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Orientação espacial em adultos com deficiência visual: efeitos de um treinamento de navegação

Effects of navigation training on orientation tasks by blind adults

Resumos

O objetivo deste estudo foi demonstrar se um programa de navegação pode ajudar indivíduos com deficiência visual a melhorar a acurácia na orientação dinâmica. Nove participantes com deficiência visual retornaram a um ponto de partida após percorrer rotas em linha reta e triangular. Pré e pós-avaliações foram feitas entre um período de 4 meses, durante o qual o treinamento com navegação foi realizado. Entre pré e pós-teste, erros relativos de desvios angulares (ERDA) foram diferentes apenas na tarefa em linha reta. O valor de ERDA foi maior na tarefa em linha reta possivelmente por causa da magnitude do giro inicial antes de retornar ao ponto de partida (i.e., 180º) em contraste com a tarefa triângulo (i.e., 45º). Conclui-se que, em tarefas de orientação, os erros no desvio angular dependem da amplitude do giro inicial ao retornar para o ponto de partida. Ainda, a acurácia na manutenção da direção é influenciada por um treinamento específico com navegação.

Orientação espacial; deficiência visual; percepção de distância


The purpose of this study was to verify whether or not an intervention program in navigation could help blind individuals to improve accuracy in dynamic orientation tasks. Nine individuals with blindness were requested to return to the departure point after walking in a straight line and along two sides of a squared triangle. Pre- and post-evaluations were conducted before and after a four-month training program. During the straight-line task, results of relative errors of angle deviations (READ) showed significant differences between the two test periods. The READ was larger in the straight-line task because the subject had to turn 180º prior to returning to the departure point (in contrast with the triangle task, which required a turn of 45º). We concluded that, in orientation tasks for individuals with blindness, errors in angle deviations depend on the amount of turn prior to returning to the departure point. And finally, the navigation program influenced accuracy in maintaining direction during orientation tasks.

Spatial orientation; blindness; distance perception


Orientação espacial em adultos com deficiência visual: efeitos de um treinamento de navegação

Effects of navigation training on orientation tasks by blind adults

Eliane Mauerberg-deCastroI,1 1 Os autores agradecem à participação dos indivíduos com deficiência visual, aos estagiários do Programa de Educação Física Adaptada (PROEFA) da UNESP de Rio Claro e ao CNPq pelo apoio com auxílio Projeto Integrado (# 352073/96-9). Os autores agradecem também às sugestões e cuidadosa análise dos revisores anônimos feita sobre este manuscrito. ,2 2 Endereço para correspondência: Av. 24-A, 1515, Bela Vista, Rio Claro, SP, 13506 900. Fone: (19)3526-4160/4161/4162/4163. E-mail: mauerber@rc.unesp.br; http://www.rc.unesp.br/ib/e_fisica/aplab.htm ; Adriana Inês de PaulaI; Carolina Paioli TavaresI; Renato MoraesII

IUniversidade Estadual Paulista, Rio Claro

IIUniversity of Waterloo, Canada

RESUMO

O objetivo deste estudo foi demonstrar se um programa de navegação pode ajudar indivíduos com deficiência visual a melhorar a acurácia na orientação dinâmica. Nove participantes com deficiência visual retornaram a um ponto de partida após percorrer rotas em linha reta e triangular. Pré e pós-avaliações foram feitas entre um período de 4 meses, durante o qual o treinamento com navegação foi realizado. Entre pré e pós-teste, erros relativos de desvios angulares (ERDA) foram diferentes apenas na tarefa em linha reta. O valor de ERDA foi maior na tarefa em linha reta possivelmente por causa da magnitude do giro inicial antes de retornar ao ponto de partida (i.e., 180º) em contraste com a tarefa triângulo (i.e., 45º). Conclui-se que, em tarefas de orientação, os erros no desvio angular dependem da amplitude do giro inicial ao retornar para o ponto de partida. Ainda, a acurácia na manutenção da direção é influenciada por um treinamento específico com navegação.

Palavras-chave: Orientação espacial; deficiência visual; percepção de distância.

ABSTRACT

The purpose of this study was to verify whether or not an intervention program in navigation could help blind individuals to improve accuracy in dynamic orientation tasks. Nine individuals with blindness were requested to return to the departure point after walking in a straight line and along two sides of a squared triangle. Pre- and post-evaluations were conducted before and after a four-month training program. During the straight-line task, results of relative errors of angle deviations (READ) showed significant differences between the two test periods. The READ was larger in the straight-line task because the subject had to turn 180º prior to returning to the departure point (in contrast with the triangle task, which required a turn of 45º). We concluded that, in orientation tasks for individuals with blindness, errors in angle deviations depend on the amount of turn prior to returning to the departure point. And finally, the navigation program influenced accuracy in maintaining direction during orientation tasks.

Keywords: Spatial orientation; blindness; distance perception.

O desempenho do ser humano em tarefas de orientação espacial reflete a forma como ele representa a geometria do espaço. Os psicofísicos avaliam esta representação através da consistência dos parâmetros comportamentais.

Na vida real, durante as rotineiras navegações no meio ambiente, o indivíduo freqüentemente se depara com novidades na estrutura espacial. Durante a ação, a incorporação de significados sobre os elementos constituintes do meio ambiente e as relações entre os mesmos dá ao indivíduo a noção de lugar e de moradia, ambos por influência social e cultural. É a partir da habilidade de coordenar a ação com direção e distâncias relativas que as noções conceituais de origem, estado e destino se constróem.

Todo o sistema de ação, segundo Reed (1982), repousa na orientação. Dois aspectos básicos da orientação podem ser generalizados. O primeiro aspecto refere-se às noções conceituais abstraídas da relação entre o ser e o ambiente. A exploração e a ampliação do repertório comportamental são evidências de conceitos sobre o espaço, o qual evolui da função de orientação. Assim, o fato de uma pessoa ser capaz de desenhar a localização de sua casa em uma área geográfica específica indica a existência de um processo consciente e intencional que representa a estrutura geográfica do meio ambiente no cérebro (i.e., sistema de alta ordem). Entretando, estudos neuropsicológicos (Rossetti, 1998) oferecem um forte argumento contra a representação motora específica do espaço, a qual pode ser omitida em pacientes com lesões em áreas sensoriais do córtex primário. Muito embora o comportamento motor destes pacientes possa ser "atraído" para uma meta sob condições específicas—quando a resposta é imediata e quando nenhuma elaboração cognitiva é requerida no objetivo da tarefa—, eles são incapazes de perceber conscientemente estímulos visuais, táteis e proprioceptivos. Estas deficiências perceptuais afetam o desempenho em tarefas que requerem estratégias para otimizar a função de orientação. Assim, o cérebro e suas funções superiores não justificam sozinhos as funções de orientação, mas permitem ao ser humano criar e ampliar o entendimento dimensional de seu ambiente seja ele real ou virtual.

O segundo aspecto básico da orientação diz respeito às respostas posturais imediatas durante a ação (e também em repouso) (i.e., sistema de baixa ordem). Elas são, na maioria das vezes, respostas inconscientes controladas por centros corticais e sub-corticais (Ex.: cerebelo, formação reticular, receptores da medula, córtex motor e pós-central), e suas conexões ascendentes e descendentes. As conexões entre os sistemas sensoriais e o sistema nervoso são tradicionalmente divididas em modalidades sensoriais. Na orientação, as modalidades sensoriais diversificam suas funções—embora sejam interdependentes—entre os sistemas vestibular, visual, auditivo e háptico. A classificação funcional e as definições variam de autor para autor. O sistema vestibular, através de gravitorreceptores (i.e., otolitos), é responsável por detectar acelerações rotacionais quando o organismo está estático3 3 Stoffregen e Riccio (1988) afirmam que o sistema vestibular durante tarefas dinâmicas como a locomoção é incapaz de distinguir forças inerciais de forças gravitacionais. Assim quando o organismo está acelerando, a sensação de movimento linear torna-se um constructo decorrente da computação de outros sinais sensoriais. (Stoffregen & Riccio, 1988). O sistema háptico está relacionado com a percepção de textura, movimento e forças (Ex.: inerciais, gravitacionais, de aceleração) através da coordenação de esforços dos receptores do tato, visão, audição e propriocepção. A função háptica depende da exploração ativa do ambiente, seja este estável ou em movimento. O sistema cinestésico e o sistema cutâneo são subsistemas hápticos. O primeiro dá ao observador a consciência da postura estática e dinâmica do corpo através de informação vinda de receptores dos músculos, pele e articulações; o segundo dá ao observador noções de mudanças na estimulação fora do corpo, capturadas na superfície da pele (Srinivasan & Basdogan, 1997). Riley e Turvey (2001) fazem uma distinção entre o sistema proprioceptivo háptico e o visual háptico. O primeiro dá fluência às ações coordenadas através das sinergias músculo-articulares. O sistema visual háptico não substitui o sistema proprioceptivo háptico, pois atua num nível de alta ordem que guia os movimentos a alvos visualizados. Schwartz (1999) acrescenta o papel da informação auditiva háptica quando a tarefa restringe o uso da visão. Outro conceito similar ao sistema cinestésico é o sistema somatosensório. Winter (1995) inclui o sistema somatosensório como responsável pela detecção da velocidade e da posição do corpo e suas partes, os quais estão sob influência da ação da gravidade ou do contato com objetos externos. Finalmente, temos o sistema visual que, além das funções subjacentes ao sistema háptico, detecta profundidade por causa da disparidade binocular, movimento de paralaxe, gradiente de textura e sombras (Atkins, Fiser & Jacobs, 2001).

Vários fatores interferem no sistema de orientação que é expresso nas ações ordinárias do cotidiano dos indivíduos. Um deles é a evolução ou desenvolvimento do organismo (i.e., fator ontogenético). Com a mudança do estado do organismo ocorre concomitantemente a evolução do sistema de orientação. Essencialmente primitiva, a orientação, de acordo com Goldfield (1995), ocorre já no ambiente uterino. A informação da posição do feto e suas futuras mudanças são provenientes de várias fontes como, sons dos órgãos internos e da voz da mãe, pressão do líquido amniótico, vibrações ósseas, aceleração da gravidade e vetores direcionais. Estas fontes de informação guiam o bebê na sua posição final intra-uterina para facilitar o nascimento. A posição invertida só é alcançada pela movimentação alternada das pernas (chutes) que aumentam e diminuem de acordo com a aproximação para a nova posição.

A locomoção guiada é outro exemplo para demonstrar como o ser humano escala suas ações na dependência da estrutura do ambiente em sintonia com as mudanças corporais e com as mudanças imediatamente decorrentes da aprendizagem. Wilson, Foreman, Gillett e Stanton (1997) afirmam que crianças de 6 anos têm maior facilidade de construir representações de observações passivas do espaço do que crianças mais jovens. Ainda, crianças entre 5 e 8 anos são igualmente aptas em tarefas de localização espacial através de exploração ativa, porém quando solicitadas a realizarem a tarefa de forma passiva, as crianças de 8 anos têm o melhor desempenho.

Outro fator é a presença de condições de inadaptação que levam a comportamentos nem sempre estáveis ou coerentes com as demandas das tarefas. No caso da orientação, estudos têm mostrado que o desenvolvimento, bem como a presença de uma deficiência física ou mental, tem uma relação importante com a acurácia em julgamentos em tarefas de orientação (Mauerberg-deCastro & Moraes, 2002; Mauerberg-deCastro & cols., 2001). Por exemplo, para Foreman, Orencas, Nicholas, Morton e Gell (1989), crianças com deficiências físicas exibem maiores dificuldades no conhecimento da estrutura espacial (através de desenhar mapas, encontrar objetos perdidos, e apontar na direção de uma área da escola) do que crianças sem deficiência física.

Mauerberg-deCastro e colaboradores (2001) demonstraram que indivíduos com deficiência mental são menos acurados em tarefas de orientação do que indivíduos normais, particularmente para manutenção da rota em tarefas de orientação em campo aberto. Ainda, eles evidenciaram que o desempenho de indivíduos com deficiência mental é afetado diretamente pela complexidade da tarefa, ou seja, incremento das rotas.

Outra condição de deficiência que tem relação direta com o comprometimento na função de orientação é a deficiência visual. A deficiência visual congênita ou adquirida encerra as possibilidades de controle visual sobre o espaço durante ações vinculadas à mobilidade. Particularmente, a falta da visão tem um impacto grave na navegação em ambientes complexos e com rotas irregulares. Para Schwartz (1999), o conhecimento sobre a estrutura espacial do ambiente à volta é, sem dúvida, mais facilmente obtido pela percepção visual, muito embora indivíduos com deficiência visual tenham considerável conhecimento sobre a estrutura espacial. De fato, na rotina da vida diária, o indivíduo com deficiência visual desenvolve estratégias compensatórias no sistema de orientação que permitem uma navegação funcional.

As teorias de navegação no espaço resumem-se naquelas em que o processo de navegação envolve a representação do espaço (Fukusima, Loomis & DaSilva, 1997; Loomis & cols., 1993) e naquelas em que o processo de navegação é uma função invariante da informação específica gerada pelo movimento—seguindo o raciocínio de Turvey (1996). Em síntese e, de acordo com os argumentos de Schwartz (1999), o curso do movimento em si não é a informação mas o meio para se obter a informação sobre o ambiente adjacente. O resultado (Ex.: uma distância produzida através da locomoção) não é uma seqüência de percepções mas uma percepção unitária da distância navegada.

Desta forma, indivíduos com deficiência visual congênita também são capazes de se orientar com relativa acurácia durante suas jornadas no meio ambiente. O custo de tal adaptação, entretanto, é alto e com resultados diversos centrados na potencialidade individual, oportunidades de experiência e sucesso nas tarefas. Para estes indivíduos, estratégias de controle da ação, como no caso do sistema de orientação, requerem a substituição do controle visual háptico pelo proprioceptivo háptico.

O objetivo deste estudo foi investigar a organização da orientação no espaço em perspectiva dinâmica (i.e., através da locomoção) por indivíduos com deficiência visual em rotas simples e complexa. Igualmente, foi avaliar o impacto de um programa de treinamento de navegação independente nesta organização.

Método

Participantes

Nove participantes com deficiência visual (DV) apresentavam uma média de idade de 46,1 anos (dp=± 9,9) no início da participação. Todos os participantes foram considerados legalmente cegos (Tabela 1). A duração total da participação, entre pré e pós-teste, e intervenção foi de 5 meses. O treinamento durou 4 meses. A participação foi voluntária e não paga.

Estímulos

Duas tarefas de orientação foram administradas:

Deslocamento em linha reta. Nesta tarefa, seis distâncias foram apresentadas aleatoriamente: 5; 7; 9; 12; 15 e 17 metros.

Deslocamento em um triângulo com dois lados iguais formando um ângulo reto. As dimensões dos lados do triângulo foram: 5; 7; 9; 12; 15 e 17 metros (hipotenusas iguais a: 7,07; 9,09; 12,73; 16,97; 21,21 e 24,04 metros, respectivamente).

Procedimentos

As distâncias foram percorridas pelo participante andando em sua cadência preferida. No deslocamento em linha reta o trajeto de ida foi guiado por um auxiliar. O retorno, realizado sozinho, consistiu numa meia volta (aproximadamente 180º) e o deslocamento até o ponto que o participante julgou ser o ponto de partida (Figura 1).


Nos deslocamentos em rota triangular, o participante deslocou-se, guiado por um auxiliar, ao longo dos dois primeiros lados (lados iguais do triângulo). Em seguida, sem auxílio, realizou um quarto da meia volta (aproximadamente 45º) e retornou diretamente ao ponto julgado como o ponto de partida (i.e., pela diagonal fechando o triângulo) (Figura 2).


Medidas foram feitas do deslocamento linear produzido entre o ponto de início da locomoção independente e ponto de parada (ponto onde o participante julgou ser a origem do triângulo), e entre o ponto onde o participante parou e o ponto de partida (ou origem do triângulo). Este procedimento permitiu o cálculo de desvio angular na trajetória experimental (Figura 2).

Embora os participantes tenham sido considerados legalmente cegos, todos foram vendados para manter as demandas das tarefas em condições de igualdade entre aqueles com deficiência visual com visão residual (Ex.: percepção de luminosidade) e aqueles com cegueira completa.

Análise dos Dados

A diferença entre o ângulo real formado em cada rota nas duas tarefas (i.e., 45º para a tarefa de rota triangular e 0º para a tarefa em linha reta) e o ângulo produzido pelo participante resultou na variável erro relativo de desvio angular (ERDA) (ver Figuras 1 e 2). A diferença entre a distância real do segmento de retorno nas duas tarefas e a distância produzida pelo participante resultou na variável erro relativo da distância produzida (ERDP) (ver Figuras 1 e 2).

Os valores do ERDA e ERDP foram submetidos à análise de variância three-way (período do teste, tarefas, distâncias) com medidas repetidas no último fator. As distâncias produzidas em ambas as tarefas foram submetidas à análise psicofísica através da função de potência proposta por S. Stevens (DaSilva & Macedo, 1983) e, posteriormente, à análise de variância three-way (período do teste, tarefas). Ainda, os valores médios dos expoentes obtidos foram analisados através de t-test para amostras correlacionadas, com os expoentes individuais emparelhados ao expoente representativo da constância perceptual (i.e., 1,0). Em todas as análises o a foi igual a 0,05.

Programa de treinamento de navegação

Durante 4 meses os participantes com deficiência visual compareceram ao programa de navegação independente, com encontros de 1 hora e meia, duas vezes por semana. O programa de navegação independente foi constituído de atividades físicas, jogos esportivos, recreação, dança e atividades aquáticas, as quais foram administradas com os objetivos de orientar a postura nas ações e orientar os deslocamentos no espaço, segundo parâmetros geográficos definidos.

A organização das atividades seguiu os princípios da atividade física adaptada advogados por Sherrill (1998) e Mauerberg-deCastro (2000). Os princípios da atividade física adaptada, os quais caracterizam um modelo educacional em oposição ao modelo médico geralmente utilizado na reabilitação de pessoas com deficiências, são: segurança, nível de desenvolvimento, coerência ecológica (i.e., habilidades que as pessoas usam no seu dia-a-dia), socialização e prazer. Estes princípios foram individualmente assegurados de acordo com as seguintes precauções:

Segurança

A navegação sem o auxílio da visão implica riscos de colisão e quedas, portanto cuidados e controle foram feitos nas:

  • situações ambientais: objetos no meio do caminho foram previamente informados para o participante ajustar estratégias de ultrapassagem durante deslocamentos. Informação audível com diversos níveis de intensidade permitiram a detecção e seleção do conteúdo relevante para a navegação.

  • situações na tarefa: as atividades foram realizadas em ritmos lento, rápido, brusco, ou variáveis. Manobras de segurança foram feitas considerando o ambiente, posições e direção do deslocamento do participante durante a realização das diferentes tarefas.

Nível de desenvolvimento

As atividades foram organizadas com base no nível do desenvolvimento dos participantes. Por exemplo:

  • nível de compreensão e suas dificuldades: foram utilizadas atividades que envolveram memória, atenção, e o conhecimento e a cultura geral do participante;

  • nível físico/fisiológico e suas dificuldades/patologias: foram treinadas as capacidades de força e resistência, o equilíbrio (Ex.: vertigens, presença de patologias), corrigida a desorientação espacial, e detectada a propensão a machucar-se de certos participantes;

  • nível afetivo e suas dificuldades: foram discutidas as situações de medos, tristeza, agressividade, inatenção, falta de motivação, motivação inapropriada demonstradas por certos participantes (Ex.: atividade na qual o participante coloca-se em risco para acidentes);

  • nível social e suas dificuldades: foram oferecidas oportunidades aos participantes para agregarem-se espontaneamente ou de forma induzida, dramatizarem, e reduzirem a inibição frente aos companheiros. Ainda, foram desencorajados os atos agressivos contra os outros e a preferência ao isolamento.

Coerência ecológica (i.e., habilidades que as pessoas usam no seu dia-a-dia)

As atividades foram organizadas segundo a utilidade na rotina da vida diária dos participantes, suas necessidades de mobilidade, preferências de lazer, qualidade de vida e saúde. Por exemplo:

  • exigências da vida diária: sentar, levantar, subir escadas, segurar e manipular objetos de diferentes tamanhos e formas, passar entre as pessoas ou entrar/sair de um carro, deitar-se;

  • habilidades motoras básicas: andar, correr, saltar, saltitar, arrastar, arremessar e receber/pegar objetos de diferentes tamanhos e pesos;

  • habilidades esportivas básicas, de lazer e de recreação: driblar, quicar, passar/arremessar/receber uma bola, chutar, deslocar-se andando e correndo em diferentes direções, mudar de direção e parar, saltar verticalmente e horizontalmente segundo regras e opções táticas em jogos.

Socialização

  • âmbito verbal: os participantes foram estimulados a trocar idéias, estabelecer papéis e liderança, expressar apropriadamente suas emoções aos outros e sobre as situações criadas pelos outros;

  • âmbito físico: os participantes foram encorajados a se tocar durante a realização de exercícios em duplas ou de forma coletiva, corrigir suas posturas e com o objetivo de reconhecer posições e aliviar tensões físicas e emocionais;

  • âmbito emocional: os participantes foram encorajados a permitir o contato físico, expressar prazer na interação com os outros, socializar as emoções, verbalizar suas limitações e impor limites.

Prazer

Por causa de sua natureza recreativa, as atividades físicas proporcionaram, em geral, conforto emocional aos participantes.

Na Figura 3 estão ilustrados alguns ambientes do programa.


Resultados

O comportamento de orientação espacial foi avaliado antes e após o programa de treinamento de navegação independente. Nas duas tarefas de orientação os participantes mostraram alterações no parâmetro de desvio angular. Ou seja, a acurácia na manutenção da direção melhorou e a variabilidade diminuiu após a participação no programa de treinamento. Os parâmetros de produção de distância não se alteraram e sua acurácia no pré- e pós-teste ficou próxima dos valores reais do estímulo físico.

Inicialmente, apresentamos os resultados da produção da distância e respectiva análise psicofísica nas tarefas de orientação. As Figuras 4a e 4b ilustram o desempenho e a variabilidade na produção de distância do grupo ao longo das distâncias testadas. Ainda, resultados dos parâmetros psicofísicos individuais na tarefa de orientação em linha reta estão apresentados na Tabela 2.


Vários participantes apresentaram um índice de sensibilidade semelhante àqueles encontrados em estudos clássicos de percepção de distância, ou seja, expoentes em torno de 0,9 e 1,0. A prova estatística t de Student para amostras correlacionadas com os expoentes individuais emparelhados ao expoente representativo da constância perceptual (i.e., 1,0) indicou que esta constância foi verdadeira na situação pré-teste (t8=2,073, p=0,072). Ou seja, a ausência de significância mostrou que o expoente encontrado não diferiu do expoente igual a 1,0. No pós-teste, a diferença estatística indicou uma subsconstância perceptiva (t8=3,224, p=0,012). A subconstância significa que, à medida que a distância a ser percorrida aumenta, diminui o percurso produzido pelo participante uma vez que este julga já ter coberto a distância-teste.

Os resultados dos parâmetros psicofísicos para a tarefa de orientação em triângulo estão apresentados na Tabela 3. A prova estatística t de Student para amostras correlacionadas com os expoentes individuais emparelhados ao expoente verdadeiro (i.e., 1,0) mostrou uma constância perceptual em ambas as situações de pré-teste (t8=2,140 p=0,065) e pós-teste (t8=2,269 p=0,053). Novamente, pouco se nota em termos de mudança de desempenho através do valor do expoente. Quando comparada com a tarefa em linha reta, a tarefa triângulo exibiu valores inferiores de coeficiente de determinação. Entretanto, em ambas as tarefas o coeficiente de determinação indicou um bom ajuste da função linear.

Utilizando a regressão linear para os valores médios da distância produzida pelo grupo nas duas situações pré e pós-teste, encontramos em ambas as tarefas um ajuste linear dos parâmetros para os quais a reta de regressão exibiu uma inclinação significativa (b=2,415; t2,8=6,351, p=0,000 e b=2,356; t2,8=5,496, p=0,005 para tarefa linha pré- e pós-teste, respectivamente; b=2,133; t2,8=2,682, p=0,055 e b=1,845; t2,8=4,513, p=0,011 para tarefa triângulo pré- e pós-teste, respectivamente) todas com passagem pela origem. Ainda, realizamos, para o participante VA, uma análise de regressão linear individual e não encontramos valores significativos para a inclinação da reta. Na condição pós-teste na tarefa linha, entretanto, encontramos uma inclinação significativa mas com um desempenho de produção de distância oposto à magnitude crescente das distâncias testadas (b=-0,393; t2,8=9,670, p=0,0006). Isto nos leva a suspeitar de uma dificuldade grave na função de orientação deste participante.

A ANOVA two-way (período do teste, tarefas) não revelou diferenças estatísticas nem para a variável expoente nem para a constante escalar. A ausência do efeito estatístico demonstrou que a diferença observada na Figura 4 é randômica/aleatória. Para as distâncias maiores, o desvio-padrão exibiu uma tendência mais clara de aumento proporcional com o aumento da distância.

Os valores do ERDA foram representados na Figura 5. Para a tarefa em linha reta, o erro angular foi substancialmente reduzido no pós-teste. A variabilidade manteve-se alta ao longo das distâncias, particularmente no pré-teste. Na tarefa em triângulo, não ocorreram alterações entre pré e pós-teste, e a amplitude e a variabilidade do erro foram menores do que as encontradas na tarefa em linha reta. Da mesma forma, não se observaram mudanças na amplitude e desvio-padrão por conta do aumento da distância. A Tabela 4 reuniu os resultados do erro relativo de desvio angular (ERDA) e do erro relativo da distância produzida (ERDP) pelo grupo DV no pré-teste e pós-teste para a tarefa em linha reta.


A ANOVA three-way (período do teste, tarefas, distâncias) da variável ERDP revelou efeito para tarefa (F1,35=99,268, p>0,0001), distâncias (F5,35=22,581, p>0,0001), e interação significativa entre distância e tarefa (F5,34=2,498, p=0,032). O valor médio do ERDA foi maior na tarefa em linha reta do que na tarefa triângulo. Para a variável distância, somente na situação pós-teste para a tarefa linha, os valores médios de ERDA aumentaram à medida que as distâncias aumentaram.

A mesma análise, realizada para ERDA, mostrou efeito de tarefa (F1,35=43,809, p>0,0001) mas não para distância. Um efeito marginal ocorreu para período do teste (F1,35=3,520, p=0,062) com interação significativa entre período do teste e tarefa (F1,34=7,498, p=0,007). Ou seja, no pós-teste da tarefa linha, o valor médio do ERDA caiu pela metade enquanto na tarefa triângulo o mesmo se manteve inalterado.

O passo seguinte foi utilizar uma ANOVA para cada tarefa uma vez que as performances na análise descritiva revelaram curiosidades de desempenho. Por exemplo, era esperado que a tarefa triângulo fosse executada com maior dificuldade pelos participantes. Entretanto, este fato não foi o que ocorreu. Os participantes demonstraram, na tarefa aparentemente mais simples (i.e., linha reta), menor acurácia na manutenção da rota, ou seja, maior erro no desvio angular.

Quando realizada a ANOVA two-way (período do teste, distâncias) com a variável ERDP para ambas as tarefas, de fato, nenhuma diferença entre o pré- e pós-teste foi observada. Para a variável distância houve um efeito principal para ambas as tarefas: linha reta (F5,17=14,16, p<0) e triângulo (F5,17=8,803, p<0).

A ANOVA two-way (período do teste, distâncias) da variável ERDA para a tarefa linha mostrou um efeito entre o pré e pós-teste (F1,18=9,73, p<0,002). Na tarefa triângulo este efeito não apareceu.

Análises de correlação de Pearson, realizadas com a variável ERDP, mostraram que a maioria dos participantes teve um desempenho altamente correlacionado entre as tarefas em linha reta e triângulo—6 dos 9 participantes exibiram correlação alta (r>0,7). Porém, comparações entre as variáveis ERDA e ERDP revelaram valores de correlação fracos.

Discussão

Os resultados apontam que aspectos da orientação espacial de participantes com deficiência visual podem evoluir após um treinamento com a navegação independente. Embora nas tarefas de orientação (i.e., triângulo e linha reta) a produção de distância tenha se mantido a mesma entre pré- e pós-teste, o desvio angular sofreu uma redução significativa na tarefa em linha reta. A longo prazo, a privação visual não parece afetar a habilidade de indivíduos com deficiência visual em quantificar o espaço em suas distâncias. Por outro lado, as noções de direção parecem mais suscetíveis à deterioração na ausência de visão. Estas noções são, ao mesmo tempo, sensíveis às mudanças funcionais decorrentes de um treinamento.

O treinamento de navegação foi centrado em oportunidades para os participantes utilizarem, de uma maneira funcional e contextualizada, suas habilidades de orientação. A estratégia deste treinamento envolveu atividades físicas dentro de contextos de mobilidade em ambiente complexo (Ex.: obstáculos), controle postural, contato e manipulação de aparelhos, etc. Ainda, o contato contínuo com os pares com e sem a deficiência visual (i.e., auxiliares) favoreceu a construção de referências no espaço através da socialização dentro das tarefas de navegação. As tarefas foram realizadas em ambientes diversos (Ex.: um ginásio esportivo, uma sala de ginástica artística, um parque e uma piscina) e freqüentemente requisitaram dos participantes: 1) dimensionar seus gestos e locomoções em função de material esportivo, alvos estáticos e móveis; 2) especificar origens e disposições de objetos e pessoas em diversos ambientes (Ex.: parques, piscina, etc.); 3) atentar para dicas auditivas, tatuais, cinestésicas (Ex.: movimento do auxiliar, tensão muscular de seus pares ou de uma corda ou cabo conectado ao seu corpo), proprioceptivas (Ex.: velocidade e posicionamento dos segmentos no espaço e em relação à meta de uma tarefa); e 4) relatar dimensões de um espaço ou alvo previamente apresentado utilizando várias estratégias cognitivas (Ex.: mensurações, reproduções com desenho, emparelhamento de sons com distâncias).

Controle postural durante tarefas psicofísicas de orientação

O aumento das distâncias gerou uma compressão gradual dos julgamentos. DaSilva, Santos e Silva (1983) demonstraram que quanto maior é a amplitude do estímulo, menor é o valor do expoente psicofísico. Para a amplitude de 1 a 6 metros o expoente médio é de 1,47, para a amplitude de 2 a 21 metros, 1,22 e de 2 a 180 metros, 1,16. Para estes autores, a testagem em ambientes abertos também gera uma tendência negativamente acelerada sobre os expoentes. O desempenho de nossos participantes mostrou uma tendência à subconstância por conta do valor do expoente psicofísico abaixo de 1,0, porém, estes não foram estatisticamente diferentes do valor de referência (i.e., expoente igual a 1,0).

Embora a subconstância, na maioria das comparações, não tenha sido detectada estatisticamente, a ausência de visão foi provavelmente responsável pelos valores do expoente encontrarem-se abaixo de 1,0. Por instância, em uma tarefa de triangulação utilizando a produção de distância através da locomoção, Fukusima e colaboradores (1997) encontraram valores de expoentes iguais a 0,66 para condições sem o uso da visão e 1,04 para condições com uso da visão.

Manter a rota, particularmente quando a tarefa é realizada sem o uso da visão, significa alterar ou neutralizar continuamente as restrições que interferem na mecânica do gesto. Por exemplo, modulações no gesto continuado dependem de interações complexas entre sistemas piramidais e extrapiramidais no cérebro, particularmente aqueles em torno do controle postural. Retificações são feitas sempre que interferências assumem um grau comprometedor na tarefa. Entretanto, tais retificações na ação têm pouco a ver com a representação métrica do espaço. Segundo Schwartz (1999), movimentos associados com o equilíbrio corporal durante a locomoção às cegas estão abaixo do limiar de detecção do sistema vestibular porque este não é sensível à forças gravitoinerciais. Assim, o conhecimento da estrutura espacial se rende às múltiplas e complexas fontes de informação háptica. A duração da passada e seu comprimento não são, em si, parâmetros da informação sobre a distância percorrida, mas sim, um meio para se obter a informação sobre distância. Nestes termos, podemos entender que o mesmo processo ocorre com pessoas com deficiência visual.

Segundo Rossetti (1998), embora exista uma estreita interação entre a métrica espacial de origem sensório-motora e a métrica espacial de origem cognitiva, a elaboração de uma representação categórica da meta da ação não é possível de ser concebida como uma representação sensório-motora. A restrição temporal do sistema sensório-motor afeta a ação muito antes de uma análise (feita ao nível do sistema representacional) sobre a meta da tarefa ter sido completada.

Durante o processo de orientação ativa, os elementos principais pertinentes à tarefa são: a direção inicial tomada pelo indivíduo, a distância progressivamente mais longa durante o trajeto percorrido, as mudanças de direção e, finalmente o retorno. Vários fatores intrínsecos e extrínsecos fazem parte deste processo. Fatores intrínsecos são a própria dinâmica interna imposta pela cooperação de sistemas e subsistemas biológicos. No nosso estudo um dos fatores intrínsecos foi a restrição pela deficiência visual. Outro fator intrínseco, revelado indiretamente na restrição da tarefa, foi a perda momenânea na orientação causada pela virada para retornar ao ponto de partida. A magnitude de virada (ou giro do corpo efetuado pelo participante) variou de 45º na tarefa triângulo para 180º na tarefa linha reta. Esta magnitude de rotação—que define o início da rota—atrapalhou na detecção de informação pelo sistema háptico. A perda momentânea de equilíbrio pode ter sido a causa da ineficiência do sistema exploratório em continuar com a tarefa de orientação (i.e., produzir uma distância e manter uma rota desejada).

Sob privação visual, a manutenção do equilíbrio durante tarefas de orientação torna-se um problema. De fato, em um estudo sobre orientação dinâmica, Mauerberg-deCastro e colaboradores (2001) observaram que pessoas normais, embora não desviassem significativamente da rota original exibiam, durante o percurso, particularidades como, desvios e retornos à trajetória escolhida inicialmente, e uma mecânica atípica no movimento locomotor (Ex.: elevação dos joelhos, amplitudes de passadas irregulares e oscilação na velocidade do andar).

O uso da cognição

Além da informação sensorial multimodal na orientação espacial, o uso da cognição enquanto uma função para a construção de mapas espaciais internos acaba sendo uma espécie de interface entre os fatores intrínsecos e extrínsecos nas tarefas de orientação. Por exemplo, durante a tarefa de orientação, o layout do ambiente só tem relevância na "arquitetura mental" enquanto conceito se, de um lado, existem pré-requisitos pela experiência passada (garantidas pela mobilidade) e, de outro lado, existe acoplamento entre o requerimento da tarefa e a restrição ambiental de momento (surgimento de um obstáculo inesperado no curso da rota).

Quando a complexidade é uma demanda crescente em tarefas de percepção do espaço, o nível cognitivo (ou conceitual) torna-se uma variável a ser considerada. Rieser, Guth e Weatherford (1987), ao encontrarem que indivíduos com retardo mental tendem a não usar pistas visuais para se orientar—tal como fazem seus pares sem retardo mental—, assumiram que eles usam melhor pistas proprioceptivas para se orientarem. Porém, estas pistas não ajudam na acurácia de novas direções acrescentadas nas rotas. No presente estudo, a expectativa era de que a tarefa triângulo tivesse, para os deficientes visuais, um nível de complexidade maior na orientação, particularmente com relação à manutenção da direção. Como discutido na seção anterior, a informação proprioceptiva foi ineficiente para, no início do retorno na tarefa de orientação em linha reta, posicionar o corpo na direção correta, causando um desempenho pior do que aquele na tarefa triângulo.

Quando o indivíduo inicia sua jornada pelo ambiente, ele parte com algumas referências cognitivas do espaço a ser percorrido. Estas referências podem ser: 1) o conhecimento prévio do local—dado por oportunidades de exploração espontânea ou induzida por terceiros; 2) a transferência de experiências; 3) locais com propriedades geográficas semelhantes e, 4) a exploração ativa concomitante com a realização da tarefa num ambiente novo—neste caso pistas no ambiente são cruciais. Na ausência da visão, o processo subjacente às referências cognitivas é possível pela cooperação de outros sistemas intrínsecos (memória, tato, audição, sensação de esforço, propriocepção háptica, entre outros). A complexidade de rotas e as distâncias progressivas aumentam a demanda por pistas de modo a ampliar estratégias cognitivas na função de orientação (Mauerberg-deCastro & cols., 2001). Porém, quando um sistema como o controle postural (i.e., sistema de baixa ordem) é desafiado, a complexidade da rota (i.e., tarefa triângulo) torna-se, provavelmente, uma variável secundária na performance de orientação.

Outro entendimento da função de orientação durante a locomoção sob privação da visão refere-se à utilização de uma memória de esforço realizado (Ex.: a sensação de cansaço) ou da contagem dos passos. Quando as rotas se tornam complexas como no caso do triângulo, é importante que tenhamos uma representação mental de eventos (ou pistas) no espaço percorrido mesmo que a informação tenha origem na propriocepção (Ex.: parada, virada e reinício do gesto após mudança de direção), ou no próprio esforço— comparando-se a sensação de aumento de fatiga ou energia gasta entre o início, meio e proximidade da chegada. O problema com estes argumentos é que eles são insuficientes para justificar a existência de um sistema on-line de atualização representacional do espaço. Esta representação pode ser influenciada por parâmetros tais como, componentes de aceleração rotacional e linear do movimento corporal. Assim, é mais plausível que estas fontes de informação háptica tornem-se elementos de cooperação na busca de referências espaciais.

Embora não tenhamos dúvidas de que a caminhada percorrida às cegas possa ser considerada uma medida da distância previamente percebida (Fukusima & cols., 1997; Philbeck, Klatzky, Behrmann, Loomis & Goodridge, 2001), é difícil estabelecermos que os processos subjacentes à ação locomotora computem os parâmetros da métrica espacial. Preferimos concordar com Schwartz (1999) que indica que estes processos têm uma natureza heurística.

Considerações Finais

O nível de inteligência, complexidade da tarefa, restrição visual e componentes da tarefa (distância e direção) são aspectos de restrição da performance de orientação, porém, a experiência direta com tarefas de orientação é um fator decisivo para a acurácia nas mesmas. Isto equivale a dizer que a construção do espaço tridimensional depende da mobilidade e da sua funcionalidade ao longo do processo de desenvolvimento (Wilson & cols., 1997). A internalização das propriedades do espaço depende das jornadas locomotoras e da cooperação dos mecanismos posturais concomitantes com o direcionamento dos gestos, sejam eles manipulatórios ou locomotores (Bigelow, 1986). Por exemplo, embora a motricidade ocular e a disparidade binocular tenham também sua participação nas representações tridimensionais, elas não são isoladas e nem justificam o que o cérebro "vê." É um complexo interrelacionamento entre sistemas de ação-percepção que, sob restrições do ambiente e da tarefa, vão caracterizar o status da função em questão e sua capacidade adaptativa.

Indivíduos com deficiência visual vão em maior ou menor grau experimentar a desorientação, especialmente quando esta deficiência for precoce ou congênita (Rieser, Guth & Hill, 1986). A longo prazo, o maior prejuízo é a desmotivação para a mobilidade e o isolamento pelo confinamento espacial. A orientação no espaço é, sem dúvida nenhuma, um dos mais importantes aspectos da independência a ser considerado em indivíduos que perderam a visão.

Pais, educadores e terapêutas devem estar alertas sobre as funções de orientação e suas implicações na qualidade de vida e independência. Como demonstramos neste estudo, a performance do indivíduo com deficiência visual em tarefas de orientação, particularmente a acurácia na manutenção da direção, pode melhorar a partir da experiência num treinamento de navegação.

Recebido: 16/01/2003

Última Revisão: 10/09/2003

Aceite Final: 12/09/2003

Sobre os autores

Eliane Mauerberg-deCastro, Sc.D., é Professora Adjunto na Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.

Adriana Inês de Paula é colaboradora no Laboratório de Ação e Percepção, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.

Carolina Paioli Tavares é colaboradora no Laboratório de Ação e Percepção, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.

Renato Moraes é doutorando na University of Waterloo, Canadá.

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  • 1
    Os autores agradecem à participação dos indivíduos com deficiência visual, aos estagiários do Programa de Educação Física Adaptada (PROEFA) da UNESP de Rio Claro e ao CNPq pelo apoio com auxílio Projeto Integrado (# 352073/96-9). Os autores agradecem também às sugestões e cuidadosa análise dos revisores anônimos feita sobre este manuscrito.
  • 2
    Endereço para correspondência: Av. 24-A, 1515, Bela Vista, Rio Claro, SP, 13506 900. Fone: (19)3526-4160/4161/4162/4163.
    E-mail:
  • 3
    Stoffregen e Riccio (1988) afirmam que o sistema vestibular durante tarefas dinâmicas como a locomoção é incapaz de distinguir forças inerciais de forças gravitacionais. Assim quando o organismo está acelerando, a sensação de movimento linear torna-se um constructo decorrente da computação de outros sinais sensoriais.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Recebido
      16 Jan 2003
    • Revisado
      10 Set 2003
    • Aceito
      12 Set 2003
    Curso de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Ramiro Barcelos, 2600 - sala 110, 90035-003 Porto Alegre RS - Brazil, Tel.: +55 51 3308-5691 - Porto Alegre - RS - Brazil
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