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A comunicação parento-filial: estudo das dimensões comunicacionais realçadas por progenitores e por filhos

Parent-child communication: study about communicational dimensions highlighted by parents and children

Resumos

A comunicação desempenha um papel central na relação progenitores-filhos, particularmente no exercício da parentalidade. Assim, foi desenhado um estudo misto (qualitativo/quantitativo) com o intuito de identificar as dimensões da comunicação mais destacadas por pais e filhos (7-16 anos). Para atingir este objetivo entrevistaram-se dez progenitores e realizaram-se dois grupos focais com dez filhos, sem correspondência de parentesco. A análise de conteúdo revelou sete dimensões (Metacomunicação, Problemas Comunicacionais, Partilha de Situações Problemáticas, Atitudes Filiais, Atitudes Parentais, Afeto e Estabelecimento de Regras e Limites). Cada uma destas dimensões é composta por sub-dimensões revelando consistência e coerência com a literatura teórica que tem conceptualizado a comunicação na relação parento-filial. Estes dados estarão na base do desenvolvimento de uma escala de avaliação da comunicação.

Relação pais-filhos; comunicação; estudo misto (qualitativo/quantitativo)


Communication seems to play a central role in the parent-child relationship, especially in parenting exercise. This mixed study (qualitative/quantitative) was designed to identify the most referred communication dimensions in the perspective of both parents and children (7-16 years old). To achieve this goal, 10 individual interviews with parents and 2 focus groups with ten children, without matching relationship, were carried out. The content analysis revealed seven parent-child communication dimensions (Metacommunication, Communication Problems, Child Attitude, Parental Attitude, Problematic Situations, Affective Expression and Rules/Limits Establishment). Each of these dimensions was composed by subdimensions, revealing consistence and coherence with theoretical literature. These findings will underpin the development of a parent-child communication scale.

Parent-child relationship; communication; qualitative/quantitative study


AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

A comunicação parento-filial: estudo das dimensões comunicacionais realçadas por progenitores e por filhos

Parent-child communication: study about communicational dimensions highlighted by parents and children

Alda Portugal; Alberto Marques Isabel

Universidade de Coimbra, Coimbra, Distrito de Coimbra, Portugal

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alda Portugal Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra Rua do Colégio Novo, Apartado, 6153 Coimbra, Portugal 3001-802. E-mail: aaldaportugal@gmail.com e isamaria@fpce.uc.pt

RESUMO

A comunicação desempenha um papel central na relação progenitores-filhos, particularmente no exercício da parentalidade. Assim, foi desenhado um estudo misto (qualitativo/quantitativo) com o intuito de identificar as dimensões da comunicação mais destacadas por pais e filhos (7-16 anos). Para atingir este objetivo entrevistaram-se dez progenitores e realizaram-se dois grupos focais com dez filhos, sem correspondência de parentesco. A análise de conteúdo revelou sete dimensões (Metacomunicação, Problemas Comunicacionais, Partilha de Situações Problemáticas, Atitudes Filiais, Atitudes Parentais, Afeto e Estabelecimento de Regras e Limites). Cada uma destas dimensões é composta por sub-dimensões revelando consistência e coerência com a literatura teórica que tem conceptualizado a comunicação na relação parento-filial. Estes dados estarão na base do desenvolvimento de uma escala de avaliação da comunicação.

Palavras-chave: Relação pais-filhos, comunicação, estudo misto (qualitativo/quantitativo).

ABSTRACT

Communication seems to play a central role in the parent-child relationship, especially in parenting exercise. This mixed study (qualitative/quantitative) was designed to identify the most referred communication dimensions in the perspective of both parents and children (7-16 years old). To achieve this goal, 10 individual interviews with parents and 2 focus groups with ten children, without matching relationship, were carried out. The content analysis revealed seven parent-child communication dimensions (Metacommunication, Communication Problems, Child Attitude, Parental Attitude, Problematic Situations, Affective Expression and Rules/Limits Establishment). Each of these dimensions was composed by subdimensions, revealing consistence and coherence with theoretical literature. These findings will underpin the development of a parent-child communication scale.

Keywords: Parent-child relationship, communication, qualitative/quantitative study.

A família, enquanto sistema auto-organizado, caracteriza-se pela contínua negociação e definição das relações entre os seus membros através de processos comunicacionais (Watzlawick, Beavin, & Jackson, 1967/1993). Nesse sentido, a comunicação torna-se um construto central para a qualidade do exercício da parentalidade (Carr, 2006). Os modelos teóricos destacam, de forma consistente, algumas dimensões relevantes na comunicação parento-filial: (a) a abertura comunicacional e problemas comunicacionais (Barnes & Olson, 1985; Watzlawick et al., 1967/1993), (b) a expressão afetiva (Cummings & Cummings, 2002; Floyd & Morman, 2003; Segrin & Flora, 2005) e (c) o exercício da autoridade associado à função executiva (Herbert, 2004). Porém, a pesquisa empírica desenvolvida, nos últimos anos, sobre este tema (Barnes & Olson, 1985; Bumpus & Hill, 2008; Crockett, Brown, Russel, & Shen, 2007; Lanz, Iafrate, Rosnati, & Scabini, 1999) apresenta algumas dificuldades: (a) é essencialmente de cariz quantitativo, (b) está demasiado centrada nos adolescentes, e (c) tem por base modelos do funcionamento familiar que nem sempre especificam a relação comunicacional entre pais e filhos (e.g. Beavers & Hampson, 2000; Skinner, Steinhauer, & Sitarenios, 2000).

A literatura indica a influência de duas variáveis na comunicação parento-filial: (a) a etapa do ciclo vital da família1 1 A literatura teórica (Relvas, 1996) faz a distinção entre crianças em idade escolar e adolescentes. Neste estudo, o intervalo de idades das crianças em idade escolar situa-se entre os 10-12 anos e dos adolescentes situa-se entre os 13-16 anos. e (b) o sexo de progenitores e filhos. O ciclo de vida da família é o reflexo do seu crescimento, enquanto sistema e de cada um dos seus membros enquanto indivíduo (Carr, 2006). A comunicação, nesse contexto, permite identificar e dar resposta às necessidades/exigências específicas de cada etapa do ciclo vital (Carr, 2006). Assim, Annear e Yates (2010) mostram que na etapa família com filhos na escola (7-12 anos) a comunicação familiar está focada na progressiva autonomização das crianças, enquanto na etapa família com filhos adolescentes (13-16 anos) a comunicação tem um papel preponderante na construção da identidade do adolescente (Allué, 2011). A manutenção de uma comunicação aberta e clara entre progenitores e filhos está relacionada com sentimentos positivos e níveis reduzidos de conflito (Jackson, Bijstra, Oostra, & Bosma, 1998); por outro lado, o afastamento dos progenitores é um preditor de sintomatologia depressiva nos adolescentes (Abaid, Dell'Aglio, & Koller, 2008). Uma pesquisa realizada por Teodoro, Cerqueira-Santos, Morais e Koller (2007) revelou que um clima familiar positivo favorece comportamentos saudáveis em relação ao tabagismo.

Para além da etapa do ciclo vital da família, o sexo de pais e de filhos parece ser uma variável importante na comunicação parento-filial. Os resultados de alguns estudos sugerem a existência de diferenças de género relativamente ao estabelecimento da comunicação, existindo indicadores de que os filhos, de ambos os sexos, tendem a procurar mais as mães para comunicar do que os progenitores do sexo masculino (Barnes & Olson, 1985; Crockett et al., 2007; Jackson et al., 1998; Lanz et al., 1999).

Apesar da extensão da pesquisa empírica realizada no âmbito da comunicação pais-filhos na comunidade científica, verifica-se uma escassez de estudos de cariz qualitativo e que contemplem os aspectos comunicacionais da interação rotineira entre progenitores e filhos. Assim, esta investigação, suportada teoricamente no Modelo da Pragmática da Comunicação Humana de Watzlawick et al. (1967/1993), surge impulsionada pela necessidade de desenvolver um estudo misto (qualitativo e quantitativo) subjacente a um objetivo: a identificação das dimensões da comunicação progenitores-filhos mais destacadas no exercício da parentalidade, para posterior construção de uma escala de avaliação deste construto. Pretende-se, então, caracterizar a comunicação no contexto das relações parento-filiais permitindo estabelecer singularidades e transversalidades comunicacionais em duas etapas particulares do ciclo vital da família (filhos em idade escolar e adolescentes). Este trabalho permitirá abrir novas possibilidades de avaliação e intervenção nas dinâmicas relacionais entre progenitores e filhos.

Método

Design da Investigação

Nesta pesquisa optou-se por uma metodologia mista (qualitativo/quantitativo; Tashakkori & Teddlie, 2003), tendo por base um roteiro de entrevista semi-estruturada sobre a comunicação parento-filial, elaborado a partir da revisão da literatura. A análise qualitativa, caracterizada pelo recurso a uma metodologia de carácter descritivo e continuamente analítico, dirige-se especialmente para a compreensão do significado da experiência e ação humana, recorrendo a dados/textos verbais variados (Rennie, 2002). Esta metodologia de investigação implica métodos de análise específicos (Miles & Huberman, 1994): (a) codificação do conjunto de entrevistas recolhidas; (b) anotação de reflexões/comentários para além dos códigos; (c) identificação de relações entre as variáveis codificadas, padrões, diferenças entre os subgrupos e sequências comuns; (d) elaboração gradual de um conjunto de generalizações que cubram as consistências encontradas ao longo da análise das entrevistas; e (e) confrontação destas generalizações com o corpo teórico formal. Por sua vez, a análise quantitativa deste estudo está relacionada com o critério selecionado para atingir o objetivo proposto, isto é, optou-se pela quantificação das referências dos participantes no sentido de identificar as dimensões da comunicação mais destacadas nas entrevistas. A combinação destes dois tipos de análise permite a recolha de informação mais detalhada sobre o fenómeno em estudo (Teddlie & Yu, 2007).

Relativamente à metodologia para a recolha de dados, optou-se pela realização de entrevistas individuais e de grupos focais. As entrevistas individuais têm como principal objetivo explorar a perspectiva de um indivíduo, considerado perito sobre o tema em investigação, no sentido de captar os seus sentimentos, opiniões e experiências (Milena, Dainora, & Alin, 2008). Os grupos focais permitem uma discussão interativa entre indivíduos selecionados para integrar o grupo no sentido de gerar discussão e reflexão sobre percepções, pensamentos e impressões acerca do tema sob análise (Milena et al., 2008). Apesar das particularidades inerentes a cada uma destas metodologias, considera-se que ambas as opções são igualmente válidas para a exploração da temática da comunicação progenitores-filhos (Hill & Hill, 2009; Milena et al., 2008).

Participantes

Foram constituídos quatro grupos: (a) cinco crianças em idade escolar (7-12 anos), (b) cinco adolescentes (13-16 anos), (c) seis pais de crianças em idade escolar e (d) quatro pais de adolescentes. Este estudo envolveu um total de vinte informantes, de nacionalidade portuguesa, com idades entre os 10 e os 52 anos e sem correspondência de parentesco entre si.

O grupo das crianças em idade escolar incluiu duas meninas e três meninos, com idades entre os 10 e os 12 anos (M = 10,8). Todas as crianças provinham de um meio medianamente urbano; coabitavam com ambos os progenitores e, em média, pertenciam a uma fratria de dois elementos; em termos socioeconómicos2 2 O estatuto socioeconómico dos participantes é definido de acordo com o rendimento mensal e a profissão: rendimento inferior a 475€ equivale a um estatuto socioeconómico baixo; rendimento entre os 475€ e os 1211€ equivale a um estatuto socioeconómico médio; rendimento superior a 1211€ equivale a um estatuto socioeconómico alto (dados do Instituto Nacional de Estatística, 2011). , verificou-se que duas crianças pertenciam à classe de estatuto socioeconómico baixo e três integravam a classe de estatuto socioeconómico médio. O grupo dos adolescentes foi composto por quatro participantes do sexo feminino e um do sexo masculino, com idades entre os 13 e os 16 anos (M = 13,2); provinham de um meio medianamente urbano; viviam com ambas as figuras parentais e, em média, pertenciam a uma fratria de dois elementos; a nível socioeconómico, três adolescentes estão no estatuto socioeconómico baixo e dois provêm do estatuto socioeconómico médio.

O grupo dos progenitores constituiu-se por dois pais e quatro mães de crianças em idade escolar (7-12 anos), com idades entre os 36 e os 39 anos (M = 37,6), e dois pais e duas mães de adolescentes (13-16 anos), com idades entre os 40 e os 52 anos (M = 46,6). À exceção de uma mãe divorciada, os restantes progenitores estavam casados ou viviam em união de facto e tinham, em média, dois filhos. Relativamente ao estatuto socioeconómico, um progenitor pertencia ao estatuto socioeconómico alto, dois ao estatuto socioeconómico baixo e sete ao estatuto médio.

Procedimento

Tanto os grupos focais como as entrevistas individuais decorreram ao longo de cinco meses, respeitando os procedimentos éticos recomendados (American Psychological Association [APA], 2002), nomeadamente a obtenção do consentimento informado pelos participantes (carácter voluntário da participação; apresentação dos riscos e benefícios; salvaguarda da confidencialidade).

Nos grupos dos filhos (crianças em idade escolar e adolescentes) recorreu-se aos grupos focais, tendo um roteiro de entrevista semi-estruturada como motor de discussão entre os participantes. Com os progenitores realizaram-se entrevistas individuais. A opção por estas duas modalidades de exploração do tema prendeu-se, exclusivamente, com dificuldades associadas à marcação de entrevistas conjuntas com os adultos. Tanto os grupos focais como as entrevistas individuais foram realizadas em sessões únicas.

As crianças e os adolescentes participantes neste estudo foram selecionados aleatoriamente numa escola do ensino regular. Depois do consentimento informado dado pelos encarregados de educação, as discussões em grupos focais (debate grupal de cada uma das questões lançadas) desenrolaram-se no espaço escolar. Os progenitores integraram uma amostragem por conveniência (Maroco, 2007), e as entrevistas foram realizadas em casa ou no local de trabalho dos participantes.

Os fatores de inclusão dos participantes foram: (a) crianças/adolescentes de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 7 e os 16 anos; coabitação com os respetivos progenitores ou substitutos; (b) progenitores de crianças com idades entre os 7 e os 16 anos em coabitação com os respetivos filhos. Excluíram-se os participantes com diagnóstico de psicopatologia ou deficiência mental e/ou física. As entrevistas foram gravadas (com permissão de todos os envolvidos) para posterior transcrição e análise de conteúdo. A duração das discussões foi variável (entre 90 a 120 minutos), consoante a modalidade de entrevista utilizada e as características dos próprios entrevistados.

Instrumentos Utilizados

Tendo por base a revisão da literatura sobre a comunicação na parentalidade (Barnes & Olson, 1985; Cummings & Cummings, 2002; Floyd & Morman, 2003; Herbert, 2004; Segrin & Flora, 2005; Watzlawick et al., 1967/1993), foi elaborada uma entrevista semi-estruturada para analisar as percepções, opiniões e experiências pessoais dos participantes sobre esta temática. O roteiro de entrevista destinado aos progenitores foi dividido em sete tópicos de discussão: (a) definição do conceito de comunicação, (b) objetivos da comunicação, (c) facilidade/dificuldade na comunicação com os filhos, (d) temas-alvo de comunicação com os filhos, (e) comunicação dos sentimentos/emoções, (f) expressão do afeto e (g) imposição de regras e limites. Por sua vez, o roteiro de entrevista aplicado aos grupos focais contemplou os mesmos tópicos de discussão, mas na perspectiva dos filhos. O roteiro incluiu questões como "Partilha habitualmente os seus sentimentos com os seus filhos?", "Que assuntos são mais fáceis de partilhar com os seus pais?".

Resultados

As entrevistas foram transcritas e codificadas por categorias (Miles & Huberman, 1994) que, por sua vez, foram analisadas ao nível das propriedades, similitudes e diferenças originando uma árvore categorial sobre a comunicação parento-filial (Figura 1). Foi ainda avaliado o acordo inter-codificadores.


Os resultados derivados da análise qualitativa com recurso ao Software NVivo8 serão apresentados em dois momentos: (a) primeiro será feita a análise de conteúdo das entrevistas a progenitores e filhos (em idade escolar e adolescentes) e (b) depois serão definidas as dimensões da comunicação parento-filial que emergiram dessa análise.

Análise de Conteúdo às Entrevistas

A primeira questão do guião de entrevista tinha como principal objetivo esclarecer o que cada um dos participantes considerava ser o conceito de comunicação. Progenitores e filhos fizeram, a este nível, referências muito semelhantes, indicando a vertente verbal e não-verbal da comunicação e identificando este conceito como sendo essencial para a compreensão do outro. Os testemunhos de duas mães deixam este aspeto claro (Mãe 1) "Comunicar é quase tudo! Quase tudo o que uma pessoa faz voluntária e involuntariamente!", (Mãe 2) "Comunicar é entender o que a outra pessoa está a querer dizer".

Depois de esclarecido o conceito de comunicação avançou-se para a sua exploração no âmbito do contexto específico da relação entre progenitores e filhos. A discussão sobre o tema foi muito abrangente, permitindo abordar áreas diversas (e.g. dificuldade/facilidade em conversar com os filhos/pais sobre alguns temas, dificuldade/facilidade em expressar emoções/sentimentos). Apesar de terem surgido algumas referências específicas, tanto os progenitores como as crianças abordaram tópicos semelhantes, conferindo transversalidade na forma como se veem a comunicar. Surgiram assim referencias caracterizadoras desta relação como os seguintes exemplos comprovam: "A comunicação com os meus filhos é mais espontânea e autêntica" (Mãe 1), "É mais fácil falar com as minhas filhas porque estou no contexto familiar e posso dizer aquilo que penso e dar a minha opinião" (Mãe 2), "Procuro falar com elas sobre o dia-a-dia. Pergunto-lhes como correu a escola, o que comeram... Mas faço isto de forma diferente porque elas têm idades diferentes" (Mãe 3), "Gosto de falar com a minha filha e de perceber o que a atormenta, que problemas é que ela tem e tento despreocupá-la" (Pai 2). Estas referências remetem para o conceito de metacomunicação no sentido em que os progenitores, ao falarem com os seus filhos, pretendem esclarecer a comunicação estabelecida. Colocam a ênfase na livre expressão, abertura comunicacional e na satisfação que daí advém referindo, por mais do que uma vez, a preferência por desenvolver a comunicação no contexto familiar, em particular com os filhos. A adequação desta comunicação às características das crianças fica também patente através do exemplo da Mãe 3 que reforça a necessidade de uma comunicação clara e livre de mal-entendidos. Também a clarificação de papéis surge como elemento característico da comunicação parento-filial, como se reflete no testemunho de uma adolescente: "O meu pai chateia-se comigo por causa da forma como eu falo com a minha mãe" (Adolescente 2). A clarificação de papéis permite a identificação do poder no contexto da relação parento-filial e a imposição clara de regras e limites.

Nesse sentido, também o tema das regras e dos limites foi abordado, mencionando-se, a advertência como a principal estratégia de imposição de regras e limites por parte dos progenitores, tal como é demonstrado por um pai de uma adolescente: "Até ver ela respeita as nossas ordens mas nós temos um pacto... Eu avisei-a 'a primeira vez que saíres fora, acabou!' e até agora tem resultado" (Pai 1). Esta estratégia é também reconhecida pelos filhos como sendo recorrente "Quando eu peço para sair à noite eles começam a falar dos perigos e estão sempre a avisar-me para ter cuidado com os amigos, bebidas, drogas e essas coisas" (Adolescente 2). As advertências parecem, assim, ser motivadas pela preocupação parental. Por outro lado, a negociação surge como importante elemento da imposição de regras e limites. As descrições relativas à negociação são maioritariamente positivas, embora alguns filhos e pais tenham dificuldade em gerir certos assuntos, tal como o demonstra uma das mães (Mãe 1) "Lá em casa eles fazem muito pouco. Nós fazemos várias tentativas para dividir as tarefas de limpeza mas não funciona. Acho que os habituamos mal". O testemunho de uma menina da faixa etária 7-12 anos corrobora este aspecto "Eu nunca ajudo a minha mãe... tenho preguiça. Às vezes, quando tenho de arrumar o quarto, demoro muito a ir" (Filha Idade Escolar 1). Além disso, os progenitores pontuam como elemento importante do estabelecimento de regras e limites o acordo parental "Se a minha esposa vê que eu estou a ter dificuldades em mandá-lo fazer os trabalhos da escola, ela ajuda-me" (Pai 3). Dessa forma, o acordo parental relativamente às estratégias educativas utilizadas com os filhos parece facilitar a comunicação parento-filial.

A comunicação entre pais e filhos emerge nas entrevistas como um processo modelado pelas atitudes que cada um manifesta. Foram descritas algumas posturas que, na perspectiva dos participantes, contribuem para uma comunicação harmoniosa. Relativamente aos filhos, por exemplo, percebe-se que a responsabilidade, a empatia e a negociação facilitam um melhor entendimento com os pais. Algumas referências tornam esta afirmação consistente: "Eles ouvem-me e chamam-me à atenção. Eu ouço-os porque sei que eles são mais velhos e têm mais experiência" (Adolescente 5), "Eu evito pedir coisas aos meus pais porque sei que eles nem sempre podem comprar" (Adolescente 2), "Eu percebo quando a minha mãe está triste. Ela começa a ler revistas e a pintar as letras..." (Filho Idade Escolar 3), "Eu não saio à noite até muito tarde. Eu e os meus pais negociamos a hora de chegada a casa: eles dizem meia-noite mas dão-me mais um bocadinho! Aos poucos foram-me dando mais tempo para ficar na rua" (Adolescente 2). Os filhos relatam ainda uma atitude que pode servir como estratégia para gerir o conflito:

Quando eu me zango com os meus pais vou a correr para a sala, fecho a porta e deito-me na poltrona a ver televisão. Se eles forem atrás de mim eu vou para o quarto ouvir música. Só passado algum tempo é que vou falar com eles

. (Filho Idade Escolar 4)

Este comportamento, próximo da definição do conceito de time-out, parece evitar o aparecimento de dinâmicas familiares promotoras de escaladas conflituosas. Também os pais referem, de forma recorrente, algumas atitudes centrais para a gestão da comunicação com os filhos, nomeadamente, as expectativas que têm em relação ao presente e futuro dos seus filhos "O meu filho é um artista! Ele adora desenhar. Oxalá não me engane, mas eu acho que tenho ali um artista" (Pai 3), a auto-referência em termos educativos "Os meninos com esta idade habituam-se aos videojogos e depois é complicado! No meu tempo os nossos jogos e brincadeiras eram na rua. Havia maior desenvolvimento e um convívio natural" (Pai 4), a atitude protetora

Ela só este ano é que começou a sair mais com os amigos ... Normalmente aceitamos que ela saia porque acontece poucas vezes e nós conhecemos bem os amigos dela. Vamos buscá-la e vamos levá-la. Há sempre um controlo mesmo através do celular

. (Pai 2)

E a disponibilidade para a comunicação "A minha esposa tem mais disponibilidade para estar com ele por isso ele direciona-se mais para a mãe" (Pai 4).

Apesar da identificação de tópicos centrais positivos na manutenção da comunicação parento-filial, os temas relacionados com problemas comunicacionais também surgiram durante as entrevistas. A falta de clareza comunicacional é pontuada como sendo um elemento perturbador da comunicação, sobretudo pela não clarificação de assuntos que provocam conflito. Uma das meninas faz referência a esta dimensão através de um exemplo do quotidiano "A minha irmã já partiu um batom à minha mãe e ela pensa sempre que a culpa é minha" (Filha Idade Escolar 2). A mãe de um adolescente mencionou episódios de bullying que aconteceram na escola relatando "Eu acho que ele não nos disse nada porque achava que aquilo não merecia a pena ser falado em casa. Nós só viemos a saber o que se passou muito mais tarde e eu fiquei zangada" (Mãe 1). Foram referidos outros temas relacionados com os problemas comunicacionais, tanto pelos progenitores como pelos filhos, tais como a desvalorização da comunicação mantida, a existência de interações negativas que perpetuam uma comunicação problemática, o exercício de uma comunicação paradoxal, entre outros: "Às vezes é preciso gritar. Em circunstâncias diferentes é preciso gritar com todos. Mas quando eu estou muito zangada eu grito e explico as coisas a gritar que é uma coisa que eu detesto" (Mãe 1). Através do seu relato, esta mãe manifesta a dificuldade que, por vezes, sente em manter uma comunicação livre de conflitos, mesmo tendo consciência de que nem sempre é adequado. O mesmo acontece com os filhos:

A minha mãe pede-me para a ajudar em casa mas falta-me a vontade... Ela começa a discutir comigo e começa a gritar e eu grito também e depois diz-me "deves pensar que estás a falar com os teus amigos da escola!" e eu fico muito irritada

. (Adolescente 3)

Os filhos recorrem à desvalorização da comunicação, sobretudo, com a intenção de evitar o compromisso comunicacional: "Quando eu me chateio com a minha mãe não quero falar nem pensar nisso!" (Adolescente 2). Existem também referências a alianças familiares que podem promover coligações e interações familiares conflituosas, como no exemplo:

Ficamos um pouco exaltadas uma com a outra. Ela normalmente amua e toma partido de outras pessoas da casa. Vira-se um contra mim e toma partido do pai e do irmão e não quer conversas comigo. Nessas alturas só o pai é que é bom!

(Mãe 5)

A análise de conteúdo das entrevistas permite distinguir entre dois tipos de reação face ao conflito: ou há uma relação complementar caracterizada por uma clara definição de papéis onde os progenitores assumem o papel de autoridade e os filhos adotam uma postura submissa: "Ela vem para a cozinha gritar e eu fico a ouvir música no meu leitor de mp3" (Adolescente 4), ou se manifesta uma relação simétrica, caracterizada pela escalada conflituosa: "O meu filho é insistente. É do género de criança que está sempre a falar no mesmo até conseguir. Faz birras, chora, manda-se para o chão..." (Pai 3).

Outro tema abordado durante as entrevistas está relacionado com a partilha de situações problemáticas. Tanto os progenitores como os filhos manifestam confiança para conversar sobre alguns assuntos, todavia, mencionam dificuldade em abordar questões específicas. Vejamos o exemplo da mãe de uma menina em idade escolar: "Tento afastar a conversa sobre o trabalho. Digo sempre que o trabalho corre bem porque ela é uma menina muito preocupada e eu não a quero aborrecer com os problemas do trabalho" (Mãe 2). A decisão de partilhar ou não partilhar as dificuldades pessoais com os filhos (ou vice-versa) é variável e depende da temática em questão. Por exemplo, questões relacionadas com a sexualidade são descritas pelos adolescentes deste estudo como sendo difíceis de partilhar: "Esse é um assunto mais difícil (sexualidade). É um tema que não é muito discutido lá em casa. Às vezes via uma telenovela sobre adolescentes com o meu pai e até ficava envergonhada quando tocavam nesse assunto" (Adolescente 1). Por sua vez, os problemas mais partilhados pelos progenitores parecem estar relacionados com: (a) dificuldades económicas/financeiras, (b) problemas familiares e (c) problemas laborais. Relativamente aos filhos, o tema-alvo que suscita mais dificuldades de partilha é relativo à escola.

Por fim, a expressão dos afetos foi um tema recorrente ao longo das várias entrevistas. A expressão do afeto mais frequente parece ser do tipo não-verbal: "A minha filha é muito meiga e dá muitos beijinhos. De vez em quando chega-se ao pé de mim e dá-me um grande abraço sem razão nenhuma" (Mãe 1), "As minhas filhas dão-me beijos e abraços e gostam de estar perto de mim. Elas não dizem as coisas, preferem fazer" (Mãe 2). No discurso dos filhos, também a expressão não-verbal do afeto parece ser privilegiada: "De vez em quando tenho vontade de fazer presentes para a minha mãe" (Filha Idade Escolar 3), "Eu não digo nada. Só dou abraços e beijinhos" (Adolescente 3). Ainda assim existem algumas descrições relacionadas com a inibição do afeto, mais presentes na etapa da adolescência: "O meu filho tem 13 anos e está naquela idade em que acha que não precisa dos pais para nada. De manha já nem me dá um beijo!" (Mãe 1), "Eu não mostro muito os meus afetos, eles é que me costumam pedir um beijinho" (Adolescente 2).

Comunicação Parento-Filial: Dimensões Emergentes3 3 A apresentação dos resultados é feita com base no número de referências que os participantes fizeram às dimensões e sub-dimensões.

Pelo conceito de dimensão entende-se "qualquer propriedade de um estímulo passível de uma quantificação ... (ou) qualquer traço psicológico que pode ser objeto de uma quantificação" (Doron & Parot, 2001, p. 241). A necessidade de sistematizar a informação conduziu ao agrupamento, em categorias, de temas semelhantes e à eliminação de alguns temas que foram pouco destacados ou mencionados (e.g. receios filiais, ausência de triangulação). Esta opção teve por base: a descrição da literatura sobre a pertinência das dimensões e sub-dimensões; o número de referências efetuadas pelos participantes a cada dimensão e sub-dimensão; a representatividade da dimensão teórica nas respectivas sub-dimensões; e, finalmente, a exclusão das dimensões que não contribuíam para a coerência do conjunto de categorias globais sobre a comunicação parento-filial.

A análise qualitativa das entrevistas acima descritas revelou sete categorias gerais que parecem caracterizar a comunicação mantida entre pais e filhos (Figura 1): Metacomunicação (seis sub-categorias), Problemas Comunicacionais (seis sub-categorias), Atitude Parental (quatro sub-categorias), Atitude Filial (quatro sub-categorias), Estabelecimento de Regras e Limites (três sub-categorias), Afeto (três sub-categorias) e Partilha de Situações Problemáticas (dois sub-categorias).

A categoria Metacomunicação refere-se aos indicadores comunicacionais positivos que permitem o esclarecimento de conteúdos e papéis, promovendo o estabelecimento de uma comunicação aberta. Esta dimensão resulta da definição original de metacomunicação proposta por Watzlawick et al. (1967/1993) "Quando deixamos de usar a comunicação para comunicar mas a empregamos para comunicar sobre comunicação ... isto tem o nome de metacomunicação" (p. 36). Inclui, como sub-categorias, a livre expressão, a satisfação com a comunicação, a adequação da linguagem, a pontuação da comunicação, a clarificação de papéis e de conteúdos e o optimismo comunicacional. A dimensão Problemas Comunicacionais diz respeito aos aspectos menos positivos da comunicação parento-filial, nomeadamente, p adrões de interação negativos, conflito (simétrico ou complementar), paradoxalidade, desvalorização e coligações. As referências relativas às Atitudes Filiais (time-out, responsabilidade, empatia e negociação) e às Atitudes Parentais (proteção, expectativas, auto-referência e disponibilidade) relacionam-se com as posturas de interação consideradas adequadas e promotoras de uma comunicação eficaz e funcional, tal como é comprovado teoricamente (Holden & Buck, 2002; Segrin & Flora, 2005). O Estabelecimento de Regras e Limites refere-se ao estilo de negociação parental e ao exercício da função executiva (Herbert, 2004) e integra sub-dimensões como o acordo parental, negociação e advertência. Por sua vez, a expressão do Afeto está relacionada com a manifestação de um comportamento vinculativo e, por sua vez, adaptativo (Floyd & Morman, 2003), podendo ocorrer de uma forma verbal e/ou não-verbal (Segrin & Flora, 2005). Finalmente, a categoria Partilha de Situações Problemáticas está relacionada com a confiança e/ou dificuldade na partilha de problemas entre pais e filhos (Barnes & Olson, 1985; Segrin & Flora, 2005).

Com o intuito de garantir a fiabilidade das categorias finais que emergiram deste estudo, solicitou-se a dois observadores (com formação na área da Psicologia da Família) que codificassem as entrevistas de modo independente (Zwick, 1988). Com base nesta codificação calculou-se o acordo inter-observadores no sentido de apurar a qualidade e estabilidade das dimensões finais (Zwick, 1988). Assim, o teste estatístico Cohen's Kappa revelou um nível de acordo de 0,79, valor considerado excelente pela literatura (Hill & Hill, 2009).

Discussão

O primeiro vínculo afetivo/emocional de qualquer pessoa ocorre no contexto familiar, particularmente, na relação que une pais e filhos. A comunicação assume-se como elemento delineador da identidade e da realidade familiar, mas também das relações que se estabelecem nesse sistema (Segrin & Flora, 2005). O presente estudo reforçou a importância da comunicação parento-filial, consolidando o pressuposto do Modelo da Pragmática da Comunicação Humana (Watzlawick et al., 1967/1993) "é impossível não comunicar".

Apesar de existir um vasto corpo teórico sobre o tema (Barnes & Olson, 1985; Cummings & Cummings, 2002; Floyd & Morman, 2003; Herbert, 2004; Segrin & Flora, 2005; Watzlawick et al., 1967/1993), verifica-se uma lacuna ao nível de estudos empíricos, em particular, de estudos de cariz qualitativo. Assim, a presente investigação, através de uma metodologia mista (qualitativa e quantitativa), permitiu a identificação de dimensões da comunicação parento-filial com base na frequência de referências às unidades de análise que surgiram durante a análise de conteúdo.

As dimensões da comunicação parento-filial que foram destacadas ao longo das entrevistas foram: (a) metacomunicação, (b) problemas comunicacionais, (c) atitudes parentais, (d) atitudes filiais, (e) estabelecimento de regras e limites, (f) afeto e (g) partilha de situações problemáticas. Cada uma destas dimensões é composta por sub-dimensões, revelando consistência e coerência com a literatura teórica que tem conceptualizado a comunicação na relação parento-filial (Barnes & Olson, 1985; Cummings & Cummings, 2002; Floyd & Morman, 2003; Herbert, 2004; Segrin & Flora, 2005; Watzlawick et al., 1967/1993).

Todas as dimensões que emergiram deste estudo parecem caracterizar a relação entre progenitores e filhos em termos comunicacionais. A metacomunicação integra uma série de sub-dimensões que promovem a manutenção de uma comunicação satisfatória e harmoniosa. Esta dimensão é referida de forma substancial ao longo das entrevistas e, numa perspectiva teórica, está relacionada com a troca de mensagens positivas entre os elementos da família possibilitando uma melhor gestão dos fatores de estresse (Olson, 1993). A quantidade de tempo e de comunicação que se estabelece entre progenitores e filhos nem sempre é sinónimo de qualidade e, por esse motivo, há que ter em conta características como a clareza comunicacional, clarificação de papéis, optimismo, livre expressão, entre outros (Segrin & Flora, 2005).

Os problemas comunicacionais também foram referidos pelos participantes deste estudo. A existência de uma comunicação baseada no esclarecimento do conteúdo e da relação não impede o aparecimento de algumas dificuldades comunicacionais entre pais e filhos, até porque a existência de conflito é característica da relação humana (Relvas, 1996). Os problemas comunicacionais surgem quando os elementos da família se focam nos aspectos negativos da comunicação, tais como, estilos de interação negativos, paradoxalidade, selectividade e precaução relativamente aos conteúdos comunicacionais partilhados (Olson et al., 1985).

As atitudes tomadas tanto pelos pais como pelos filhos são descritas neste estudo como potenciadoras, por um lado, de uma comunicação positiva e, por outro, de problemas comunicacionais. A dimensão atitudinal tem uma importância central na gestão da comunicação e do exercício da parentalidade, influenciando os comportamentos e, desse modo, os outcomes comportamentais de pais e de filhos (Holden & Buck, 2002). Os resultados relativos às atitudes parentais mais frequentes indicam uma atitude parental positiva: as expectativas e a empatia parental implicam a aceitação da criança/adolescente como pessoa (Silveira, Pacheco, Cruz, & Schneider, 2005), enquanto a preocupação e proteção por parte dos pais sugere um estilo parental proativo, fundamental para a manutenção, de forma firme e consistente, da disciplina (Segrin & Flora, 2005; Silveira et al., 2005). As atitudes filiais emergentes, tais como empatia, responsabilidade e time-out, demonstram uma atitude positiva por parte dos filhos perante as solicitações dos progenitores.

O estabelecimento de regras e limites parece ser uma dimensão também central na comunicação entre progenitores e filhos. Para além de ter sido referido com frequência, surge como um elemento integrado na relação quotidiana de progenitores e filhos. O estabelecimento de regras e limites define-se, essencialmente, pela possibilidade de negociação parento-filial e pelo acordo parental relativamente às estratégias educativas utilizadas. Neste estudo verificou-se que a advertência é frequentemente utilizada como estratégia para delimitar os comportamentos dos filhos.

A expressão do afeto foi referida, de modo transversal, tanto por pais como por filhos. Segrin e Flora (2005) acentuam a importância desta dimensão para o desenvolvimento de competências sociais e comunicacionais. Floyd e Morman (2003) conceptualizaram esta temática através da Teoria da Troca de Afeto, postulando que a expressão do afeto é um comportamento adaptativo que contribui para a sobrevivência e procriação do ser humano, sendo concretizada por mensagens verbais (especialmente durante a infância) e mensagens não-verbais (Segrin & Flora, 2005). Apesar da importância da co-ocorrência de mensagens afetivas verbais e não-verbais, Segrin e Flora (2005) indicam que a expressão do afeto não-verbal é mais poderosa e, desse modo, pode ser comunicada isoladamente desde que não seja acompanhada por mensagens de afeto inconsistentes.

Finalmente, a partilha de situações problemáticas é também pontuada, pelos participantes deste estudo, como sendo um elemento importante na comunicação entre pais e filhos. Esta dimensão implica a partilha de problemas pessoais e questões íntimas relacionadas com o trabalho, amizades, família, entre outras. Para que esta partilha seja levada a cabo é necessário que exista um balanceamento entre a confiança parento-filial e a privacidade de cada um dos elementos.

Conclusão

Os resultados obtidos reafirmam a complexidade e a importância da comunicação entre progenitores e filhos, revelando indicadores concretos, nomeadamente as sete dimensões e respectivas sub-dimensões emergentes. Esta investigação apresenta, porém, algumas limitações: (a) o facto de ter sido realizada com poucos participantes, (b) existe pouca variabilidade nas idades dos filhos entrevistados e alguns desequilíbrios nas suas características sócio-demográficas e (c) considera-se pertinente homogeneizar a metodologia de recolha de informação. Finalmente, há que mencionar a dificuldade de análise que este género de pesquisa suscita já que implica dados dispersos e simultaneamente detalhados.

A realização deste estudo abre possibilidades de investigação a curto e médio prazo. Identificadas as principais dimensões da comunicação (1ª fase), pode-se avançar para a construção de uma escala de avaliação da comunicação parento-filial (2ª fase) que promova diretrizes específicas de avaliação e intervenção clínica/forense. A elaboração de uma escala de avaliação da comunicação na parentalidade facilitará o estudo da população geral e de populações específicas, consideradas de risco pelas suas características estruturais (e.g. famílias em processo de regulação das responsabilidades parentais). Deste modo, os psicólogos que trabalham em colaboração com o contexto judicial poderão realizar avaliações fundamentadas acerca de uma das dimensões relacionais mais importantes entre pais e filhos: a comunicação (Lago & Bandeira, 2008).

Recebido: 02/08/2011

1ª revisão: 23/07/2012

Aceite final: 24/07/2012

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  • Endereço para correspondência:

    Alda Portugal
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    Rua do Colégio Novo, Apartado, 6153
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    E-mail:
  • 1
    A literatura teórica (Relvas, 1996) faz a distinção entre crianças em idade escolar e adolescentes. Neste estudo, o intervalo de idades das crianças em idade escolar situa-se entre os 10-12 anos e dos adolescentes situa-se entre os 13-16 anos.
  • 2
    O estatuto socioeconómico dos participantes é definido de acordo com o rendimento mensal e a profissão: rendimento inferior a 475€ equivale a um estatuto socioeconómico baixo; rendimento entre os 475€ e os 1211€ equivale a um estatuto socioeconómico médio; rendimento superior a 1211€ equivale a um estatuto socioeconómico alto (dados do Instituto Nacional de Estatística, 2011).
  • 3
    A apresentação dos resultados é feita com base no número de referências que os participantes fizeram às dimensões e sub-dimensões.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      02 Ago 2011
    • Aceito
      24 Jul 2012
    • Revisado
      23 Jul 2012
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