Acessibilidade / Reportar erro

Eventos Extremos de Secas na Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Sucuru, Cariri Paraibano

Extreme Droughts Events in the Sucuru River Hydrographic Sub-basin, Cariri Paraibano

Resumo

Objetivou-se analisar os eventos extremos de secas na sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru durante a série histórica de 1994-2021. Os dados pluviométricos foram obtidos através da Agência Executiva de Gestão das águas do Estado da Paraíba (AESA). Com a análise dos dados foi possível conhecer a duração, o déficit hídrico e a intensidade dos eventos. Após a identificação das secas e de suas características (duração, déficit hídrico e intensidade), foi utilizado o índice Padronizado de Precipitação (IPP) para classificar e selecionar os eventos extremos de secas (IPP ≤ -2,00) que ocorreram. Com relação à duração, ao déficit hídrico e à intensidade, ocorreram secas graves na década de 1990 em todos os municípios, sendo as mais críticas as da série 1997-1999. As secas em 2001-2003 foram muito intensas, porém menos do que as que aconteceram nas décadas de 1990 e 2010. Identificaram-se secas gravíssimas durante 2012-2019 em todos os municípios, com destaque para Caraúbas, Monteiro, Serra Branca, Congo e Coxixola. Os eventos extremos de secas nos munícipios ocorreram durante os anos de 1998, 1999, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019. São os anos com as mais graves secas do período estudado.

Palavras-chave
geografia; secas; agricultura

Abstract

The objective was to analyze extreme drought events on the Sucuru River hydrographic sub-basin during the 1994-2021 historical series. The rainfall data were obtained through the Agência Executiva de Gestão das águas do Estado da Paraíba (AESA). With the analysis of the data it was possible to know the duration, the water deficit and the intensity of the events. After identifying the droughts and their characteristics (duration, water deficit and intensity), the Standardized Precipitation Index (SPI) was used to classify and select the extreme drought events (SPI ≤ -2,00) that occurred. In terms of duration, water deficit and intensity, severe droughts occurred in the decade 1990 in all municipalities, the most critical being those from the 1997-1999 series. The droughts in 2001-2003 were very intense, but less than those that occurred in the decade 1990 and 2010. Very serious droughts were identified during 2012-2019 in all municipalities, especially Caraúbas, Monteiro, Serra Branca, Congo and Coxixola. Extreme drought events in the municipalities occurred during the years 1998, 1999, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 and 2019. These are the years with the most severe droughts in the studied period.

Keywords
geography; droughts; agriculture

1. Introdução

Rocha e Kurtz (2001ROCHA, J.S.M.; KURTZ, S.M.J.M. Manual de Manejo Integrado de Bacias Hidrográficas. Santa Maria: Edições UFSM, 282 p., 2001.) definem bacia hidrográfica como a área delimitada por um divisor de águas que drena as águas de chuvas por ravinas, canais e tributários para um curso principal, com vazão efluente, convergindo para uma única saída e desaguando diretamente no mar ou em um grande lago.

As bacias hidrográficas variam muito de tamanho, desde a pequena bacia de um córrego de 1a ordem até a enorme Bacia Amazônica, com milhões de km2 e, por esta razão, os estudos e intervenções visando ao planejamento e à gestão adotam diferentes áreas de abragência, resultantes de subdivisões da unidade principal (Machado e Torres, 2012MACHADO, P.J.O.; TORRES, F.T.P. Introdução à Hidrogeografia. São Paulo: Cengage Learning, 178 p., 2012.).

Usualmente, uma diferenciação entre esses conceitos é feita segundo o grau de hierarquização, de modo que a bacia hidrográfica refere-se à área de drenagem do rio principal e a sub-bacia abrange a área de drenagem de um tributário do rio principal (Machado e Torres, 2012MACHADO, P.J.O.; TORRES, F.T.P. Introdução à Hidrogeografia. São Paulo: Cengage Learning, 178 p., 2012.).

As bacias hidrográficas e sub-bacias são atingidas por diversos fenômenos naturais, dentre eles, destacam-se as secas. Seca é um fenômeno que ocorre quando a precipitação foi significativamente abaixo dos níveis normais registrados, provocando um sério desequilíbrio hídrico que afeta negativamente o meio urbano e rural (UNCCD, 1994).

Com relação às secas que ocorreram em bacias hidrográficas pelo mundo, diversas pesquisas foram realizadas e identificaram a gravidade desse fenômeno e de seus impactos:

Tesfamariam et al. (2019)TESFAMARIAM, B.G.; GESSESSE, B.; MELGANI, F. Characterizing the spatiotemporal distribution of meteorological drought as a response to climate variability: The case of rift valley lakes basin of Ethiopia. Weather and Climate Extremes, v. 26, 100237, 2019. doi
doi...
perceberam uma alta variabilidade espaço-temporal da precipitação na bacia dos Lagos do Vale do Rift, Etiópia, com a ocorrência de secas frequentes e intensidades variadas. Os autores citam os efeitos da topografia local como um dos influenciadores dessa variabilidade, pois a área tem altitude variando entre 450 e 4.000 m acima do nível do mar.UNITED NATIONS CONVENTION TO COMBAT DROUGHT AND DESERTIFICATION (UNCCD). United Nations Convention to Combat Drought and Desertification in Countries Experiencing Serious Droughts and/or Desertification. Particularly in Africa. Paris: UNCCD, 1994.

Stewart et al. (2020)STEWART, I.T.; ROGERS, J.; GRAHAM, A. Water security under severe drought and climate change: Disparate impacts of the recent severe drought on environmental flows and water supplies in Central California. Journal of Hydrology, v. 7, 100054, 2020. doi
doi...
identificaram que eventos de secas moderadas e severas afetaram áreas da bacia hidrográfica de Tuolumne, Califórnia, Estados Unidos, de maneiras muito diferentes. O abastecimento de água dos usuários urbanos com melhores condições financeiras não foi prejudicado, enquanto o abastecimento dos usuários agrícolas e urbanos no vale central foi reduzido em cerca de 30%.

Hulsman et al. (2021)HULSMAN, P.; SAVENIJE, H.H.G.; HRACHOWITZ, M. Satellite-based drought analysis in the Zambezi River Basin: Was the 2019 drought the most extreme in several decades as locally perceived?. Journal of Hydrology: Regional Studies, v. 34, 100789, 2021. doi
doi...
observaram na bacia do Rio Zambeze, áfrica, que a seca de 2019 apresentou a menor precipitação anual, o déficit de chuva mais severo no Norte da bacia e o mais baixo nível dos reservatórios desde 1995.

Villani et al. (2022)VILLANI, L.; CASTELLI, G.; PIEMONTESE, L.; PENNA, D.; BRESCI, E. Drought risk assessment in Mediterranean agricultural watersheds: A case study in Central Italy. Agricultural Water Management, v. 271, 107748, 2022. doi
doi...
, em uma análise dos riscos de secas em bacias do Mediterrâneo, acreditam que as bacias hidrográficas dessa região serão afetadas por um número maior de eventos de secas e maior gravidade devido as mudanças climáticas. Os resultados evidenciam, ainda, maior perigo para a parte Sul da região e maior exposição dos municípios litorâneos e produtores de vinho.

Kang et al. (2022)KANG, H.; SRIDHAR, V.; ALI, S.A. Climate change impacts on conventional and flash droughts in the Mekong River Basin. Science of The Total Environment, v. 838, part 2, 155845, 2022. doi
doi...
afirmam que as secas recentes na bacia do Rio Mekong, ásia, resultaram em perdas ambientais e econômicas devastadoras. As alterações induzidas pelo homem tornaram a situação ainda mais difícil. Os países da bacia tiveram impactos diferenciados, portanto, é necessária uma estratégia de adaptação futura direcionada.

A sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru, Cariri Paraibano, apresenta grande importância social, econômica e ambiental para os municípios que a compõem. Porém, a mesma apresenta carência de informações sobre Geologia, Hidrografia, Biogeografia e Climatologia.

Esta análise justifica-se pela ausência de dados referentes às secas nesta sub-bacia e pela necessidade do conhecimento dos mesmos para auxiliar em um planejamento pelos órgãos públicos, pois como afirmam Machado e Torres (2012MACHADO, P.J.O.; TORRES, F.T.P. Introdução à Hidrogeografia. São Paulo: Cengage Learning, 178 p., 2012.), o estudo detalhado de uma bacia hidrográfica, seja de suas características físicas, de seus modelos de parcelamento, uso e ocupação do solo ou de suas características sociais e econômicas, é fundamental para que se proceda à utilização e ao manejo mais adequado de seus recursos.

Após a apresentação do tema e de sua justificativa, alguns questionamentos surgem em relação à sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru, são os seguintes: Em que anos ocorreram os eventos extremos de secas? Quais foram os mais graves?

A hipótese da pesquisa é de que ocorreram diversos eventos extremos de secas durante a série que será analisada (1994-2021), destacando-se como mais graves aqueles durante 2012-2021.

Diante do que foi abordado, objetivou-se analisar os eventos extremos de secas na sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru durante a série histórica de 1994-2021.

2. Materiais e Métodos

Integram a sub-bacia os municípios de Amparo, Caraúbas, Congo, Coxixola, Monteiro, Ouro Velho, Prata, São José dos Cordeiros, Serra Branca e Sumé (Fig. 1).

Figura 1
Localização geográfica da sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru.

Os dados pluviométricos foram obtidos através da Agência Executiva de Gestão das águas do Estado da Paraíba (Aesa, 2022b). Foram utilizados dados de totais mensais precipitados para o período de 1994-2021 dos postos pluviométricos localizados nos municípios da sub-bacia hidrográfica.

As secas foram identificadas através do Run method, proposto por Yevjevich (1967)YEVJEVICH, V. An Objective Approach to Definitions and Investigations of Continental Hydrologic Droughts. Fort Collins: Colorado State University, 25 p., 1967. e aplicado por Duarte et al. (2018)DUARTE, J.G.P.; FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S.; SOUZA, J.T.A.; RAMOS, M.M. Q. Secas e impactos na agropecuária no município de Campina Grande - PB. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 33, n. 2, p. 289-297, 2018. doi
doi...
, Melo e Sousa (2021MELO, V.S.; SOUSA, F.A.S. Análise de frequência de secas utilizando técnica de agrupamento e distribuições de probabilidades. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 26, n. 1, p. 53-60, 2021. doi
doi...
), dentre outros. O mesmo permitiu conhecer a duração, o déficit hídrico e a intensidade desses eventos.

Após a identificação das secas e de suas características (duração, déficit hídrico e intensidade), foi utilizado o índice Padronizado de Precipitação (IPP) (Mckee et al., 1993MCKEE, T.B.; DOESKEN, N.J.; KLEIST, J. The relationship of drought frequency and duration of time scales. Eighth Conference on Applied Climatology. Anaheim: American Meteorological Society, p.179-186, 1993.), para classificar e selecionar os eventos extremos de secas (IPP ≤ -2,00) que ocorreram (Tabela 1). O IPP foi gerado através do Regional Drought Identification Module (REDIM).

Tabela 1
Valores do IPP e categorias de chuvas e de secas.

Foi utilizado o software QGIS 2.18.28 Las Palmas para espacialização do IPP durante os anos mais representativos (1998 e 2012) por meio da interpolação espacial: krigagem geoestatística. O datum definido para elaboração dos mapas foi o SIRGAS 2000 e os dados shapefiles foram obtidos da Aesa (2022a).

3. Resultados e Discussão

As características das secas (duração, déficit hídrico e intensidade) que ocorreram na sub-bacia estão disponíveis na Tabela 2 e expressam a realidade vivida pelas áreas urbanas e rurais durante a série 1994-2021. Realidade que resultou em desastres sociais, econômicos e ambientais em função das elevadas vulnerabilidades a que estão submetidos essas localidades.

As secas da década de 1990, que tinham sido identificadas por Farias et al. (2017)FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S.; MORAES NETO, J.M.; ALVES, A.S. Secas e seus impactos no município de Boqueirão, PB, Brasil. Revista Ambiente & água, v. 12, n. 2, p. 316-330, 2017. doi
doi...
, Duarte et al. (2018)DUARTE, J.G.P.; FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S.; SOUZA, J.T.A.; RAMOS, M.M. Q. Secas e impactos na agropecuária no município de Campina Grande - PB. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 33, n. 2, p. 289-297, 2018. doi
doi...
e Farias e Sousa (2020FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S. Caracterização e análise das secas na sub-bacia hidrográfica do Rio Taperoá. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 13, n. 4, p. 1483-1501, 2020. doi
doi...
) em diferentes localidades da Paraíba, também foram observadas nesta sub-bacia. Percebe-se períodos bem variados de secas nos municípios, com início em 1994 e fim em 1999. Porém as mesmas se repetiram com maior frequência e gravidade nos anos de 1997-1999 (Tabela 2). O que já foi confirmado por Gutierrez et al. (2014)GUTIéRREZ, A.P.A.; ENGLE, N.L.; NYS, E.D.; MOLEJóN, C.; MARTINS, E.S. Drought preparedness in Brazil. Weather and Climate Extremes, v. 3, n. 4, p. 95-106, 2014. doi
doi...
, Brito et al. (2017)BRITO, S.S.B.; CUNHA, A.P.M.A.; CUNNINGHAM, C.C.; ALVALá, R.C.; MARENGO, J.A.; et al. Frequency, duration and severity of drought in the Semiarid Northeast Brazil region. International Journal of Climatology, v. 38, n. 2, p. 517-529, 2017. doi
doi...
, Marengo et al. (2018)MARENGO, J.A.; ALVES, L.M.; ALVALA, R.C.S.; CUNHA, A.P.; BRITO, S.; et al. Climatic characteristics of the 2010-2016 drought in the semiarid Northeast Brazil region. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 90, n. 2, p. 1973-1985, 2018. doi
doi...
, Brito et al. (2021)BRITO, C.S.; SILVA, R.M.; SANTOS, C.A.G.; BRASIL NETO, R.M.; COELHO, V.H.R. Monitoring meteorological drought in a semiarid region using two long-term satellite-estimated rainfall datasets: A case study of the Piranhas River basin, northeastern Brazil. Atmospheric Research, v. 250, 105380, 2021. doi
doi...
e Brasil Neto et al. (2021BRASIL NETO, R.M.; SANTOS, C.A.G.; SILVA, J.F.C.B.C.; SILVA, R.M.; SANTOS, C.A.C.; et al. Evaluation of the TRMM product for monitoring drought over Paraíba State, northeastern Brazil: a trend analysis. Scientific Reports, v. 11, 1097, 2021. doi
doi...
) como anos de secas muito graves no Nordeste do Brasil.

Ocorreram secas graves na década de 1990 em todos os municípios e com os seguintes déficits hídricos: Amparo (1998-2001, 531,43 mm), Caraúbas (1998, 279,20 mm), Congo (1996-1999, 413,74 mm), Coxixola (1995-1998, 429,19 mm), Monteiro (1996-1999, 689,91 mm), Ouro Velho (1997-1999, 614,09 mm), Prata (1996-1999, 793,17 mm), São José dos Cordeiros (1997-1999, 752,39 mm), Serra Branca (1997-1999, 671,61 mm) e Sumé (1997-1999, 537,79 mm) (Tabela 2). Situação semelhante foi observada por Farias et al. (2017)FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S.; MORAES NETO, J.M.; ALVES, A.S. Secas e seus impactos no município de Boqueirão, PB, Brasil. Revista Ambiente & água, v. 12, n. 2, p. 316-330, 2017. doi
doi...
, pois constataram que a seca de 1998-2000 foi a mais grave em Boqueirão, PB, além de muitos outros impactos, essa seca reduziu drasticamente a produção agropecuária e o abastecimento de água da região.

Foram observadas secas na série 2001-2003. As mesmas foram agravadas em função de eventos que ocorreram em anos anteriores (1997-1999) (Tabela 2). Quando as secas ocorrem próximas umas das outras não há uma recuperação plena, pois os açudes, a economia, a agricultura, a pecuária e o meio ambiente demoram muito tempo para voltarem a condição de antes do evento climático causador daquele estresse. A gravidade da seca de 2001-2003 já tinha sido identificada por Duarte et al. (2018)DUARTE, J.G.P.; FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S.; SOUZA, J.T.A.; RAMOS, M.M. Q. Secas e impactos na agropecuária no município de Campina Grande - PB. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 33, n. 2, p. 289-297, 2018. doi
doi...
, onde os mesmos afirmam que foi uma das três mais graves que ocorreram em Campina Grande, PB, durante 1994-2015.

As secas em 2001-2003 foram muito intensas, porém menos do que as que aconteceram nas décadas de 1990 e 2010. Merecem destaque as secas de 2001-2003 no Congo, a de 2001 em Ouro Velho e a de 2001-2003 em São José dos Cordeiros, que apresentaram déficit hídrico de 300,71 mm, 347,53 mm e 554,29 mm, respectivamente, (Tabela 2).

Marengo et al. (2017)MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - past, present, and future. Theoretical and Applied Climatology, v. 129, n. 3-4, p. 1189-1200, 2017. doi
doi...
afirmam que as secas em 1998 e 2002 no Semiárido do Nordeste do Brasil foram causadas pelo El Niño Oscilação Sul. No entanto, tal fenômeno explica apenas parte da variabilidade da precipitação nessa região, pois Kane (1997)KANE, R.P. Prediction of droughts in Northeast Brazil: role of ENSO and use of periodicities. International Journal of Climatology, v. 17, n. 6, p. 655-665, 1997. doi
doi...
mostra que de 46 eventos El Niño (forte e moderado) durante 1849-1992, apenas 21 foram associados a secas no Norte do Nordeste do Brasil. Buriti e Barbosa (2018BURITI, C.O.; BARBOSA, H.A. Um Século de Secas: Por Que As Políticas Hídricas Não Transformaram o Semiárido Brasileiro? São Paulo: Chiado Books, 432 p., 2018.) observaram que quase 30% dos eventos de secas no Semiárido do Brasil não coincidiram com a ocorrência de El Niño.

Moura e Shukla (1981MOURA, A.D.; SHUKLA, J. On the dynamics of droughts in Northeast Brazil: observations, theory and numerical experiment with a general circulation model. Jornal Atmosfere Science, v. 38, n. 12, p. 2653-2675, 1981. doi
doi...
) informam que as ocorrências simultâneas de El Niño e secas no Nordeste do Brasil se limitam a alguns eventos específicos. Isso se deve ao fato de que a precipitação nessa região é também fortemente relacionada às anomalias de temperatura da superfície do mar do Atlântico Tropical. Muitos estudos mostram a influência do Oceano Atlântico Tropical na distribuição das chuvas nas regiões tropicais do continente Sul-Americano, principalmente sobre o setor Norte do Nordeste do Brasil.

Com relação aos eventos recentes de secas que aconteceram na sub-bacia, uma maior gravidade é observada para anos seguidos de secas. Foi o que aconteceu com Caraúbas e Monteiro, com oito anos seguidos de secas (2012-2019), Serra Branca, com sete (2012-2018) e Congo e Coxixola, com seis (2012-2017). Este período foi gravíssimo para esses municípios, impactando as culturas agrícolas, os rebanhos, o abastecimento hídrico residencial, a alimentação das famílias, a obtenção de renda e o meio ambiente. Marengo et al. (2018MARENGO, J.A.; ALVES, L.M.; ALVALA, R.C.S.; CUNHA, A.P.; BRITO, S.; et al. Climatic characteristics of the 2010-2016 drought in the semiarid Northeast Brazil region. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 90, n. 2, p. 1973-1985, 2018. doi
doi...
) afirmam que durante a estação chuvosa deficiente de 2012 muitas áreas receberam menos de 50% da precipitação média da estação, levando muitos municípios a declarar estado de emergência. Os municípios de Amparo, Ouro Velho, Prata, São José dos Cordeiros e Sumé também foram muito impactados pelas secas recentes, porém os eventos foram alternados, o que torna possível uma mínima recuperação. A seca de 2021 foi observada em todos os municípios da sub-bacia, exceto Sumé (Tabela 2).

O período de secas que iniciou em 2012 na sub-bacia hidrográfica e em diversas localidades do Semiárido nordestino foi realmente gravíssimo, pois foi muito longo e os valores de precipitação ficaram muito abaixo das médias (que já não são valores considerados elevados). De acordo com Alvalá et al. (2019)ALVALá, R.C.S.; CUNHA, A.P.M.A.; BRITO, S.S.B.; SELUCHI, M.E.; MARENGO, J.A.; et al. Drought monitoring in the Brazilian Semiarid region. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 91 (Suppl. 1), e20170209, 2019. doi
doi...
, a seca que iniciou em 2012 e afetou o Semiárido brasileiro caracteriza-se por uma intensidade e impacto na agricultura e no abastecimento de água não vistos nas últimas décadas. Confirmando o exposto acima, Brito et al. (2017)BRITO, S.S.B.; CUNHA, A.P.M.A.; CUNNINGHAM, C.C.; ALVALá, R.C.; MARENGO, J.A.; et al. Frequency, duration and severity of drought in the Semiarid Northeast Brazil region. International Journal of Climatology, v. 38, n. 2, p. 517-529, 2017. doi
doi...
, em uma análise da frequência, duração e gravidade das secas no Semiárido do Nordeste do Brasil durante 1981-2016, citam secas mais severas e prolongadas em 2011-2016 durante o período de estudo. Afirmam, também, que durante 2012-2016 as secas foram mais frequentes, severas e afetaram uma área maior do que as secas das décadas passadas. E os autores em questão não incluíram 2017, 2018, 2019 e 2021, anos confirmados como secos nesta análise. O que evidencia a situação de calamidade vivenciada durante 2012-2021 na sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru.

As secas em Caraúbas e Monteiro tiveram duração de oito anos (2012-2019), com impressionantes 1399,57 e 1015,13 mm de déficit hídrico e 174,95 e 126,89 mm/ano de intensidade, respectivamente. O município de Serra Branca apresentou secas durante sete anos (2012-2018), com déficit hídrico de 1439,05 mm e intensidade de 205,58 mm/ano. No Congo e em Coxixola as secas iniciaram em 2012 e terminaram em 2017, com 1159,51 e 1195,53 mm de déficit hídrico e 193,25 e 199,25 mm/ano de intensidade, respectivamente, (Tabela 2). Marengo et al. (2018)MARENGO, J.A.; ALVES, L.M.; ALVALA, R.C.S.; CUNHA, A.P.; BRITO, S.; et al. Climatic characteristics of the 2010-2016 drought in the semiarid Northeast Brazil region. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 90, n. 2, p. 1973-1985, 2018. doi
doi...
citam déficits hídricos em 2012-2013 de 300 a 400 mm/ano em alguns municípios do Semiárido nordestino. Santos et al. (2019)SANTOS, C.A.G.; BRASIL NETO, R.M.; SILVA, R.M.; SANTOS, D.C. Innovative approach for geospatial drought severity classification: a case study of Paraíba state, Brazil. Stochastic Environmental Research and Risk Assessment, v. 33, n. 2, p. 545-562, 2019. doi
doi...
também relatam situações trágicas durante as secas recentes, onde os mesmos revelaram que os anos de 2012, 2013, 2014 e 2015 tiveram os níveis mais baixos de precipitação no Estado da Paraíba durante a série analisada (1998-2015); o ano de 2012, o mais seco, destaca-se com um valor médio de aproximadamente 400 mm em toda a área de estudo. Brasil Neto et al. (2021BRASIL NETO, R.M.; SANTOS, C.A.G.; SILVA, J.F.C.B.C.; SILVA, R.M.; SANTOS, C.A.C.; et al. Evaluation of the TRMM product for monitoring drought over Paraíba State, northeastern Brazil: a trend analysis. Scientific Reports, v. 11, 1097, 2021. doi
doi...
) corroboram com as afirmações acima, citando o ano de 2012 como um dos mais secos do período estudado na Paraíba.

Secas impactantes também foram observadas nos seguintes municípios, anos e com os déficits hídricos: Amparo (2012-2013, 766,62 mm), Ouro Velho (2012-2013, 748,56 mm; 2015-2016, 573,86 mm), Prata (2012-2013, 579,94 mm; 2015-2017, 523,75 mm), São José dos Cordeiros (2012-2014, 835,69 mm; 2016-2017, 595,56 mm), Sumé (2012-2013, 759,53 mm; 2015-2018, 932,96 mm) (Tabela 2). A diferença dessas secas em relação as que aconteceram em Caraúbas, Monteiro, Serra Branca, Congo e Coxixola é que não foram seguidas, havendo algum ano com precipitação acima da média. E isso, diante de situações de desastres, minimizou um pouco o sofrimento da população, dos animais e das plantas que convivem no ambiente da sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru.

De acordo com Marengo et al. (2018)MARENGO, J.A.; ALVES, L.M.; ALVALA, R.C.S.; CUNHA, A.P.; BRITO, S.; et al. Climatic characteristics of the 2010-2016 drought in the semiarid Northeast Brazil region. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 90, n. 2, p. 1973-1985, 2018. doi
doi...
, a seca que começou em 2012 estava ligada a um Oceano Atlântico Norte Tropical anormalmente quente que favoreceu o deslocamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) para o Norte e produziu menos chuvas no Nordeste do Brasil. As condições do evento La Niña em 2013 não foram suficientes para compensar as condições de seca estabelecidas anos antes e o El Niño em 2015 piorou a situação ainda mais. A extensão e a intensidade dessa seca afetaram a economia regional do Semiárido do Nordeste do Brasil em mais de 1100 municípios, gerando problemas sociais: êxodo, desemprego, fome, tanto no meio urbano quanto no rural.

O ano de 2020 apresentou precipitação acima da média, com isso houve o encerramento da seca de 2012-2019. Em 2021 iniciou outra seca, porém bem menos intensa do que as anteriores (Tabela 2).

Tabela 2
Início, fim, duração, déficit hídrico e intensidade das secas nos municípios da sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru.

Os eventos extremos de secas nos munícipios da sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru ocorreram durante os anos de 1998, 1999, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 (Tabela 3). São os anos com as mais graves secas do período estudado e que comprovam a ineficiência de algumas políticas públicas e os reduzidos investimentos em ações de convivência com o Semiárido.

As secas extremas de 1998-1999 ocorreram na grande maioria dos municípios. Estes eventos geraram diversos impactos sociais, econômicos e ambientais nas comunidades. E que foram ainda mais surpreendentes em São José dos Cordeiros, Prata, Monteiro e Congo, no ano de 1998, com IPP variando de -2,76 a -3,32 (Fig. 2) e (Tabela 3). Os impactos das secas extremas de 1998-1999 só foram menores do que os das secas extremas de 2012-2019, pois a duração destas foi bem maior do que daquelas.

Figura 2
IPP dos municípios da sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru durante 1998.

As secas extremas de 1998-1999 geraram mortes de animais e plantas; fome, saques a estabelecimentos comerciais, migrações e aumento da pobreza. De forma similar, Farias et al. (2021)FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S.; AIRES, T.L.B.A.; BRITO, T.C. A seca de 2012-2014 no município de Taperoá-PB e o papel das ações de convivência nesse contexto. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 14, n. 1, p. 135-158, 2021. doi
doi...
também observaram reduções na alimentação da população, aumento da pobreza, migrações populacionais, redução da pecuária e da produção de culturas; e aumento do desemprego em anos de secas em um município do Semiárido paraibano.

Com relação às migrações durante as secas, Almeida (2012)ALMEIDA, J.A. A Paraíba e Seus Problemas. Brasília: Senado Federal, 612 p., 2012., no excelente Livro A Paraíba e seus Problemas, já falava sobre elas no século XIX e afirma que nessa época a população desprovida de todos os meios de salvação e castigada pela dolorosa experiência de outras secas, não se conformava e começava a emigrar, tão depressa se pronunciava novo evento. Situação que ainda ocorre em 2022, porém de forma menos intensa.AGêNCIA EXECUTIVA DE GESTãO DAS áGUAS DO ESTADO DA PARAíBA. Geoportal - Shapefiles. Aesa, João Pessoa, 2022a. Disponível em http://geoserver.aesa.pb.gov.br/geoprocessamento, acesso em 23 de maio de 2022.
http://geoserver.aesa.pb.gov.br/geoproce...
AGêNCIA EXECUTIVA DE GESTãO DAS áGUAS DO ESTADO DA PARAíBA. Dados Meteorológicos. Aesa, João Pessoa, 2022b. Disponível em http://www.aesa.pb.gov.br/aesa-website/meteorologia-chuvas/, acesso em 13 de janeiro de 2022.
http://www.aesa.pb.gov.br/aesa-website/m...

O problema da fome durante as secas já foi abordado de forma brilhante por Castro (2008)CASTRO, J. Geografia da Fome. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 318 p., 2008., no Livro Geografia da Fome, onde afirma que são surtos agudos de fome que surgem com a seca, intercaladas ciclicamente com os períodos de relativa abundância que caracterizam a vida do sertanejo nos tempos de normalidade. Segundo o autor, são epidemias de fome global quantitativa e qualitativa, alcançando com incrível violência os limites extremos da desnutrição e da inanição aguda. Ainda de acordo com Castro (2008)CASTRO, J. Geografia da Fome. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 318 p., 2008., as secas periódicas desorganizam por completo a economia primária da região, impactam as fontes naturais de vida, prejudicam as pastagens, dizimam o gado e arrasam as lavouras.

Com relação às secas extremas de 1998-1999 na sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru, as condições foram mais difíceis para o homem do campo, em sua maioria agricultores familiares. De acordo com a Lei 11.326, de 24 de Julho de 2006, da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que quatro módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

O problema é que dificilmente encontram-se agricultores familiares com quatro módulos fiscais no Semiárido do Nordeste do Brasil. E na sub-bacia analisada não é diferente. Cada módulo fiscal na sub-bacia tem 55 hectares. Então, quatro módulos fiscais neste lugar têm 220 hectares. Mas a realidade é que a grande maioria dos agricultores familiares têm menos de 10 hectares, o que dificulta a convivência com o ambiente, principalmente em anos de secas. Targino e Moreira (2020TARGINO, I.; MOREIRA, E. Agricultura familiar na Paraíba: perfil com base no censo agropecuário de 2017. Revista Econômica do Nordeste, v. 51, suplemento especial, p. 133-154, 2020.) citam que a área média dos estabelecimentos familiares na Paraíba é de 11,5 hectares, o que comprova a intensa e histórica concentração fundiária e um dos motivos dos intensos impactos das secas ainda acontecerem.

Targino e Moreira (2020TARGINO, I.; MOREIRA, E. Agricultura familiar na Paraíba: perfil com base no censo agropecuário de 2017. Revista Econômica do Nordeste, v. 51, suplemento especial, p. 133-154, 2020.) reafirmam, ainda, outros problemas enfrentados pelos agricultores familiares na Paraíba e que dificultam a convivência com o Semiárido: baixo nível de escolaridade dos responsáveis pelos estabelecimentos, fracionamento excessivo das unidades produtivas, padrão tecnológico insuficiente, concentração da produção de lavouras em poucos produtos, canais de comercialização restritos, fragilidade da organização produtiva das unidades familiares, centrada nas lavouras tradicionais (feijão e milho). E fazem um alerta: Essas dificuldades tendem a se agravar, tendo em vista o desmonte das políticas de sustentação da agricultura familiar e de reestruturação agrária adotadas nas últimas décadas.

A seca da série 2012-2019 é considerada a mais longa e grave do período estudado na sub-bacia hidrográfica. Diversos eventos extremos de secas foram observados durante esse período (Tabela 3), que causaram impactos que acreditava-se não serem mais possíveis de acontecer em função das melhorias sociais e econômicas que a sub-bacia tinha passado, seguindo uma tendência nacional.

Os eventos extremos de secas de maior gravidade na sub-bacia aconteceram em 2012 e 2013, com destaque para o ano de 2012, para os municípios de Sumé (IPP de -3,47), Monteiro (IPP de -2,91), Congo (IPP de -2,91), Coxixola (IPP de -2,87) e Amparo (IPP de -2,84) (Fig. 3) e (Tabela 3). Estes eventos extremos trouxeram a realidade de que muito ainda há para ser feito em relação à convivência com o Semiárido.

Figura 3
IPP dos municípios da sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru durante 2012.

Apesar de toda a gravidade dos eventos extremos de 2012-2013, novos eventos extremos ocorreram em 2013-2014 no Congo, Coxixola, Monteiro e Serra Branca (Tabela 3). Tais eventos seguidos deixaram a população em situação dramática, principalmente aquela dependente das culturas de subsistência (milho e feijão) e da pecuária extensiva de bovinos, caprinos e ovinos. Da mesma forma, o abastecimento de água das residências chegou a uma situação crítica. Problemas que se repetem há séculos e que demonstram a falta de interesse dos tomadores de decisão do Brasil em resolver as questões relacionadas à convivência com as secas.

Dificuldades durante as secas já foram citadas por Andrade (1963)ANDRADE, M.C. A Terra e o Homem no Nordeste. São Paulo: Urupês, 265 p., 1963., no Livro a Terra e o Homem no Nordeste, relatos feitos há quase 60 anos e que pouco mudaram em 2022. Neste o autor afirma que a seca corresponde ao pior período da vida do vaqueiro, pois nem sempre a migração sazonal de animais é realizada, havendo propriedades em que a mesma só acontece em anos críticos, sendo necessário, então, o gado ser alimentado. Quando existem os restos das palhas de algodão, feijão, fava e milho, costumam-se utilizá-los na alimentação do gado. As cactáceas, a exemplo do mandacaru, e nos anos mais secos, o facheiro e o xique-xique, devem ser queimadas antes de serem oferecidas ao gado. Do mesmo modo a macambira que, além de ser queimada, deve ser triturada para ser oferecida aos animais. Condições similares às encontradas nesse relato de Manuel Correia de Andrade em 1963 ocorrem ainda hoje (2022) em grande parte do Semiárido do Nordeste do Brasil.BRASIL. Lei Nº 11.326, de 24 de Julho de 2006. Estabelece as Diretrizes para a Formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm, acesso em 30 de março de 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...

A seca mais longa e grave do período estudado na sub-bacia (2012-2019) gerou diversos outros eventos extremos em sequência (Tabela 3), foram eles:

  • 2015: Amparo, Caraúbas, Ouro Velho, Prata e Sumé;

  • 2016: Monteiro;

  • 2016-2017: Caraúbas, Congo, Coxixola, São José dos Cordeiros e Sumé;

  • 2016-2018: Serra Branca;

  • 2017-2018: Sumé;

  • e 2019: Caraúbas.

Essa diferença dos eventos entre municípios é justamente em função da intensa variabilidade espacial e temporal da precipitação apresentada pelo Semiárido nordestino. O que não apresenta grande variabilidade entre municípios são os impactos de uma longa seca e com diversos eventos extremos seguidos, condições que desestruturam totalmente o panorama social, econômico e ambiental de espaços já bastante vulneráveis.

Os resultados apresentados aqui estão de acordo com diversos autores, entre eles: Pereira et al. (2014)PEREIRA, M.P.S.; JUSTINO, F.B.; MALHADO, A.C.M.; BARBOSA, H.A.; MARENGO, J.A. The influence of oceanic basins on drought and ecosystem dynamics in Northeast Brazil. Environmental Research Letters, v. 9, 124013, 2014. doi
doi...
afirmam que a seca de 2012 no Nordeste do Brasil foi a mais severa em décadas, com impactos potencialmente significativos na vegetação da caatinga e nos meios de subsistência locais. O mesmo foi observado por Marengo et al. (2017)MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - past, present, and future. Theoretical and Applied Climatology, v. 129, n. 3-4, p. 1189-1200, 2017. doi
doi...
, onde citam que a seca do período de 2012-2015 no Nordeste do Brasil teve uma intensidade e um impacto não observados nas últimas décadas, afetando centenas de cidades da região, bem como produtores agrícolas, pecuaristas e industriais. Buriti e Barbosa (2018BURITI, C.O.; BARBOSA, H.A. Um Século de Secas: Por Que As Políticas Hídricas Não Transformaram o Semiárido Brasileiro? São Paulo: Chiado Books, 432 p., 2018.) identificaram que em 2012 ocorreu um evento extremo de seca no Cariri paraibano. Eles perceberam a excepcionalidade da seca recente que atingiu o Semiárido brasileiro (2010-2016) em razão de o evento climático se apresentar como o mais longo e um dos mais intensos do período de estudo. Cunha et al. (2019)CUNHA, A.P.M.A.; ZERI, M.; LEAL, K.D.; COSTA, L.; CUARTAS, L.A.; et al. Extreme drought events over Brazil from 2011 to 2019. Atmosphere, v. 10, 642, 2019. doi
doi...
citam a seca plurianual recente (2011-2017) no Nordeste do Brasil como a mais extrema em décadas.

Tabela 3
Início, fim, IPP e classificação das secas nos municípios da sub-bacia hidrográfica do Rio Sucuru.

4. Considerações Finais

Com relação à duração, ao déficit hídrico e à intensidade das secas, ocorreram secas graves na década de 1990 em todos os municípios, sendo as mais críticas as da série 1997-1999, com impressionantes 793,17 mm de déficit hídrico na Prata, 752,39 mm em São José dos Cordeiros e 689,91 mm em Monteiro. As secas em 2001-2003 foram muito intensas, porém menos do que as que aconteceram nas décadas de 1990 e 2010. Merecem destaque as secas de 2001-2003 no Congo, a de 2001 em Ouro Velho e a de 2001-2003 em São José dos Cordeiros. Identificaram-se secas gravíssimas durante 2012-2019 em todos os municípios, com destaque para Caraúbas (1399,57 mm de déficit hídrico) e Monteiro (1015,13 mm) (oito anos) (2012-2019), Serra Branca (1439,05 mm) (sete anos) (2012-2018) e Congo (1159,51 mm) e Coxixola (1195,53 mm) (seis anos) (2012-2017).

Os eventos extremos de secas ocorreram durante os anos de 1998, 1999, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019. São os anos com as mais graves secas do período estudado. E que comprovam a ineficiência de algumas políticas públicas e os reduzidos investimentos em ações de convivência com o Semiárido.

As secas extremas de 1998-1999 aconteceram na grande maioria dos municípios. Estes eventos geraram diversos impactos sociais, econômicos e ambientais nas comunidades. E que foram ainda mais surpreendentes em São José dos Cordeiros, Prata, Monteiro e Congo. Os impactos das secas extremas de 1998-1999 só foram menores do que os das secas extremas de 2012-2019, pois a duração destas foi bem maior do que daquelas.

A seca da série 2012-2019 é considerada a mais longa e grave do período estudado na sub-bacia hidrográfica. Diversos eventos extremos de secas foram observados durante esse período, que causaram impactos que acreditava-se não serem mais possíveis de acontecer em função das melhorias sociais e econômicas que a sub-bacia tinha passado, seguindo uma tendência nacional. Os eventos extremos de secas de maior gravidade na sub-bacia aconteceram em 2012 e 2013, destacando-se os municípios de Sumé, Monteiro, Congo, Coxixola e Amparo. Estes trouxeram a realidade de que muito ainda há para ser feito em relação à convivência com o Semiárido.

Agradecimentos

à Universidade Estadual da Paraíba, pela possibilidade de realizar a Licenciatura em Geografia e pela excelência no Ensino, na Pesquisa e na Extensão.

Referências

  • AGêNCIA EXECUTIVA DE GESTãO DAS áGUAS DO ESTADO DA PARAíBA. Geoportal - Shapefiles Aesa, João Pessoa, 2022a. Disponível em http://geoserver.aesa.pb.gov.br/geoprocessamento, acesso em 23 de maio de 2022.
    » http://geoserver.aesa.pb.gov.br/geoprocessamento
  • AGêNCIA EXECUTIVA DE GESTãO DAS áGUAS DO ESTADO DA PARAíBA. Dados Meteorológicos Aesa, João Pessoa, 2022b. Disponível em http://www.aesa.pb.gov.br/aesa-website/meteorologia-chuvas/, acesso em 13 de janeiro de 2022.
    » http://www.aesa.pb.gov.br/aesa-website/meteorologia-chuvas/
  • ALMEIDA, J.A. A Paraíba e Seus Problemas Brasília: Senado Federal, 612 p., 2012.
  • ALVALá, R.C.S.; CUNHA, A.P.M.A.; BRITO, S.S.B.; SELUCHI, M.E.; MARENGO, J.A.; et al. Drought monitoring in the Brazilian Semiarid region. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 91 (Suppl. 1), e20170209, 2019. doi
    » https://doi.org/10.1590/0001-3765201720170209
  • ANDRADE, M.C. A Terra e o Homem no Nordeste São Paulo: Urupês, 265 p., 1963.
  • BRASIL. Lei Nº 11.326, de 24 de Julho de 2006. Estabelece as Diretrizes para a Formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm, acesso em 30 de março de 2022.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm
  • BRASIL NETO, R.M.; SANTOS, C.A.G.; SILVA, J.F.C.B.C.; SILVA, R.M.; SANTOS, C.A.C.; et al. Evaluation of the TRMM product for monitoring drought over Paraíba State, northeastern Brazil: a trend analysis. Scientific Reports, v. 11, 1097, 2021. doi
    » https://doi.org/10.1038/s41598-020-80026-5
  • BRITO, S.S.B.; CUNHA, A.P.M.A.; CUNNINGHAM, C.C.; ALVALá, R.C.; MARENGO, J.A.; et al. Frequency, duration and severity of drought in the Semiarid Northeast Brazil region. International Journal of Climatology, v. 38, n. 2, p. 517-529, 2017. doi
    » https://doi.org/10.1002/joc.5225
  • BRITO, C.S.; SILVA, R.M.; SANTOS, C.A.G.; BRASIL NETO, R.M.; COELHO, V.H.R. Monitoring meteorological drought in a semiarid region using two long-term satellite-estimated rainfall datasets: A case study of the Piranhas River basin, northeastern Brazil. Atmospheric Research, v. 250, 105380, 2021. doi
    » https://doi.org/10.1016/j.atmosres.2020.105380
  • BURITI, C.O.; BARBOSA, H.A. Um Século de Secas: Por Que As Políticas Hídricas Não Transformaram o Semiárido Brasileiro? São Paulo: Chiado Books, 432 p., 2018.
  • CASTRO, J. Geografia da Fome Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 318 p., 2008.
  • CUNHA, A.P.M.A.; ZERI, M.; LEAL, K.D.; COSTA, L.; CUARTAS, L.A.; et al. Extreme drought events over Brazil from 2011 to 2019. Atmosphere, v. 10, 642, 2019. doi
    » https://doi.org/10.3390/atmos10110642
  • DUARTE, J.G.P.; FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S.; SOUZA, J.T.A.; RAMOS, M.M. Q. Secas e impactos na agropecuária no município de Campina Grande - PB. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 33, n. 2, p. 289-297, 2018. doi
    » https://doi.org/10.1590/0102-7786332008
  • FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S.; AIRES, T.L.B.A.; BRITO, T.C. A seca de 2012-2014 no município de Taperoá-PB e o papel das ações de convivência nesse contexto. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 14, n. 1, p. 135-158, 2021. doi
    » https://doi.org/10.26848/rbgf.v14.1.p135-158
  • FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S. Caracterização e análise das secas na sub-bacia hidrográfica do Rio Taperoá. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 13, n. 4, p. 1483-1501, 2020. doi
    » https://doi.org/10.26848/rbgf.v13.4.p1483-1501
  • FARIAS, A.A.; SOUSA, F.A.S.; MORAES NETO, J.M.; ALVES, A.S. Secas e seus impactos no município de Boqueirão, PB, Brasil. Revista Ambiente & água, v. 12, n. 2, p. 316-330, 2017. doi
    » https://doi.org/10.4136/ambi-agua.2004
  • GUTIéRREZ, A.P.A.; ENGLE, N.L.; NYS, E.D.; MOLEJóN, C.; MARTINS, E.S. Drought preparedness in Brazil. Weather and Climate Extremes, v. 3, n. 4, p. 95-106, 2014. doi
    » https://doi.org/10.1016/j.wace.2013.12.001
  • HULSMAN, P.; SAVENIJE, H.H.G.; HRACHOWITZ, M. Satellite-based drought analysis in the Zambezi River Basin: Was the 2019 drought the most extreme in several decades as locally perceived?. Journal of Hydrology: Regional Studies, v. 34, 100789, 2021. doi
    » https://doi.org/10.1016/j.ejrh.2021.100789
  • KANE, R.P. Prediction of droughts in Northeast Brazil: role of ENSO and use of periodicities. International Journal of Climatology, v. 17, n. 6, p. 655-665, 1997. doi
    » https://doi.org/10.1002/(SICI)1097-0088(199705)17:6<655::AID-JOC144>3.0.CO;2-1
  • KANG, H.; SRIDHAR, V.; ALI, S.A. Climate change impacts on conventional and flash droughts in the Mekong River Basin. Science of The Total Environment, v. 838, part 2, 155845, 2022. doi
    » https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2022.155845
  • MACHADO, P.J.O.; TORRES, F.T.P. Introdução à Hidrogeografia São Paulo: Cengage Learning, 178 p., 2012.
  • MARENGO, J.A.; ALVES, L.M.; ALVALA, R.C.S.; CUNHA, A.P.; BRITO, S.; et al. Climatic characteristics of the 2010-2016 drought in the semiarid Northeast Brazil region. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 90, n. 2, p. 1973-1985, 2018. doi
    » https://doi.org/10.1590/0001-3765201720170206
  • MARENGO, J.A.; TORRES, R.R.; ALVES, L.M. Drought in Northeast Brazil - past, present, and future. Theoretical and Applied Climatology, v. 129, n. 3-4, p. 1189-1200, 2017. doi
    » https://doi.org/10.1007/s00704-016-1840-8
  • MCKEE, T.B.; DOESKEN, N.J.; KLEIST, J. The relationship of drought frequency and duration of time scales. Eighth Conference on Applied Climatology Anaheim: American Meteorological Society, p.179-186, 1993.
  • MELO, V.S.; SOUSA, F.A.S. Análise de frequência de secas utilizando técnica de agrupamento e distribuições de probabilidades. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 26, n. 1, p. 53-60, 2021. doi
    » https://doi.org/10.1590/S1413-4152193499
  • MOURA, A.D.; SHUKLA, J. On the dynamics of droughts in Northeast Brazil: observations, theory and numerical experiment with a general circulation model. Jornal Atmosfere Science, v. 38, n. 12, p. 2653-2675, 1981. doi
    » https://doi.org/10.1175/1520-0469(1981)038<2653:OTDODI>2.0.CO;2
  • PEREIRA, M.P.S.; JUSTINO, F.B.; MALHADO, A.C.M.; BARBOSA, H.A.; MARENGO, J.A. The influence of oceanic basins on drought and ecosystem dynamics in Northeast Brazil. Environmental Research Letters, v. 9, 124013, 2014. doi
    » https://doi.org/10.1088/1748-9326/9/12/124013
  • ROCHA, J.S.M.; KURTZ, S.M.J.M. Manual de Manejo Integrado de Bacias Hidrográficas Santa Maria: Edições UFSM, 282 p., 2001.
  • SANTOS, C.A.G.; BRASIL NETO, R.M.; SILVA, R.M.; SANTOS, D.C. Innovative approach for geospatial drought severity classification: a case study of Paraíba state, Brazil. Stochastic Environmental Research and Risk Assessment, v. 33, n. 2, p. 545-562, 2019. doi
    » https://doi.org/10.1007/s00477-018-1619-9
  • STEWART, I.T.; ROGERS, J.; GRAHAM, A. Water security under severe drought and climate change: Disparate impacts of the recent severe drought on environmental flows and water supplies in Central California. Journal of Hydrology, v. 7, 100054, 2020. doi
    » https://doi.org/10.1016/j.hydroa.2020.100054
  • TARGINO, I.; MOREIRA, E. Agricultura familiar na Paraíba: perfil com base no censo agropecuário de 2017. Revista Econômica do Nordeste, v. 51, suplemento especial, p. 133-154, 2020.
  • TESFAMARIAM, B.G.; GESSESSE, B.; MELGANI, F. Characterizing the spatiotemporal distribution of meteorological drought as a response to climate variability: The case of rift valley lakes basin of Ethiopia. Weather and Climate Extremes, v. 26, 100237, 2019. doi
    » https://doi.org/10.1016/j.wace.2019.100237
  • UNITED NATIONS CONVENTION TO COMBAT DROUGHT AND DESERTIFICATION (UNCCD). United Nations Convention to Combat Drought and Desertification in Countries Experiencing Serious Droughts and/or Desertification. Particularly in Africa Paris: UNCCD, 1994.
  • VILLANI, L.; CASTELLI, G.; PIEMONTESE, L.; PENNA, D.; BRESCI, E. Drought risk assessment in Mediterranean agricultural watersheds: A case study in Central Italy. Agricultural Water Management, v. 271, 107748, 2022. doi
    » https://doi.org/10.1016/j.agwat.2022.107748
  • YEVJEVICH, V. An Objective Approach to Definitions and Investigations of Continental Hydrologic Droughts Fort Collins: Colorado State University, 25 p., 1967.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2022
  • Aceito
    26 Dez 2022
Sociedade Brasileira de Meteorologia Rua. Do México - Centro - Rio de Janeiro - RJ - Brasil, +55(83)981340757 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbmet@sbmet.org.br