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O estado cortesão nas relações internacionais: a disputa por poder e lucro

The courtesan state in international relations: the struggle for power and profit

Resumos

A mudança de paisagem das relações internacionais depois do fim da Guerra Fria produziu novas conceituações a respeito de Estados que são percebidos como ameaça pelos Estados Unidos, o único superpoder remanescente, tanto para sua segurança nacional como para a ordem mundial. A mais comum dessas conceituações é o termo "Estado pária", adotado no vocabulário oficial de segurança da administração Clinton nos anos 90. Com a probabilidade de a "intervenção humanitária" transformar-se em um assunto cada vez mais importante na agenda internacional de Washington, o conceito de "Estado falido" foi inserido no debate político e acadêmico. Ambos os termos poderiam ser vistos como instrumentais para o incremento do novo intervencionismo americano. No entanto, uma terceira ameaça potencial para a estabilidade internacional tem sido completamente ignorada pelos Estados Unidos - ou por quaisquer outros formuladores de política externa de Estado: o "Estado cortesão", o qual, em sentido amplo, é um dos resultados do processo de globalização e de transformação do poder estatal. Mais precisamente, o "Estado cortesão" é um conceito analítico útil para a compreensão de certas ligações dos Estados com a economia global ilícita. Este ensaio considera que o conceito é crucial para se entender um aspecto fundamental da luta de poder que caracteriza as relações entre Estados no pós-Guerra Fria, e analisa o Estado cortesão através de sua dupla ligação em política internacional, com outros atores estatais legítimos, principalmente o superpoder global, e, simultaneamente, com atores globais não-estatais da economia ilícita.

Estado Cortesão; Estado Fraco; Soberania; Estados Unidos


The changing landscape of international relations after the end of the Cold War has produced new conceptualizations of states perceived as a threat by the United States, the remaining and only superpower, to both its national security and the world order. The most common of these conceptualizations is the term of "rogue state", which was adopted in the official security lexicon of the Clinton administration in the 1990s. With the prospects of "humanitarian intervention" becoming a leading issue in Washington's international agenda, the concept of "failed state" was installed in the political and academic debate. Both terms could be seen as instrumental for the increasing American new interventionism. Yet, a third potential threat to international stability is completely ignored by U.S. - or any other state - foreign policy makers: the "courtesan state", which, broadly, is one of the results of the process of globalization and the transformation of state power. More precisely, the courtesan state is an analytical concept useful to frame certain states' links with the global illicit economy. This essay argues that the concept is crucial to understand a fundamental aspect of the power struggle that characterizes inter-state relations in the post-Cold War, and analyzes the courtesan state through its double link with other legitimate state actors, mainly the global superpower, in international politics, and, simultaneously, with non-state global actors of the illicit economy.

Courtesan State; Weak State; Sovereignty; United States


O estado cortesão nas relações internacionais: a disputa por poder e lucro* * Trabalho apresentado na Convenção Anual da Associação de Estudos Internacionais, New Orleans, Louisiana, 24-27 de março de 2002. Este artigo deveria ter sido escrito com Cora Fernandez Anderson, lamentavelmente, porém, devido à crise econômica de 2001 na Argentina, a autora não pôde viajar para os Estados Unidos. Contudo, gostaria de agradecer-lhe o apoio oferecido na fase inicial da pesquisa que fizemos. Esta é também a primeira versão de minha futura tese de doutorado Associações Ilícitas na Política Econômica Global: Políticas, Lucros, o Estado Cortesão e o Tráfico de Armas no Pós-Guerra Fria. [Tradução de Ingrid Sarti: ingridsarti@br.inter.net]

The courtesan state in international relations: the struggle for power and profit

Khatchik Derghoukassian

RESUMO

A mudança de paisagem das relações internacionais depois do fim da Guerra Fria produziu novas conceituações a respeito de Estados que são percebidos como ameaça pelos Estados Unidos, o único superpoder remanescente, tanto para sua segurança nacional como para a ordem mundial. A mais comum dessas conceituações é o termo "Estado pária", adotado no vocabulário oficial de segurança da administração Clinton nos anos 90. Com a probabilidade de a "intervenção humanitária" transformar-se em um assunto cada vez mais importante na agenda internacional de Washington, o conceito de "Estado falido" foi inserido no debate político e acadêmico. Ambos os termos poderiam ser vistos como instrumentais para o incremento do novo intervencionismo americano. No entanto, uma terceira ameaça potencial para a estabilidade internacional tem sido completamente ignorada pelos Estados Unidos - ou por quaisquer outros formuladores de política externa de Estado: o "Estado cortesão", o qual, em sentido amplo, é um dos resultados do processo de globalização e de transformação do poder estatal. Mais precisamente, o "Estado cortesão" é um conceito analítico útil para a compreensão de certas ligações dos Estados com a economia global ilícita. Este ensaio considera que o conceito é crucial para se entender um aspecto fundamental da luta de poder que caracteriza as relações entre Estados no pós-Guerra Fria, e analisa o Estado cortesão através de sua dupla ligação em política internacional, com outros atores estatais legítimos, principalmente o superpoder global, e, simultaneamente, com atores globais não-estatais da economia ilícita.

Palavras-chave: Estado Cortesão - Estado Fraco - Soberania - Estados Unidos

ABSTRACT

The changing landscape of international relations after the end of the Cold War has produced new conceptualizations of states perceived as a threat by the United States, the remaining and only superpower, to both its national security and the world order. The most common of these conceptualizations is the term of "rogue state", which was adopted in the official security lexicon of the Clinton administration in the 1990s. With the prospects of "humanitarian intervention" becoming a leading issue in Washington's international agenda, the concept of "failed state" was installed in the political and academic debate. Both terms could be seen as instrumental for the increasing American new interventionism. Yet, a third potential threat to international stability is completely ignored by U.S. - or any other state - foreign policy makers: the "courtesan state", which, broadly, is one of the results of the process of globalization and the transformation of state power. More precisely, the courtesan state is an analytical concept useful to frame certain states' links with the global illicit economy. This essay argues that the concept is crucial to understand a fundamental aspect of the power struggle that characterizes inter-state relations in the post-Cold War, and analyzes the courtesan state through its double link with other legitimate state actors, mainly the global superpower, in international politics, and, simultaneously, with non-state global actors of the illicit economy.

Key words: Courtesan State - Weak State - Sovereignty - United States

Introdução

O cenário de mudanças nas relações internacionais depois do fim da Guerra Fria produziu novos conceitos de Estados, vistos pelos Estados Unidos - a única superpotência remanescente - como uma ameaça à sua segurança nacional e à ordem mundial. Dentre esses conceitos, o mais comuméode Estado pária, adotado no vocabulá rio oficial de segurança da administração Clinton nos anos 90. Depois de um breve declínio de seu emprego no final da década, o conceito de Estado pária retornou com força total na guerra contra o terrorismo** ** Ao longo do texto, o autor utiliza a sigla WOT (war on terrorism), cuja tradução seria GCT (guerra contra o terrorismo), porém preferi manter o texto por inteiro, sem a sigla [N.T.]. declarada pela administração Bush como resposta aos ataques de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. Contudo, esse não é o único termo que, se não caracteriza, pelo menos explica o padrão da "Grande Estratégia" dos Estados Unidos em um mundo unipolar. Na medida em que a expectativa de intervenção humanitária tornou-se tema predominante na agenda internacional de Washington após o envolvimento americano na Somália (1992) e no Haiti (1994) e, não obstante certo grau de controvérsia na antiga Iugoslávia (Bósnia em 1992 e Kósovo em 1999), o conceito de Estado falido instalou-se nos debates político e acadêmico. Nesse sentido, ambos os termos poderiam ser considerados instrumentais ao novo intervencionismo americano, que começou a tomar forma nos anos 80 apesar das restrições da Guerra Fria, tendo atingido seu momento de definição com a desintegração da União Soviética.

"Os responsáveis pela elaboração das políticas dos Estados Unidos começaram a enfrentar uma gama de problemas que, isoladamente, eram menos graves do que a ameaça que a União Soviética representava, porém, juntos, significavam uma ameaça igualmente preocupante. A situação militar também mudou drasticamente. O poder militar norte-americano reinava supremo e o risco de que uma intervenção militar dirigida a uma terceira nação pudesse se transformar em uma confrontação global rapidamente declinou" (Blechman e Coffman Wittes, 1999:10-11).

Assim, em termos analíticos, tudo indica que depois da Guerra Fria e com uma estrutura internacional predominantemente unipolar, o conceito de Estado como fonte de ameaça à estabilidade mundial fosse um aspecto central na elaboração da política externa dos Estados Unidos. Conseqüentemente, e segundo o famoso ditado "toda política é doméstica", o estudo da política interna dos Estados Unidos deveria tornar-se foco central das análises de política internacional. Claro que essa abordagem tem suas implicações para as relações internacionais, principalmente naquilo que o construtivismo normativo concebe como um problema relevante, qual seja, "a maneira pela qual as pessoas reivindicam em interesse próprio e esperam que os outros meramente reafirmem a legitimidade de seus direitos." (Kowert, 2001:268) Contudo, se é verdade que "as construções socioculturais são intrínsecas às avaliações sobre ameaça e capacidade" (idem:273), e que categorias identificatórias como inimigo, rival e amigo - na perspectiva construtivista de Alexander Wendt (1999) - são vitais para a análise do novo panorama internacional da segurança, a identidade política é, no mínimo, incompleta quando se pretende obter uma visão mais profunda e uma utilização mais eficiente do conceito de Estado como fonte de ameaça e instabilidade. Por outro lado, outras abordagens - menos relutantes na avaliação de temas como ameaça ou capacidade, que são basicamente materiais mais do que culturais e conceituais - permitem identificar as fontes de ameaça em potencial à estabilidade global que não fazem parte dos discursos oficiais predominantes, embora sejam cruciais para as relações internacionais na era da globalização1 1 . O conceito de "era da globalização" é utilizado para caracterizar os resultados do pós-Guerra-Fria. Embora o 11 de setembro de 2001 registre o fim dramático do período do pós-Guerra Fria, acadêmicos como Bruce M. Bagley já adotaram a era da globalização como uma redefinição conceitual da política internacional depois do fim da bipolaridade. .

Neste trabalho, adoto a abordagem crítica da política internacional do novo realismo, de Robert Cox (1997), para analisar uma ameaça potencial à estabilidade internacional que é completamente ignorada pelos formuladores da política externa dos Estados Unidos, e dos demais Estados, e que até agora só foi utilizada em um único ensaio, que, aliás, cunhou o conceito. Refiro-me ao Estado cortesão, definido basicamente por James H. Mittelman e Robert Johnston (1999). Em poucas palavras, o Estado cortesão é um dos resultados do processo de globalização e transformação do poder do Estado; mais precisamente, é um conceito analítico adequado à classificação de determinados vínculos estatais com a economia global ilícita.

Neste ensaio, adoto o argumento desenvolvido por Mittelman e Johnston e procuro aprofundá-lo, não apenas em relação aos elos entre o Estado e o crime organizado transnacional, mas também como um aspecto fundamental da luta pelo poder que caracteriza as relações interestatais na era da globalização. Portanto, o Estado cortesão deve ser entendido em sua dupla relação simultânea com outros atores estatais legítimos, principalmente o superpoder global na política internacional, e os atores globais não-estatais da economia ilícita. Por isso, afirmo, é crucial estudar as transformações do poder estatal na periferia como resultado das mudanças estruturais do pós-Guerra Fria e dos fatores domésticos relacionados às democracias imperfeitas ou delegativas (O'Donnell, 1999), às políticas inspiradas na Primeira Imagem (Byman e Pollack, 2001) e à síndrome do Estado fraco (Krasner, 1999b) reconsiderada no mundo global (Bagley, 2001). Assim, a elaboração teórica do Estado cortesão requer dar maior ênfase às transformações globais da política mundial (Held e McGrew, 2000; Clark, 1999), envolvendo a discussão sobre a soberania estatal (Krasner, 1999a; Tokatlian, 2000) e sua natureza relacional na periferia (Russell e Tokatlian, 2001; Borón, 1998), bem como a redefinição das questões da legitimidade e do poder estatal (Andreas, 2000; Friman e Andreas, 1999).

Na primeira parte deste artigo, abordo o Estado pária no seu contexto histórico e enfatizo as duas ameaças inter-relacionadas que os formuladores da política dos Estados Unidos percebem ao elaborá-lo. Concluo essa seção com considerações críticas sobre o uso do Estado pária na elaboração da política externa americana e sobre seu impacto nas relações internacionais. Na segunda parte, analiso o Estado falido. Destaco as razões pelas quais os formuladores de políticas dos Estados Unidos se interessaram em incluí-lo na sua agenda externa no final dos 90 e por que esse ímpeto foi abandonado pela administração Bush. Na terceira parte, refiro-me ao Estado cortesão. Recorro insistentemente a Mittelman e Johnston e faço as observações teóricas que considero adequadas para uma posterior elaboração do conceito, que será redefinido em um marco teórico. Nas minhas observações finais, explico por que o conceito é útil para analistas e formuladores de políticas na compreensão de uma fonte fundamental de instabilidade global depois do fim da Guerra Fria.

Parte I. O Mal: O Estado Pária e a Ameaça Combinada de Armas de Destruição em Massa e Terrorismo

Esta parte se dedica ao conceito de Estado pária. Descrevo como e por que ele foi formulado durante a administração Clinton e chegou à administração Bush. A seguir, explico por que ele sempre será um conceito-chave na política externa estadunidense. Um olhar mais profundo sobre o valor analítico e os usos e desusos do conceito conduzem-me à minha primeira conclusão preliminar neste ensaio: o conceito de Estado pária caracterizará a Grande Estratégia americana do pós-11 de setembro, contudo, analiticamente, ele é mais útil como recurso para entender a formulação da política externa dos Estados Unidos e a disputa de poder interestatal nos clássicos complexos de segurança, do que como uma perspectiva objetiva das ameaças internacionais à segurança. De fato, como potencialmente exacerba a luta de poder internacional, o uso do conceito de Estado pária para fins intervencionistas pode aumentar a instabilidade global.

1. Nascido na administração Clinton...

Embora já estivesse em uso desde os anos 80, o termo Estado pária foi adotado no vocabulário oficial da administração Clinton para designar tanto uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos, como um fator desestabilizador da ordem mundial. Inicialmente, e como conseqüência imediata da Guerra do Golfo de 1991, o argumento-chave era dado pelo medo da proliferação sem controle das armas de destruição em massa e da expansão do "Estado armado" (Mutimer, 2000). Em agosto de 1998, a ameaça tornou-se mais plausível diante do teste de lançamento do míssil norte-coreano de terceiro grau Taepodong-1 sobre o Japão, logo após a publicação do Relatório da "Comissão Rumstead, segundo o qual a ameaça que os mísseis representavam era muito maior do que se havia estimado até então." (Eland e Lee, 2001:2) As bombas no World Trade Center em 1993 e na cidade de Oklahoma em 1995 expuseram dramaticamente a vulnerabilidade do território americano ante o terrorismo, transformando-a em preocupação de âmbito nacional (Donohue e Kayyem, 2001). O bombardeio de 1998 às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia e o ataque de 2000 ao destróier Cole em um porto do Iêmen, onde 17 marinheiros americanos foram mortos e 39 feridos, foram atribuídos a terroristas fundamentalistas muçulmanos, supostamente operando globalmente a partir de Estado que os protegia. Portanto, um Estado que apoiava o terrorismo significava uma ameaça tão grave quanto haviam sido as organizações terroristas, sendo assim chamado de Estado pária. Contudo, em junho de 2000, a administração Clinton substituiu oficialmente esse conceito pelo de Estados ameaçadores. As razões que explicam o abandono do uso generalizado do termo foram a dificuldade de encontrar apoio em um conceito político americano no direito internacional, os custos políticos que ele implicava com os aliados, quando Washington tentou aplicar sanções extraterritoriais contra empresas estrangeiras que negociavam com Estados párias, e as restrições que ele impunha à estratégia da flexibilidade cada vez que um país, tendo publicamente se declarado terrorista e passado por mudanças internas, abandonava o comportamento ameaçador (Litwak, 2001).

2. ... ainda vivo na administração Bush...

Durante a campanha presidencial de 2000, embora o candidato George W. Bush tenha continuado a usar o termo Estado pária ao se referir à Coréia do Norte, ao Irã e ao Iraque, o então conselheiro do candidato e futuro secretário de Estado Colin Powell manifestou seu descontentamento com o conceito, revelando nítida inclinação pelo grupo de Estados heterogêneos e pela necessidade de construir um apoio multilateral para as políticas americanas.

"Contudo, também houve indicações contrárias à mudança na nova administração Bush. Assim, a despeito da perspectiva adotada pelo secretário Powell, alguns membros do establishment continuaram a usar o termo Estado pária em relação à defesa nacional por meio do uso de mísseis, sem especificar, porém, a que Estados em particular se referiam" (idem:392).

3. ... Estado pária veio para ficar

Depois dos ataques terroristas contra as Torres Gêmeas em Nova York e o Pentágono em 11 de setembro de 2001, o terrorismo voltou com força ainda mais devastadora, precipitando o fim do período de transição pós-Guerra-Fria e das políticas que o caracterizavam. "Imerso na fumaça negra e nas montanhas estraçalhadas e porosas de vidro, aço e cadáveres estava o vírus do medo endêmico e da ansiedade permanente e, ao mesmo tempo, a fórmula incipiente e registro de um nascente Estado de segurança" (Dennis, 2001). Na verdade, a bem-sucedida campanha militar contra o regime talibã do Afeganistão, acusado de proteger o autor dos ataques de 11 de setembro, Osama Bin Laden, constitui a primeira resposta radical à ameaça de um Estado pária, uma estratégia que visava mudar o regime, marcando uma modificação nas estratégias de "contenção compreensiva" e de "contenção condicional" adotadas pela administração Clinton (Litwak, 2001:387). Não é de se estranhar, então, que o conceito tenha retornado como um argumento funcional para uma estratégia contraterrorista mais ampla (Shanker, 2001), ou para repetir o cenário afeganistão em outros casos, principalmente no do Iraque (Dobbs, 2001). Além disso, a declaração de guerra ao terrorismo da administração Bush repercutiu em todo o mundo.

"Optando pela prática americana em lugar da exortação americana, [as nações] armaram-se em causa própria, do mesmo modo que, anteriormente, muitas construíram arsenais nucleares cujo uso também ameaça o mundo. Não temos uma guerra unificada contra o terrorismo, mas muitos embates" (Schell, 2002).

Sem concordância sequer sobre o que vem a ser a atividade terrorista, "alguns governos estão apresentando, como parte da campanha apoiada pelas Nações Unidas, o que a crítica considera medidas de um Estado-polícia." (Orme, 2002)

4. Valor analítico

A noção de Estado pária tem implicações que vão além da formulação da política externa dos Estados Unidos no pós-Guerra Fria. Na verdade, a pergunta é até que ponto esse conceito é apropriado para a análise da segurança internacional no pós-Guerra Fria. Uma perspectiva histórica do mesmo pode ajudar a esclarecer sua adequação.

Uma forma de entender um Estado pária é definindo-o como uma instituição que desafia as regras impostas por outros Estados mais potentes. Em outras palavras, um Estado que desafia o status quo é um Estado pária. "Se esses Estados mantêm uma relação de dependência ou de associação informal com uma grande potência ou mesmo com outro parceiro regional mais forte, perdem uma propriedade terrorista vital e tendem a estabelecer uma relação de representação mais tradicional e típica de um Estado vulnerável sob um poder patronal" (Henriksen, 2001:349). Desde a Antiguidade até os tempos modernos, não faltam exemplos nesse sentido; contudo, essa perspectiva não é tão diferente da dinâmica da luta pelo poder na política internacional e pouco acrescenta ao conceito em si mesmo.

Outro modo de qualificar um Estado pária é através do seu nível de engajamento na comunidade internacional. Regimes como o da União Soviética em sua primeira década de formação, a Uganda de Idi Amin Dada, o Camboja de Pol Pot e o regime do apartheid da África do Sul, em razão de suas políticas internas, foram submetidos a condutas diplomáticas discriminatórias. No entanto, eles não provocaram nenhum problema de segurança internacional grave, na medida em que não estavam comprometidos com atividades ameaçadoras. De fato, somente nos anos 80 uma mudança estratégica da política dos Estados Unidos prepara o caminho para a futura elaboração do conceito de Estado pária e suas implicações políticas. Em 1979, o Departamento de Estado lançou uma lista anual de Estados que apoiavam o terrorismo.

"Com esse processo, os critérios usados para designar um Estado pária passaram do comportamento interno para o comportamento externo. O terrorismo apoiado pelos Estados do Terceiro Mundo, como a Líbia e o Irã, tornou-se o alvo central da política da administração Reagan. A proliferação dos programas de mísseis balísticos e o uso de armas químicas pelo regime de Saddam Hussein contra o Irã revelaram um segundo critério-chave: a aquisição de armas de destruição em massa ou dos meios de sua distribuição por uma potência do Terceiro Mundo. Um país do Terceiro Mundo que demonstrasse ter esses atributos se tornaria o arquétipo do conceito de Estado pária e da política que surgiu nos anos 80" (Litwak, 2000:240).

Assim, o terrorismo e as tentativas de aquisição de armas de destruição em massa por países do Terceiro Mundo constituem os critérios que passaram a definir um Estado pária, que se tornaria a doutrina proeminente na política externa dos Estados Unidos depois de 1993, preenchendo o vazio deixado pela queda da União Soviética (Eland e Lee, 2001:3). Isso explica por que outros regimes marginais, desumanos e ditatoriais que surgiram no pós-Guerra Fria escaparam do rótulo de Estado pária, em grande parte porque não ultrapassaram a fronteira diplomática que separa a criminalidade interna da aquisição de armas nucleares ou biológicas e da exportação do terror" (Henriksen, 2001:366).

5. Equívocos políticos, abusos e inutilidade

O conceito de Estado pária enfrentou uma crítica severa. Analiticamente imperfeito, disse um de seus críticos, o termo

"[...] não é uma categoria útil nas relações internacionais. A política do Estado pária que emana do conceito é politicamente seletiva, restringe a flexibilidade estratégica ao estabelecer uma dinâmica política que impede a mudança de rumo dos formuladores de políticas e resulta em custos políticos significativos para os aliados e outros Estados que são oposição ao unilateralismo americano" (Litwak, 2000:254).

Outra crítica é mais bem-sucedida no questionamento da doutrina do Estado pária: "o rótulo Estado pária cria antagonismos desnecessários entre os países que estão dando os primeiros sinais na vontade de cooperar com os Estados Unidos e aderir às normas consensuais de engajamento internacional" (Eland e Lee, 2001:4). Uma terceira crítica prevê ainda o desaparecimento do conceito no discurso diplomático devido às novas circunstâncias.

"Terroristas e seus protetores alteraram seu comportamento. Atualmente, os terroristas estão menos isolados do que nos primeiros anos do pós Guerra-Fria e foi demonstrado historicamente que Estados terroristas segregados são uma anomalia. Seus laços com os poderes dominantes constituem um traço mais estável na política mundial" (Henriksen, 2001:373).

Não obstante a crítica e o declínio do conceito na formulação da política externa americana no final dos 80, o Estado pária conseguiu mobilizar apoio político doméstico e no exterior, para medidas duras contra os Estados-problema. "Logo, o rótulo Estado pária foi uma opção ineficaz para os formuladores de políticas dos Estados Unidos, mas também teve uma utilidade política visível." (Litwak, 2001:383) Até que ponto serviu ao objetivo de fortalecer a segurança nacional americana ou de garantir a estabilidade internacional permanece uma questão aberta e analiticamente dispensável, especificamente em relação à utilidade do conceito para estudos de segurança depois do 11 de setembro. Será ele usado, e como, na elaboração da política externa da administração Bush? Que impacto teria no contexto internacional? São essas as perguntas corretas a se fazer.

6. Conclusão: o terrorista da gente é cliente de alguém

A análise conceitual2 2 . Uma explicação do que é uma análise conceitual é dada por David A. Baldwin, com base nos critérios estabelecidos por Felix E. Oppenheim: "A análise conceitual não se preocupa em testar hipóteses ou construir teorias, embora ela seja relevante para ambas. Pretende esclarecer o sentido dos conceitos. Há quem despreze esses pressupostos como 'mera questão semântica' ou 'simples logomaquia'. No entanto, sem conceitos claros, os acadêmicos não se entendem e os formuladores de política acabam considerando difícil avaliar as políticas alternativas." (Baldwin, 1997:6) não chega a ser suficiente para prever a utilidade do conceito de Estado pária no estudo da segurança internacional, embora sem dúvida esclareça a impossibilidade de conceber o termo através do que os construtivistas sociais chamam de perspectiva racional (Kubalkova, 2001:41-42). Teoricamente, a utilidade do conceito torna-se mais explícita quando ele é inserido no processo social intersubjetivo que leva à formação das normas de interação que definem o novo contexto de segurança (idem:73). Em outras palavras, o que importa em termos analíticos é a "securitização"3 3 . "A definição precisa de securitização é dada pelo estabelecimento intersubjetivo de uma ameaça existencial com uma projeção suficiente para ter efeitos políticos substanciais. A securitização pode ser estudada diretamente: dispensa indicadores. A maneira de ajudar a definir a securitização é estudar o discurso e as constelações políticas, perguntando: 'quando um argumento, com esta retórica e estrutura semiótica singulares, consegue efeito suficiente para fazer com que um público tolere a violação das normas que, de outra maneira, teriam de ser obedecidas?'" (Buzan et alii, 1998:25). do Estado pária, que, no futuro, permitirá uma abertura heterogênea de um determinado complexo de segurança4 4 . "Um complexo de segurança é definido como um conjunto de Estados cujas principais percepções e preocupações sobre a segurança são de tal maneira inter-relacionadas que não cabe analisar nem solucionar seus problemas nacionais de segurança isoladamente. A dinâmica e a estrutura de formação de um complexo de segurança têm origem nos Estados no interior desse complexo - a partir de suas percepções sobre a segurança de cada um e da interação entre eles" (Buzan et alii,1998:12). Esse clássico complexo de segurança pode ser aberto de duas maneiras: para outros setores, além do político-militar, e para outros atores, além do Estado. A abordagem dos "complexos homogêneos" considera que os complexos de segurança se concentram em setores específicos, enquanto a abordagem dos "complexos heterogêneos" "abandona o suposto de que os complexos de segurança são restritos a setores específicos e assume que a lógica regional pode integrar tipos diferentes de atores que interagem através de dois ou mais setores (por exemplo, Estados + nações + empresas + confederações, interagindo através dos setores políticos, econômicos e sociais)" ( idem:16). (Buzan et alii, 1998). Isso significa que um elo entre os níveis e setores parece inevitável para se entender a função própria do conceito, e que o terrorismo depois do 11 de setembro e a proliferação de armas de destruição em massa permanecem não apenas como ameaças reais para a segurança nacional dos Estados Unidos, mas também como argumentos básicos para os projetos militares que implicam investimentos multibilionários. No entanto, mais complicado será o elo da política externa americana nos complexos de segurança onde também o conceito de Estado pária, "seguindo a onda" (Schweller, 1994), abrirá seu próprio caminho mediante processos de securitização. Basicamente, o Estado pária da gente pode ser o cliente de outro e, assim, o uso do conceito em vez de gerar um meio analiticamente adequado para o estudo de temas de segurança acabará referindo-se à clássica luta pelo poder em relações interestatais com pouca ou nenhuma possibilidade de obter um consenso que impeça o isolamento de um Estado amplamente considerado ilegítimo e ameaçador para a estabilidade mundial.

Em termos práticos, o uso do conceito de Estado pária, provavelmente, conduz à intervenção unilateral e torna a ação multilateral uma exceção. Nesse sentido, a Guerra do Golfo de 1991 foi uma exceção e, em certa medida, também a intervenção militar contra o regime talibã no Afeganistão em outubro de 2001 (neste caso, a despeito de o Afeganistão estar realmente isolado e ser amplamente considerado um Estado pária, a intervenção militar foi conduzida unilateralmente pelos Estados Unidos). Porém, precisamente, o exemplo do Iraque é bom para ilustrar como um Estado anteriormente pária pode se tornar o patrono de vários outros Estados e, dessa maneira, tornar-se responsável por sua proteção política e diplomática. No entanto, o conceito foi estabelecido na nova Grande Estratégia dos Estados Unidos e definido, de acordo com as linhas da guerra global contra o terrorismo, no discurso de Estado do presidente George W. Bush no Congresso americano, em 29 de janeiro de 2001. Além disso, o conceito tomou a forma da geopolítica clássica com sua formulação "os eixos do mal", que envolvia o Iraque, o Irã e a Coréia do Norte, os três países engajados na produção de armas de destruição em massa e no apoio ao terrorismo. A expressão "os eixos do mal" marca um continuum com o envolvimento tradicional dos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial, especialmente com a percepção do presidente Reagan da antiga União Soviética como "o império do mal". No entanto, analistas não apenas questionaram a realidade objetiva dos "eixos do mal" (Calabresi, 2002), como também enfatizaram a rejeição ao termo fora dos Estados Unidos: "Os eixos do mal" também é uma forma de

"[...] mobilizar apoio apresentando um longo e complicado desafio da política externa como se fosse mera questão moral. Essa mesma simplicidade pode levar muita gente, especialmente fora dos Estados Unidos, a rejeitar o termo por sua falta de conteúdo ou a condená-lo como uma bobagem." (The Economist, 2002:13)

Parte II. Pobre e Desamparado: O Estado Falido e o Debate sobre o Multilateralismo Preventivo

Embora um Estado falido não seja propriamente um fenômeno novo na história da humanidade, já que muitos Estados não apenas fracassaram mas simplesmente deixaram de existir, o período pós-Guerra Fria registrou um fato novo que altera a compreensão das condições objetivas e dos efeitos da falência do Estado-nação. Esta parte do trabalho se centra na conceituação do Estado falido durante a administração Clinton, na importância que adquiriu na segunda metade dos 90 e no porquê de ter sido abandonado na administração Bush. Como minha análise pretende demonstrar, em comparação com o Estado pária, houve um esforço considerável - através do trabalho intensivo da Comissão de Segurança Nacional do Século XXI, liderada por Gary Hart e Warren Rudman - de desenvolver uma base sólida e objetiva para conceituar o Estado falido, com a intenção de transformá-lo na principal referência teórica da Grande Estratégia dos Estados Unidos para o século XXI. Concluo que, a despeito das imensas dificuldades para determinar um fundamento objetivo que permita prever os colapsos de um Estado, o esforço empreendido revela uma tendência favorável a uma abordagem multilateral da segurança internacional, portanto, potencialmente mais propensa à promoção da estabilidade global.

1. Rumo a um regime de "intervenção humanitária"

No final da administração Clinton, especificamente na época da intervenção militar no Kosovo, em 1999, intervenção humanitária tornou-se uma questão vital de abrangência internacional. O conceito designava uma estratégia que a OTAN poderia vir a adotar no século XXI, não obstante tivesse sido usado publicamente pela primeira vez pelo primeiro-ministro britânico Tony Blair (Derghoukassian, 2000). Os que defendiam sua consolidação se apoiavam no fato de uma nova forma de violência, denominada por Mary Kaldor de "as novas guerras", estar em expansão.

"As novas guerras são caracterizadas por uma multiplicidade de formas de unidades de luta, ao mesmo tempo públicas e privadas, estatais e não-estatais, ou com alguma outra configuração mista. Para simplificar, identifico cinco tipos principais: forças armadas regulares ou seus remanescentes; grupos paramilitares; unidades de autodefesa; mercenários estrangeiros; e tropas estrangeiras regulares, geralmente sob patrocínio internacional" (Kaldor, 1999:92).

A política de construção de identidades, a descentralização da violência e a economia de guerra globalizada, três componentes presentes nas "novas guerras", impedem a contenção territorial dessas guerras e, como resultado, zonas de paz e de guerra ocupam, lado a lado, o mesmo espaço territorial. Segundo essa linha de reflexão, a intervenção humanitária deveria levar a uma governança cosmopolita que oferecesse as bases para a recuperação da legitimidade nos planos local e global.

"Hoje, há uma grande certeza sobre futuros padrões de governança. Fala-se do vazio de segurança, e a questão de como preencher esse vazio é, sem dúvida, um tema institucional. [...] Mas, sob esse debate institucional se encontra um verdadeiro conjunto de questões sobre o controle da violência. O monopólio nacional da violência legítima organizada foi destruído, de cima para baixo, por intermédio da transnacionalização das forças militares e, de baixo para cima, mediante a privatização da violência organizada que é típica das novas guerras" (idem:140-141).

Logo, uma perspectiva cosmopolita da segurança global

"[...] tentaria unir países potencialmente conflitantes entre si e expandir, tanto quanto possível, a transnacionalização das Forças Armadas. Isto poderia ocorrer sob a proteção da OTAN, incluindo a Rússia, da Organização para a Segurança da Comunidade Européia ou das Nações Unidas. O ponto mais importante não é o nome da organização, mas como a questão da segurança seria formulada. Uma abordagem cosmopolita abrange uma perspectiva política e econômica da segurança. A meta de legitimar a violência organizada, sob o amparo das instituições transnacionais, não significa defesa externa - como foi o caso dos modelos de segurança nacionais ou em blocos -, mas sim cumprimento internacional da lei" (idem:149).

Em suma, a pedra angular de uma estratégia de intervenção humanitária é dada pelo temor do aumento da violência descontrolada, cuja fonte foi identificada como sendo o Estado falido. Trata-se de um conceito que adquiriu importância fundamental a partir do Relatório da Comissão de Segurança Nacional do Século XXI, liderada pelos parlamentares Gary Hart (democrata) e Warren Rudman (republicano). Elaborado entre 1999 e 2000, o Relatório analisa o impacto da globalização e os paradigmas de segurança emergentes que resultaram do fim da Guerra Fria, e identifica Estados falidos como desafios específicos que os Estados Unidos terão pela frente. "Estados falidos constituem a última força desintegradora - a incapacidade do Estado de garantir as necessidades de seus cidadãos" (Stohl, 2000). Pela primeira vez, estabelece-se uma relação implícita entre a situação interna de um país e a segurança nacional dos Estados Unidos, ligação esta que pode conduzir à intervenção. O Relatório menciona quatro países cuja instabilidade doméstica é da maior importância para os interesses americanos: México, Colômbia, Rússia e Arábia Saudita. Apesar de a diplomacia preventiva, que inclui iniciativas políticas e econômicas, ser recomendada como primeira reação dos Estados Unidos e seus aliados, a Comissão enfatiza que Washington deve considerar a opção de intervenção militar. Nesse sentido, os analistas previram diferentes critérios a serem adotados em cada caso em que a decisão de intervenção fosse tomada para impedir a falência de um Estado. "Se lembrarmos que a Rússia ainda é a segunda potência nuclear do mundo, que a Arábia Saudita é extremamente valiosa por conta de seus ativos de petróleo e de sua localização geográfica e que o México é fundamental devido às questões limítrofes e à interdependência econômica, é possível prever que Washington empregará o máximo de incentivos positivos para evitar um colapso desses Estados. No caso da Colômbia, um Estado de menor relevância para os Estados Unidos, o uso da força é mais proeminente (Tokatlian, 2001).

No entanto, o uso do conceito de Estado falido não se restringe àqueles Estados que são importantes para a segurança nacional americana. No decorrer da década de 90, ele foi amplamente empregado como instrumento analítico para descrever a situação de colapso de países que estavam longe de constituir uma ameaça à segurança dos Estados Unidos, ou perigos globais decorrentes dos Estados falidos (Stohl e Smith, 1999). É de se ressaltar que as análises das condições que levavam ao colapso do Estado, em lugar de destacar as tradicionais ameaças militares, privilegiavam aspectos econômicos e sociais, bem como a capacidade das estruturas governamentais de manter ou aperfeiçoar a infra-estrutura econômica (Norton e Miskel, 1997).

2. "Nós não fazemos a construção da nação"

Enquanto tudo indicava que a intenção da administração Clinton era tornar o conceito de Estado falido central para a Grande Estratégia dos Estados Unidos, a administração Bush abandonou-o, argumentando que a maioria dos Estados falidos não fazia parte do universo de preocupações do interesse nacional americano.

"Mr. Bush pouco mencionou os Estados falidos durante a campanha, insinuando não acreditar que os acontecimentos na África dissessem respeito ao interesse nacional dos Estados Unidos, nem que 'a construção da Nação' fosse uma função adequada para os militares americanos. Nos debates com Al Gore (candidato democrata e ex-vice-presidente), Bush sugeriu que não teria se engajado no processo de 'construção da Nação' no Haiti, nem atuado na intervenção em Ruanda para impedir o genocídio, nem mesmo se envolvido nos Bálcãs. Mas, Bush aprovou a intervenção australiana no Timor, basicamente porque ela requeria apenas uma pequena parte de apoio americano" (Stohl, 2001).

Para os analistas, o que separa as administrações Clinton e Bush é, fundamentalmente, a orientação realista da política externa do último, que enfatiza o interesse nacional imediato em vez de uma perspectiva mais global da segurança internacional, como a que Clinton adotava (Stohl e Stohl, 2001). A despeito de, em alguns aspectos da política externa, como a venda de armas, a administração Clinton não ter tomado medidas muito diferentes das adotadas por Bush antes do 11 de setembro, e não obstante as discrepâncias de orientação política no interior da administração Bush, a utilização ou o abandono do conceito de Estado falido remetem à diferença na abordagem que ambos tiveram em relação ao tema do envolvimento multilateral. Para fins analíticos, a questão é se a política de compromisso internacional legitima ou não o conceito de Estado falido. Em outras palavras, trata-se de saber se o conceito é um mero indicador/tendência da política externa americana ou se efetivamente representa uma ameaça potencial à estabilidade mundial.

3. A difícil tarefa de uma previsão realista

A partir do momento em que o vice-presidente Al Gore revelou interesse na aplicação de métodos científicos ao estudo do colapso do Estado, antes mesmo da Comissão Hart-Rudman, a tarefa de identificar e impedir a falência dos Estados passou a constituir tema da agenda oficial da política externa americana. A seu pedido, em 1994, a CIA solicitou um estudo sobre o tema a um grupo de cientistas sociais, chamado de a força tarefa do Estado falido, que, convocado para apontar fatores mensuráveis que pudessem fixar se uma determinada nação corria o risco de falir, construiu um banco de dados globais composto de 600 variáveis e desenvolveu um modelo estatístico no qual, com dois anos de antecedência, três variáveis seriam suficientes para classificar adequadamente os Estados como estáveis ou falidos. Esses três fatores eram: a mortalidade infantil, o grau de democracia e a abertura ao comércio internacional. Um primeiro relatório foi publicado em 1995, um outro em 1998 e o terceiro em 2002 (Adler, 2001). Em resumo, retirado do contexto estritamente político do processo de definição conceitual, o Estado falido foi submetido à investigação científica com nítidas perspectivas preventivas.

Na avaliação crítica do trabalho da força tarefa, Gary King e Langche Zeng chegaram à conclusão de que os resultados alcançados foram satisfatórios, apesar dos problemas implícitos nas grandes previsões totalizantes, do estilo exagerado e da interferência de cunho preconceituoso.

"O conjunto de dados oferece subsídios a inúmeros insights qualitativos e ao conhecimento de uma variedade de estudos correlatos e, devido à contribuição de outros experts que se agregaram, foi possível inclusive testar várias teorias sistematicamente, algumas pela primeira vez." (King e Zeng, 2001:654)

Não obstante, os críticos também chamaram a atenção para alguns aspectos da base de dados e do modelo que poderiam provocar controvérsias políticas importantes.

"Enquanto as variáveis explicativas (mortalidade infantil, democracia parcial, (in)eficácia do Legislativo etc.) constituem indicadores indiretos de que o Estado faliu, suas variáveis dependentes heterogêneas (genocídio, transições desintegradoras e guerras revolucionárias destinadas a substituir o regime) revelam algumas das desastrosas conseqüências da falência do Estado. Os estudos que tentam prever e explicar os efeitos do colapso do Estado são obviamente relevantes, mas seria necessário também prognosticar e explicar a origem da falência do Estado - o colapso das estruturas de autoridade centrais do Estado. Isso requer uma estratégia de coleta de dados diferente da que foi adotada pela força tarefa, bem como uma definição mais detalhada e operacional da falência do Estado e do processo de institucionalização, legitimidade e autoridade do Estado" (idem: 654-655).

Uma das descobertas da força tarefa, por exemplo, repercutiu mal na corrente dominante que relaciona paz e estabilidade com democracia e abertura de mercados. A força tarefa concluiu que a crença na abertura comercial não necessariamente diminui a vulnerabilidade de um Estado prestes a falir, como aliás outros estudos que também seguem essa linha de reflexão (Adler, 2001). Algumas análises posteriores questionaram até mesmo a validade de levar em conta a democracia para avaliar um Estado falido (Massing, 2002). Enquanto cada uma dessas hipóteses certamente requer um nível mais profundo de questionamento, começando com o aprimoramento conceitual, a utilidade política do conceito de Estado falido permanece essencial para os debates sobre segurança internacional, porque, mesmo se um sistema de prevenção for desenvolvido e testado com êxito,

"[...] resta saber se os Estados estáveis estão preparados para agir segundo essas recomendações e para oferecer assistência de modo a impedir que as nações prestes a falir desabem no caos. O Afeganistão, há muito tempo, é declaradamente um Estado falido, mas, só agora, como resultado dos graves acontecimentos dos últimos dois meses, o mundo se pergunta como reconstruir suas instituições despedaçadas" (Adler, 2001:481).

4. Conclusão: conceitualizando a intervenção

Os efeitos dos ataques terroristas de 11 de setembro trazem de volta a questão de considerar ou não o Estado falido como uma ameaça à segurança. Contudo, o que realmente preocupa não parece ser a dúvida de intervir ou não, a questão é como intervir. A guerra contra o terrorismo defende ardorosamente o intervencionismo unilateral, embora grande parte da retórica linha-dura tenha sido suavizada pelos esforços multilaterais na esfera prática das políticas. No entanto, no que se refere ao Estado falido, a questão de comointervir permanece central. Para a administração Clinton, a diplomacia preventiva era o instrumento primordial e a construção da nação era bem-vinda e recomendada. A abordagem realista mais estreita da administração Bush parece ter sido inspirada na recomendação do ex-secretário de Estado Henry Kissinger sobre a aplicação da segunda fase da guerra contra o terrorismo:

"A segunda fase não deveria ser confundida com a pacificação do Afeganistão. O objetivo estratégico americano era destruir a rede terrorista, e isso foi obtido em grande medida. A pacificação de todo o país afegão nunca foi conseguida por estrangeiros e não pode ser o objetivo do esforço militar americano. Os Estados Unidos deveriam ser generosos na ajuda econômica e na assistência ao desenvolvimento, mas o alvo estratégico da segunda fase deveria ser a destruição da rede terrorista global, com o propósito de impedir seu ressurgimento no Afeganistão, mas não para se envolver na guerra civil afegã" (Kissinger, 2002).

Esta, porém, não traz uma solução para o problema do Estado falido, que constitui uma realidade objetiva, não obstante ignorada ou presente nos discursos e nas práticas políticas, nem se remete a uma das fontes de maior instabilidade no mundo. A extensão da ajuda americana antiterror à Geórgia, no Cáucaso (Loeb e Svelin, 2002), pode esclarecer a complexidade do problema e os riscos de tentar resolvê-lo. Não apenas o terrorismo islâmico fundamentalista existe no Pankisi Gorge há muito tempo, e só recentemente no contexto da guerra contra o terrorismo mereceu a atenção dos Estados Unidos, como também é sabido que essa desatenção é em si mesma um indicador da fragilidade do Estado (Cohen, 2002). Ignorar que a Geórgia é um Estado falido (Lieven, 2001), passando ao largo dos graves problemas com as minorias étnicas, o despotismo etc., só serviria para manter o governo no poder, preservando assim as principais fontes de instabilidade.

Parte III. Gentilmente Esquecido: O Estado Cortesão na Política Internacional

Tanto o conceito de Estado pária como o de Estado falido são concebidos e aceitos oficialmente no processo de tomada de decisão da política externa americana, estão presentes nos documentos oficiais e são utilizados publicamente. Portanto, realmente, se configuram como um problema de segurança, especialmente se "segurança" for entendida ligada ao processo de "securitização" (Buzan et alii, 1998), o que não retira a ameaça que um Estado falido ou terrorista possa efetivamente representar. Mas é significativo que qualquer solução para os problemas que acarretam esteja inevitavelmente atrelada à formulação da política externa dos Estados Unidos. Aliás, como já foi mencionado, é fácil entender a relevância que esses Estados adquirem, quer sob o ângulo tradicional da política internacional vista como luta pelo poder, quer sob a perspectiva da cooperação multilateral.

Diferentemente do amplo contexto político e analítico dos Estados terrorista e falido, o conceito de Estado cortesão é quase inexistente: nunca foi adotado oficialmente, logo, não foi identificado com a questão da segurança, tendo sido praticamente esquecido do ponto de vista analítico. Na verdade, a razão desse esquecimento político tem uma explicação relacionada com os interesses dos atores estatais na política internacional. Analiticamente, o ensaio de Mittelman e Johnston, ao conceituar o Estado cortesão, oferece a referência teórica necessária para compreendermos as condições históricas de sua emergência; no entanto, nada lhe foi acrescentado até agora para aprofundar a análise. A economia política global, sem dúvida, é o contexto mais adequado para compreendermos a transformação do poder do Estado, com o qual se relaciona o conceito de Estado cortesão. No entanto, ela não permite conceber as conseqüências políticas de um comportamento cortesão e sua tolerância tanto no plano doméstico como no externo. Além disso, os resultados políticos da emergência do Estado cortesão têm conseqüência imediata sobre a segurança internacional.

Nesta parte do artigo, abordo a idéia original de Estado cortesão com o objetivo de avaliar a importância do termo de uma perspectiva política e de analisar seu impacto sobre a segurança internacional. Inicialmente, apresento uma breve resenha do ensaio que originou o conceito; a seguir, explico por que é importante aplicar essa análise ao contexto político internacional e examino os elementos teóricos necessários para a identificação com a questão da segurança no marco teórico do Estado cortesão; finalmente, como exemplo, descrevo sucintamente a aplicação desse conceito nas relações internacionais da América Latina nos anos 90.

1. Um filho da globalização

O ponto de partida de Mittelman e Johnston (1999) no ensaio "The Globalization of Organized Crime, the Courtesan State, and the Corruption of Civil Society" é que o fenômeno do crime organizado foi pouco estudado em termos de governança global e globalização. "Nitidamente, a relação entre economia política global e crime organizado não tem sido uma questão central nas ciências sociais, particularmente como tentativa de construir um marco teórico que dê conta de sua especificidade" (idem:103). Logo, é através da elaboração desse marco teórico que o Estado cortesão irá surgir ao lado de duas outras conseqüências da globalização: o crime organizado transnacional e a corrupção da sociedade civil. Mais importante ainda, para detectar esse fenômeno, é necessário "descentralizar a análise, procurando o potencial para transformação nas regiões não-ocidentais, onde esses constructos (o sistema estatal ocidental e a sociedade civil) são frágeis em termos de sua influência na história e na cultura locais" (idem:104). Em outras palavras, a análise concentra-se na periferia onde esses fenômenos são nitidamente observados.

Essa advertência inicial se torna ainda mais relevante quando passamos da análise da economia política para o estudo da política das relações internacionais. O passo seguinte para livrar-se das restrições analíticas impostas pelos conceitos e perspectivas elaborados a partir de pressupostos ocidentais básicos consiste em atenuar o uso de categorias binárias, como legal vs. criminoso, que não contribuem para a análise do Estado cortesão, definido pelos autores como "uma orientação política característica de várias formas de Estado que servem aos interesses inerentes à organização neoliberal (no entanto, não constitui uma forma particular de Estado, como, por exemplo, o Estado de Bem-Estar ou o Estado Desenvolvimentista"(ibidem). Ao explicitarem a nítida distinção entre legal e criminoso, Mittelman e Johnston introduzem outro problema da política internacional: as fronteiras entre o lícito e o ilícito e a política de poder implícita na sua construção social (Friman e Andreas, 1999; Andreas, 2000).

O marco teórico para a emergência do Estado cortesão é baseado em "a grande transformação" do século XIX dada por Polanyi. Partindo do argumento central da auto-regulação do mercado, Polanyi percebe que ele contém a semente de sua própria contradição. Logo, "a grande transformação" é um duplo movimento histórico que reflete a tensão e, finalmente, o conflito entre o mercado e os requisitos básicos de uma vida social organizada. "Sem subestimar o papel do Estado, Polanyi volta-se para atores não-estatais, especialmente as forças do mercado. Do mesmo modo, no contexto da globalização, o crime organizado transnacional responde aos incentivos do mercado, porém fora das estruturas de autoridade e poder legítimos" (Mittelman e Johnston, 1999:105). Mais precisamente, a polêmica sobre "globalização de cima para baixo" ou "globalização de baixo para cima" reflete o duplo movimento dessa segunda "grande transformação" e, principalmente, problematiza as fronteiras entre o legal e o ilegal, entre o Estado legal e a sociedade civil nascente, na medida em que o foco em questão são o "submundo" dos serviços de inteligência, os grupos terroristas, o crime organizado, o contrabando de armas, a lavagem de dinheiro etc. É nesse sentido que "um espaço de relações de cooperação e de conflito rompe as barreiras entre o legaleoilegal" (idem:106). A globalização anula também o limite entre os espaços interno e externo, provocando outra anarquia, desta feita caracterizada pela forma de coexistência pacífica e estável com o poder criminoso, como "uma fonte de conflito estrutural" (idem:107). A redução da autonomia estatal e as fronteiras obscuras entre legalidade e criminalidade na economia política possibilitam às organizações criminosas preencherem o vazio deixado pelos fracassos do Estado em garantir segurança, justiça e eqüidade. "Sob essas condições, a sociedade tende a se tornar corrupta" (idem:108). É preciso, no entanto, verificar se a coexistência do Estado com as organizações criminosas é conseqüência da redução da capacidade do Estado em realizar suas funções ou se é resultado de uma decisão política. Porque, não obstante as organizações criminosas possam preencher o vazio da falência do Estado no plano social, elas não se propõem a substituí-lo. Essa ambição - cujos melhores exemplos são o "narcoestado" boliviano dos anos 80 e o chefe do Cartel de Medelin, na Colômbia, Pablo Escobar - é antes um indicador de um Estado falido e não de um Estado cortesão, e tende a provocar uma reação internacional. Por essa razão, além das condições estruturais da política econômica global, a análise do Estado cortesão deve incluir elementos estritamente políticos, que serão analisados na quarta parte deste artigo.

Ao situar a emergência da nova criminalidade no interior da lógica neoliberal, desmistifica-se a ficção política de uma conspiração mafiosa altamente desenvolvida, tal qual a criada por autores como Claire Sterling (1994), pois sua dinâmica é análoga à da luta pelo poder e cooperação na política internacional. No entanto, o que distingue o crime organizado é sua indiferença em face da perspectiva de conquista do poder estatal. Assim, embora aparentemente as organizações criminosas imponham controle sobre as atividades estatais, justamente esse controle, como elas bem sabem, necessariamente teria padrões ilegítimos. Logo, o Estado cortesão é, por um lado, o resultado do aumento do poder de corrupção do crime organizado e, por outro, uma conseqüência da diminuição da capacidade do Estado de administrar suas funções. Como corretamente afirmam Mittelman e Johnston, esta é justamente uma característica da globalização:

"Onde nenhum Estado está a salvo da globalização, a maior parte dos Estados [...] exerce esse papel de cortesão. Por definição, um cortesão serve aos clientes, especialmente àqueles abastados e de classe alta. Alguns países são literalmente escolhidos para o papel, oferecendo ou promovendo uma indústria do sexo, atualmente organizada de modo transnacional no leste da Ásia, onde o Estado não garante proteção social para jovens mulheres e homens (nem crianças), mas, ao contrário, abertamente sacrifica a cultura local em prol das forças de mercado globais. Em outros países, o papel cortesão é menos explícito e mais simbólico, não obstante emblemático do interregno entre o sistema estatal ocidental e uma ordem mundial pós-ocidental mais plural" (1999:116-117).

Portanto, um traço inerente ao Estado cortesão é a sua fragilidade, que, em termos geopolíticos, situa-o em uma posição subordinada na globalização e, na terminologia político-econômica, traduz-se como perda do controle na geoeconomia.

Contudo, na análise de Mittelman e Johnston, a transformação do Estado não é um fim, mas uma etapa no processo de globalização, e tem, aliás, uma implicação mais ampla do que chamam de "o papel cortesão".

"Aderindo à ideologia da globalização, o papel cortesão não é apenas um fenômeno nacional, mas transforma-se rapidamente em uma estrutura transestatal: uma instituição multidimensional encravada em uma coalizão multiclassista de seus fiadores e apoiada por aqueles envolvidos em um processo de participação consensual, um ponto central de fluxos que cruzam as fronteiras em busca de tarifas mais baixas e um elemento central no quadro da política global do neoliberalismo" (ibidem).

Sem dúvida, a política do poder interestatal tradicional muda nessas condições da globalização. Mais importante ainda, poucos - na verdade só uma superpotência, os Estados Unidos - podem esquivar-se dos traços típicos de um desempenho cortesão sem rejeitar o mercado. Por essa razão é que Mittelman e Johnston, após discutirem amplamente o terceiro elemento de sua tríade - a corrupção da sociedade civil -, concluíram seu ensaio enfatizando a recriação da "grande transformação" de Polanyi.

"Baseados no marco teórico de Polanyi, nossa análise demonstra a necessidade de ultrapassar as categorias de mercado e não-mercado, primeira e segunda etapas do duplo movimento, submerso e liberto etc. Essas polaridades encontram similitudes em modos mais convencionais de investigação - oferta e demanda -, dos quais extraímos muitos insights. O problema é que os conceitos são binários ao extremo. Certamente, a dinâmica da globalização e o crime organizado transnacional revelam formas concretas de fusão e incorporação, não inteiramente captadas por esses dualismos, porque o crime organizado transnacional abrange tanto a globalização quanto a contraglobalização." (idem:122)

2. O argumento para ampliar o marco teórico: O Estado cortesão nas relações interestatais

Em suma, Mittelman e Johnston abordam fundamentalmente o fenômeno do crime organizado e dele deduzem um marco teórico da tríade, crime organizado, Estado cortesão e corrupção da sociedade civil, no contexto da globalização. Sua construção teórica é essencialmente a perspectiva da economia política, porém, a despeito de declararem estar ultrapassando as categorias mercado vs. não-mercado, aderem nitidamente à tese do "retrocesso do Estado" (Strange, 1998; Sassen, 1996). Ou seja, o Estado não é concebido como um meio através do qual a anarquia é reduzidaeagovernança torna-se plausível. Além disso, parece que o Estado deve ser superado na busca de um melhor desempenho do mercado, aliás, uma questão que, na verdade, é relegada para investigação posterior.

"Como foi mencionado, o Estado atualmente está perdendo o controle sobre o monopólio da coerção, que até agora esteve sob seu comando. Além disso, com a nova conjunção de flexibilidade de desregulamentação das fronteiras estatais com os extraordinários avanços tecnológicos que impulsionaram os fluxos transnacionais, é evidente que as forças do mercado estão cada vez menos comprometidas com a transparência de seus atos políticos. Isso traz à tona a questão da governança democrática no plano global, que requer destaque especial para o importante papel que a sociedade civil pode desempenhar na demanda por um grau mais elevado de accountability. No entanto, um amplo segmento da sociedade civil não é democrático, sendo às vezes, inclusive, basicamente repressor. Nesses casos, e na ausência de outras condições, não seria suficiente realimentar o mercado com estruturas sociais opressoras para assegurar uma globalização democrática. Conseqüentemente, a questão-chave é a seguinte: que tipo de realimentação e sob que condições? Trata-se de determinar uma escala adequada para a organização e a reorganização da vida humana" (idem:123).

O foco nas forças transnacionais - que com o processo de globalização adquiriram eficácia em detrimento do Estado corporativo (Mittelman, 1996:7) - não favorece a análise do Estado cortesão no contexto das relações interestatais nem de suas conseqüências para efeito de segurança. No entanto, a transformação do poder do Estado deixa espaço para as relações interestatais, nas quais a relação de poder se dá entre parâmetros de maior compreensão política e governabilidade. Inicialmente, a principal corrente dos teóricos de relações internacionais, assim como os economistas políticos, certamente argumentaria que o Estado não está menos presente na globalização, mas, ao contrário, teve seu papel acentuado (Waltz, 1999; Garrett, 1998; Weiss, 1998). Porém, da própria perspectiva da globalização, a transformação do papel do Estado é uma questão que ainda não foi respondida. Para muitos analistas, a mudança da natureza da intervenção do Estado não necessariamente implica diminuição do papel do Estado.

"A globalização capitalista também se dá no interior do Estado, permeia suas instituições e ocorre sob a sua proteção; ela é decodificada e, em alguns aspectos, até mesmo autorizada pelo Estado e suas instituições; e envolve uma mudança nas relações de poder no interior dos Estados que, freqüentemente, significa a centralização e a concentração dos poderes estatais como condição necessária e efeito secundário para a disciplina do mercado global." (Panich, 1996:86)

Esse "salvamento" do Estado não nega a luta de poder interna e internacional entre as forças sociais, aliás, constrói-se justamente sobre esse pressuposto, não obstante, é uma interpretação que joga luz sobre o Estado cortesão. Em primeiro lugar, fortalece o papel do Estado cortesão no contexto das relações interestatais, à medida que incorpora e reformula todas as observações teóricas correlacionadas, do dilema da segurança à formação de alianças, do conceito de soberania/autonomia ao traçado das fronteiras de legitimidade/ilegitimidade etc. Assim, o Estado cortesão não trata apenas do mercado, mas também do poder hegemônico e de sua política externa, lembrando que, da harmonia entre o mercado e os requisitos para o alinhamento com o poder hegemônico depende o êxito de sua posição no sistema, para não dizer, sua própria sobrevivência. Assim como os mercados negros que emergiram globalmente já não se acham isolados, mas "institucionalmente imersos na economia legal" (Naylor, 2002:3), a legitimidade na política internacional não é mais definida de acordo com as fronteiras normativas que separam a ação legal da ilícita, nem segundo a racionalidade do mero cálculo de escolhas estratégicas, mas segundo uma nebulosa cinzenta situada como uma continuação da lógica da política de poder do pós-Guerra Fria. Logo, o papel do Estado cortesão deve ser buscado nessas duas áreas e na dinâmica de sua interação. Em segundo lugar, como o comportamento cortesão não é independente da luta das forças sociais dentro e fora do Estado, é importante abrir a "caixa-preta" do Estado cortesão a fim de observar não só o processo de tomada de decisões, mas também os motivos das decisões que levam ao papel cortesão. Esse ângulo traz à tona a questão dos meios e dos atores que formulam ou atuam na estrutura cortesã. Da perspectiva da globalização e de uma lógica próxima dos "tecnopolíticos" e de seu papel nas reformas neoliberais na América Latina (Babb, 2001; Domínguez, 1997), o foco nos atores permite desvendar as estruturas de classe e seus vínculos domésticos e internacionais. As conseqüências teórico-práticas dessas novas alianças não devem ser subestimadas: é a estrutura de um Estado particular que conduz ao papel cortesão ou se trata de atores no poder que formulam um Estado cortesão?

Essa ênfase particular no aspecto político do Estado cortesão não significa a negação nem mesmo o abandono da necessidade de superar o dilema mercado vs. não-mercado, que constitui a premissa do marco teórico de Mittelman e Johnston. Na verdade, trata-se de afirmá-lo sob outro ângulo, o da política, no lugar da perspectiva de mercado, uma vez que faz sentido pensar que o mercado tem impacto na organização da sociedade e da política, como é possível supor que as decisões políticas afetem a economia. Embora não seja uma novidade argumentar que as decisões políticas influenciam o mercado, temos um ponto quando nos centramos na política ao analisar os mercados ilícitos. Assim, enquanto a oferta e a procura, em grande medida, ainda explicam as transações do mercado negro, as próprias categorias lícito e ilícito não são inerentes à economia, mas são decididas e definidas pela política. A dimensão política da criminalização da atividade econômica torna-se ainda mais óbvia quando se distinguem dois componentes do poder político: autoridade e controle. Desse ponto de vista, a economia global ilícita é definida como "o sistema de atividades econômicas transnacionais que são criminalizadas pelos Estados em países importadores ou exportadores." (Friman e Andreas, 1999:5) Os Estados reclamam para si autoridade metapolítica para decidir o que é política e, como tal, o que está sujeito à coerção estatal. Contudo, o comportamento dessa autoridade é dinâmico, produto de negociações entre Estados e entre atores estatais e nãoestatais. Além disso,

"[...] a autoridade que faz as leis não é a mesma que as implementa. Esta última garante o poder estatal de controle, sendo modelada pelas forças policiais e de segurança. Para o êxito da análise da economia global ilícita, é essencial distinguir entre essas duas formas de poder estatal. Atores estatais invocam a autoridade metapolítica quando criminalizam atividades econômicas transnacionais específicas. Através da criminalização, atividades como lavagem de dinheiro e tráfico de drogas são submetidas ao aparato policial do Estado. No entanto, a autoridade estatal que decide a linha que separa os fluxos econômicos legais dos ilegais tem sido questionada." (idem:9)

A criminalização de algumas práticas transnacionais específicas é um processo que envolve disputas políticas, simultaneamente, internas e externas.

"A distância entre a autoridade metapolítica do Estado para aprovar leis restritivas e sua capacidade para, de fato, implementá-las corresponde ao espaço em que operam os atores clandestinos transnacionais. Com efeito, a economia global ilícita é definida e depende da possibilidade de o Estado exercer sua autoridade metapolítica de legislar criminalmente sem a total capacidade de aplicar suas leis criminais." (idem:10)

Destaque-se, ainda, que atores não-estatais podem assumir o controle em condições de criminalização, na medida em que os governos se omitem da tarefa de regular os mercados reconhecidos como ilegais. "Em muitos países, membros do Estado toleraram e, às vezes, até facilitaram atividades ilícitas de grupos criminosos em troca do controle sobre novos mercados (criminosos independentes) e sobre a oposição política." (ibidem) É nessa dinâmica geral das transações políticas que o papel cortesão do Estado é formulado e implementado.

3. Elementos teóricos para um marco teórico ampliado de análise do Estado cortesão

Dada a importância do conceito de Estado cortesão na análise da política internacional e dos estudos de segurança global no pós-Guerra Fria, é da maior relevância expandir o marco teórico de Mittelman e Johnston ou, simplesmente, reelaborá-lo com o foco dirigido para o comportamento cortesão. Assim, a perspectiva teórica deveria se deslocar da economia política para a política de poder. A hipótese sugere que, com o fim da Guerra Fria, a emergência dos Estados Unidos como a única superpotência mundial alterou a compreensão tradicional do dilema da segurança na periferia. Em termos de formação de alianças, o Estado cortesão não está interessado em uma relação de equilíbrio, preferindo explorar os benefícios que advêm de seu vínculo com a superpotência. O fim da Guerra Fria também precipitou as transformações em curso na natureza do Estado soberano, levando a uma extraordinária, e cada vez mais acentuada, hierarquia de soberanias (Tokatlian, 2000), especialmente visível no que Krasner (1999a) chamou de "soberania de interdependência". Contudo, o grau inferior da escala hierárquica das soberanias não significa, necessariamente, que o Estado tenha perdido sua autonomia em assuntos internos (Russell e Tokatlian, 2001), o que é praticamente inerente ao Estado fraco (Persaud, 2001; Krasner, 1999b; Bagley, 2001). Não obstante a fragilidade ser um traço estrutural do Estado cortesão, ela é também o resultado da apropriação do Estado por um setor motivado pelo lucro obtido no mercado global, seja ele legal ou ilegal (Cox, 1996). Portanto, deturpado em seu sentido weberiano, o Estado transforma-se em instrumento para se alcançar a fonte mais importante de lucro: o mercado global. Assim, o que caracteriza o comportamento cortesão do Estado, de uma perspectiva política, são, justamente, a disputa pelo poder e a busca competitiva do lucro, que constituem objetivos interconectados nos planos doméstico e internacional. Para entender por que esse comportamento é tolerado na política internacional, ou, em outras palavras, como o Estado cortesão é legitimado nas relações interestatais, é necessário saber como se processam a anuência e a dupla abordagem que põem lado a lado a globalização e a política como um jogo de mão dupla.

O texto que se segue é uma breve discussão sobre esses elementos para um marco teórico destinado à análise do Estado cortesão na política internacional.

O novo realismo: uma abordagem crítica da política de poder no pós-Guerra Fria. A passagem da economia política para a política internacional requer a introdução do elemento de poder no quadro teórico de análise. A política como relação de poder define a compreensão realista das relações internacionais. Os clássicos do pensamento pragmático conceberam a política em termos históricos, enquanto os neopragmáticos a consideram em termos técnicos, universalistas. Apesar de inspirado por ambos, Robert Cox define o conceito de "novo pragmatismo" a partir da diferenciação entre eles. O novo pragmatismo

"[...] difere do clássico ao expandir o âmbito das forças determinantes para além do poder estatal e se distingue do neopragmatismo na preocupação com a mudança estrutural e na compreensão dessa transformação em termos históricos. O novo pragmatismo desenvolve o velho usando sua abordagem histórica de modo a captar as realidades do poder no mundo contemporâneo emergente" (Cox, 1997:xvi).

Lamentavelmente, porém, não se dispõe de uma elaboração teórica posterior para o conceito de novo pragmatismo. De fato, Cox adotou-o como ponto de partida em um simpósio em que se discutiu o futuro do multilateralismo. Concordava com a perspectiva pragmática de que não se deve esperar do multilateralismo um governo mundial, mas, ao contrário, achava plausível que os efeitos acentuados da hierarquia de poder continuassem a se manifestar. "O multilateralismo não é hierárquico na forma, mas, na verdade, oculta e dissimula a realidade das relações entre poderosos e subordinados. No entanto, a forma é importante, sendo um critério possível de protesto contra o abuso do poder hierárquico" (ibidem). No entanto, a preocupação de Cox, de resto compartilhada no simpósio, não está isenta de escolhas de valor, tais como: "maior eqüidade social, difusão mais ampla de poder entre países e grupos sociais, proteção da biosfera, moderação e não-violência no tratamento dos conflitos e reconhecimento mútuo das civilizações" (idem:xviii).

Embora esses valores, ou o multilateralismo, para esses propósitos não constituam objeto deste ensaio, a abordagem mais crítica do que propositiva do novo pragmatismo de Cox é particularmente útil para o estudo das transformações estruturais na periferia, por duas razões. A primeira, porque os Estados periféricos, não obstante sejam marginais às relações internacionais de poder no pós-Guerra Fria, são participantes ativos ou passivos e nenhuma potência central é oficialmente considerada como terrorista ou falida. A segunda, porque há uma crescente presença de atores não-estatais que causam impacto, de maior ou menor relevância, nas relações de poder pós-Guerra Fria, o que, nitidamente, indica que a transformação do Estado na periferia deveria estar no centro das atenções, como uma fonte de instabilidade. Como afirma Michael Ignatieff, se há algo que o 11 de setembro demonstra é justamente a necessidade de tomar conhecimento de suas causas subliminares como "a coincidência da prosperidade globalizada no mundo imperialista com a desintegração de Estados que obtiveram a independência dos impérios coloniais da Europa nos anos 60" (2002:4).

Para o estudo do comportamento cortesão de um Estado periférico na política internacional, convém que se considere a transformação do dilema da segurança no que se refere à percepção da ameaça que a superpotência representa. Como já foi dito anteriormente, em vez de equilíbrio, o Estado cortesão prefere atrelar-se à superpotência ou, em outras palavras, comportar-se segundo a lógica do "pragmatismo periférico" (Escudé, 1992) e ter assim um certificado de legitimidade para operar em proveito próprio no mercado global. Porém, o problema é que o certificado internacional de legitimidade do Estado cortesão não lhe confere segurança contra os perigos da síndrome de um Estado fraco, ao contrário, ao mesmo tempo que obtém passe livre no mercado global, o lucro adquirido pela elite de poder do Estado periférico, consciente ou inconscientemente, acaba por aniquilar a autonomia estatal e por criar as condições de seu maior fracasso.

Soberania e autonomia estatal: uma perspectiva hierárquica. A despeito do senso comum, como demonstra Krasner, a soberania estatal nunca existiu em um Estado westphaliano puro em conseqüência da presença permanente de assimetrias de poder na política internacional.

"O termo soberania tem sido empregado de quatro maneiras diferentes: a soberania internacional legal, a westphaliana, a doméstica e a soberania interdependente. A primeira refere-se às práticas associadas ao reconhecimento mútuo de unidades territoriais que têm independência jurídico-formal. A soberania westphaliana remete à organização política baseada na exclusão de atores externos das estruturas de autoridade em um determinado território. A doméstica designa a organização formal da autoridade política no interior do Estado e a capacidade das autoridades públicas de efetivamente exercerem controle, nos limites internos, de suas próprias políticas. Finalmente, a soberania interdependente diz respeito à possibilidade de as autoridades públicas regulamentarem o fluxo de informações, idéias, mercadorias, povos, poluentes ou capital através das fronteiras de seu Estado" (Krasner, 1999a:3-4).

Questões de autoridade e legitimidade - mas não de controle - relacionam-se à soberania westphaliana legal e ocidental. A soberania doméstica implica autoridade e controle, enquanto a soberania de interdependência é exclusivamente referida à controle - e não à autoridade.

"Um Estado pode ter a soberania ocidental e internacional legal, estabelecer estruturas de autoridade domésticas e, ainda assim, manter controle insuficiente sobre a regulamentação dos fluxos que atravessam suas fronteiras e sobre seus conseqüentes impactos domésticos, situação que para muitos analistas é o resultado da globalização" (idem:4).

Partindo dessas diferentes concepções de soberania, Tokatlian (2000:273) aponta "o modo drástico e talvez inexorável" mediante o qual a soberania foi modificada no final da Guerra Fria, estabelecendo a prática da unipolaridade política em favor dos Estados Unidos. O resultado é o desgaste da soberania na política internacional pós-Guerra Fria, uma estrutura hierárquica piramidal em cujo topo se encontram os Estados "supersoberanos", desfrutando do grau operacional positivo mais elevado de soberania - uma condição que, na verdade, é prerrogativa exclusiva dos Estados Unidos; a seguir, acham-se aqueles Estados que ainda são suficientemente competitivos para formular uma identidade própria e intervir em alguns dos mais importantes temas da agenda internacional; as soberanias formais são os Estados que, apesar de sua fragilidade, alcançaram uma legitimidade elementar, mantêm seus fundamentos culturais relativamente fortes e um mínimo de soberania que lhes confere capacidade para enfrentar atores poderosos; e, finalmente, na base da pirâmide estão localizados os "suseranos", isto é, os Estados de soberania negativa, Estados falidos com sociedades fragmentadas, legitimidade profundamente questionada e destituídos de qualquer capacidade de negociação.

Antes de refletirmos sobre o grau de soberania do Estado cortesão, cabe observar que um grau menor de soberania não necessariamente implica perda de autoridade e controle. Esse aspecto é abordado por Russell e Tokatlian, que apontam três diferentes empregos da noção de autonomia estatal: como um princípio do modelo ocidental, como uma condição do Estado-nação e como um dos reais interesses nacionais dos Estados. Posteriormente, eles elaboram o conceito como condição para o Estado-nação:

"Em termos gerais, o Estado tem autonomia interna quando os objetivos que formula não expressam apenas as demandas ou interesses de determinados grupos sociais. De modo análogo, a noção de autonomia externa é freqüentemente utilizada para caracterizar a capacidade do Estado, entendida como habilidade e vontade de tomar decisões, apoiado nos seus próprios objetivos e necessidades, sem interferências externas, de controlar os processos ou acontecimentos além de suas fronteiras. Em ambos os casos, a autonomia é sempre uma questão de grau que depende, fundamentalmente, da firmeza e da moderação dos Estados e das condições externas que enfrentam" (Russell e Tokatlian, 2001:72).

Além disso, para evitar equívocos, os autores distinguem entre soberania, relevante no contexto jurídico, e autonomia, um termo próprio da política. O resultado da análise é o novo conceito de "autonomia relacional", simultaneamente uma condição e um interesse nacional real, entendido como "a capacidade e a vontade do Estado de tomar decisões por conta própria e com outros Estados, e de juntos controlarem os processos internos e externos a seus territórios" (idem:88). Assim, "a autonomia relacional" confirma a relevância da variável "soberania doméstica" de Krasner - controle e autoridade -, e ainda aponta a possibilidade de sempre haver um lugar para a solução política, até mesmo na estrutura hierárquica das soberanias estatais do pós-Guerra Fria.

A soberania do Estado cortesão é nitidamente a formal: não é ainda um Estado falido, ou em colapso, mas "sua soberania nacional está devastada" (Borón, 1998:47), revela sua fragilidade intrínseca. Acrescente-se que, por definição, o Estado cortesão não demonstra vontade de empregar a habilidade política no espaço de intervenção da "autonomia relacional", principalmente porque os interesses privados se expandiram à custa do espaço público e fragilizaram o Estado, que "só pode produzir um governo débil e ineficaz, e essa fragilidade, em seu devido tempo, tenderá a fortalecer o peso social, político e econômico dos pequenos e bem organizados grupos de atores coletivos privados e muito ricos" (idem:51).

A síndrome do Estado fraco. A soberania formal pode cair a ponto de alcançar a soberania negativa, como advertiu Tokatlian (2002), ilustrando o argumento com o caso recente da Argentina, país em grave crise social e econômica no final de 2001. Contudo, uma interpretação distinta do mesmo país enfatiza o problema no plano do Estado, "não por causa do peso relativo de seus gastos, mas devido à sua ineficácia para promover o crescimento da produção interna". Considera-se, aqui, que o Estado perdeu autonomia em relação a setores distintos e sua fraqueza "reflete-se na sua escassa capacidade de implementar sanções". Perdeu autoridade por ser incapaz de gerar confiança, e perdeu controle em razão da grave deterioração da relação entre ordem e obediência (Magariños e Dalbosco, 2002). Portanto, uma vez diagnosticada a fragilidade do Estado como um sintoma da perda de soberania, essa interpretação merece uma análise mais detalhada.

Uma maneira de conceituar a fragilidade de um Estado é observar "os limites internos que lhe são impostos", sendo Estado aqui definido como "um conjunto de instituições decisórias fundamentais e de funções que devem se relacionar com oposições tanto internas quanto externas" (Krasner, 1999b:255). Portanto, é em relação à própria sociedade que se determina a força ou a fraqueza de um Estado - relacionada à sua capacidade de superar a resistência interna. Estado fraco é simplesmente aquele que é permeável aos grupos de pressão, enquanto Estado forte é o que se mostra capaz de renovar a sociedade e a cultura da qual faz parte. Certamente, esses são dois casos extremos, profundamente vinculados a condições históricas e estruturais. "De modo geral, o Estado é capaz de manter alguma autonomia em relação à sociedade, ao mesmo tempo, porém, não consegue rapidamente impor transformações estruturais no sistema econômico nem no cultural" (ibidem). Nesse sentido, Estados fracos, moderados, fortes ou dominadores são tipos ideais definidos dentro dos limites da autonomia do Estado e, nos países avançados de economia de mercado, são os mais relevantes para a formulação de políticas. Um Estado pode ser forte em alguns aspectos e fraco em outros. "Não há porque assumir a priorique o padrão de força e de fraqueza será o mesmo para todas as políticas" (idem:256). Nessa definição de fragilidade do Estado, o elemento-chave para o funcionamento de um sistema político é a sociedade, por essa razão, como os Estados Unidos têm uma sociedade forte nunca precisaram também de um Estado forte.

"Em primeiro lugar, à parte uma exceção irrelevante (a Guerra de 1812), os Estados Unidos nunca enfrentaram uma invasão estrangeira. Em segundo lugar, a sociedade americana é inusitadamente coesa e os valores sociais dominantes são congruentes com as necessidades da economia moderna. Em terceiro, a economia americana teve um desempenho satisfatório extraordinário com o mínimo de intervenção direta do Estado e a abundância gerada pelo êxito econômico atenuou o peso das demandas dirigidas ao Estado" (idem:261).

Esse tipo de fraqueza certamente não leva à conclusão de que o sistema está à beira de um colapso ou que a soberania está desgastada, aliás, a fragilidade do Estado combinada à força da sociedade gera, inclusive, vantagens como aumentar as liberdades individuais dos cidadãos. Paradoxalmente, nessa abordagem do Estado fraco, o Estado cortesão é simultaneamente fraco e forte. Fraco, porque além de ser completamente permeado por grupos de pressão, estes, de fato, se apropriam do Estado. Mas forte também, devido à sua capacidade de transformar as instituições econômicas, os valores e os padrões de interação dos diversos grupos privados. No marco teórico de Mittelman e Johnston, esse paradoxo é explicado por um dos elementos da tríade, qual seja, a corrupção da sociedade.

A fragilidade de um Estado na política internacional também pode ser avaliada mediante a classificação dos mesmos, o que permite elaborar afirmações generalizadas sobre o comportamento da política externa de diversas categorias de Estados. Por exemplo, como explica Persaud ao analisar a literatura existente, a corrente do Estado pequeno ou fraco é uma das três perspectivas sobre política externa de países não classificados como potências grandes ou médias, as outras duas são a análise do papel/situação do Estado e a escola da dependência/aquiescência/dependência. Em virtude das predisposições analíticas contra o conceito indicador de tamanho do Estado pequeno, que foi amplamente criticado como impreciso e até inútil, o rótulo fraco foi o refinamento que o substituiu.

"A reformulação do conceito de Estado pequeno em Estado fraco advém de dois tipos de considerações teoricamente distintos. Em primeiro lugar, há os que afirmam que a situação internacional e o comportamento subseqüente dos Estados do Terceiro Mundo é muito mais efeito de seu subdesenvolvimento do que uma questão de força definida em termos de atributos quantitativos. O atraso econômico causa a fraqueza e é ele - e não seu tamanho em si - que delineia as políticas externas do Terceiro Mundo. A segunda versão da fragilidade considera a segurança como ponto de partida e, nesse caso, não faz diferença se o Estado for pequeno ou não, nem se for desenvolvido ou subdesenvolvido. A preocupação central aqui é com o grau de auto-suficiência do Estado na sua própria proteção e na defesa de valores e interesses básicos. Quanto menos auto-suficiente for um Estado, mais vulnerável à invasão externa será e, nesse cenário, o conceito de fraqueza problematiza o nível de vulnerabilidade e de falta de auto-suficiência" (Persaud, 2001:14).

Em suma, não é o tamanho de um Estado que determina sua posição e seu papel na política internacional, mas sim sua força relativa. Em relação aos países do Terceiro Mundo, fraqueza é sinal de pobreza e subdesenvolvimento e, de acordo com Marshall Singer, pode ser entendida em dois sentidos:

"Primeiramente, é uma noção estritamente descritiva dos países do Terceiro Mundo e, mais especificamente, das recentes ex-colônias. Em segundo lugar, podem ser considerados Estados fracos aqueles que são psicologicamente dependentes de outro país no que diz respeito à sua identidade nacional" (apud idem:15).

Essa visão do Estado fraco é muito mais tradicional e relevante para as questões de segurança definidas em termos militares e territoriais, o que certamente faz sentido em um mundo de soberanias hierarquizadas. Mas também pode provocar equívocos se o poder relativo for confundido com a força do Estado, especialmente no pós-Guerra Fria5 5 . Um caso de Estado poderoso, mas não necessariamente forte,éoda Federação Russa. Historicamente, na Rússia, um Estado era considerado forte se fosse uma potência militar ou dzerjava - termo que data da era czarista adotado em circuitos nitidamente conservadores e banido por Lênin, para retornar no final dos anos 20. Fora de uso durante a perestroika de Gorbachev, ressurge em 1992 durante os debates parlamentares sobre o statusda Federação Russa e o rumo de sua política externa, até alcançar a utilização consensual dos termos "poder regional", "poder mundial" e "superpoder", conforme consta do documento oficial aprovado pelo presidente (Lewin, 2001; Derghoukassian, 2001). Contudo, os termos não são apresentados como indicadores da força do Estado, o que de fato é bastante duvidoso (Bagley, 2001). . Além disso, não é muito útil para a formulação da fragilidade do Estado cortesão. Como dito anteriormente, o Estado cortesão resolveu o dilema da segurança adotando a estratégia da "aliança incondicional", portanto, o medo de uma ameaça militar não é tão relevante. Observe-se, também, que a fraqueza do Estado cortesão torna-o vulnerável à invasão estrangeira, contudo, essa forma de invasão é perpetrada por atores não-estatais, como o crime organizado, que, por sua vez, corrompe a sociedade. Há, então, uma conexão inevitável de aspectos externos e internos entre a fraqueza do Estado, a corrupção da sociedade e a vulnerabilidade subseqüente, e é essa conexão a responsável pelo problema de segurança. Em outras palavras, a ameaça à segurança não é externa nem advém de um outro Estado mais potente, mas é interna e relacionada ao eventual colapso do Estado. No horizonte do Estado cortesão, o temor não é o da invasão, mas o de se tornar um Estado falido e cair na última categoria da escala de soberania, que é a soberania negativa.

A relação entre o Estado cortesão e a sociedade fraca leva a uma terceira forma, que não foi até o momento explorada, de entender a síndrome do Estado fraco. Como afirma Bagley, embora continue a ser definido em termos estruturais na política internacional, o Estado fraco agora remete primordialmente

"[...] à capacidade institucional do Estado, independente de sua forma, de penetrar na sociedade, dela extrair recursos e regulamentar seus conflitos internos. Especificamente, o termo refere-se à habilidade dos governantes de governar legitimamente, implementar sistematicamente a lei e efetivamente administrar a justiça em todo o território nacional" (Bagley, 2001).

Essa perspectiva explica o motivo pelo qual a "força" do Estado cortesão dura tão pouco, ou é mera ilusão, na medida em que, por um lado, esclarece a relação entre Estado e sociedade ao analisar as instituições que são, por definição, um conjunto de normas e leis que interconectam o Estado e a sociedade, e, por outro, mostra como o Estado, ainda formalmente autônomo, pode empregar eficazmente a "autonomia relacional", fortalecendo as instituições e reduzindo a vulnerabilidade do país às invasões externas. Enquanto se esperar que as instituições nos países desenvolvidos fracassem no desempenho eficiente de seu papel, o crescimento econômico por si só não garantirá a força do Estado. Principalmente, em condições de aumento da desigualdade de distribuição de renda, o crescimento econômico pode indicar um fracasso institucional deliberado, em benefício de maiores lucros para os grupos que se apropriaram do Estado e assumiram o papel cortesão.

Os homens poderosos6 6 . Devo o termo "homens poderosos" e seu contraponto, "homens de Estado", a Richard Giragosian, em nossas discussões sobre conflito, corrupção e fracasso do Estado no Cáucaso. no comando: pelo poder e pelo lucro. A despeito de a fraqueza do Estado estar profundamente relacionada com o processo de globalização da economia, ela também está condicionada ao impacto do papel que certos atores desempenham no processo de tomada de decisão política. Na mesma linha do pressuposto teórico que afirma a importância que tiveram os "tecnopolíticos" nas reformas neoliberais dos anos 90, o papel cortesão é assumido e desempenhado pela liderança política. Contudo, a diferença importante com essa linha de argumentação é que os líderes do Estado cortesão não venceram porque "adotaram estratégias e táticas que não são simplesmente pessoais ou idiossincráticas, mas também potencialmente aplicáveis de modo universal" (Domínguez, 1997:2). Não há comparação entre um "projeto político" de um Estado cortesão e o potencial de aplicação universal das reformas neoliberais. A única relação é que, historicamente, o surgimento do Estado cortesão está referido à globalização e à expansão do neoliberalismo, como consta do marco teórico de Mittelman e Johnston e como sugerem suas análises. Além disso, para muitos Estados cortesãos, implementar reformas neoliberais significou obter legitimidade internacional e, assim, dar a ilusão de fortalecer o Estado. Mas não necessariamente um Estado cortesão surgiu em todos os contextos em que as reformas neoliberais foram realizadas, o que nos leva a supor que, mantidas as outras variáveis, a questão dos "líderes no comando" faz toda diferença.

No pós-Guerra Fria, atribui-se maior importância teórica ao papel dos indivíduos na política e se considera sua influência freqüente e rotineira (Byman e Pollack, 2001:108). Revivendo a "Primeira Imagem" do clássico de Kenneth N. Waltz Homem, Estado e Guerra7 7 . Como se sabe, ela foi rejeitada por Waltz e seus discípulos, para quem a "Terceira Imagem" é a que mais bem explica a política internacional. ,a abordagem teórica do papel dos indivíduos na política internacional baseia-se no suposto de que "os indivíduos não apenas afetam as ações de seus próprios Estados, mas também influenciam as reações de outras nações, que devem responder às aspirações, poderes e ataques dos líderes estrangeiros" (idem:109), o que, aliás, se aplica também para os governantes do Estado cortesão. Entre as hipóteses do papel dos indivíduos nas relações internacionais, duas são especialmente adequadas ao Estado cortesão: a que afirma que "os indivíduos definem as intenções fundamentais e secundárias de um Estado" (idem:134); e a que sugere que "quanto mais o poder for concentrado nas mãos de um líder isolado, maior será a influência de sua personalidade e de suas escolhas" (idem:140). Em suma, quando se assume o papel cortesão, o objetivo não é "tecer o manto da história" (idem:145), mas o fim extremamente oportunista é obter poder e lucro. O papel cortesão não é desempenhado por "homens de Estado" - na medida em que uma dimensão ética é intrínseca à política -, mas sim por "homens poderosos" no governo de Estados fracos.

Pode-se argumentar que o poder e o lucro sempre caracterizaram em maior ou menor grau o comportamento e os objetivos dos atores políticos. No entanto, no contexto histórico específico da globalização, ambos adquirem um sentido que Cox atribui às três contradições da globalização. A primeira é a polarização social entre países e no interior de cada um.

"A estrutura social do mundo conforme à globalização tem a forma de uma tríplice hierarquia. No topo estão os povos integrados à economia global [...]. O segundo escalão inclui aqueles que servem à economia global em condições de trabalho precário [...]. O último grau na hierarquia é ocupado pelo trabalho supérfluo - aqueles excluídos da economia global e que contribuem apenas como forças potencialmente desestabilizadoras" (Cox, 1996:26).

A segunda contradição é a perda de autonomia do poder regulatório dos Estados: enquanto implementam as normas da economia global, reduzem-se seus poderes de proteção às economias domésticas contra os efeitos negativos da globalização. A terceira contradição é o aumento extraordinário, porém desigual, da tendência à desintegração da sociedade civil, que

"[...] se revela na fragmentação das forças sociais e no crescente distanciamento entre a base da sociedade e sua liderança política. Referências à 'classe política'implicam alienação em relação a povos e suas instituições políticas. Os políticos são tidos como uma categoria distinta de seres humanos, que servem a seus próprios interesses, provavelmente corruptos e incompetentes" (idem:27).

No entanto, o que é fundamental na globalizaçãoéofato de que "o consumo é o motor do capitalismo e o estímulo à demanda do consumidor é indispensável para a propagação do capitalismo" (idem:29).

A liderança de um Estado cortesão é o exemplo extremo de como "a sedução e o consumismo afastam o povo da oposição e o tornam cúmplice das forças globalizantes" (idem:30). Motivados pelo poder e pelo lucro, ávidos por garantir um lugar no cume da tríplice hierarquia da globalização, os poderosos do Estado cortesão talvez sejam a tradução mais perfeita do problema teórico que a socialização apresenta para a política.

"[...] ninguém até agora analisou satisfatoriamente os fundamentos da questão da socialização: como e por que os indivíduos influentes na política estatal utilizam o Estado como instrumento de seus interesses particulares, de maneira que o Estado seja adequado às normas que algumas autoridades autoconstituídas declararam ser válidas" (Keohane, 2000:115).

A "legitimidade" do Estado cortesão. Ao contrário do Estado pária e, em certa medida, também do Estado falido, o Estado cortesão não perdeu legitimidade na política internacional devido à sua submissão à ordem internacional do pós-Guerra Fria. Legitimidade "refere-se à crença normativa por parte de um ator de que a lei ou instituição deve ser obedecida. É uma qualidade subjetiva, relacional entre ator e instituição e definida pela percepção que o ator tem da instituição" (Hurd, 1999:381). No entanto, do ponto de vista teórico, a submissão não deixa de ter fundamentos básicos.

"Em primeiro lugar, o grau geral de submissão aos acordos internacionais não pode ser empiricamente observado. As nações, por um lado, tendem a cumprir os tratados internacionais e os desrespeitam quando é 'de seu interesse', não havendo fatos que o comprovem nem hipóteses que possam ser testadas, o que há são apenas suposições [...]. Em segundo lugar, os problemas de submissão, muitas vezes, não refletem a decisão deliberada de violar um acordo internacional com base no cálculo de interesses [...]. Em terceiro lugar, a forma do tratado em seu conjunto não precisa nem deve supor um padrão de completa submissão, mas sim um grau de obediência geral que seja 'aceitável' segundo os interesses e as preocupações que o acordo tem por objetivo salvaguardar" (Chayes e Handler Chayes, 1993:176).

Além disso, para a análise da relação entre obediência e legitimidade internacional nos Estados cortesãos, cabe ainda acrescentar algumas observações. Por exemplo,

"[...] a simples submissão com um objetivo determinado tanto pode expressar legitimidade como ser evidência de coerção ou interesse próprio. O diagnóstico de legitimidade requer uma metodologia que permita analisar as razões para um determinado comportamento e não apenas avaliar o comportamento em si" (Hurd, 1999:390).

A importância dada aos motivos conduz necessariamente ao questionamento das razões que levam os Estados a obedecer às leis internacionais.

"Não podemos basear-nos apenas nas explicações a posteriori dos líderes sobre suas próprias razões, já que é de se esperar que eles sejam influenciados por escolhas subjetivas em qualquer dos sentidos, seja para fazer o Estado parecer um bom cidadão internacional ou parecer um grande manipulador das oportunidades internacionais" (idem:391).

A globalização, como definida ao longo deste ensaio e como um entrelaçamento dos assuntos internos e das relações políticas e internacionais em um "jogo em dois níveis", tal qual enunciada por Putnam (1988), pode indicar a dinâmica da legitimidade no Estado cortesão. Contudo, é importante lembrar a perversão essencial do Estado weberiano pelos poderosos que dele se apropriam e desempenham o papel de cortesão. Nesse sentido, o jogo em dois níveis dificilmente revelará um "interesse nacional" autêntico, através das demandas internas que o Estado cortesão negocia internacionalmente. Ao contrário, o Estado cortesão faz uso da legitimidade internacional para manter o poder internamente e, no plano global, para imiscuir-se no mercado em benefício dos poderosos no governo. A legitimidade obtida internacionalmente, no entanto, dificilmente é internamente consolidada, embora o êxito econômico possa conferir algum grau de legitimidade, por algum tempo, particularmente quando o Estado cortesão surgir após uma grave crise social e econômica. Assim, seguindo o raciocínio de Seymour Martin Lipset.

"[...] a legitimidade e a tolerância florescem quando as pessoas se identificam com a pluralidade de grupos e princípios; essas pressões cruzadas moderam a intensidade dos interesses particulares e atenuam os conflitos sociais. O desenvolvimento econômico bem-sucedido também é fundamental para a legitimidade, pois gera um excedente que compensa injustiças e amortece a luta de classes em torno da distribuição de renda. Talvez ele seja a chave para entender a legitimidade democrática moderna: 'os fatores envolvidos na modernização ou no desenvolvimento econômico estão relacionados com aqueles que estabelecem a legitimidade e a tolerância'." (Connolly, 1984:11)

Em suma, a legitimidade que um Estado cortesão obtém internacionalmente é o resultado de sua submissão ao poder hegemônico, não apenas ao sabor da corrente, mas fundamentalmente corroborando a ordem hegemônica no sentido gramsciano. Logo, o Estado cortesão ganha legitimidade devido ao seu papel no projeto hegemônico intrínseco ao processo de globalização. Enquanto estiver cumprindo bem sua função, seu acesso ao mercado global será tolerado e serão admitidas até as transações ilícitas, desde que não prejudiquem ou contrariem a ordem hegemônica. (Não parece ser relevante que os privilegiados sejam os poderosos no governo, cujo papel cortesão enfraquece o Estado e o conduz a seu fracasso, aliás, isso parece ser tolerável.) No entanto, essa legitimidade internacional do Estado cortesão não é de modo algum uma segurança para a legitimidade interna. Se a recuperação econômica durante algum tempo garantir também a legitimidade interna para os homens do Estado cortesão, a disputa por poder e lucro própria do papel cortesão acabará por debilitar futuramente o Estado e, como resultado de sua incapacidade em responder à situação de crise, qualquer ação legitimadora será impossível de ser realizada.

4. Conclusão: as relações entre os Estados Unidos e a América Latina nos anos 90

Uma das razões pelas quais o Estado cortesão carece de interesse no que se refere a uma "securitização" bem-sucedida na política internacional foi sua inutilidade como fator de legitimação da globalização neoliberal e da ordem internacional hegemônica. Nos anos 90, na América Latina, mais do que em qualquer outro lugar, os homens poderosos do momento, considerados como reformistas-modelo, ou precursores da tendência liberalizante da economia mundial, foram apoiados pelas sucessivas administrações dos Estados Unidos.

"De acordo com um artigo muito favorável no Washington Post em 1991, entre os 'líderes reformistas 'latino-americanos estavam o ex-presidente argentino Carlos Saúl Menem, Carlos André Perez na Venezuela, Carlos Salinas no México, Fernando Collor de Mello no Brasil e Alberto Fujimori no Peru. Após uma década, um desses cinco reformistas aguerridos foi afastado por impeachment, três vivem no exterior acusados de corrupção e o último, Menem, é abertamente insultado como forte suspeito de ter saqueado o tesouro estatal argentino. Se a imprensa nos Estados Unidos não tivesse gentilmente revelado 'a dívida de curto prazo de milhões', talvez nada disso tivesse causado grande surpresa" (Silverstein, 2002).

A razão do entusiasmo oficial norte-americano para promover sucessivas reformas na América Latina acha-se, em grande parte, na adesão irrestrita por parte das elites latino-americanas às reformas neoliberais recomendadas pelo Consenso de Washington.

"A euforia das elites latino-americanas reflete nitidamente as idéias de Washington referentes às reformas regionais. Durante os anos 90, as administrações Clinton e Bush divulgaram incansavelmente a noção de que a América Latina se estava tornando um paraíso do livre-comércio e, eventualmente, o NAFTA reverteria em uma ampla área de livre mercado incluindo todo o hemisfério. Logo, toda a região, do Canadá à Argentina, pertenceria ao Primeiro Mundo" (idem).

Dez anos depois, o legado dessas elites é bem conhecido em toda a região: segundo dados do Banco Mundial, a pobreza aumentou cerca de 40% entre 1986 e 1991. Embora a corrupção não seja um indicador isolado do Estado cortesão, passa a ser uma variável relevante diante da comprovada relação entre algumas delas e o submundo, inclusive com a criminalidade. Do mesmo modo, pode-se supor que enquanto os governantes promoverem as reformas neoliberais e, em alguns casos, como na Argentina, alinharem-se declarada e automaticamente à política externa dos Estados Unidos, Washington não dará atenção às suas incursões esporádicas no mercado global, especialmente quando estas iniciativas, servindo aos seus interesses, forem também estratégicas para os Estados Unidos, como, por exemplo, a venda secreta de armas da Argentina para a Croácia que violou o embargo imposto pelas Nações Unidas durante os conflitos nos Bálcãs em 1991.

Conclusão

Formulo, a seguir, três considerações finais para um quadro teórico do Estado cortesão e sua relação com a segurança internacional. Em primeiro lugar, enquanto os Estados párias e os falidos são considerados uma ameaça ou uma fonte de instabilidade para a segurança global e são identificados com a questão da segurança na política internacional, o potencial de insegurança que o Estado cortesão representa é simplesmente ignorado ou subestimado. De fato, o problema de segurança torna-se explícito no Estado cortesão só após o fracasso do Estado propriamente dito; e, mesmo assim, o fracasso é considerado uma ameaça para o país, sendo visto como problema de responsabilidade interna cuja solução dispensa intervenção externa, a menos que gere conseqüências externas do tipo "efeito de demonstração" - expressão que passou a integrar o vocabulário oficial desde a crise da reforma econômica pós-neoliberal da Argentina em 2001 (Luzzani, 2002). Portanto, a questão é: por que razão o Estado cortesão representa um problema de segurança internacional?

Em segundo lugar, o quadro teórico do Estado cortesão foi historicamente contextualizado, segundo uma abordagem geral das perspectivas teóricas utilizadas neste ensaio e com base no fato de que no período da transição pós-Guerra Fria encontra-se a evidência empírica para a análise comparada do conceito de Estado - os Estados terroristas e falidos. A globalização foi entendida como um contexto estrutural geral, mas, na verdade, é um processo e, como tal, passível de mudança, como, aliás, evidências no fim do pós-Guerra Fria já apontavam seu caráter não-linear.

Portanto, a questão é: o Estado cortesão veio para ficar ou devemos analisá-lo como ascensão e queda de um fenômeno particular do fim do período de transição pós-Guerra Fria, de 1991 a 2001? Terceiro, em função da questão anterior, pergunta-se ainda: continuará a guerra contra o terrorismo - entendida como a Grande Estratégia de domínio hegemônico declarada pela administração Bush após o 11 de setembro - a ser um contexto sistêmico que deverá facilitar ou promover o Estado cortesão? Naturalmente, essas questões são todas interconectadas e destinadas a alimentar outras discussões sobre a política, não obstante não estejam presentes neste ensaio.

Para o objetivo de relacionar o fracasso do Estado com a segurança internacional e, assim, considerá-lo uma ameaça mais ampla e não circunscrita ao contexto interno, o argumento teórico mais relevante parece ser a crescente desigualdade como resultado da globalização, entre os Estados e no interior de cada um. Nos termos de Andrew Hurrell, o paradoxo da relação entre desigualdade e segurança no sistema estatal clássico reside no fato de a desigualdade ser considerada um fator de insegurança e, ao mesmo tempo, um elemento central para a administração da segurança internacional (Hurrell e Woods, 1999). Já não parece possível reconciliar essa velha agenda da política de poder com os muitos traços da política internacional pós-Guerra Fria, na medida em que a preocupação com as grandes guerras é substituída pelo temor das guerras civis, dos conflitos sociais internos, das disputas étnicas e dos subseqüentes desastres humanitários. "A desigualdade integra definitivamente a nova agenda dos estudos de segurança quando passa a responder a três questões fundamentais: segurança de quem? contra que tipos de ameaça? e protegida como?" (idem:259), respostas que levarão à expansão da agenda tradicional, restrita à ameaça militar ao Estado.

"No entanto, há poucos indícios de que, na ausência de outra ordem pública alternativa, a política sem o Estado represente uma opção capaz de conter ou eliminar a violência social. Ao contrário, em várias partes do mundo, a redução da capacidade do Estado de implementar a ordem legítima tem levado, por um lado, à privatização da violência, na medida em que vários grupos sociais cada vez mais podem mobilizar as forças armadas; e, por outro, à privatização da segurança, já que os grupos sociais buscam proteger-se, seja através do aumento da vigilância e da formação de grupos paramilitares, seja através da compra de segurança no interior de um mercado comercial em expansão. Nos lugares em que a segurança privada é mais visível, como na Rússia ou na Colômbia, os mais vulneráveis são os fracos e os pobres. Nesses casos, como em outros, o Estado certamente é parte do problema, mas é também, inevitavelmente, parte da solução" (idem:261).

Desse prisma, o Estado cortesão tem uma dupla importância para a segurança internacional: em primeiro lugar, em busca do lucro, os homens fortes do Estado cortesão interferem nos conflitos domésticos, nos quais a desigualdade é fator fundamental, e essa interferência não se baseia em nenhuma razão estratégica, logo, não importa qual a fonte do lucro. Vladimiro Montesinos, um dos homens fortes do regime de Fujimori no Peru, vendeu armas para as guerrilhas colombianas, enquanto o irmão do mexicano Salinas, outro homem poderoso, manteve vínculos estreitos com os traficantes de drogas. A busca do lucro agrava a desigualdade, por conseguinte, também os conflitos sociais de outros países. Em segundo lugar, o enriquecimento dos homens fortes do Estado cortesão também aumenta a desigualdade no interior de seu próprio país, conseqüentemente, exacerba sua própria vulnerabilidade, conduzindo o Estado, de modo quase inevitável, a fracassos e, finalmente, a seu colapso.

Até o momento, o Estado cortesão foi analisado no contexto do pós-Guerra Fria e da globalização nos anos 90, no entanto, é possível encontrar modelos de comportamento cortesão durante os 80. Por exemplo, enquanto o "narcoestado" boliviano poderia ser considerado um Estado pária prematuro, o general Noriega do Panamá é um protótipo de homem poderoso engajado no comportamento cortesão. Em razão da importância central do Panamá para os Estados Unidos, durante muito tempo, a corrupção do regime de Noriega não foi objeto de preocupação para Washington, embora seus vínculos com os traficantes colombianos fossem bem conhecidos. Só no final da década de 80, quando a guerra contra as drogas se torna questão prioritária de segurança, no lugar da luta contra o comunismo, Noriega cai em desgraçaeéafastado mediante intervenção militar.

De qualquer modo, os elementos teóricos de um marco para o Estado cortesão estão intimamente relacionados com o contexto histórico dos 90. Sem dúvida, o fim da Guerra Fria, o impacto da liberalização e a ascensão dos Estados Unidos como superpotência hegemônica mundial criaram condições especiais, e o comportamento cortesão é o resultado da exploração dessas condições. Logo, faz todo sentido perguntar se cabe afirmar que o Estado cortesão veio para ficar ou se seria mais adequado analisá-lo sob o ângulo de sua ascensão e queda. Por um lado, há evidências suficientes para asseverar que o comportamento cortesão já desestabilizou profundamente os Estados que o adotaram nos anos 90, e que a crise realmente indica um processo de fracasso e queda rumo à soberania negativa. Por outro, é difícil saber, no atual momento, se um papel cortesão ainda pode ser desempenhado com sucesso. O problema não reside apenas na busca de novos homens fortes que sejam capazes de assumir o mesmo modelo com êxito, mas inclui a escassez de recursos e o interesse de Washington em promover o comportamento cortesão. Além disso, se, como sugerem muitos analistas, a economia global entrou mesmo na etapa pós-Consenso de Washington, provavelmente, as condições estruturais para o desempenho do papel cortesão não seriam as mesmas.

De outra perspectiva, o legado do Estado cortesão, mais precisamente seu nível de corrupção, é tão profundo que, praticamente, criou um novo padrão de dependência. Apesar da ênfase na importância dos poderosos na determinação do comportamento cortesão, uma vez afastados do poder por qualquer razão, seus sucessores, que inicialmente prometem mudanças, acabam adotando o mesmo papel, embora o mais provável é que tenham menos êxito, levando-se em conta o nível de debilidade ainda mais acentuado do Estado que governam. Assim, justifica-se analisar um Estado e não meramente um governo cortesão. Mesmo sem dispor das facilidades dos poderosos para obter poder e lucro, os herdeiros do Estado cortesão, freqüentemente em desespero, não encontram alternativa que não seja prosseguir com o papel cortesão para salvar o Estado do fracasso. Novamente, a Argentina pós-Menem e o Peru pós-Fujimori são casos emblemáticos de continuidade do comportamento cortesão.

Qual seria então o impacto do 11 de setembro sobre o Estado cortesão? Levando-se em conta que, de fato, a guerra contra o terrorismo que a administração Bush declarou como objetivo de longo prazo, articulando a política interna e a externa de acordo com sua lógica e necessidade, tem elementos secundários relevantes, como a luta contra o crime organizado transnacional, será menos tolerável a intromissão no mercado global? Em outras palavras, haveria menos incentivos para os Estados adotarem um papel cortesão? O atrelamento dos Estados ao poder hegemônico poderia recuperar seu sentido mais estratégico e a segurança internacional poderia ser redefinida entre os eixos geopolíticos? Afinal, o 11 de setembro marcou o fim da transição do pós-Guerra Fria e a política externa dos Estados Unidos mudou radicalmente de uma perspectiva e de um compromisso multilateral com o mundo dos anos 90 para um unilateralismo publicamente declarado e constantemente testado?

No entanto, vários fatores indicam que o comportamento cortesão não é um fenômeno ultrapassado, sendo capaz de adaptar-se às novas circunstâncias. Primeiro, assim como Washington tornou o Estado pária mais uma vez o alvo da segurança e praticamente esqueceu o Estado falido, as chances de o Estado cortesão ter êxito em ser identificado com o problema da segurança são remotas. Se for mantida a negligência do poder hegemônico em reconhecer essa identidade, os incentivos serão orientados para a implementação do papel cortesão na estratégia dominante de Washington. Segue-se que o mercado global e seus elementos ilegais não desapareceram, ao contrário, o discurso do livre mercado é mantido e confirmado. Os critérios gerais para a ajuda externa são os "fracassos do governo" e não os "fracassos do mercado". Independente de seus limites e dificuldades, portanto, o fluxo de capital está condicionado à abertura da economia. Esse padrão, somado à fragilidade do Estado, criará novas oportunidades para a prosperidade da economia global ilícita, conseqüentemente, os incentivos ao lucro serão mais elevados. Em terceiro lugar, não importa quão unilateral seja seu engajamento militar no mundo, definido como as implicações da guerra para o terrorismo, os Estados Unidos necessitarão de ajuda. Assim, enquanto Washington continuar a negligenciar os Estados fracos e próximos do colapso, as instituições militares poderão se tornar os principais sujeitos da ajuda externa. Em países como a Colômbia e a Geórgia, a instituição militar poderá adotar um comportamento cortesão, já em outros Estados totalmente fracassados, os déspotas locais provavelmente assumirão esse papel. Em um cenário radical, portanto, a luta por poder e lucro continuaria, mas o papel cortesão seria cada vez mais assumido, igualmente, por atores estatais e não-estatais, que fossem capazes de definir sua utilidade em termos militares.

Notas

(Recebido para publicação em novembro de 2002)

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  • 1
    . O conceito de "era da globalização" é utilizado para caracterizar os resultados do pós-Guerra-Fria. Embora o 11 de setembro de 2001 registre o fim dramático do período do pós-Guerra Fria, acadêmicos como Bruce M. Bagley já adotaram a era da globalização como uma redefinição conceitual da política internacional depois do fim da bipolaridade.
  • 2
    . Uma explicação do que é uma análise conceitual é dada por David A. Baldwin, com base nos critérios estabelecidos por Felix E. Oppenheim: "A análise conceitual não se preocupa em testar hipóteses ou construir teorias, embora ela seja relevante para ambas. Pretende esclarecer o sentido dos conceitos. Há quem despreze esses pressupostos como 'mera questão semântica' ou 'simples logomaquia'. No entanto, sem conceitos claros, os acadêmicos não se entendem e os formuladores de política acabam considerando difícil avaliar as políticas alternativas." (Baldwin, 1997:6)
  • 3
    . "A definição precisa de securitização é dada pelo estabelecimento intersubjetivo de uma ameaça existencial com uma projeção suficiente para ter efeitos políticos substanciais. A securitização pode ser estudada diretamente: dispensa indicadores. A maneira de ajudar a definir a securitização é estudar o discurso e as constelações políticas, perguntando: 'quando um argumento, com esta retórica e estrutura semiótica singulares, consegue efeito suficiente para fazer com que um público tolere a violação das normas que, de outra maneira, teriam de ser obedecidas?'" (Buzan
    et alii, 1998:25).
  • 4
    . "Um complexo de segurança é definido como um conjunto de Estados cujas principais percepções e preocupações sobre a segurança são de tal maneira inter-relacionadas que não cabe analisar nem solucionar seus problemas nacionais de segurança isoladamente. A dinâmica e a estrutura de formação de um complexo de segurança têm origem nos Estados no interior desse complexo - a partir de suas percepções sobre a segurança de cada um e da interação entre eles" (Buzan
    et alii,1998:12). Esse clássico complexo de segurança pode ser aberto de duas maneiras: para outros setores, além do político-militar, e para outros atores, além do Estado. A abordagem dos "complexos homogêneos" considera que os complexos de segurança se concentram em setores específicos, enquanto a abordagem dos "complexos heterogêneos" "abandona o suposto de que os complexos de segurança são restritos a setores específicos e assume que a lógica regional pode integrar tipos diferentes de atores que interagem através de dois ou mais setores (por exemplo, Estados + nações + empresas + confederações, interagindo através dos setores políticos, econômicos e sociais)" (
    idem:16).
  • 5
    . Um caso de Estado poderoso, mas não necessariamente forte,éoda Federação Russa. Historicamente, na Rússia, um Estado era considerado forte se fosse uma potência militar ou
    dzerjava - termo que data da era czarista adotado em circuitos nitidamente conservadores e banido por Lênin, para retornar no final dos anos 20. Fora de uso durante a
    perestroika de Gorbachev, ressurge em 1992 durante os debates parlamentares sobre o
    statusda Federação Russa e o rumo de sua política externa, até alcançar a utilização consensual dos termos "poder regional", "poder mundial" e "superpoder", conforme consta do documento oficial aprovado pelo presidente (Lewin, 2001; Derghoukassian, 2001). Contudo, os termos não são apresentados como indicadores da força do Estado, o que de fato é bastante duvidoso (Bagley, 2001).
  • 6
    . Devo o termo "homens poderosos" e seu contraponto, "homens de Estado", a Richard Giragosian, em nossas discussões sobre conflito, corrupção e fracasso do Estado no Cáucaso.
  • 7
    . Como se sabe, ela foi rejeitada por Waltz e seus discípulos, para quem a "Terceira Imagem" é a que mais bem explica a política internacional.
  • *
    Trabalho apresentado na Convenção Anual da Associação de Estudos Internacionais, New Orleans, Louisiana, 24-27 de março de 2002. Este artigo deveria ter sido escrito com Cora Fernandez Anderson, lamentavelmente, porém, devido à crise econômica de 2001 na Argentina, a autora não pôde viajar para os Estados Unidos. Contudo, gostaria de agradecer-lhe o apoio oferecido na fase inicial da pesquisa que fizemos. Esta é também a primeira versão de minha futura tese de doutorado Associações Ilícitas na Política Econômica Global: Políticas, Lucros, o Estado Cortesão e o Tráfico de Armas no Pós-Guerra Fria. [Tradução de Ingrid Sarti:
  • **
    Ao longo do texto, o autor utiliza a sigla WOT (war on terrorism), cuja tradução seria GCT (guerra contra o terrorismo), porém preferi manter o texto por inteiro, sem a sigla [N.T.].
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Recebido
      Nov 2002
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