Acessibilidade / Reportar erro

Desenho da figura humana: análise da prevalência de indicadores para avaliação emocional

Human figure drawing: prevalence analysis of indicators for emotional assessment

Resumos

A análise das variáveis que afetam a prevalência de indicadores emocionais no desenho da figura humana foi realizada. A amostra foi composta por 2.206 desenhos, realizados por crianças de 5 aos 11 anos (695 sexo feminino, 408 sexo masculino), que não apresentavam distúrbios clínicos. Dois sistemas de correção foram empregados, o de Naglieri, McNeish e Bardos (avaliação emocional) e o de Wechsler (avaliação cognitiva). A análise da variância demonstrou a influência (p< 0,05) do sexo da criança, idade, tipo da figura desenhada, tipo de escola e interação entre sexo, idade e tipo de figura tanto na pontuação emocional quanto na cognitiva. A pontuação emocional correlacionou-se negativamente (p< 0,01) com a cognitiva. Distintos pontos de corte são recomendados para subsidiar o psicodiagnóstico infantil.

Teste; Criança; Figura Humana; Avaliação; Problema Emocional


An analysis of the emotional indicators in children's human figure drawings was done in order to investigate variables that could affect their prevalence. The sample consisted of 2,206 human figure drawings made by children (695 girls and 408 boys), aged between 5-12 years old, with no apparent clinical disturbances. Scoring systems by Naglieri, McNeish and Bardos (emotional assessment) and Wechsler (cognitive assessment) were employed. The analysis of variance demonstrated significant effects (p< .01) of children's sex and age; type of figure drawn; type of school attended; and interaction of sex, age and figure type on emotional as well as on cognitive scores. Emotional scores were negatively related (p< .01) to cognitive scores. Different cut-off scores are proposed to provide an adequate psychodiagnostic assessment.

Test; Children; Human Figure; Assessment; Emotional Problems


AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Desenho da figura humana: análise da prevalência de indicadores para avaliação emocional

Human figure drawing: prevalence analysis of indicators for emotional assessment

Solange Muglia Wechsler* * Endereço para correspondência: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Curso de Pós-graduação em Psicologia, Av. John Boyde Dunlop, s/n, Jardim Ipaussurama, Campinas, SP, Brasil, CEP 13059-900. E-mail: wechsler@puc-campinas.edu.br Agradecimentos: A autora principal à Pró-reitoria de Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) pelas bolsas de Iniciação Científica outorgadas às colaboradoras desta pesquisa. ; Camila de Moraes Prado; Karina da Silva Oliveira & Bruna Galvão Mazzarino

Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, Brasil

RESUMO

A análise das variáveis que afetam a prevalência de indicadores emocionais no desenho da figura humana foi realizada. A amostra foi composta por 2.206 desenhos, realizados por crianças de 5 aos 11 anos (695 sexo feminino, 408 sexo masculino), que não apresentavam distúrbios clínicos. Dois sistemas de correção foram empregados, o de Naglieri, McNeish e Bardos (avaliação emocional) e o de Wechsler (avaliação cognitiva). A análise da variância demonstrou a influência (p< 0,05) do sexo da criança, idade, tipo da figura desenhada, tipo de escola e interação entre sexo, idade e tipo de figura tanto na pontuação emocional quanto na cognitiva. A pontuação emocional correlacionou-se negativamente (p< 0,01) com a cognitiva. Distintos pontos de corte são recomendados para subsidiar o psicodiagnóstico infantil.

Palavras-chave: Teste; Criança; Figura Humana; Avaliação; Problema Emocional.

ABSTRACT

An analysis of the emotional indicators in children's human figure drawings was done in order to investigate variables that could affect their prevalence. The sample consisted of 2,206 human figure drawings made by children (695 girls and 408 boys), aged between 5-12 years old, with no apparent clinical disturbances. Scoring systems by Naglieri, McNeish and Bardos (emotional assessment) and Wechsler (cognitive assessment) were employed. The analysis of variance demonstrated significant effects (p< .01) of children's sex and age; type of figure drawn; type of school attended; and interaction of sex, age and figure type on emotional as well as on cognitive scores. Emotional scores were negatively related (p< .01) to cognitive scores. Different cut-off scores are proposed to provide an adequate psychodiagnostic assessment.

Keywords: Test; Children; Human Figure; Assessment; Emotional Problems.

Dentre as técnicas mais conhecidas para a avaliação psicológica destaca-se o Desenho da Figura Humana (DFH). A ampla utilização do DFH é verificada para as mais diversas finalidades, tais como, medida de desenvol-vimento intelectual, critério para entrada em programas especiais, indicador de problemas emocionais, avaliação de sucesso terapêutico, etc (Abell, Horkheimer, & Nguyen, 1998; Garb, Wood, Lilienfeld, & Nezworski, 2002). Entretanto, ainda é pouco o consenso sobre a validade do desenho para todas estas situações, principalmente quando empregados com indivíduos de diferentes faixas etárias (Anastasi & Urbina, 2000; Reynolds, 1979).

Estudos sistemáticos sobre o desenho como medida do desenvolvimento cognitivo infantil datam de 1926, com o trabalho de Florence Goodenough, que solicitava à criança um único desenho da figura humana e o avaliava segundo critérios específicos (Satler, 2001) Posteriormente, uma grande contribuição para a compreensão do desenho da figura humana como medida cognitiva foi dada por Koppitz (1968). Vários estudos realizados com o sistema da Koppitz (Dunleavy, Hansen, Szasz, & Baad, 1981; Hall & Ladriere, 1970) indicaram a natureza evolutiva dos itens propostos e as suas relações com o rendimento escolar.

A análise dos indicadores emocionais do desenho foi bastante difundida a partir dos trabalhos de Machover, em 1949, ao indicar que a figura desenhada representava o próprio sujeito e o seu ambiente, podendo, portanto, ser visto sob um enfoque projetivo (Hammer, 1980). Apesar da ampla utilização dos sistemas projetivos para interpretação do desenho, a interpretação do DFH como medida de personalidade é uma das técnicas que mais tem sofrido críticas quanto a sua validade, como indicaram Arteche e Bandeira (2006) na sua revisão de mais de um século de controvérsias sobre esta técnica

Uma proposta importante para sistematizar a avaliação de indicadores emocionais no desenho foi feita por Koppitz (1968, 1984), ao definir os seguintes critérios para estes itens: (a) possuir validade clinica, ou seja, diferenciar crianças com ou sem problemas emocionais; (b) ter freqüência menor que 16% das crianças para cada etária; (c) não estar relacionado com idade ou maturação, ou seja, ou seja, não aumentar ou diminuir, de acordo com a idade da criança. Entretanto, questionamentos sobre os indicadores presentes no desenho da figura humana como sendo de ordem emocional foram feitos por vários autores. Por exemplo, Lilienfeld, Wood e Garb (2000) e Safran (1996) argumentaram contra a validade científica dos diagnósticos feitos, indicando que existia grande liberdade nas interpretações dos mesmos

A principal crítica feita por Naglieri, McNeish e Bardos (1991) se referiu ao modo de se interpretar os indicadores emocionais nos desenhos. Para estes autores, deveria ser considerado o total de indicadores no desenho, ao invés de se relacionar item por item com determinada patologia, propondo assim o Draw a Person: Screening Procedure for Emotional Disturbance (DAP-SPED). A validade deste sistema para identificar crianças que necessitavam de atendimento psiquiátrico foi observada nos estudos de Mato, Naglieri e Claussen (2005) e de Naglieri e Peiffer (1992). Entretanto, questio-namentos deste sistema foram feitos por outros autores (Bruening, Wagner, & Johnson 1997; Matto, 2002), no sentido de que não apresentava resultados conclusivos, necessitando, portanto, de maiores investigações.

No contexto brasileiro, o desenho da figura humana como medida cognitiva tem sido estudado, priorita-riamente, pelos sistemas de Goodenough-Harris e o de Koppitz (Alves, 1998; Hutz & Bandeira, 2000; Sisto, 2006). Um método sistematizado para avaliação do desenho como medida intelectual foi elaborado por Wechsler (1998, 2000), que definiu critérios mais objetivos para a correção de cada item do desenho, e demonstrou a sua validade e precisão para avaliação intelectual infantil (Wechsler, 2003; Wechsler & Schelini, 2002). A confirmação da validade deste sistema foi observada em estudos posteriores ao ser verificado que estaria medindo um único fator (Flores-Mendoza, Abad, & Lelé, 2005) e que seus resultados estavam alta-mente relacionados com o teste de Matrizes Progressivas de Raven e com o desempenho escolar (Bandeira, Costa, & Arteche, 2008).

Poucos são os trabalhos no Brasil que utilizaram o sistema de indicadores emocionais da Koppitz, embora resultados contraditórios tenham sido relatados em muitos destes. No estudo de Hutz e Antoniazzi (1995) foi observado o fato de que grande parte dos itens considerados como indicadores emocionais apareciam em amostras de crianças sem problemas. Por sua vez, Bartholomeu, Sisto e Rueda (2006), observaram que vários indicadores emocionais eram comuns em crianças com e sem dificuldades de aprendizagem. No trabalho de Arteche (2006) também foi demonstrado que os itens emocionais que discriminavam os grupos de crianças em atendimento clinico de outras, sem problemáticas aparentes, eram diferentes de acordo com o sexo e a idade da criança, sendo sugeridos de 2 a 4 pontos de corte para avaliação de crianças de 6 a 12 anos.

Considerando a necessidade de serem efetuados mais estudos sobre os indicadores emocionais no DFH, este estudo investigou a influência de variáveis que pudessem afetar a prevalência destes indicadores nos desenhos de crianças sem distúrbios psicológicos aparentes. Neste sentido, analisou a influência do sexo da criança, sua idade, sexo da figura desenhada e tipo de escola frequentada na totalidade de indicadores emocionais presentes nos desenhos. A pontuação em itens cognitivos foi também analisada, visando subsidiar decisões para a avaliação psicológica infantil.

Método

Participantes

A amostra foi composta de 2.206 desenhos (1103 da figura masculina, 1003 da figura feminina) realizados por crianças (695 do sexo feminino, 408 do sexo masculino), constantes do banco de dados do Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas (LAMP/PUC-Campinas). Estes desenhos foram colhidos de crianças que freqüentavam 502 escolas particulares e 601 escolas públicas do estado de São Paulo (724) e Minas Gerais (379). As idades abrangeram dos 5 até 11 anos completos, sendo cada faixa composta pelo seguinte número de crianças: 5 anos (121= 70 F, 51 M); 6 anos (102= 50 F, 52 M); 7 anos (197= 135 F, 62 M); 8 anos (148= 82 F, 66 M); 9 anos (188= 118 F, 70 M); 10 anos (199= 146 F, 53 M); 11 anos (148= 94 F, 54 M). O critério de inclusão das crianças foi não participar de programas especiais ou apresentar distúrbios clínicos aparentes, segundo a informação de seus professores.

Seis estudantes do quarto e quinto ano de Psicologia, atuaram como juízes na correção dos desenhos. Estes estudantes participavam do programa de Iniciação Científica na universidade.

Instrumentos

DAP-SPED: Draw a Person. Screening Procedures for Emotional Disturbance (Naglieri et al., 1991). Este sistema de correção para indicadores emocionais é composto de 55 itens, que foram construídos a partir da literatura sobre o desenho infantil, sendo incluídos os critérios de Machover e Koppitz. A escolha destes itens foi feita com base na re-análise dos indicadores nos desenhos coletados anteriormente por Naglieri (1988) para avaliação cognitiva do desenho.

A pontuação é obtida pelo total de indicadores presentes nos desenhos, sendo estes avaliados por tabelas apresentadas em resultados T (Media =50, DP=10), segundo o sexo da criança e a faixa etária da criança. Os critérios de interpretação dos resultados T são os seguintes: até 55 pontos não é necessária nova avaliação psicológica; de 55 a 64 pontos é recomendável uma avaliação psicoló-gica mais completa; igual ou acima de 65 é altamente recomendável prosseguir com uma avaliação psicológica mais completa.

Neste sistema de avaliação, nove itens são corrigidos a partir de medidas comparativas, utilizando-se crivos específicos, para avaliar os tamanhos e posição dos desenhos na folha, segundo a faixa de idade da criança. Os demais 46 itens são de ordem qualitativa, avaliados pela presença ou ausência. Considerando a impossibilidade de utilizar crivos norte-americanos para avaliação de crianças brasileiras, decidiu-se utilizar somente os 46 itens de ordem qualitativa, pontuando-se 1 (presença) e 0 (ausência).

Dentre os itens avaliados, 10 referem-se às omissões de partes do corpo, 5 estão relacionados com sombreamentos em diferentes regiões, 3 referem-se às posições inconsistentes dos membros do corpo; 3 estão relacionados com falhas de integração, enquanto que os demais itens são referentes a símbolos ou figuras agregadas ao desenho principal. Devido ao fato de tratarmos de um teste psicológico, detalhes para pontuação do desenho não podem ser mais pormenorizados.

O Desenho da Figura Humana-DFH III (Wechsler, 2003). Este sistema para a avaliação cognitiva de crianças envolve dois desenhos, um da figura feminina e o outro da masculina. Apresenta 58 indicadores de desenvolvimento cognitivo para cada uma destas figuras. As tabelas de correção por percentil e resultados padronizados permitem avaliar os resultados de acordo com o sexo da criança, idade e tipo de figura desenhada. Também são apresentadas tabelas por freqüência de itens por faixas de desenvolvimento, classificando-os como esperados (86-100%), comuns (51-85%) e incomuns (16-50%). A validade deste sistema como medida de desenvolvimento cognitivo para as idades de 5 a 11 anos de idade é apresentada no manual assim como a sua precisão entre juízes e por teste-reteste.

Procedimento

Os desenhos arquivados no banco de dados já tinham sido previamente colhidos sob os princípios do consen-timento informado do Comitê de Ética institucional, para os estudos de normatização dos desenhos como medida cognitiva. Entretanto, nova permissão foi solicitada e aprovada para uso do banco de dados pelos colaboradores na pesquisa.

Um manual foi elaborado para correção dos itens emocionais propostos por Naglieri et al. (1991). A necessi-dade deste manual adicional, contendo itens positivos (presença de indicadores=1) e negativos (ausência=0) foi devida ao fato da existência de poucos exemplos apresentados para correção dos itens no manual original. Vários grupos de desenhos foram utilizados para o treinamento de juízes, até ser alcançada uma precisão de correção >0,80, antes de ser iniciada a análise da base total de desenhos.

Os desenhos foram administrados segundo as instruções do sistema de Wechsler (2003) no qual são solicitados dois desenhos, sendo um da figura feminina e outro da masculina. Cada um destes desenhos foi corrigido pelos sistemas emocional e cognitivo. Posteriormente, os indicadores emocionais presentes nos dois desenhos foram avaliados utilizando-se a ANOVA com medidas repetidas (2 tipos de figura x 2 sexos x 2 tipos de escola x 6 faixas etárias). As diferenças entre estados (MG e SP) não foram incluídas no modelo por não existir representatividade de indivíduos para todas as comparações feitas. O mesmo modelo de ANOVA foi realizado com a pontuação cognitiva destas crianças.

Os itens descritos por faixa de desenvolvimento, segundo o sistema de Wechsler, foram utilizados como critério em análise posterior. A correlação residual investigou a relação entre a pontuação emocional e a cognitiva. Os resultados derivados destas análises foram transformados em T (média = 50 + 10z), tal como sugerido por Naglieri et al. (1991).

Resultados

As médias ajustadas e os erros padrões de medida para o total de indicadores emocionais apresentados nos desenhos, segundo o sexo da criança, idade, tipo de escola e sexo da figura desenhada são apresentados na Tabela 1.

Os resultados descritos na Tabela 1 indicam que existem diferenças na prevalência dos indicadores emocionais segundo as variáveis do sexo da criança, idade, tipo de escola e sexo da figura. A fim de permitir uma melhor compreensão destas diferenças, as pontuações médias por sexo da criança são apresentadas nas Figuras 1 e 2.

Os resultados apresentados na Figura 1 demonstram que o sexo feminino obteve maior pontuação emocional aos cinco anos de idade, na figura do sexo masculino, na escola pública (M= 8,40). A menor pontuação para o sexo feminino foi obtida aos 10 anos, para a escola particular, no desenho da figura feminina (M=4,35).


As pontuações para o sexo masculino são apresentadas na Figura 2. As maiores pontuações foram obtidas aos 5 anos de idade, na escola pública, não só para o desenho da figura feminina (M=7,36) como também para a figura masculina (M= 7,28). As menores pontuações foram obtidas aos 7 anos de idade, na escola particular, para o desenho da figura masculina (M=3,91) como também da feminina (M=4,00).


Com o propósito de investigar melhor os resultados obtidos foi realizado o teste de homogeneidade da variância por Brown-Forsythe, que não revelou heterocedasticidade entre as variáveis analisadas. Prosseguiu-se então com o teste da Análise da Variância com medidas repetidas. Os resultados obtidos são apresentados na Tabela 2.

De acordo com os resultados da Tabela 2, existiram efeitos altamente significativos para a idade da criança (p<0,001), como também para o sexo da criança, tipo de escola e tipo de figura desenhada (p<0,01). A única interação significativa (p<0,05) foi observada para a idade x sexo da criança x tipo de escola freqüentada. O teste post-hoc Tukey-Kramer, realizado sobre os efeitos da idade, indicou que as médias obtidas aos 5 e aos 6 anos de idade foram significativamente diferentes das demais (p<0,001) , ao passo que isto não aconteceu com as demais faixas etárias.

A fim de discriminar melhor os efeitos do desenvolvimento cognitivo sobre a pontuação emocional foram retirados 6 itens da avaliação emocional. O critério de eliminação baseou-se nas tabelas de desenvolvimento apresentados por Wechsler, nas quais os itens são apresentados segundo o sexo, idade da criança e tipo de figura desenhado, sendo classificados como esperados (86-100%) comuns (51-85%) e incomuns (16-50%). Assim sendo, os itens eliminados do sistema emocional por ser comuns ou incomuns, a partir dos 5 anos de idade, foram os seguintes: omissão de nariz, mãos , dedos, pés, figura nua e falhas na integração. Assim sendo, o total de itens emocionais foi reduzido de 46 para 40.

A análise da variância com medidas repetidas, seguindo o modelo anterior, foi realizada com a pontuação emocional após a retirada de itens. Os resultados obtidos apontaram os mesmos efeitos significativos já encontrados: idade (F=4,37; p<0,001), sexo da criança (F=4,72; p<0,05) e tipo de figura (F=8,51, p<0,001). O efeito de escola deixou de ser significativo continuando apenas na interação tripla da escola com sexo da criança e idade (F=2,26; p<0,05).

A análise da variância com medidas repetidas também foi utilizada para a avaliação cognitiva nesta amostra. Efeitos significativos foram encontrados para idade (F=21,22; p<0,01), sexo da criança (F=14,48; p<0,01), tipo de escola (F=4,91; p<0,01), tipo de figura (F=3,51, p<0,05), idade x escola (F=2,47, p<0,01), tipo de figura x sexo da criança (F=7,29, p<0,01).

A correlação entre a pontuação emocional (nova versão de 40 itens) da figura masculina e feminina com a pontuação cognitiva nestas figuras foi feita com os resíduos resultantes das análises de variâncias já descritas. Os resultados encontrados demonstraram relações negativas significativas (p<0,01) entre as pontuações obtidas nestes indicadores da seguinte maneira: figura masculina emocional com figura masculina cognitiva = - 0,23; figura feminina emocional com figura feminina cognitiva = -0,19; total de indicadores emocionais com cognitivos= -0,28.

Posteriormente, os resultados obtidos na nova versão emocional, foram transformados em T (M=50, DP=10), a fim de delimitar os pontos de corte que indicam a necessidade de prosseguir com a avaliação emocional da criança. O efeito escola foi retirado porque apareceu somente na interação tripla, sendo, portanto, eliminado das tabelas finais. Na Tabela 3 encontram-se discriminados os pontos de corte de acordo com o sexo da criança, idade e tipo de da figura desenhada.

Os resultados apresentados na Tabela 3 indicam que os pontos de corte são diferentes de acordo com as variáveis delimitadas Para as meninas, aos cinco anos de idade, um mínimo de 7 pontos obtidos na figura masculina ou na feminina é necessário para se recomendar uma nova avaliação (T=55-64). Para os meninos, na mesma faixa etária, a pontuação mínima para se recomendar uma nova avaliação é de 6 pontos na figura feminina e de 7 pontos na masculina. O critério mínimo para nova avaliação para as meninas, nas demais faixas etárias, é de 6 pontos enquanto para meninos, este total varia entre 5 a 6 pontos.

Discussão

A avaliação emocional dos desenhos infantis é uma prática bastante utilizada entre os psicólogos. Considerando a necessidade de maiores estudos sobre as variáveis que podem afetar a prevalência destes indicadores foram analisados os desenhos de crianças que não apresentavam distúrbios clínicos ou dificuldades psicopedagógicas. Os dados obtidos indicaram que o total de indicadores presentes nos desenhos é influenciado significativamente pelo sexo e idade da criança, tipo de figura desenhada assim como pelo tipo de escola freqüentada

A influência da idade e do sexo da criança na presença de alguns indicadores nos desenhos já tinha sido apon-tada por Koppitz (1968). Do mesmo modo, nos estudos brasileiros (Arteche, 2006; Hutz & Antoniazzi, 1995) também foi observada a influência da idade em vários indicadores considerados como sendo de origem emocional. Por sua vez, a influência do sexo da criança na pontuação apresentada nos desenhos já tinha sido observada por Wechsler e Schelini (2002), ao apontarem que as meninas apresentavam maior preferência por detalhes na figura humana, sugerindo que fossem elaboradas normas separadas por sexo para avaliação dos desenhos. Tais resultados nos indicam a necessidade de maior cautela na interpretação dos indicadores como problemática emocional, considerando que vários deles estão refletindo características do desenvolvimento cognitivo ou de preferências de gênero ao representar a figura humana.

O total da pontuação emocional no desenho também demonstrou ser afetado por variáveis de ordem socioeconômica, representadas pela maior pontuação na escola pública, para ambos os sexos. Meninos apresentaram maiores dificuldades emocionais do que as meninas neste tipo de ambiente, indicando uma necessidade de maior orientação nestes casos, pois parecem ser suscetíveis a mais distúrbios emocionais em contextos carentes. Tais resultados apontam a necessidade de obter informações não só da estrutura familiar da criança como também das suas condições socioeconômicas ao realizar a interpretação dos desenhos, assim como já havia sido recomendado por alguns autores (Bandeira & Arteche, 2008; Koppitz & Casullo, 1983).

A retirada de alguns itens de origem evolutiva no sistema emocional, representados pelas omissões, integração do traçado e uso de vestimenta, pode reduzir o efeito do tipo de escola. Possivelmente estes itens refletem o impacto do ambiente na expressão pelo desenho, devendo, portanto, serem desconsiderados como indicadores de problemática emocional. As relações negativas e significativas encontradas entre os indicadores emocionais e cognitivos demonstraram que o aumento de problemas emocionais tende a piorar o desempenho cognitivo, como seria esperado. Tais resultados vêm confirmar os estudos de Naglieri et al. (1991), que também obtiveram correlações negativas comparando os resultados na pontuação emocional do desenho com o teste MAT-SF não verbal de inteligência.

Os dados obtidos demonstraram a necessidade de serem considerados pontos de corte como critério para subsidiar decisões quanto à necessidade de aprofundamento da avaliação psicológica. O número mínimo de indicadores emocionais encontrados, na faixa etária de 5 anos de idade foi de 7 pontos, ao passo que aos 11 anos de idade um mínimo de 6 indicadores torna-se necessário como critério para posterior avaliação. Embora a avaliação global por meio de sua qualidade artística expressa nos desenhos seja utilizada há bastante tempo, como ressaltaram Hutz e Bandeira (1995), este processo pode acarretar grande subjetividade. Considerações da influência do sexo, idade da criança e tipo de figura desenhada demonstraram ser essenciais para a compreensão da pontuação emocional.

A presença de indicadores considerados como emocionais em populações não clínicas tem sido encontrada em vários estudos brasileiros (Bartholomeu et al., 2006; Campagna & Fairman, 2002). Assim sendo, pode-se questionar se vários dos itens considerados como sendo de ordem emocional estariam apenas descrevendo a personalidade de um indivíduo normal. Do mesmo modo, pode-se incorrer no erro de classificar como anormal aqueles indivíduos que possuem modos diferentes de retratar a figura humana, tal como acontece com indivíduos altamente criativos, não necessariamente portadores de distúrbios emocionais, como observou Wechsler (2004) nos desenhos criativos infantis.

Os resultados encontrados indicaram, portanto, a necessidade de maiores cuidados ao serem feitas interpretações clinicas baseando-se, exclusivamente, em um ou indicadores. A utilização da vários sinais nos desenhos ao invés de indicadores isolados é mais recomendada para esta finalidade, por trazer maior quantidade de dados para as interpretações (Flanagan & Motta, 2007; Garb et al., 2002). Do mesmo modo, salienta-se a necessidade da utilização da validade clínica (Koppitz, 1984; Tavares, 2003), ou seja, aliar a interpretação dos desenhos a um conjunto maior de estratégias que envolvam entrevistas, observações e coleta de dados por meio de outros instrumentos psicológicos a fim de complementar a avaliação psicológica.

O foco deste estudo foi investigar a prevalência de indicadores nos desenhos de crianças sem problemática emocional aparente. Entretanto seus resultados estão limitados pelo fato de não terem sido obtidas informações sobre populações clinicas a fim de comparar se este sistema de avaliação possui validade para discriminar grupos com e sem dificuldades emocionais na realidade brasileira. Outras faixas etárias deveriam ser pesquisadas, considerando-se que a amostra estudada foi restrita dos 5 aos 11 anos de idade. Também a estabilidade da avaliação emocional, ou precisão deste sistema, por meio de teste-reteste, por exemplo, deveria ser foco de estudos posteriores. A partir destas informações poderia ocorrer a elaboração de normas brasileiras separadas por sexo, idade e tipo de figura, que poderiam subsidiar o processo de triagem de crianças que necessitam de uma avaliação psicológica mais completa. Desta maneira, os psicólogos poderão se apoiar em critérios mais objetivos e científicos para realizar o psicodiagnóstico infantil.

Recebido: 27/06/2009

1ª revisão: 30/03/2010

2ª revisão: 22/04/2010

Aceite final: 30/04/2010

  • Abell, S., Horkheimer, R., & Nguyen, S. (1998). Intellectual evaluations of adolescents by Human Figure Drawings: An empirical comparison of two methods. Journal of Clinical Psychology, 54, 811-815.
  • Alves, I. C. B. (1998). Variáveis significativas na avaliação da inteligência. Psicologia Escolar e Educacional, 2, 109-114.
  • Anastasi, A., & Urbina, T. (2000). Testagem psicológica Porto Alegre, RS: Artes Médicas.
  • Arteche, A. X. (2006). Indicadores emocionais no Desenho da Figura Humana: Construção e validação de uma escala infantil. Tese de Doutorado não-publicada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.
  • Arteche, A. X., & Bandeira, D. R. (2006). O Desenho da Figura Humana: Revisando mais de um século de controvérsias. Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación Psicológica, 2, 133-156.
  • Bandeira, D. R., & Arteche, A. (2008). Desenho da Figura Humana. In A. E. V. Amaral & B. S. G. Werlang (Eds.), Atua-lizações em métodos projetivos para avaliação psicológica (pp. 205-224). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.
  • Bandeira, D. R., Costa, A., & Arteche, A. (2008). Estudos da validade do DFH como medida do desenvolvimento cognitivo infantil. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21, 332-337.
  • Bartholomeu, D., Sisto, F., & Rueda, F. (2006). Dificuldades de aprendizagem na escrita e características emocionais de crianças. Psicologia em Estudo, 11, 139-146.
  • Bruening, C., Wagner, W., & Johnson, J. T. (1997). Impact of rater knowledge on sexually abused and nonabused girls' scores on Draw-a-person: Screening procedure for emotional disturbance (DAP: SPED). Journal of Personality Assess-ment, 68, 665-677.
  • Campagna, V., & Fairman, C. (2002). O Desenho da Figura Humana no início da adolescência feminina. Boletim de Psicologia, 52(116), 87-104.
  • Dunleavy, R., Hansen, J., Szasz, C., & Baad, L. (1981). Early kindergarten identification of academically not-ready children by use of Human Figure Drawing developmental score. Psychology in the Schools, 18, 35-38.
  • Flanagan, R., & Motta, R. (2007). Figure Drawing: A popular method. Psychology in the Schools, 44, 257-270.
  • Flores-Mendoza, C., Abad, F., & Lelé, A. (2005). Análise dos itens do Desenho da Figura Humana: Aplicação da TRI. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 21, 243-254.
  • Garb, H., Wood, J., Lilienfeld, S., & Nezworski, M. T. (2002). Effective use of projective techniques in clinical practice: Let the data help with selection and interpretation. Pro-fessional Psychology: Research and Practice, 33, 454-463.
  • Hall, L., & Ladriere, L. (1970). A comparative study of diagnostic potential and efficiency of six scoring systems applied to children's Figure Drawings. Psychology in the Schools, 7, 244-247.
  • Hammer, E. F. (1980). Testes proyectivos gráficos Buenos Aires, Argentina: Paidós.
  • Hutz, C., & Antoniazzi, A. (1995). O desenvolvimento do Desenho da Figura Humana em crianças de 5 a 15 anos. Normas para avaliação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 8, 3-18.
  • Hutz, C. S., & Bandeira, D. F. (1995). Avaliação psicológica com o Desenho da Figura Humana: Técnica ou intuição? Temas em Psicologia, 3, 35-41.
  • Hutz, C., & Bandeira, D. R. (2000). Desenho da Figura Humana. In J. A. Cunha (Ed.), Psicodiagnóstico: Vol. 5 (5. ed., pp. 507-513). Porto Alegre, RS: Artes Médicas.
  • Koppitz, E. M. (1968). Psychological evaluation of children's Human Figure Drawing New York: Grune & Stratton.
  • Koppitz, E. M. (1984). Psychological evaluation of Human Figure Drawings by middle school pupils New York: Grune and Stratton.
  • Koppitz, E. M., & Casullo, M. (1983). Exploring cultural influences on Human Figure Drawings of young adolescents. Perceptual and Motor Sills, 57, 479-483.
  • Lilienfeld, S., Wood, J., & Garb, H. (2000). The scientific status of projective techniques. Psychological Science in the Public Interest, 1, 27-66.
  • Matto, H. (2002). Investigating the validity of the Draw-a-person: Screening procedure for emotional disturbance: A measurement validation study with high-risk youth. Psychological Assessment, 14, 221-225.
  • Mato, H. C., Naglieri, J. A., & Claussen, C. (2005). Validity of the Draw-a-person: Screening procedure for emotional disturbance (DAP: SPED) in strength-based assessment. Research on Social Practice, 14, 41-46.
  • Naglieri, J. (1988). DAP - Draw a person: A quantitive scoring system. San Diego, CA: The Psychological Corporation.
  • Naglieri, J., & Peiffer, S. (1992). Performance of disruptive behavior disordered and normal samples on the Draw-a-person procedure for emotional disturbances. Psychological Assessment, 4, 156-159.
  • Naglieri, J. A., McNeish, T. J., & Bardos, A. N. (1991). DAP-SPED: Draw a person; screening procedure for emotional disturbance Austin, TX: Pro-Ed.
  • Reynolds, W. M. (1979). Psychological test: Clinical usage versus psychometric quality. Professional Psychology, 9, 324-329.
  • Safran, S. (1996). DAP or method? Professional Psychology: Research and Practice, 27, 418-419.
  • Satler, J. (2001). Assessment of children: Cognitive applications (4th ed.). San Diego, CA: Author.
  • Sisto, F. (2006). Desenho da Figura Humana - Escala Sisto São Paulo, SP: Vetor.
  • Tavares, M. (2003). Validade clinica. Psico-USF, 8, 125-136.
  • Wechsler, S. M. (1998). Adaptação e validação do Desenho da Figura Humana para crianças brasileiras. Revista Iberoame-ricana de Diagnóstico y Evaluación Psicológica. 4, 47-64.
  • Wechsler, S. M. (2000). O Desenho da Figura Humana: Ava-liação do desenvolvimento cognitivo infantil. Campinas, SP: Livro Pleno.
  • Wechsler, S. M. (2003). DFH III. O Desenho da Figura Humana: Avaliação do desenvolvimento cognitivo de crianças brasileiras Campinas, SP: Editora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
  • Wechsler, S. M. (2004). Avaliação da criatividade por figuras. Testes de Torrance: Versão brasileira Campinas, SP: Editora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
  • Wechsler, S. M., & Schelini, P. W. (2002). Validade do Desenho da Figura Humana para avaliação cognitiva infantil. Avaliação Psicológica, 1, 29-38.
  • *
    Endereço para correspondência: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Curso de Pós-graduação em Psicologia, Av. John Boyde Dunlop, s/n, Jardim Ipaussurama, Campinas, SP, Brasil, CEP 13059-900. E-mail:
    Agradecimentos: A autora principal à Pró-reitoria de Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) pelas bolsas de Iniciação Científica outorgadas às colaboradoras desta pesquisa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Aceito
      30 Abr 2010
    • Revisado
      30 Mar 2010
    • Recebido
      27 Jun 2009
    Curso de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Ramiro Barcelos, 2600 - sala 110, 90035-003 Porto Alegre RS - Brazil, Tel.: +55 51 3308-5691 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: prc@springeropen.com