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Promoção e proteção da democracia na política externa brasileira

Promotion and protection of democracy in brazilian foreign policy

Resumos

A partir da restauração da democracia em 1985, a política externa brasileira vem demonstrando tanto continuidade como mudança. Ao mesmo tempo que o Brasil tem reforçado significativamente seu compromisso normativo com a promoção da democracia, com base na defesa do interesse nacional fundada em princípios, seu engajamento na defesa da democracia fora de casa tem sido cerceado por sua dedicação tradicional ao princípio da soberania nacional. A política externa brasileira, contudo, evoluiu significativamente desde o retorno da regra civil. A diplomacia presidencial de Fernando Henrique Cardoso representou um reforço decisivo para o fortalecimento do compromisso normativo com a democracia, tanto através da introdução de cláusulas de democracia nas instituições regionais como em suas próprias relações bilaterais. No entanto, há uma tensão inerente à dualidade de objetivos da política externa brasileira que gera ambigüidade na sua condução. Existem barganhas multifacetadas entre os princípios de interferência democrática e soberania nacional, assim como entre as finalidades de estabilidade e democracia. Este estudo explora essa tensão através da avaliação dos esforços do Brasil no que se refere à promoção da democracia além de suas fronteiras, e sua resposta às ameaças à democracia e aos casos de eleições viciadas que aconteceram na última década. Examina dez ocorrências em que a democracia esteve sob risco. Alega que é improvável que a defesa do interesse nacional fundada em princípios, sobre os quais a promoção da democracia se apóia, sobreviva à presidência de Cardoso. O Brasil precisa resolver com sucesso a tensão entre o princípio da soberania nacional e seu compromisso com a promoção e proteção da democracia fora de casa, tanto para aclarar seus objetivos de política externa, como para fortalecer os mecanismos regionais de ação coletiva.

Brasil; Política Externa; Promoção da Democracia


Brazilian foreign policy has displayed both continuity and change with the restoration of democracy in 1985. While Brazil has significantly strengthened its normative commitment to promoting democracy, based on a principled defence of the national interest, its engagement for the defence of democracy abroad has been hemmed in by its traditional attachment to the principle of national sovereignty. Brazilian foreign policy has nevertheless significantly evolved since the return to civilian rule. Fernando Henrique Cardoso's presidential diplomacy has provided a decisive impetus for strengthening Brazil's normative commitment to democracy, both through the introduction of democracy clauses in regional institutions and its own bilateral relations. However, there exist an inherent tension between the dual objectives of Brazilian foreign policy, which generates ambiguity in the conduct of foreign policy. There exist multifaceted trade-offs between the principles of democratic interference and national sovereignty, as well as between the twin goals of stability and democracy. This study explores this tension by assessing Brazil's efforts at promoting democracy abroad and its response to threats to democracy and flawed elections during the last decade. It examines ten cases where democracy was at risk. It argues the principled defence of the national interest, on which Brazilian democracy promotion rests, is unlikely to survive Cardoso's presidency. Brazil needs to successfully resolve the inherent tension between the principle of national sovereignty and its commitment to promoting and protecting democracy abroad, both to clarify its foreign policy objectives and strengthen regional collective action mechanisms.

Brazil; Foreign Policy; Democracy Promotion


Promoção e proteção da democracia na política externa brasileira

Promotion and protection of democracy in brazilian foreign policy

Carlos Santiso

RESUMO

A partir da restauração da democracia em 1985, a política externa brasileira vem demonstrando tanto continuidade como mudança. Ao mesmo tempo que o Brasil tem reforçado significativamente seu compromisso normativo com a promoção da democracia, com base na defesa do interesse nacional fundada em princípios, seu engajamento na defesa da democracia fora de casa tem sido cerceado por sua dedicação tradicional ao princípio da soberania nacional. A política externa brasileira, contudo, evoluiu significativamente desde o retorno da regra civil. A diplomacia presidencial de Fernando Henrique Cardoso representou um reforço decisivo para o fortalecimento do compromisso normativo com a democracia, tanto através da introdução de cláusulas de democracia nas instituições regionais como em suas próprias relações bilaterais. No entanto, há uma tensão inerente à dualidade de objetivos da política externa brasileira que gera ambigüidade na sua condução. Existem barganhas multifacetadas entre os princípios de interferência democrática e soberania nacional, assim como entre as finalidades de estabilidade e democracia. Este estudo explora essa tensão através da avaliação dos esforços do Brasil no que se refere à promoção da democracia além de suas fronteiras, e sua resposta às ameaças à democracia e aos casos de eleições viciadas que aconteceram na última década. Examina dez ocorrências em que a democracia esteve sob risco. Alega que é improvável que a defesa do interesse nacional fundada em princípios, sobre os quais a promoção da democracia se apóia, sobreviva à presidência de Cardoso. O Brasil precisa resolver com sucesso a tensão entre o princípio da soberania nacional e seu compromisso com a promoção e proteção da democracia fora de casa, tanto para aclarar seus objetivos de política externa, como para fortalecer os mecanismos regionais de ação coletiva.

Palavras-chave: Brasil - Política Externa - Promoção da Democracia

ABSTRACT

Brazilian foreign policy has displayed both continuity and change with the restoration of democracy in 1985. While Brazil has significantly strengthened its normative commitment to promoting democracy, based on a principled defence of the national interest, its engagement for the defence of democracy abroad has been hemmed in by its traditional attachment to the principle of national sovereignty. Brazilian foreign policy has nevertheless significantly evolved since the return to civilian rule. Fernando Henrique Cardoso's presidential diplomacy has provided a decisive impetus for strengthening Brazil's normative commitment to democracy, both through the introduction of democracy clauses in regional institutions and its own bilateral relations. However, there exist an inherent tension between the dual objectives of Brazilian foreign policy, which generates ambiguity in the conduct of foreign policy. There exist multifaceted trade-offs between the principles of democratic interference and national sovereignty, as well as between the twin goals of stability and democracy. This study explores this tension by assessing Brazil's efforts at promoting democracy abroad and its response to threats to democracy and flawed elections during the last decade. It examines ten cases where democracy was at risk. It argues the principled defence of the national interest, on which Brazilian democracy promotion rests, is unlikely to survive Cardoso's presidency. Brazil needs to successfully resolve the inherent tension between the principle of national sovereignty and its commitment to promoting and protecting democracy abroad, both to clarify its foreign policy objectives and strengthen regional collective action mechanisms.

Key words: Brazil - Foreign Policy - Democracy Promotion

Introdução e Contexto

A partir da restauração da democracia em 1985, a política externa brasileira vem demonstrando tanto continuidade como mudança. Como economia-líder na América do Sul, o Brasil vem se posicionando como poder diplomático regional, fortalecendo seu papel em instituições como a Organização dos Estados Americanos (OEA) ou o Grupo do Rio1 1 . Este fato foi reconhecido recentemente pelo secretário de Estado americano Colin Powel em seus Comentários na Conferência Anual do Conselho das Américas, Washington, D.C., 6/5/2002. . Enquanto permanece firmemente dedicado aos princípios da soberania nacional e de não-interferência em assuntos domésticos - alicerce da política externa brasileira -, progressivamente fortalece seu compromisso com a promoção da democracia fora de suas fronteiras e seu desejo de defendê-la quando ameaçada. O Brasil tem sido particularmente instrumental no fortalecimento das "cláusulas da democracia" nas instituições regionais. No entanto, esses objetivos duais geram ambigüidade na conduta da política externa, na medida em que existem tensões inerentes entre o comprometimento democrático e o engajamento democrático: ao mesmo tempo que o Brasil tem reforçado significativamente seu compromisso normativo com a promoção da democracia, com base na defesa do interesse nacional fundada esta em princípios, seu engajamento na preservação da democracia fora de casa tem sido cerceado pela sua dedicação tradicional ao princípio da soberania nacional.

Como poder regional, o Brasil tem adquirido voz cada vez mais independente e afirmativa em assuntos internacionais (Roett, 1999), algumas vezes desafiando a política externa dos Estados Unidos. Com o mais alto PIB da América Latina, a maior população, a massa de terra mais ampla e a base industrial mais forte, o Brasil merece respeito nas suas relações econômicas e políticas na região e como ator influente no cenário mundial. Até 1985, a política externa brasileira foi influenciada por preocupações geopolíticas e geoeconômicas pragmáticas, refletindo a natureza de seu regime político como poder sub-regional. A restauração da democracia no Brasil alterou sua definição de interesse nacional e de seus objetivos de política externa. Os princípios que orientam as relações internacionais do Brasil contemplados na Constituição de 1988 consideram a promoção e proteção da democracia e dos direitos humanos como elementos essenciais da política externa.

Sob as restrições impostas pela Constituição de 1988, e a despeito do sistema político partidário constantemente descrito como rudimentar (Palermo, 2001; Weyland, 2001; Resende-Santos, 2001; Ames, 2001; Roett, 1999; Lamounier, 1999; Mainwaring, 1995), o Brasil fez um progresso significativo na consolidação da democracia e no fortalecimento do controle do governo. A democratização reforçou e foi reforçada pelo compromisso renovado do país com a promoção e proteção da legitimidade democrática e da regra constitucional além de suas fronteiras. A consolidação da democracia no Brasil e a ancoragem da sua política externa em valores democráticos estão intimamente conectadas e se reforçam mutuamente. Além disso, o retorno simultâneo da democracia no Brasil e no Cone Sul levou a uma maior colaboração sub-regional e regional desejável para o fortalecimento da democracia e da integração regional, refletindo uma convergência dos valores normativos e sistemas de crenças que guiam as políticas externas na região (Hirst e Russell, 1987; Lasagna, 1995; Steves, 2000).

A política externa brasileira, além do mais, evoluiu significativamente desde o retorno da regra civil, e particularmente desde 1994 e da eleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência. O presidente Cardoso, que foi ministro das Relações Exteriores em 1992-93, foi reeleito para um segundo mandato em outubro de 1998. Ele avançou um longo caminho na defesa da democracia e da estabilidade política, bem como em reformas do Estado e na reestruturação da economia. Deu impulso decisivo para o fortalecimento do compromisso normativo com a democracia e para que sua promoção e proteção servissem de âncora para a política externa do Brasil, usando a vantagem econômica para levar adiante a democracia, especialmente, mas não exclusivamente, na América Latina e no Caribe (Cardoso, 2001). No governo de Cardoso, a política externa brasileira afastou-se de suas tendências tradicionais ao isolamento econômico, forte adesão à soberania nacional e projeção de poder (particularmente na América do Sul) através de meios político-militares. Sob sua liderança (essencialmente desde 1992), a política externa brasileira adotou uma orientação sul-americana particularmente afirmativa.

O ativismo positivo do presidente Cardoso na política externa deu origem ao que os analistas descrevem como "diplomacia presidencial"2 2 . Entrevista pessoal com o diplomata Paulo Roberto de Almeida, ministro-conselheiro na Embaixada Brasileira nos Estados Unidos, Washington, D.C., 16/5/2002. , uma tendência que certamente não vai manter-se além da Presidência de Fernando Henrique. As eleições de outubro de 2002 serão, portanto, decisivas para determinar a permanência dessa postura da política externa do Brasil. Os dois mandatos presidenciais consecutivos de Fernando Henrique (1995-2002) aprofundaram ainda mais o compromisso do Brasil com a democracia em casa e fora dela. O Brasil desempenhou importante papel de liderança no fortalecimento dos fundamentos democráticos do sistema interamericano, advogando ativamente em favor da introdução de cláusulas democráticas nos acordos regionais e internacionais (Cardoso, 2000; Kaufman Purcell e Roett, 1997; Goertzel, 1999)3 3 . Em novembro de 2000, o Brasil hospedou a 2ª Assembléia do Movimento Mundial pela Democracia, uma iniciativa lançada em 1999 e patrocinada pelo National Endowment for Democracy (NED). Hospedou, também, o Fórum Social Mundial em Porto Alegre em 2001 e 2002. . Para o Brasil, a integração regional é um desafio econômico na mesma medida em que é um esforço político. Na verdade, o Brasil mudou de posição em muitos temas de política externa nos últimos sete anos, ao mesmo tempo que, apesar das mudanças, insistiu na necessidade de reciprocidade na conduta das relações entre os mundos desenvolvido e em desenvolvimento.

No entanto, os desafios à promoção da democracia evoluíram significativamente durante a década de 90, apresentando novas demandas para os mecanismos multilaterais de segurança coletiva, integração econômica e promoção da democracia. Inclui-se aí o Compromisso de Santiago com a Democracia e a Renovação do Sistema Interamericano e a Resolução 1080 (AG/RES, 1080 XXI-O/91), ambos adotados em 1991 pela OEA, e que estabelecem um mecanismo de ação coletiva no caso de interrupção súbita e irregular do processo político institucional democrático ou do exercício legítimo do poder pelo governo democraticamente eleito em qualquer Estado-membro da OEA. Sob os termos do Protocolo de Washington de 1992, que emendou a Carta da OEA e entrou em vigor em 1997, a OEA tem o direito de suspender um Estado-membro cujo governo eleito democraticamente for derrubado à força (Farer, 1996; Tickner et alii, 2000).

Além disso, as novas ameaças à democracia na América Latina acentuam ainda mais as tensões entre os dois princípios que orientam a política externa do Brasil, i.e., o compromisso com a democracia e a dedicação ao princípio da soberania nacional. Enquanto no início dos anos 90 interrupções brutais de processos de democratização, tais como reversões democráticas, golpes de estado ou a suspensão da regra constitucional, foram identificadas como as principais ameaças à democracia, os processos de democratização agora estão expostos a perigos multifacetados e insidiosos que normalmente são difíceis de se discernir. Essa "segunda geração" de ameaças à democracia faz com que seja especialmente difícil se identificar conjunturas críticas ou o limiar qualitativo além do qual a democracia pode ser considerada como tendo sido interrompida4 4 . As ameaças multifacetadas à democracia incluem a erosão gradativa da democracia, crises de governança que levam à paralisia institucional, eleições viciadas e derrubada de governos democraticamente eleitos (uma ocorrência cada vez mais rara, mas que ainda persiste na América Latina). .

Instrumentos tradicionais vêm se tornando cada vez mais inadequados para lidar com as novas transmutações do autoritarismo na região, para enfrentar a erosão e a decadência da democracia e para responder a crises de governabilidade (Carothers, 1999; 2000; 2002; Santiso, 2001). Progressivamente, novos mecanismos vão sendo delineados, particularmente com a adoção da Carta Democrática Interamericana em Lima, Peru, em setembro de 2001, uma nova ferramenta concebida para apoiar os instrumentos da OEA de preservação da democracia quando esta se encontra sob risco ou ameaça, mas ainda não foi interrompida, como no evento de "uma alteração inconstitucional do regime constitucional que prejudique seriamente a ordem democrática em um Estado-membro" (artigo 20) ou "uma interrupção inconstitucional da ordem democrática ou uma alteração inconstitucional do regime constitucional que prejudique seriamente a ordem democrática em um Estado-membro" (artigo 19)5 5 . A Carta Democrática Interamericana aprovada na capital do Peru provém de um mandato da 3ª Cúpula das Américas, que se deu em 20-22 de abril de 2001 na cidade de Québec, Canadá, por uma iniciativa do então governo de transição do Peru. A Declaração da Cidade de Québec contém uma "cláusula democrática" que condiciona a participação no processo da Cúpula das Américas ao respeito às instituições democráticas. Os chefes de Estado e de governo das Américas, reunidos na 3ª Cúpula das Américas em Québec, declararam a respeito da democracia, inter alia, "que os valores e práticas da democracia são fundamentais para o avanço de todos os nossos objetivos. A manutenção e o fortalecimento da regra legal e o respeito estrito ao sistema democrático são, ao mesmo tempo, um objetivo e um compromisso compartilhado e são uma condição essencial de nossa presença nesta e nas futuras Cúpulas. Conseqüentemente, qualquer alteração ou interrupção inconstitucional da ordem democrática em um Estado do hemisfério constitui um obstáculo intransponível à participação do governo daquele Estado no processo das Cúpulas das Américas". . Na verdade, as eleições continuam a ser o principal elemento de pressão da comunidade internacional para exercer sua influência junto a líderes democraticamente eleitos com tendência autoritária, como Alberto Fujimori, no Peru, em 2000.

O presente estudo focaliza a tendência atual da política externa do Brasil de promoção e proteção da democracia6 6 . Este estudo focalizará exclusivamente as principais correntes de promoção e proteção da democracia na política externa do Brasil nos anos 90. Dessa forma, assuntos relacionados à consolidação da governança democrática do próprio Brasil e ao papel dos militares na política, bem como assuntos de política externa, tais como negociações de comércio internacional, tráfico de drogas, desarmamento nuclear e segurança coletiva regional, não serão tratados aqui. Em 1995, depois de mais de duas décadas de resistência, o Brasil finalmente aderiu ao Tratado de Não-Proliferação (TNP). . Ele fornece uma visão geral dos esforços do Brasil: (i) para promover a democracia e o fortalecimento da governabilidade fora de casa; (ii) para responder às crises de governabilidade e ameaças à democracia; (iii) para evitar a decadência e o colapso da democracia; e (iv) para lidar com regimes autoritários entrincheirados. Focalizará os instrumentos de política externa brasileira a esse respeito, incluindo: (i) a diplomacia tradicional; (ii) acordos regionais (especialmente o Mercosul); (iii) instituições multilaterais (particularmente a OEA e as Nações Unidas); e (iv) os foros internacionais. Avalia a resposta do Brasil em casos específicos nos quais a democracia foi ameaçada, em particular, mas não exclusivamente, na América Latina.

O Brasil busca equilibrar adequadamente seus compromissos com a democracia, com sua dedicação aos princípios da soberania nacional e da não-interferência em assuntos domésticos, ainda que em alguns casos, com dificuldades (Lampreia, 2000)7 7 . Essa tensão está refletida, por exemplo, na declaração do embaixador Luiz Felipe Lampreia, ministro das Relações Exteriores do Brasil, que se segue: "A democracia tornou possível aos países da América fornecerem assistência mútua - sem interferência estrangeira indevida e não solicitada, mas num espírito de colaboração - toda vez que houver uma ameaça conjuntamente percebida à estabilidade institucional de um deles" (Lampreia, 2000). . Na "segunda geração" de promoção da democracia (Santiso, 2001), o Brasil tem se empenhado em harmonizar a dualidade dos princípios que guiam sua política externa, além de desempenhar um papel importante na promoção e proteção da democracia na América Latina e no Caribe, fortalecendo as instituições de governança multilateral e incrementando o compromisso das mesmas com a democracia. O Brasil, igualmente, atuou de forma decisiva para que a integração regional tivesse suas bases em fundamentos políticos sólidos, concebendo a integração regional tanto como desafio econômico quanto como esforço político (Steves, 2000). Reforçou com sucesso os fundamentos políticos dos acordos e instituições regionais e defendeu a integração das preocupações a respeito da qualidade da governança democrática nos assuntos internacionais e regionais. Respondeu prontamente às ameaças à democracia e às interrupções do processo de democratização nos países vizinhos, usando sua influência e uma estratégia de engajamento construtivo que visa evitar erosão e decadência democráticas, e reagindo às reversões democráticas.

Os dez casos examinados em seguida incluem: Haiti (1991), Guatemala (1993), Peru (1992), Paraguai (1996), Equador (1997), Paraguai (1999), Equador (2000), Haiti (2000), Peru (2000) e Venezuela (2002). Todos estão classificados em duas categorias amplas de ameaça à democracia: (i) a derrubada ou perigo de derrubada de governos democraticamente eleitos (que inclui a interrupção temporária do processo de democratização); e (ii) a manipulação ou perigo de manipulação de eleições.

Reação à Derrubada de Governos Democraticamente Eleitos

O Brasil tem reagido firme e prontamente à interrupção do processo de democratização em países vizinhos da América Latina e do Caribe. De qualquer modo, houve uma evolução marcante na política externa do Brasil desde meados dos anos 90, sendo que a crise de 1996 no Paraguai constituiu um momento decisivo.

O golpe de estado no Haiti, em 29 de setembro de 1991, pegou a comunidade interamericana de surpresa. Estavam todos despreparados para responder a uma interrupção tão ostensiva do processo de democratização e da regra constitucional. O Haiti colocou a OEA diante do primeiro teste da política pós-Guerra Fria e do seu comprometimento renovado com a democracia adotado em junho de 1991. Embora os mecanismos recém-adotados ainda não tivessem sido testados, a Resolução 1080 foi imediatamente invocada pelo secretário-geral da OEA Baena Soares como resposta à interrupção da democracia no Haiti. O Conselho Permanente da OEA condenou imediatamente o golpe de estado e, em 2 de outubro, os Estados-membros decidiram não reconhecer o governo de facto. Alguns deles impuseram sanções econômicas, políticas e diplomáticas ao Haiti. No encontro de Cartagena, na Colômbia, em 2-3 de dezembro de 1991, o Grupo do Rio emitiu uma declaração condenando o golpe e entregando aos cuidados das Nações Unidas suas resoluções e a restauração da democracia. O Haiti permaneceu na agenda do Grupo do Rio entre 1991-95.

As Nações Unidas assumiram, sob a liderança dos EUA, a responsabilidade de resolver a crise institucional do Haiti, com a OEA desempenhando um papel secundário. Basicamente, a Resolução 940 do Conselho de Segurança da ONU, de 31 de julho de 1994, autorizou o uso da força para restaurar a democracia no país. Em setembro de 1994, os Estados Unidos invadiram o Haiti e reconduziram o presidente Jean Bertrand Aristide. Durante esse episódio particular da crise haitiana, o Brasil expressou suas reservas ao uso da força para restaurar a democracia e suas preocupações quanto à intromissão na soberania nacional do Haiti. Em 1994, Brasil e Argentina eram membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Suas posições sobre a questão do Haiti foram as seguintes: enquanto a Argentina votou a favor das resoluções do Conselho de Segurança da ONU sobre esse país e participou ativamente em todas as fases da crise haitiana, o Brasil absteve-se (United States Department of State, 1995).

O autogolpe dado, em 1992, pelo presidente Alberto Fujimori, democraticamente eleito, no Peru, representou uma nova forma de alteração das instituições democráticas e da regra da lei, que tem suas raízes nas medidas autocráticas do presidente. Foi o resultado de uma deterioração da governança democrática e de relações Executivo-Legislativo cada vez mais tensas. Em 5 de abril de 1992, o presidente Fujimori unilateralmente suspendeu a Constituição e dissolveu o Parlamento, as instituições judiciais, além de suspender os poderes das autoridades eleitorais. O secretário-geral da OEA, imediatamente, invocou a Resolução 1080, e em 6 de abril convocou o Conselho Permanente, que não só identificou os eventos no Peru como uma interrupção no processo de democratização, mas também chamou para uma reunião urgente os secretários de Assuntos Externos dos Estados-membros. Em 13 de abril, a OEA decidiu mandar uma missão de alto nível ao Peru, tendo esta visitado o país em três ocasiões entre abril e maio de 1992. Ela colaborou também na intermediação de uma solução para a crise institucional e para a restauração progressiva da democracia, que acarretou a organização de eleições para uma Assembléia Constituinte - a OEA ratificou o acordo em maio de 1992 (o Compromisso das Bahamas). Essas eleições aconteceram em novembro de 1992 e foram seguidas por eleições gerais em 1993. Durante a crise, o Brasil expressou sua preocupação de que a aplicação estrita dos mecanismos de sanção da Resolução 1080 iria desestabilizar o Peru ainda mais e deteriorar a situação. Ainda assim, o Peru esteve temporariamente suspenso do Grupo do Rio em 1992-93.

A resposta da OEA ao autogolpe do presidente Fujimori foi bastante criticada por sua postura acomodadora e por sua aquiescência implícita à estratégia de Fujimori de alteração de facto da ordem constitucional e da regra da lei. O presidente Jorge Serrano Elías da Guatemala pode realmente ter interpretado a reação relativamente branda da OEA como um convite para resolver a crise de governabilidade no seu país por meios autocráticos. Em maio de 1993, fazendo uso de decretos executivos, ele decidiu suspender a Constituição, dissolver o Congresso, intervir no Judiciário, revogar a lei eleitoral e proibir os partidos políticos. A OEA imediatamente invocou a Resolução 1080 para condenar a alteração da regra constitucional e a interrupção do processo de democratização, e mandou para a Guatemala uma missão para esclarecer os fatos. Em 3 de junho, reclamou a restauração da democracia. No entanto, o golpe civil autoritário do presidente Serrano foi frustrado pela pressão popular e a resistência das instituições democráticas, tal como a Corte Constitucional. O presidente Serrano reconheceu a derrota e fugiu do país em 1º de julho. De fato, Serrano julgou mal o compromisso renovado da região com a democracia: enquanto no caso do Peru, países como os Estados Unidos e o Brasil estavam preocupados com a estabilidade do país e da subregião, no caso da Guatemala, os poderes regionais não permitiram que as frágeis conquistas de seu regime democrático híbrido fossem mais enfraquecidas e, conseqüentemente, colocassem em perigo o delicado processo de paz. O Brasil havia se envolvido no processo de paz da América Central como membro do Grupo de Apoio ao processo de Contadora.

A crise política no Paraguai em 22-24 de abril de 1996 constituiu uma conjuntura crítica para a política externa do Brasil e seu compromisso com a promoção e proteção da democratização. Enquanto Haiti, Peru e Guatemala podem não ser considerados parte da esfera imediata de responsabilidade e preocupação do Brasil (no momento em que a crise irrompeu), a crise paraguaia ameaçou interesses imediatos do país e seu compromisso com a democracia e a estabilidade regional, minando a credibilidade do Mercosul. No entanto, a crise paraguaia não constituiu uma interrupção regular do processo de democratização, mas sim um perigo iminente para a regra constitucionalealegitimidade democrática. O confronto entre o presidente Juan Carlos Wasmosy e o poderoso general Lino Oviedo chegou ao seu auge em 22 de abril, quando Wasmosy solicitou, sem sucesso, a exoneração de Oviedo, levando a uma crise institucional potencialmente causadora de rupturas. Embora o recurso à Resolução 1080 fosse problemático, o secretário-geral da OEA e o secretário pro tempore do Grupo do Rio, o delegado do ministro das Relações Exteriores da Bolívia, viajaram para Assunção em 23 de abril para mostrar seu apoio a Wasmosy. O delegado do ministro das Relações Exteriores do Brasil também viajou para Assunção. No caso do Paraguai em 1996, a OEA interpretou de forma ampla a noção de interrupção do processo institucional democrático e de exercício legítimo do poder. Além disso, a abstenção quanto a invocar a Resolução 1080 teria enfraquecido significativamente o próprio mecanismo. Dessa forma, a Resolução 681 da OEA, de 23 de abril, sobre o Apoio ao Governo Democrático do Paraguai, ativou os mecanismos da Resolução 1080. No entanto, "quando o Conselho Permanente da OEA se reuniu para considerar a invocação da Resolução 1080, os momentos críticos do levante paraguaio já haviam passado" (Valenzuela, 1999:4).

A diplomacia brasileira foi particularmente ativa antes, durante e depois da crise, porque interesses econômicos do Brasil estavam diretamente em jogo. O embaixador brasileiro no Paraguai, Márcio de Oliveira Dias, desempenhou papel fundamental na resolução do conflito e na sustentação da democracia. Previamente à crise, o presidente Cardoso empenhou-se no apoio à decisão de Wasmosy de depor Oviedo durante a viagem secreta de Wasmosy a Brasília em 20 de abril8 8 . Um relato detalhado da crise paraguaia e da resposta da comunidade internacional é fornecido por Valenzuela (1997; 1999). . Fernando Henrique asseverou ao presidente paraguaio que seus parceiros no Mercosul se opunham ao desafio direto do general Oviedo à ordem constitucional, e que eles não tolerariam a quebra da ordem constitucional em um Estado-membro. A credibilidade do processo de integração do Mercosul e seus fundamentos democráticos estavam correndo risco9 9 . A União Européia também fez ver ao Paraguai que o rompimento da democracia no país colocaria em perigo a cooperação entre ambos, que incluía a "cláusula democrática". Esta cláusula, inserida em 1995, fez da promoção da democracia um "elemento essencial" da cooperação. . Em 22 de abril, o embaixador brasileiro, falando por seu país e pelos países do Mercosul, rejeitou qualquer tentativa de subversão da ordem democrática no Paraguai. No mesmo dia, o governo brasileiro expediu um comunicado explicitando sua profunda preocupação em relação aos eventos no Paraguai, que constituíam "uma séria ameaça às instituições democráticas e à ordem constitucional". O comunicado expressava o "total apoio" do governo brasileiro a Wasmosy, advertindo que qualquer ruptura na ordem constitucional e democrática "comprometeria gravemente a cooperação entre Brasil e Paraguai em todos os seus aspectos". Sob a liderança brasileira, o Mercosul expressou seu apoio ao sistema democrático paraguaio. O Brasil tratou de forma significativamente aumentada o risco de uma interrupção do processo de democratização, alterando, conseqüentemente, as percepções e posições dos atores domésticos. A crise paraguaia de 1996 incrementou também a determinação do Mercosul, o maior mercado da região, de fortalecer seus mecanismos institucionais de promoção e proteção da democracia. Em junho de 1996, foi adicionada uma "cláusula de democracia" às exigências aos seus membros, aumentando, portanto, os custos das ações inconstitucionais no futuro (ver abaixo).

Entretanto, a crise de governabilidade no Paraguai não acabou e a consolidação das instituições democráticas tem sido obstruída por fatores estruturais. O general Oviedo enfrentou inquéritos judiciais e parlamentares sobre seu envolvimento na crise de 1996. As Cortes, no entanto, fracassaram em condená-lo e ele se manteve como um ator importante na política paraguaia, ainda que por trás da cena. Ele foi bem-sucedido na indicação de seu nome para a Presidência da República pelo Partido Colorado em setembro de 1997, mas em 1998 um tribunal militar condenou-o a dez anos de prisão por traição, condenação suspensa pela Corte Suprema em abril do mesmo ano. Em conseqüência, o general Oviedo apoiou seu companheiro de chapa, candidato à vice-presidência, Raúl Cubas, na disputa presidencial, que contou com Luis María Argaña - um antigo rival do general Oviedo - como candidato a vice-presidente. Em 10 de maio, o candidato Colorado ganhou a Presidência. Assim que assumiu, em agosto, Cubas ordenou a libertação do general Oviedo, decisão que a Suprema Corte, em dezembro, considerou abuso de autoridade.

Esses eventos colocaram em movimento um conflito cada vez mais pungente entre o Executivo e a oposição congressista. Em 23 de março de 1999, o vice-presidente Argaña foi assassinado, alimentando as demonstrações de rua e os distúrbios violentos. Em 25 de março, o Congresso inicia um processo de impeachment contra Cubas, com o general Oviedo como suspeito de ter orquestrado o assassinato. Assim como em 1996, o embaixador brasileiro desempenhou papel-chave na solução da crise, impelindo o presidente Cubas a renunciar uma vez que o Senado prosseguia com o julgamento do impeachment. O presidente brasileiro, em particular, atuou decisivamente ao tentar persuadir Cubas a deixar o gabinete para preservar a paz internaearegra constitucional. Em 29 de março, a crise foi resolvida, com o presidente do Congresso, Luis González Macchi, sendo declarado presidente. Cubas foi para o Brasil e Oviedo para a Argentina, onde receberam asilo. Oviedo deixou clandestinamente seu exílio argentino em dezembro de 1999. Ele fez outra tentativa de golpe na noite de 18-19 de maio de 2000. Em meados de junho, a polícia brasileira prendeu-o na cidade de Foz do Iguaçu, na fronteira entre Brasil e Paraguai. Em dezembro de 2001, o Judiciário brasileiro rejeitou o pedido do Paraguai de extradição de Oviedo para ser julgado pelo assassinato de março de 1999 (United States Department of State, 2002).

Os Estados-membros da OEA também expressaram suas preocupações com o contexto do impeachment do presidente Abdalá Bucaram do Equador por "incapacidade mental" em fevereiro de 1997. A legalidade constitucional do processo de impeachment naquele país fez da intervenção democrática uma possibilidade particularmente traiçoeira, na medida em que acarretaria intromissão na soberania nacional do Equador e interferência em seus assuntos domésticos, duas ações que a política externa brasileira reluta em adotar. O Brasil monitorou de perto a situação, mas não questionou abertamente a legalidade da transferência de poder.

Embora a legalidade do impeachment de 1997 tenha sido corretamente questionada, a derrubada do presidente Jamil Mahuad em 22 de janeiro de 2000, democraticamente eleito em agosto de 1998 por uma coalizão eclética de movimentos indígenas e segmentos militares, constituiu um indiscutível golpe de estado, uma clara suspensão das instituições democráticas e uma interrupção do processo de democratização. O golpe ocorreu no contexto de uma crise econômica severa e o anúncio da dolarização da economia equatoriana. Em um comunicado de 22 de janeiro, os Estados-membros do Mercosul condenaram o golpe e reclamaram a preservação da regra da leieamanutenção do processo constitucional. Não obstante o ocorrido, as aparências da regra constitucional foram rapidamente restauradas pelos militares com a nomeação do vice-presidente Gustavo Noboa para presidente, a despeito de Mahuad alegar que não havia renunciado. O governo brasileiro chamou a atenção para a quebra dos princípios democráticos e da regra constitucional em um comunicado de 22 de janeiro10 10 . "Insurrección en Ecuador: La OEA Respalda a Mahuad, Fuerte Condena de EE.UU". Clarín, Buenos Aires, 22/1/2002. . Da mesma forma, o Grupo do Rio expressou sua enorme preocupação e censurou "qualquer tentativa de quebra da ordem constitucional e das instituições democráticas". A pressão internacional, inclusive do Brasil e de seus parceiros do Mercosul, bem como da OEA, provavelmente influenciou a decisão das Forças Armadas de restaurar a ordem civil. Apesar das aparências, a legalidade da mudança de governo era, na melhor das hipóteses, tênue. Mesmo assim, a regra constitucional foi restabelecida mais rapidamente do que a comunidade internacional poderia reagir. O caso do Equador em 2000 mostra os limites da promoção e proteção regional da democracia per se e a importância da preservação da estabilidade nas instáveis democracias em formação.

O Brasil reagiu prontamente à tentativa de golpe de estado na Venezuela em abril de 2002, tanto através de canais bilaterais como multilaterais. Os eventos naquele país tiveram desdobramento quando os chefes de Estado do Grupo do Rio se reuniram em seu encontro anual em San José, Costa Rica, de 11 a 15 de abril de 2002. Em 12 de abril, o ministro das Relações Exteriores do Brasil emitiu um comunicado expressando sua preocupação com a situação na Venezuela, "lamentando a ruptura da ordem constitucional" e exigindo a "volta à normalidade democrática" (Zimmerman, 2002). Na tarde de 12 de abril, o presidente Fernando Henrique Cardoso publicou uma declaração na qual afirmava que o governo do Brasil não reconheceria um governo de facto a menos e até que novas eleições fossem realizadas. Cardoso monitorou de perto os acontecimentos na Venezuela e se ocupou de intensas atividades diplomáticas para conseguir uma posição comum entre os países da América Latina (Grabois, 2002). Ele instruiu seu ministro Celso Lafer para tratar a crise da Venezuela no contexto da "cláusula democrática" do Grupo do Rio durante o encontro na Costa Rica11 11 . "Brasil ainda Não Reconhece Novo Governo da Venezuela". Agência Estado (ver www.estadao.com.br). . Da mesma forma, o partido de esquerda PT condenou o "fim abrupto e forçado" do governo de Hugo Chávez e sua "revolução bolivariana" (Mignone, 2002). O governo brasileiro demonstrou claramente que a ruptura da ordem constitucional na Venezuela punha em risco a participação daquele país em instituições de integração regional, sugerindo que a Venezuela poderia ser suspensa da OEA, do Grupo do Rio e da Cúpula dos Presidentes Sul-Americanos (em conformidade com a "cláusula democrática" convencionada no primeiro encontro realizado no Brasil em 2000).

Em uma declaração conjunta sobre a situação na Venezuela em 12 de abril, os Estados-membros do Grupo do Rio condenaram firmemente a "interrupção da ordem constitucional" e exigiram a "normalização das instituições democráticas" na Venezuela12 12 . A declaração do Grupo do Rio sobre a situação da Venezuela pode ser obtida em: www.grupoderio.go.cr. Ver, também, Ortiz (2002); The Associated Press (2002). . Nesta declaração, o Grupo do Rio não denominou formalmente a queda de Chávez de golpe militar, mas os presidentes individualmente, mais cedo naquele dia, censuraram publicamente a ação militar13 13 . O presidente da Argentina, Eduardo Duhalde, afirmou, "Houve de fato um golpe na Venezuela que eu espero que tenha uma solução democrática, que convoquem eleição e que o povo venezuelano seja quem vai eleger um novo presidente. Golpes não ajudam a ninguém". "Mecanismos constitucionais devem ser respeitados", disse o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Carlos Ruckauf. O presidente do México, Vicente Fox, afirmou que seu país não reconheceria o novo governo da Venezuela até que novas eleições fossem realizadas, embora as relações diplomáticas fossem mantidas. . O Grupo do Rio requereu ao secretário-geral da OEA a convocação de uma sessão extraordinária do Conselho Permanente da Organização, de acordo com o artigo 20 da Carta Democrática Interamericana. Esta foi a primeira vez que a Carta Democrática Interamericana foi invocada. O presidente Hugo Chávez voltou ao poder menos de 48 horas depois de sua saída, restaurando, dessa forma, a legalidade constitucional.

Resposta à Manipulação de Processos Eleitorais

A manipulação traiçoeira de eleições representa um enorme desafio para a política externa brasileira e sua tradicional defesa da soberania nacional. Eleições fraudulentas não significam necessariamente uma interrupção abrupta do processo de democratização, mas sim uma utilização perversa das instituições democráticas. Eleições livres e justas são consideradas requisitos mínimos para a habilitação de uma democracia eleitoral. Eleições injustas e fraudulentas, contudo, são características definidoras de autoritarismo eleitoral.

A manipulação do processo eleitoral democrático normalmente é fruto da deterioração gradativa de um governo democrático e da tentação de líderes democraticamente eleitos para se manterem no poder, estendendo seus mandatos ou alterando o princípio constitucional de não-reeleição. De fato, muitos países latino-americanos emendaram suas Constituições para permitir que presidentes em exercício pudessem concorrer a um segundo mandato consecutivo (como na Argentina em 1994 e no Brasil em 1996). O presidente Alberto Fujimori do Peru tentou manter-se no cargo por um terceiro mandato consecutivo em 2000 (ainda que bem-sucedido na modificação dos termos da Constituição, forçando o Judiciário a concordar, fracassou, entretanto, em sua tentativa)14 14 . Um amplo relato sobre a crise eleitoral e institucional no Peru em 2000-2001 é fornecido por Conaghan (2001); Cooper e Legler (2001); Arnson et alii(2000). Conforme Conaghan sublinha, "O autogolpede 1992 foi uma violação às instituições modeladas na Constituição de 1979. A partir de 1996, a mudança da reeleição patrocinada pelo Congresso foi um ataque implacável à Constituição de 1993. Diferentemente do autogolpede 1992, a mudança da reeleição não gozou de apoio público" (2001:7). .

A resposta do Brasil à crise peruana em 2000 ilustra as tensões entre as noções de interferência democrática e soberania nacional, ambos princípios centrais da política externa brasileira. Enquanto a resposta do Brasil às eleições parlamentares inválidas no Haiti, em maio de 2000, foi dada principalmente através da OEA, as eleições presidenciais do Peru colocaram um dilema desafiador para a diplomacia brasileira.

A crise eleitoral peruana foi desencadeada pelos esforços do presidente Fujimori para conseguir, em um feito sem precedentes, um terceiro mandato consecutivo. No disputado primeiro turno das eleições, em 9 de abril de 2000, Fujimori não alcançou a maioria dos votos, o que o forçou a um desempate com Alejandro Toledo. A pressão internacional pode ter levado o presidente Fujimori-ea comissão eleitoral - a permitir o desempate. No entanto, na medida em que o segundo turno (28 de maio) se aproximava, alegações de fraude eleitoral levaram Toledo a renunciar e a OEA a suspender sua missão de observadora eleitoral15 15 . Esta foi a primeira vez na história da observação de eleições da OEA que eleições latino-americanas foram clara e cuidadosamente julgadas ilegítimas. . A recusa de Fujimori em adiar o segundo turno, conforme sugerido pelos observadores internacionaiseaoposição, precipitou uma crise institucional. O segundo turno das eleições presidenciais não conseguiu alcançar os padrões internacionais mínimos exigidos para eleições livres e justas.

A crise política peruana representou para a OEA, e para o Brasil particularmente, uma situação desafiadora. A natureza ambígua da situação do Peru não correspondia "a uma interrupção súbita e irregular" da democracia, mas a um assalto insidioso à regra da leieàdemocracia constitucional. Coerente com seu conjunto tradicional de preocupações - soberania e não-intervenção -, o Brasil resistiu à ação coletiva e ao recurso aos mecanismos da Resolução 108016 16 . México e Venezuela resistiram também a uma ação coletiva e assinalaram sua crença de que a situação do Peru não afiançava a aplicação da Resolução 1080. .A despeito dos esforços contínuos dos Estados Unidos para enquadrar a crise peruana no contexto da Resolução 1080, somente a Costa Rica apoiou o seu uso17 17 . De acordo com Conaghan (2001:30), "A OEA optou por não definir as eleições fracassadas do Peru em 2000 como uma 'interrupção irregular do processo político institucional democrático', conforme previsto na Resolução 1080, demonstrando relutância por parte de muitos membros em conferir julgamentos duros sobre as práticas políticas domésticas dos Estados vizinhos [...]. O desafio que se apresenta é transformar a nova retórica hemisférica sobre 'defesa ativa'da democracia em esforço multilateral genuíno para deter o surgimento de outras experiências de crime e autoritarismo". . A falta de consenso dentro da OEA, sobre invocar ou não a Resolução 1080, impediu uma reação internacional forte, enviando sinais confusos para o presidente Fujimori18 18 . Alguns analistas compararam a situação gerada pelas eleições presidenciais do Peru em 2000, com aquela que se deu na República Dominicana em 1994, tornando o Peru propício a uma "solução Balaguer" para sua crise política. Depois da reeleição fraudulenta em 1994, o governo dos Estados UnidoseaOEA pressionaram o presidente Joaquín Balaguer a fazer um acordo que encurtou seu mandato em dezoito meses e forçou novas eleições. .

A deterioração da governança democrática foi o tópico mais importante da Assembléia Geral da OEA em Windsor, Ontario, no começo de junho de 2000, e um desafio à credibilidade do compromisso interamericano com a democracia. Embora se resguardando da linguagem mais dura da Resolução 1080, a OEA chegou a um acordo diplomático em Windsor com a adoção da Resolução 1753, de 5 de junho, que reconhece a importância da "credibilidade" que cerca o processo eleitoral. Ainda em Windsor, os representantes de Brasil, México e Venezuela alegaram que a Resolução 1080 não se aplicava à situação do Peru (McClintock, 2001). A OEA, por sua vez, decidiu enviar uma missão de alto nível a esse país, em fins de junho, para ajudar no "fortalecimento das instituições democráticas". A missão da OEA concluiu sua atuação com uma declaração contendo 29 recomendações específicas para reformas democráticas.

Em seu encontro anual em Cartagena, em meados de junho, o Grupo do Rio adotou o Compromisso de Cartagena com a Democracia em resposta aos eventos no Peru. No entanto, em seu discurso, o presidente Cardoso fez uma advertência contra uma potencial infração ao princípio da soberania nacional, embora tenha, simultaneamente, abordado a idéia de que a soberania não poderia ser usada como escudo. O Brasil, mesmo assim, boicotou a posse do presidente Fujimori em 28 de julho, embora ele tenha sido convidado a participar da 1ª Cúpula de Presidentes Sul-Americanos promovida pelo Brasil em setembro de 2000 (ver abaixo). De agosto até novembro daquele ano, a missão da OEA tornou-se um ator crítico da política peruana, fomentando o diálogo e facilitando a conciliação (mesa de diálogo). A crise peruana chegou ao fim com a renúncia repentina de Fujimori em 20 de novembro, seu impeachment subseqüente pelo Congresso em 22 de novembro, o estabelecimento de um governo interino sob o comando de Valentín Paniagua em 23 de novembro e a organização de eleições gerais em 2001.

A crise peruana acabou por gerar novo impulso para o fortalecimento dos mecanismos regionais de resposta à erosão insidiosa e decadência da democracia, uma vez que aqueles existentes haviam provado ser completamente inadequados. Por iniciativa do então governo de transição do Peru, a Terceira Cúpula das Américas, que teve lugar em meados de abril de 2001 em Québec, adotou a Declaração da Cidade de Québec, que estabeleceu a "cláusula democrática" (ver abaixo). De fato, a experiência peruana gerou um novo ímpeto que, no final das contas, levou à adoção da Carta Democrática Interamericana em setembro de 2001, endossada pelo Brasil.

Promoção da Democracia Internacional

O Brasil tem sido um defensor ativo da inclusão da "cláusula democrática" nos acordos regionais e nas instituições multilaterais. É signatário da maioria dos tratados internacionais importantes sobre direitos humanos, seja sob os auspícios da ONU ou da OEA. Entre eles estão: o Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; o Acordo Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção contra a Tortura e outras Punições ou Tratamento Cruel, Desumano ou Degradante; e a Convenção Americana de Direitos Humanos. O Brasil não apresentou reservas a respeito de nenhum desses tratados, tendo desempenhado um papel importante na preparação e realização da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em Viena, em 1993, onde comandou o comitê que rascunhou a Declaração e o Programa de Ação, que foram unanimemente adotados pela conferência em 25 de junho de 1993. Em 1996, o Brasil assumiu a presidência do 52º Encontro da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Foi membro da Comissão de Direitos Humanos da ONU em 1998, 2000 e 2002. Endossou, também, a Corte Criminal Internacional, assinando o Estatuto de Roma de 1998, em 7 de fevereiro de 2000.

O Brasil desempenhou papel fundamental no fortalecimento dos mecanismos regionais de ação coletiva e promoção da democracia, especialmente na inclusão de "cláusulas de promoção e proteção da democracia" nos estatutos da OEA em 1991, 1992 e 2001 (Tickner et alii, 2000).

O eixo central da política externa do Brasil, no momento, é a construção do Mercosul, não somente como um mecanismo de integração econômica do Cone Sul, mas como o embrião de uma entidade quasi-política, eventualmente envolvendo toda a América do Sul. Condicionar a integração do comércio regional à democracia transformou-se em uma estratégia de incentivo fundamental para o fortalecimento da democracia e da governança (ver, esp., Cason, 2000). Estabelecido em 1991 pelo Tratado de Assunção, o Mercosul surgiu como uma instituição política expressiva no sistema interamericano de governança multilateral e como um instrumento importante de segurança coletiva e de promoção e proteção da democracia19 19 . Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai são os membros fundadores do Mercosul. Chile e Bolívia aderiram ao Mercosul em 1996, mas não como membros completos. . Concebido originalmente como uma estratégia de integração e um pacto de comércio, o Mercosul progressivamente solidificou suas bases e objetivos políticos, tendo o Brasil assumido papel de liderança no seu aprofundamento e na inclusão da "cláusula da democracia". Em junho de 1996, logo após uma crise política no Paraguai, o Mercosul endossou a formalização de um Compromisso com a Democracia. Em 1998, com a adoção do Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso, o processo de integração regional associou-se explicitamente à preservação e consolidação da democracia. Os mecanismos coletivos do Mercosul para proteger a democracia foram testados no Paraguai - membro fundador do Mercosul - em 1996 e em1999, e provaram ser relativamente efetivos na prevenção ao colapso da democracia em um Estado-membro.

Entretanto, desde o final dos anos 90, a efetividade dos mecanismos do Mercosul encontra-se condicionada à sua própria fragilidade (crise cambial no Brasil em 1998-99; crise em curso na Argentina desde 2001; e, especialmente, o desastre das medidas protecionistas unilaterais adotadas pelo ex-ministro da Economia Domingo Cavallo no início de 2001). As conseqüências políticas e psicológicas da crise da Argentina podem afetar severamente a credibilidade e continuidade do Mercosul.

O Brasil, por sua vez, assumiu a liderança do Grupo do Rio, o qual, progressivamente, vem fortalecendo seu compromisso com a promoção e a defesa da democracia20 20 . O Mecanismo Permanente de Consulta e Coordenação Política- o Grupo do Rio (GRIO) - foi criado em 1986 no Rio de Janeiro. No momento, é composto por dezoito países: Argentina, Brasil, Colômbia, México, Uruguai, Venezuela, Chile, Equador, Bolívia, Paraguai, Peru, Panamá, Costa Rica, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Guatemala e República Dominicana. Destes, Peru e Panamá foram suspensos por algum tempo em razão de suas situações domésticas, mas suas participações foram restauradas, respectivamente, em 1993 e 1994. Em 1990, Chile, Equador, Bolívia e Paraguai foram aceitos como Estados-membros, e em outubro do mesmo ano foi decidido que a cada ano um representante de um país do Caribe e um da América Central seriam recomendados para participar nas atividades desenvolvidas pelo Grupo do Rio. Em 2000, o Grupo do Rio aceitou como membros República Dominicana, Costa Rica, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Guatemala. O Mecanismo é resultado da fusão do Grupo de Contadora (México, Colômbia, Venezuela e Panamá) com o Grupo de Apoio (Argentina, Brasil, Uruguai e Peru), que se reunia anteriormente para analisar e propor soluções para a crise política na América Central. . O Grupo do Rio, aos poucos, consolidou também sua posição como agrupamento político dentro da OEA. Durante seus quatorze anos de existência, ele demonstrou sua utilidade como foro de consulta política e cooperação entre seus Estados-membros. Adicionalmente, o Grupo conquistou status político próprio, além de contribuir para o fortalecimento do poder negociador da região em face da comunidade internacional (especialmente em relação à União Européia). Em 1995, a Declaração de Quito ressaltou o compromisso do Grupo com a democracia e, em 1997, no seu 11º Encontro em Assunção, Paraguai (em seguida a uma das crises políticas daquele país), o Grupo reforçou seu compromisso de consolidar os sistemas constitucionais democráticos, adotando a Declaração de Assunção e a Declaração a respeito da Manutenção da Democracia, que prevêem a convocação de uma reunião de emergência dos ministros das Relações Exteriores dos Estados-membros em caso de ameaça à ordem constitucional e à regra da lei em um país-membro. Em junho de 2000, o grupo adotou o Compromisso Democrático de Cartagena.

A Declaração de San José, adotada no encontro de San José, Costa Rica, em 9-12 de abril de 2002, aprofundou ainda mais o comprometimento do Grupo com a promoção e proteção da democracia. Nesse encontro, seus membros condenaram veementemente a tentativa de golpe, que basicamente fracassou, e a interrupção da ordem constitucional democrática na Venezuela em 11 de abril21 21 . Declaración del Grupo de Río sobre la Situación en Venezuela, San José, Costa Rica, 12/4/2002. . O Grupo do Rio propôs também o estabelecimento de um índice global de direitos humanos, sob os auspícios da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, para evitar "certificações" ou "censuras" anuais politicamente tendenciosas.

Além do mais, o Brasil tem sido um forte proponente da inclusão da questão da democracia na agenda das Cúpulas Ibero-Americanas, foro estabelecido em 1991 visando à harmonização dos temas relacionados com a região, tomando como base o pacto comum dos países ibero-americanos com os princípios da democracia representativa e o respeito aos direitos humanos. A consolidação da governança democrática foi o foco principal da Cúpula em Santiago e Viña del Mar, Chile, em novembro de 1996, logo após os eventos no Paraguai.

O Brasil também apoiou os esforços das Nações Unidas na prevenção e administração de conflitos, especialmente na busca de assegurar a paz em Angola e promover a independência de um Timor Leste democrático, particularmente durante seu mandato no Conselho de Segurança da ONU em 1998-99 (Permanent Mission of Brazil to the United Nations, 2000). Como membro do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil trabalhou no apoio aos esforços para fortalecer a democracia, promover a reconciliação nacional e a reconstrução de Guiné-Bissau, colaborando com o Escritório de Apoio à Construção da Paz da ONU em Guiné-Bissau. Ao contribuir com tropas para as operações de manutenção da paz em Angola e Moçambique, o Brasil demonstrou ser um firme defensor da reconciliação nacional naqueles dois países, assim como em outras operações de manutenção da paz da ONU, para as quais enviou observadores militares e policiais, unidades médicas e especialistas em eleições (Oriente Médio, Congo-Zaire, Chipre, Moçambique, Angola e Timor Leste). O governo brasileiro, como coordenador do grupo de países que afiançavam o Protocolo do Rio de Janeiro de 1942 (Brasil, Argentina, Chile e Estados Unidos), fez esforços contínuos para intermediar um arranjo pacífico para a longa disputa de fronteira entre Equador e Peru. Irrompido em 1995, o conflito entre os dois países foi controlado na seqüência com a colocação em prontidão dos observadores militares garantidores (MOMEP). Em outubro de 1998, Equador e Peru, com o apoio diplomático dos governos fiadores, assinaram em Brasília os acordos que colocaram fim à disputa de fronteira que vinha de longa data.

Em setembro de 2000, o Brasil hospedou a 1ª Cúpula de Presidentes Sul-Americanos. Nesse encontro, os países da região concordaram em ressaltar seus compromissos com a democracia. Foi decidido igualmente que a participação em futuras cúpulas sul-americanas - e o processo de integração regional - dependeria do respeito às instituições democráticas e às regras legais. Concordaram também em manter consultas entre seus governos em caso de ameaça à democracia (Lampreia, 2000). A 2ª Cúpula estava planejada para acontecer no Equador, em junho de 2002.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que se originou de uma iniciativa do governo brasileiro, foi criada, em julho de 1996, para reunir os sete países de língua portuguesa22 22 . Os membros da CPLP são: Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. em torno de três objetivos, conforme definidos nos estatutos da Comunidade, incluindo a coordenação política e diplomática entre seus membros. A CPLP teve um papel importante na Guiné-Bissau no fim dos anos 90.

O Brasil, como membro do Grupo de Contato da Guiné-Bissau formado sob a égide da CPLP, envolveu-se ativamente nos esforços conduzidos pela Comunidade para alcançar um acordo de cessar-fogo entre o governo e as forças rebeldes.

Política para Ditaduras Entrincheiradas

As relações diplomáticas do Brasil caracterizam-se pela estabilidade, pragmatismo e neutralidade prudente, refletindo em parte a longa tradição do Estado brasileiro e o peso da burocracia do serviço exterior. De fato, historicamente, a política externa do Brasil tem demonstrado uma estabilidade maior do que a da Argentina, por exemplo.

As relações entre Brasil e Cuba, a única ditadura explícita e entrincheirada na América Latina e Caribe, caracterizam-se por uma política de engajamento construtivo, alinhada com as políticas da maior parte dos países da América Latina e Europa (Hoffmann, 1999). Depois de interrompidas em 1964 pelo regime militar, as relações diplomáticas entre ambos foram retomadas em 1986.

Coerente com seu tradicional respeito à soberania nacional e com o pragmatismo de sua política externa, o Brasil tradicionalmente vem se abstendo de condenar oficialmente a violação de direitos humanos em outros países - tais como Cuba, China ou Irã -, por exemplo, na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDHNU). Tanto em 2000 como em 2002, o Brasil absteve-se de votar as resoluções da CDHNU condenando violações de direitos humanos em Cuba. No entanto, ao mesmo tempo, apoiou genericamente os apelos reiterados da Assembléia Geral das Nações Unidas pelo fim do bloqueio econômico dos Estados Unidos a Cuba23 23 . Em novembro de 2001, pelo décimo ano consecutivo, a Assembléia Geral das Nações Unidas reiterou seu apelo para o fim ao embargo econômico. A resolução da ONU foi adotada por 167 votos a favor, 3 votos contra (Israel, Ilhas Marshall, Estados Unidos), com 3 abstenções (Letônia, Micronésia, Nicarágua). . Em maio de 1998, o ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia visitou Cuba e assinou quatro acordos com o ministro cubano Roberto Robaina. Cuba e Brasil assinaram também um memorando de entendimentos a respeito da dívida de Cuba com o Brasil. Em dezembro de 1999, o Brasil concluiu um acordo de cooperação econômica com Cuba que foi admitido pela Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).

No passado, o Brasil foi membro ativo do Grupo dos 77 e permanece como observador no Movimento dos Não-Alinhados (MNA), cujas credenciais democráticas são, na melhor das hipóteses, insignificantes. Em muitos aspectos, os fundamentos políticos do MNA, uma relíquia da era da Guerra Fria, e os apelos por uma nova ordem econômica internacional são antitéticos em relação ao impulso democrático da comunidade de democracias. Sem dúvida, a postura do Brasil no que se refere à violação sistemática de direitos humanos em outros países merece ser revista.

Conclusões

Tradicionalmente, o Brasil tem sido líder na comunidade interamericana e vem desempenhando papel importante na segurança coletiva e na cooperação econômica no hemisfério ocidental. Sua crescente presença e a redefinição fundamentada de seu interesse nacional foram essenciais para o fortalecimento dos mecanismos regionais de ação coletiva em defesa da democracia, e comprometeram sua política externa com as ambições e promessas de multilateralismo e segurança coletiva. O Brasil, de fato, usou as instituições regionais para favorecer e afirmar seu próprio interesse nacional. Mecanismos regionais permitiram igualmente que o Brasil aumentasse sua influência no sistema internacional, porém, associando suas forças com as dos países da América Latina com pensamento semelhante.

Ao mesmo tempo que mostrou vontade crescente de recorrer a esses mecanismos, em casos como o da Guatemala em 1993 ou do Paraguai em 1996, o Brasil manteve cautela contra seu abuso e mau uso. Enquanto a promoção e proteção da democracia se transformaram gradativamente em um objetivo central de sua política externa, o Brasil tentou unir a interferência democrática com sua dedicação aos princípios da soberania e da não-interferência em assuntos domésticos. Equilibrar adequadamente esses dois princípios orientadores é uma tarefa especialmente desafiadora para a política externa brasileira, conforme ilustrado pelo caso do Peru em 2000.

Além disso, as próximas eleições de 2002 e a sucessão de Fernando Henrique Cardoso, provavelmente, terão repercussões importantes sobre a defesa fundamentada do interesse nacional na política externa do Brasil, especialmente considerando-se o legado da "diplomacia presidencial" de Cardoso. A marca deixada por ele na política externa brasileira foi decisiva para moldar os contornos do novo papel do Brasil nos assuntos internacionais. É pouco provável que aquele que vier a sucedê-lo goze do mesmo respeito e reputação internacionais e adote a mesma abordagem normativa nos assuntos externos. Em reconhecimento à sua contribuição para o desenvolvimento da democracia, o presidente Cardoso foi designado para liderar o Clube de Madrid, uma recém-formada rede de ex-presidentes e chefes de Estado comprometidos com a promoção e a proteção da democracia ao redor do mundo, a partir de 1º de janeiro de 200324 24 . O Clube de Madrid, uma iniciativa da Fundação para as Relações Internacionais e o Diálogo Exterior (FRIDE), é um grupo de discussão interdisciplinar, estabelecido em outubro de 1999 em Madri, para avançar a democratização no mundo. Para maiores informações sobre o FRIDE, consultar: www.fride.org. .

De fato, existem barganhas em vários níveis entre os princípios de interferência democrática e a soberania nacional, bem como entre os objetivos casados de estabilidade e democracia (tal como no caso do Peru em 1992 e 2000, ou no Equador em 1997 e 2000). De todo modo, as experiências de Peru e Paraguai favoreceram uma evolução gradativa do conceito de soberania nacional que levou à adoção da Carta Democrática Interamericana em 2001, cuja efetividade continua por ser testada. O Brasil precisa resolver a tensão inerente ao princípio da soberania nacional, de um lado, e, de outro, seu comprometimento com a promoção e proteção da democracia além de suas fronteiras, tanto para esclarecer os objetivos de sua política externa, como para fortalecer os mecanismos regionais de ação coletiva em defesa da democracia.

O Brasil emergiu e se posicionou como desafiador da hegemonia dos Estados Unidos no hemisfério ocidental com uma política externa autônoma e positiva, vis-à-vis a política externa unilateral norte-americana e sua propensão a ditar, em lugar de negociar, suas soluções. O caso da Venezuela em 2002 representa uma das muitas demonstrações da crescente divergência entre as políticas externas americana e brasileira no campo da promoção e proteção da democracia, bem como em outras áreas, tais como integração e liberalização do comércio.

A experiência do Brasil com ameaças à democracia na região sugere que mecanismos de consulta e de suspensão são geralmente mais efetivos como respostas às situações de colapso da democracia, tais como golpes de Estado ou interrupções repentinas de processos de democratização (Haiti em 1991, Peru em 1992, Guatemala em 1993 e Paraguai em 1996), do que naquelas de eleições viciadas (Haiti e Peru em 2000). Neste último caso, os regimes semi-autoritários tendem a ressentir-se e a resistir a ter sua legitimidade contestada por atores de fora, o que faz com que seja particularmente difícil a aplicação de uma abordagem positiva de apoio e persuasão. Por essas razões, é essencial a criação de instrumentos dignos de crédito para que as eleições possam ser acompanhadas por observadores internacionais, a fim de determinar as tendências autocráticas do regime. É urgente também o estabelecimento de mecanismos rigorosos dentro da OEA para monitorar o cumprimento dos compromissos da Organização, especialmente a Carta Democrática Interamericana, e fortalecer a capacidade da OEA para determinar mudanças na qualidade da governança democrática em seus Estados-membros. O sinal de advertência antecipado da OEA e os mecanismos preventivos, bem como suas habilidades de monitoramento, continuam inadequados.

Notas

(Recebido para publicação em setembro de 2002)

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  • ARNSON, Cynthia et alii (2000), The Crisis of Democratic Governance in the Andes Washington, D.C., The Woodrow Wilson International Center for Scholars Latin American Program.
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  • 1
    . Este fato foi reconhecido recentemente pelo secretário de Estado americano Colin Powel em seus
    Comentários na Conferência Anual do Conselho das Américas, Washington, D.C., 6/5/2002.
  • 2
    . Entrevista pessoal com o diplomata Paulo Roberto de Almeida, ministro-conselheiro na Embaixada Brasileira nos Estados Unidos, Washington, D.C., 16/5/2002.
  • 3
    . Em novembro de 2000, o Brasil hospedou a 2ª Assembléia do Movimento Mundial pela Democracia, uma iniciativa lançada em 1999 e patrocinada pelo National Endowment for Democracy (NED). Hospedou, também, o Fórum Social Mundial em Porto Alegre em 2001 e 2002.
  • 4
    . As ameaças multifacetadas à democracia incluem a erosão gradativa da democracia, crises de governança que levam à paralisia institucional, eleições viciadas e derrubada de governos democraticamente eleitos (uma ocorrência cada vez mais rara, mas que ainda persiste na América Latina).
  • 5
    . A
    Carta Democrática Interamericana aprovada na capital do Peru provém de um mandato da 3ª Cúpula das Américas, que se deu em 20-22 de abril de 2001 na cidade de Québec, Canadá, por uma iniciativa do então governo de transição do Peru. A
    Declaração da Cidade de Québec contém uma "cláusula democrática" que condiciona a participação no processo da Cúpula das Américas ao respeito às instituições democráticas. Os chefes de Estado e de governo das Américas, reunidos na 3ª Cúpula das Américas em Québec, declararam a respeito da
    democracia, inter alia, "que os valores e práticas da democracia são fundamentais para o avanço de todos os nossos objetivos. A manutenção e o fortalecimento da regra legal e o respeito estrito ao sistema democrático são, ao mesmo tempo, um objetivo e um compromisso compartilhado e são uma condição essencial de nossa presença nesta e nas futuras Cúpulas. Conseqüentemente, qualquer alteração ou interrupção inconstitucional da ordem democrática em um Estado do hemisfério constitui um obstáculo intransponível à participação do governo daquele Estado no processo das Cúpulas das Américas".
  • 6
    . Este estudo focalizará exclusivamente as principais correntes de promoção e proteção da democracia na política externa do Brasil nos anos 90. Dessa forma, assuntos relacionados à consolidação da governança democrática do próprio Brasil e ao papel dos militares na política, bem como assuntos de política externa, tais como negociações de comércio internacional, tráfico de drogas, desarmamento nuclear e segurança coletiva regional, não serão tratados aqui. Em 1995, depois de mais de duas décadas de resistência, o Brasil finalmente aderiu ao Tratado de Não-Proliferação (TNP).
  • 7
    . Essa tensão está refletida, por exemplo, na declaração do embaixador Luiz Felipe Lampreia, ministro das Relações Exteriores do Brasil, que se segue: "A democracia tornou possível aos países da América fornecerem assistência mútua - sem interferência estrangeira indevida e não solicitada, mas num espírito de colaboração - toda vez que houver uma ameaça conjuntamente percebida à estabilidade institucional de um deles" (Lampreia, 2000).
  • 8
    . Um relato detalhado da crise paraguaia e da resposta da comunidade internacional é fornecido por Valenzuela (1997; 1999).
  • 9
    . A União Européia também fez ver ao Paraguai que o rompimento da democracia no país colocaria em perigo a cooperação entre ambos, que incluía a "cláusula democrática". Esta cláusula, inserida em 1995, fez da promoção da democracia um "elemento essencial" da cooperação.
  • 10
    . "Insurrección en Ecuador: La OEA Respalda a Mahuad, Fuerte Condena de EE.UU".
    Clarín, Buenos Aires, 22/1/2002.
  • 11
    . "Brasil ainda Não Reconhece Novo Governo da Venezuela".
    Agência Estado (ver
  • 12
    . A declaração do Grupo do Rio sobre a situação da Venezuela pode ser obtida em:
    www.grupoderio.go.cr. Ver, também, Ortiz (2002); The Associated Press (2002).
  • 13
    . O presidente da Argentina, Eduardo Duhalde, afirmou, "Houve de fato um golpe na Venezuela que eu espero que tenha uma solução democrática, que convoquem eleição e que o povo venezuelano seja quem vai eleger um novo presidente. Golpes não ajudam a ninguém". "Mecanismos constitucionais devem ser respeitados", disse o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Carlos Ruckauf. O presidente do México, Vicente Fox, afirmou que seu país não reconheceria o novo governo da Venezuela até que novas eleições fossem realizadas, embora as relações diplomáticas fossem mantidas.
  • 14
    . Um amplo relato sobre a crise eleitoral e institucional no Peru em 2000-2001 é fornecido por Conaghan (2001); Cooper e Legler (2001); Arnson
    et alii(2000). Conforme Conaghan sublinha, "O
    autogolpede 1992 foi uma violação às instituições modeladas na Constituição de 1979. A partir de 1996, a mudança da reeleição patrocinada pelo Congresso foi um ataque implacável à Constituição de 1993. Diferentemente do
    autogolpede 1992, a mudança da reeleição não gozou de apoio público" (2001:7).
  • 15
    . Esta foi a primeira vez na história da observação de eleições da OEA que eleições latino-americanas foram clara e cuidadosamente julgadas ilegítimas.
  • 16
    . México e Venezuela resistiram também a uma ação coletiva e assinalaram sua crença de que a situação do Peru não afiançava a aplicação da Resolução 1080.
  • 17
    . De acordo com Conaghan (2001:30), "A OEA optou por não definir as eleições fracassadas do Peru em 2000 como uma 'interrupção irregular do processo político institucional democrático', conforme previsto na Resolução 1080, demonstrando relutância por parte de muitos membros em conferir julgamentos duros sobre as práticas políticas domésticas dos Estados vizinhos [...]. O desafio que se apresenta é transformar a nova retórica hemisférica sobre 'defesa ativa'da democracia em esforço multilateral genuíno para deter o surgimento de outras experiências de crime e autoritarismo".
  • 18
    . Alguns analistas compararam a situação gerada pelas eleições presidenciais do Peru em 2000, com aquela que se deu na República Dominicana em 1994, tornando o Peru propício a uma "solução Balaguer" para sua crise política. Depois da reeleição fraudulenta em 1994, o governo dos Estados UnidoseaOEA pressionaram o presidente Joaquín Balaguer a fazer um acordo que encurtou seu mandato em dezoito meses e forçou novas eleições.
  • 19
    . Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai são os membros fundadores do Mercosul. Chile e Bolívia aderiram ao Mercosul em 1996, mas não como membros completos.
  • 20
    . O
    Mecanismo Permanente de Consulta e Coordenação Política- o Grupo do Rio (GRIO) - foi criado em 1986 no Rio de Janeiro. No momento, é composto por dezoito países: Argentina, Brasil, Colômbia, México, Uruguai, Venezuela, Chile, Equador, Bolívia, Paraguai, Peru, Panamá, Costa Rica, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Guatemala e República Dominicana. Destes, Peru e Panamá foram suspensos por algum tempo em razão de suas situações domésticas, mas suas participações foram restauradas, respectivamente, em 1993 e 1994. Em 1990, Chile, Equador, Bolívia e Paraguai foram aceitos como Estados-membros, e em outubro do mesmo ano foi decidido que a cada ano um representante de um país do Caribe e um da América Central seriam recomendados para participar nas atividades desenvolvidas pelo Grupo do Rio. Em 2000, o Grupo do Rio aceitou como membros República Dominicana, Costa Rica, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Guatemala. O Mecanismo é resultado da fusão do Grupo de Contadora (México, Colômbia, Venezuela e Panamá) com o Grupo de Apoio (Argentina, Brasil, Uruguai e Peru), que se reunia anteriormente para analisar e propor soluções para a crise política na América Central.
  • 21
    .
    Declaración del Grupo de Río sobre la Situación en Venezuela, San José, Costa Rica, 12/4/2002.
  • 22
    . Os membros da CPLP são: Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe.
  • 23
    . Em novembro de 2001, pelo décimo ano consecutivo, a Assembléia Geral das Nações Unidas reiterou seu apelo para o fim ao embargo econômico. A resolução da ONU foi adotada por 167 votos a favor, 3 votos contra (Israel, Ilhas Marshall, Estados Unidos), com 3 abstenções (Letônia, Micronésia, Nicarágua).
  • 24
    . O Clube de Madrid, uma iniciativa da Fundação para as Relações Internacionais e o Diálogo Exterior (FRIDE), é um grupo de discussão interdisciplinar, estabelecido em outubro de 1999 em Madri, para avançar a democratização no mundo. Para maiores informações sobre o FRIDE, consultar:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Recebido
      Set 2002
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