 2018MARCOS JUNIOR, A.D.; SILVEIRA, S.S.; VASCONCELOS JúNIOR, F.C.; GUIMARãES, S.O.; DA COSTA, J.M.F. Classificação climática de Thornthwaite para o Brasil com base em cenários de mudanças climáticas do IPCC-AR5. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 33, n. 4, p. 647-664, 2018. doi
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).

2.2.2. Modelos dos projetos CORDEX e CMIP6

Foram utilizados cenários históricos e projeções de precipitação e de temperaturas mínimas e máximas obtidas por intermédio do modelo regional RCA4 forçado pelos modelos globais dispostos na Tabela 1, derivados do projeto Coordinated Regional Climate Downscaling Experiment (CORDEX). Este projeto tem como proposição a regionalização “downscaling” das projeções globais dos modelos do Coupled Model Intercomparison Project Phase 5 (CMIP5).

Tabela 1
Modelos globais do Coordinated Regional Climate Downscaling Experiment (CORDEX) utilizados e suas respectivas instituições ou agências e países de origem.

Adicionalmente, foram exploradas informações dos modelos participantes do Coupled Model Intercomparison Project Phase 6. Maiores informações sobre modelos utilizados neste estudo e seus concernentes centros e/ou agências de modelagens, bem como os seus países, podem ser observados nas Tabelas 1 e 2. Para o caso do CORDEX foram utilizados os cenários historical, RCP 4.5 e RCP8.5 (IPCC, 2013IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change. The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. STOCKER, T.F.D. QIN, G.-K.; PLATTNER, M.; TIGNOR, S.K. et al. (eds.). Cambridge: Cambridge University Pres, 1535 p., 2013.). Enquanto, para CMIP6 foram utlizados cenários historical, SSP2-4.5 e SSP5-8.5(IPCC, 2022IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability 2022. Geneva: IPCC, 3670 p., 2022.).

Tabela 2
Modelos globais do Coupled Model Intercomparison Project Phase 6 (CMIP6) utilizados e suas respectivas instituições ou agências e países de origem e resolução espacial.

2.2.3. Evapotranspiração Potencial (ETP)

Os modelos explorados nesse estudo possuem dados de temperatura mínima e máxima. Sendo assim, elegeu-se por estimar a ETP através do método proposto por Hargreaves e Samani (1985), cujas variáveis requeridas para a realização do cálculo da estimativa são apenas as mencionadas. A Eq. (1) expressa o método supracitado.

(1) E T P = 0.0023 ( T m é d + 17.8 ) × ( T m á x T m i n ) 1 2 R a × 0.408

em que ETP é dada em mm.dia-1; Tméd é a temperatura média do ar (°C); Tmáx é a temperatura máxima do ar (°C); Tmin é a temperatura mínima do ar (°C); Ra é a radiação solar no topo da atmosfera (mm. dia-1).

Studart e Campos (2014) compararam os métodos de Hargreaves, Penman-Monteith, Tanque Classe A e Thornthwaite (1948), obtidos com dados de estações situadas em ambientes semiáridos no estado do Ceará. Os resultados indicaram uma diferença ínfima entre os métodos de Hargreaves e Penman-Monteith, com desvios que variaram entre 2 e 5%.

2.3. Remoção de viés

Os resultados obtidos através dos modelos de projeções climáticas costumam apresentar erros sistemáticos, quando comparados aos dados observacionais. Para minimizar estas falhas foi aplicada uma correção estatística por intermédio da Função de Distribuição Cumulativa Gama (FDC) (Fernandes et al., 2016FERNANDES, W.S.; SOUZA FILHO, F.A.; STUDART, T.M.; SILVEIRA, C.S. Avaliação do impacto das mudanças climáticas no balanço hídrico na bacia do óros usando os modelos de mudanças climáticas do IPCC-AR4 para o cenário A1B. Revista AIDIS, v. 9, n. 1, p. 428-486, 2016..) Para tanto, foi realizada a correção de viés dos dados de precipitação e ETP dos modelos CMIP6 e CORDEX utilizando a técnica dos quantis equidistantes, adotando-se uma distribuição gama, conforme Silva et al. (2021).

2.4 Cálculo do índice de Aridez

Segundo a definição UNEP (1992)UNEP, United National Environment Program.World Atlas of Desertification. Nairobi: UNEP, 1992., o índice de Aridez (IA) é definido conforme Eq. (2):

(2) I A = P r e E T P

em que IA é o Indice de Aridez; Pre é a Precipitação; e ETP é a Evapotranspiração Potencial.

Após o cálculo do IA, a região em estudo é classificada conforme a Tabela 3.

Tabela 3
Classificação do clima segundo o índice de Aridez.

3. Resultados e Discussões

3.1. índice de Aridez

Os índices de Aridez gerados através de dados do CORDEX (Fig. 2) e do CMIP6 (Fig. 3) ilustram os resultados obtidos para o século XX, no período de 1951 a 2000. As Figs. 4 e 5, por sua vez, exibem projeções de IA para o século XXI, no período entre 2021 a 2050 para os cenários RCP 4.5 e RCP8.5 do CORDEX e cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5 do CMIP6, respectivamente. Para o período 2051 a 2080, os diferentes cenários podem ser observados na Fig. 6 (CORDEX) e na Fig. 7 (CMIP6).

Os tons mais escuros correspondem às áreas com maior grau de aridez, enquanto os mais claros ilustram áreas mais úmidas. Tanto os índices calculados por meio da base de dados dos modelos globais do CMIP6 quanto do modelo regional RCA4, aplicado como condição de contorno os modelos globais do CMIP5 (CORDEX), apresentaram amplitude de Semiárido a úmido, e estadearam coerência espacial em relação aos dados do CRU.

Figura 2
índices de Aridez pelos modelos a) CSIRO-Mk3-6-0, b) ICHEC-EC-EARTH, c) IPSL-CM5A-MR, d) HadGEM2-ES, e) NCC-NorESM1-M, f) NOAA-GFDL-ESM2M, do CORDEX e pelo CRU (g) para o século XX (1951 a 2020).

Os resultados de índice de Aridez obtidos pelo CORDEX (Fig. 2) apresentaram um padrão de similaridade com o índice obtido pelos dados de referência e também análogos entre si. Os seis modelos convergiram seus resultados ao superestimar a aridez na Sub-bacia do Médio São Francisco (MSF), atribuindo a classe Sub-úmido e úmido (SU) a áreas onde o mapa de referência considera úmida.

O modelo CSIRO-Mk3-6-0 apresentou maior tendência de aridez nas Sub-bacias do Sub-Médio São Francisco (SMSF) e Alto São Francisco (ASF), e na Região Receptora da Transposição do São Francisco (RRTSF). Na Sub-bacia MSF, mais especificamente na área limite entre os estados da Bahia e de Minas Gerais, no entanto, o índice atribuiu classificação Sub-úmido e Seco (SS) a áreas identificadas como úmidas no mapa de referência. Além disso, o CSIRO-Mk3-6-0 superestimou a aridez na porção oeste da Sub-bacia MSF. A classificação desde modelo apresentou alta relação de semelhança com a derivada do modelo IPSL-CM5A-MR.

O índice obtido por intermédio das projeções do ICHEC-EC-EARTH apresentou resultados bastante favoráveis, quando comparado com o mapa de referência. Apesar disso, o modelo superestimou a aridez em algumas regiões na RRTSF e na Sub-bacia MSF, classificando-as como Semiárido e SS, respectivamente. Comportamento similar pode ser observado nos resultados obtidos pelo modelo NCC-NorESM1-M.

Os modelos HadGEM2-ES e NOAA-GFDL-ESM2M apresentaram resultados correlativos, com pequenas variações na Sub-bacia ASF. Ambos apontaram uma intensificação na aridez na RRTFS, assumindo a classe Semiárido onde o mapa de referência classificou como SS e classe SS em áreas SU da porção leste da Sub-bacia MSF.

Ao avaliar os IA gerados com os dados do CORDEX, pode-se assumir que o ICHEC-EC-EARTH e o GFDL-ESM2M foram, respectivamente, os dois índices que apresentaram maior concordância com os dados do CRU. Os IA obtidos através do CMIP6, por sua vez, também apresentaram resultados satisfatórios, sobretudo o BCC-CSM2-MR e o MRI-ESM2.0, cujos produtos foram bastante similares entre si e com grande concordância com o IA obtido com as informações do CRU.

Tanto os dados do CORDEX e do CMIP6, apresentaram coerência espacial com os dados de referência. No entanto, ao comparar os resultados obtidos por ambos modelos é possível assumir que os dados do CORDEX são mais recomendáveis para a Bacia Estendida do São Francisco, uma vez que a resolução espacial dos índices obtidos por seus modelos é mais compatível com a abrangência espacial da área de estudo. Os resultados do CMIP6, de um modo geral, representaram bem o padrão similar das informações de aridez, no entanto, talvez possam ser melhores explorados em estudos com escalas globais. Para a área de estudo, os pontos de grade resultam incompatíveis, tendendo a generalizar os resultados entre as sub-bacias que eventualmente possam ter diferentes classes de aridez.

Na Fig. 3 é possível observar índices de aridez obtidos para diferentes cenários do CORDEX e perceber que, em âmbito geral, todos os cinco índices apresentaram padrão mais úmido na Sub-bacia ASF, enquanto que, na área de abrangência da Sub-bacia MSF houve uma maior predominância de áreas classificadas como SU e SS. As áreas localizadas na RRTSF e, na Sub-bacia SMSF, foram as regiões onde os índices obtidos pelos dados do CORDEX variaram mais, entre SS na área e Semiárido.

Figura 3
índices de Aridez pelos modelos a) BCC-CSM2-MR), b) HadGEM3-GC31-MM, c) MIROC6, d) MRI-ESM2-0, e) CESM2, do CMIP6, e pelo CRU (f) para o século XX (1951 a 2020).

Quando comparado com os resultados do CRU, o índice derivado do modelo CESM2 apresentou resultados correspondentes nas áreas localizadas nas sub-bacias ASF e MSF, classificadas como SU. Porém exibiu confusões em áreas na porção oeste da Sub-bacia MSF ao classificar como úmido e SU áreas que, segundo o mapa de referência, são atribuídas à classe SS e Semiárido.

A classificação obtida pelo modelo MIROC6, por sua vez, proporcionou resultados similares aos de referência nas área localizada na Sub-bacia ASF. O mesmo, no entanto, apresentou incompatibilidade com o mapa de referência em áreas localizadas na RRTSF e na Sub-bacia ASF, classificando como SS áreas onde o mapa de referência atribuiu a classe semiárido.

O índice de aridez obtido pelo modelo BCC-CSM2-MR apresentou potencialidades na identificação de áreas classificadas com clima semiárido e SU, sobretudo na RRTSF e na Sub-bacia SMSF. No entanto classificou como úmidas áreas ocorrentes na Sub-bacia MSF, as quais o mapa de referência identifica como SU. Resultado similar foi apresentado pelo modelo MRI-ESM2-0, com bom desempenho nas regiões com maior aridez, porém limitações nas Sub-bacias do MSF e BSF ao classificar como SU áreas úmidas.

Ao observar os resultados obtidos pelo modelo HadGEM3-GC31-L (Fig. 4) é possível perceber similaridade no padrão dos resultados. A baixa resolução espacial pode refletir em resultados divergentes, quando comparados com o mapa de referência com dados do CRU.

Os índices de Aridez para as projeções futuras dos modelos do CORDEX (Figs. 4 e 6) mantiveram a classe úmido na Sub-bacia BSF e demostraram existir uma tendência de ampliação das áreas úmidas na Sub-bacia MSF para os dois períodos analisados (2021 a 2050 e 2051 a 2080). Nas Sub-bacias SMSF e ASF, e na RRTSF, no entanto, os modelos sinalizaram uma redução da aridez em ambos os períodos, com exceção do modelo CSIRO-Mk3-6.0, que apresentou amenização da aridez no período entre 2021 a 2050 mas intensificação no período histórico de 2051 a 2080.

Figura 4
índices de Aridez pelos cenários RCP 4.5 e RCP8.5 dos modelos CSIRO-Mk3-6-0, ICHEC-EC-EARTH, IPSL-CM5A-MR, HadGEM2-ES, NCC-NorESM1-M e NOAA-GFDL-ESM2M, do CORDEX, para o século XXI (2021 a 2050).

Os índices obtidos pelos modelos do CMIP6, em seu turno, apresentaram no período de 2021 a 2050 (Fig. 5) respostas semelhantes as obtidas para o século XX, com distinções pontuais.

A projeção de aridez obtida pelo modelo CESM2 (Fig. 5) ilustra que as Sub-bacias SMSF e BSF, classificadas respectivamente como Semiárido e úmido mantiveram-se estáveis. No entanto o modelo apresentou intensificação da aridez em todas as demais Sub-bacias e na RRTSF, assim como o MIROC6, que apresentou incremento da aridez somente na Sub-bacia MSF.

Os resultados obtidos pelo BCC-CSM2-MR indicam uma leve queda da aridez na RRTSF, enquanto que a Sub-bacia MSF apresenta fenômeno inverso, com algumas áreas passando de SS para úmido. Segundo as projeções desse modelo, as demais Sub-bacias não sofreriam alterações.

Ao avaliar as informações geradas pelo modelo MRI-ESM2-0 para o período 2021 a 2050, observa-se a projeção de estabilidade na RRTSF e na Sub-bacia SMSF. No entanto, Identificaram-se áreas da Sub-bacia ASF classificadas como SS no século XX que na projeção para 2021 a 2050 foram classificadas como Semiárido. Por outro lado, houve alterações em áreas classificadas como SU na Sub-bacia ASF e na porção sul da Sub-bacia MSF, as quais transitaram para a classe úmido no cenário futuro.

O modelo HadGEM3-GC31-L indicou uma eventual redução da aridez na RRTSF e na área limítrofe entre as Sub-bacias MSF e SMSF, onde áreas Semiáridas tornaram-se SS. Mesma tendência pode ser observada na porção central da Sub-bacia MSF com áreas SU, que foram classificadas como úmido. Para as demais regiões o índice aponta estabilidade.

Figura 5
índices de Aridez pelos cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5 dos modelos BCC-CSM2-MR), HadGEM3-GC31-MM, MIROC6, MRI-ESM2-0, CESM2, do CMIP6 para o século XXI (2021 a 2050).

A Figura 6, compreende projeções de índice de aridez para o período de 2051 a 2080, obtidas através de dados do CORDEX. Os modelos ICHEC-EC-EARTH, IPSL-CM5A-MR, HadGEM2-ES e NOAA-GFDL-ESM2M indicaram uma redução da aridez na Sub-bacia SMSF e na RRTSF, apresentando fenômeno de expansão da áreas SS sobre as de Semiárido, inclusive o surgimento de regiões classificadas como SU.

Os índices gerados através do CSIRO-Mk3-6-0 e NCC-NortESM1-M, no entanto, apresentaram resultados divergentes aos demais na Sub-bacia SMSF e na RRTSF. O modelo CSIRO-Mk3-6-0 apresentou intensificação de áreas tipo Semiárido.

Figura 6
índices de Aridez pelos cenários RCP 4.5 e RCP8.5 dos modelos CSIRO-Mk3-6-0, ICHEC-EC-EARTH, IPSL-CM5A-MR, HadGEM2-ES, NCC-NorESM1-M e NOAA-GFDL-ESM2M, do CORDEX, para o século XXI (2051 a 2080).

A Figura 7, esboça as projeções de índice de aridez para o período de 2051 a 2080, obtidas por intermédio de dados dos cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5 do CMIP6. Nela é possível observar que em relação ao período anterior (2021 a 2050) há uma redução da aridez nas Sub-bacias do SMSF e BSF, apresentando resultados similares aos obtidos para o século XX. Fenômeno similar pode ser percebido na RRTSF, sobretudo no índice obtido através dos dados CESM2. Na Sub-bacias MSF e ASF os diferentes cenários apresentaram pouca variabilidade em relação ao período analisado anteriormente.

Figura 7
índices de Aridez pelos cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5 dos modelos BCC-CSM2-MR), HadGEM3-GC31-MM, MIROC6, MRI-ESM2-0, CESM2, do CMIP6 para o século XXI (2051 á 2080).

4. Considerações Finais

Este trabalho analisou a performance dos modelos do CMIP6 e CORDEX em representar o IA histórico (no período de 1951 a 2020) e as possíveis projeções de mudanças climáticas nos cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5, para os modelos do CMIP6; e RCP4.5 e RCP8.5 para o modelo RCA4 do projeto CORDEX (nos períodos de 2021 a 2050 e 2051 a 2080), sobre a BESF.

De modo geral, todos os modelos, tanto do CMIP6 como do CORDEX, apresentaram boa performance em representar o IA do CRU. Todavia, quando se comparou os resultados obtidos por ambos modelos, percebe-se que os dados do CORDEX são mais recomendáveis para a BESF, uma vez que a resolução espacial dos índices obtidos por seus modelos resultaram mais compatíveis com espacialidade da área de estudo. Destes modelos do CORDEX, os modelos BCC-CSM2-MR e MRI-ESM2.0, se destacaram com grande concordância com o IA obtido com as informações do CRU.

Desse modo, diante dos resultados obtidos neste estudo, acredita-se que os modelos regionalizados (com refinamento de grade), como downscaling dinâmico do projeto CORDEX, conseguem representar de forma mais fidedigna os índices, como o IA, em bacias hidrográficas que possuem influência de fenômenos de menor escala, em comparação com os modelos de grande escala, como os modelos do CMIP6.

Por outro lado, os novos cenários SSPs dos modelos do CMIP6 consideram, além da atualização dos cenários de emissões de Gases de Efeito Estufa associado às forçantes radiativas (os RCPs), os possíveis cenários socioeconômicos. Foi fazendo uso desses cenários SSPs que todos os modelos do CMIP6 indicaram o aumento espacial e de magnitude da aridez em todas as regiões da BESF, principalmente na região Nordeste do Brasil (área da transposição do rio São Francisco), onde um segmento do território ocorre sob clima semiárido e coincidem com os cenários RCPs anteriores que foram utilizados no projeto CORDEX. Os cenários RCP8.5 e SSP5-8.5, mesmo gerando cenários mais extremos, apresentaram resultados semelhantes aos cenários RCP4.5 e SSP2-4.5. Quando se observa apenas a área da transposição do rio São Francisco, esses resultados corroboram com os obtidos por Costa et al. (2018) e por Marcos Junior et al. (2018)MARCOS JUNIOR, A.D.; SILVEIRA, S.S.; VASCONCELOS JúNIOR, F.C.; GUIMARãES, S.O.; DA COSTA, J.M.F. Classificação climática de Thornthwaite para o Brasil com base em cenários de mudanças climáticas do IPCC-AR5. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 33, n. 4, p. 647-664, 2018. doi
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, que observaram uma sinalização de aumento das zonas com clima árido na região Nordeste do Brasil.

Para os trabalhos futuros sugere-se o uso dos modelos do projeto CORDEX utilizando os modelos do CMIP6 com os novos cenários SSPs, quando este estiver disponível. Por fim, tais resultados seriam comparados a trabalhos anteriores, como este, com o intuito de verificar possíveis mudanças ou a confirmação desses resultados com uma melhor resolução espacial.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), pelo auxílio financeiro e à Universidade Federal do Ceará (UFC), através do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (Recursos Hídricos) pelo apoio institucional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2022
  • Aceito
    31 Maio 2022
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