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Organizações internacionais: história e práticas

RESENHA

Organizações internacionais: história e práticas

Eduarda Passarelli Hamann

Doutoranda em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio)

Mônica Herz e Andrea Ribeiro Hoffmann. Rio de Janeiro, Elsevier, 2004, 268 páginas.

A origem das organizações internacionais contemporâneas remonta a meados do século XIX com a criação de mecanismos institucionalizados que facilitavam a cooperação técnica entre as potências européias da época. Ao longo do século XX, sobretudo nos períodos imediatamente posteriores às grandes guerras e à Guerra Fria, há o florescimento de diversas organizações internacionais, reorganizadas ou formalmente criadas a partir de acordos ou regimes das mais variadas áreas temáticas, da segurança à economia, passando ainda pela extensa área social.

Embora a história das organizações internacionais não seja recente, seu estudo enquanto fenômeno das relações internacionais só passa a ser realizado com mais vigor após o fim da Guerra Fria, salvo raras exceções. É nesse contexto histórico que é publicado o livro de Mônica Herz e Andrea Ribeiro Hoffmann, quando começa a ser possível sistematizar os avanços e retrocessos relativos a esse tipo de mecanismo de cooperação multilateral na arena política internacional.

Em termos formais, o livro é de indiscutível inovação em virtude de duas peculiaridades: por ser a primeira publicação no mercado editorial brasileiro que versa sobre organizações internacionais do ponto de vista da política internacional, e não do direito internacional público; e também por citar, ao fim de cada capítulo, uma lista com sites na internet como opção, além das referências bibliográficas tradicionais, para obtenção de mais informações.

Ainda sobre o aspecto formal, há outras características que valem ser mencionadas, apesar de não serem inéditas. Além de bastante atualizado, com menção a datas até o final do ano de 2004, a linguagem acessível consegue desmistificar a estrutura institucional e as atuações políticas de diversas organizações internacionais. No início de cada capítulo, há uma lista de tópicos com as questões-chave analisadas no decorrer da leitura. Ademais, os capítulos contêm ao menos uma tabela ou um quadro com informações concisas sobre conceitos e dados relevantes para a temática abordada.

Em termos substanciais, o livro é dividido por temas, e não por organizações, como freqüentemente são estruturadas as publicações estrangeiras do gênero. Apesar de não ser possível fragmentar a realidade da forma apresentada pelas autoras, dada a complexidade das relações sociais, a divisão temática facilita a compreensão da origem das organizações intergovernamentais. Tal divisão, aliada à ordem em que estão dispostos os capítulos, reafirma implicitamente que os Estados prevalecem como atores da política internacional, embora seja inegável a existência, a articulação e a relevância política de alguns novos atores. Assim, apesar do relativo grau de autonomia alcançado por determinadas organizações, os Estados definem quando e como irão criar ou transformar uma organização, permitindo a atuação da sociedade civil global em áreas onde não podem ou não desejam atuar.

Em linhas gerais, o livro convida o leitor a fazer um passeio pela teoria e a prática, que é a "expressão concreta do conceito" (:24). Dentro de cada área temática, as autoras apresentam as principais organizações em sua estrutura jurídica, com detalhes sobre a criação e o desenho institucional, e fornecem exemplos sobre sua atuação na política internacional. Também são explicitadas e analisadas as críticas mais relevantes e os desafios atualmente enfrentados por cada uma das organizações citadas, levando o leitor a crer que o subtítulo do livro deveria incluir "análises", e não apenas história e práticas.

No primeiro capítulo, as autoras definem as organizações internacionais e incluem não somente as intergovernamentais (OIGs), mas também as organizações não-governamentais internacionais (ONGIs). Segundo Herz e Hoffmann, o papel das mais relevantes organizações internacionais seria o de assegurar um certo grau de governança global, o que indica a apreciação da perspectiva teórica que percebe nas organizações a possibilidade de serem atores na arena internacional, ainda que com relativa autonomia. Contudo, tal apreciação não exclui da análise o tratamento de alguns desses mecanismos como instrumentos da política externa dos Estados.

A revisão da literatura acerca das organizações internacionais modernas está presente no segundo capítulo. Nele, é traçada a trajetória do estudo dessas instituições dentro das relações internacionais, ressaltando-se de que forma cada uma das principais perspectivas teóricas confere maior ou menor relevância a esse tipo de mecanismo. As autoras descrevem de maneira sucinta o realismo, o liberalismo, o funcionalismo, o neofuncionalismo, o marxismo, o cosmopolitismo e o construtivismo. Cada perspectiva é apresentada a partir de suas principais premissas e de seus autores mais relevantes (clássicos e atuais), e um pequeno, embora valorizado, espaço é destinado às críticas mais pertinentes.

Algumas das teorias analisadas oferecem contribuições explícitas para o avanço das discussões sobre as organizações. Uma intrigante contribuição vem de teorias como o realismo, as quais, embora não consigam explicar o papel das organizações, têm como função primordial a "constante contestação dos pressupostos das pesquisas" (:51) e, à sua maneira, chegam a oferecer um tipo de colaboração para o debate.

Apesar do nítido esforço, o segundo capítulo é complexo para aqueles que não tiveram nenhum contato com a teoria de relações internacionais, por causa da lógica inerente a essa disciplina. Ainda assim, é bastante útil por conter em um só capítulo as principais contribuições e críticas teóricas relativas ao estudo das organizações internacionais.

Nos capítulos seguintes, dá-se início ao tratamento das organizações a partir da divisão temática proposta pelas autoras. Discutem-se a segurança coletiva, global e regional e, em seguida, a cooperação funcional. Adiante, analisa-se a integração regional para então, no último capítulo, serem apresentadas as atividades da sociedade civil global organizada.

O terceiro capítulo aborda as partes teórica e prática de algumas organizações específicas de segurança coletiva, tema extremamente caro aos principais atores do sistema internacional. A primeira OIG com características modernas surgiu no início do século XX, a partir da necessidade de se formalizar os então existentes arranjos de segurança coletiva, de modo a evitar o conflito armado entre as potências da época. Nesse contexto, a Liga das Nações e, posteriormente, a Organização das Nações Unidas são apresentadas com suas histórias, seus princípios, seus órgãos e suas atuações de sucesso ou fracasso na área de segurança coletiva. As preocupações contemporâneas com a operacionalização do aparato de segurança coletiva também são ressaltadas, a indicar uma prática que é constantemente desafiada e remodelada pelos próprios Estados.

Enquanto conceito, o sistema de segurança coletiva passa por uma instigante análise que tem início na época da Liga das Nações, desenvolve-se no âmbito da ONU durante a Guerra Fria e alcança o contexto atual. Nesse momento, as autoras destacam novos temas que têm sido tratados no âmbito da segurança coletiva, tais como as operações de paz, a reconstrução pós-conflito e a intervenção humanitária. Herz e Hoffmann sugerem que se vá além disso, para incluir ainda questões relacionadas a potenciais ameaças ao meio ambiente e à saúde pública (:125).

No quarto capítulo, as autoras abordam a cooperação funcional entre os atores internacionais. Trata-se de um tema bastante amplo, que engloba questões cujos limites não são rigorosos. Para facilitar a compreensão e dar exemplos relevantes sobre a cooperação funcional dos Estados a partir das organizações, as autoras selecionam quatro temas: telecomunicações, saúde, comércio internacional e direitos humanos. Em cada um deles, uma OIG é escolhida a partir de sua relevância política e apresenta-se uma breve descrição sobre sua criação, órgãos e funções. Após relatar as principais atividades de cada OIG, as autoras resgatam algumas críticas de modo a promover o avanço teórico da subárea e a questionar o status quo político.

O quinto capítulo aborda a integração regional. Trata-se de um nível de interação entre os Estados e não propriamente uma área temática por meio da qual os atores cooperam, como a segurança coletiva e os tópicos da cooperação funcional. Nesse capítulo, são elencados como exemplos de integração regional a União Européia e o Mercosul. Cada organização é apresentada a partir de seu contexto histórico, sendo ainda mencionados os seus principais órgãos, suas funções e áreas de cooperação. Após a análise da cooperação intra-regional tanto na Europa como no Cone Sul, o capítulo chega ao fim com a comparação institucional e funcional de ambas as estruturas organizacionais, o que serve como o mais complexo exemplo atual de cooperação inter-regional.

A apresentação da sociedade civil global é feita no último capítulo. O questionamento da soberania estatal e da natureza do sistema internacional é inerente à definição de um ator que se apresenta formalmente por meio de ONGIs, redes transnacionais e movimentos sociais transnacionais, entre outros (:225). As ONGIs são apenas uma das várias possibilidades de organização da sociedade civil no plano internacional e, apesar disso, quando tratadas como um grupo único de atores, correspondem a um universo bastante diversificado. Podem variar, por exemplo, quanto ao tamanho, à localização da sede, à área de atuação e às estratégias implementadas para o desempenho de suas funções. Para ilustrar os traços comuns e, ao mesmo tempo, as diferenças entre elas, as autoras selecionam três ONGIs cuja atuação com relativa autonomia tem sido cada vez mais relevante na política internacional: a Cruz Vermelha, o Greenpeace Internacional e a Human Rights Watch. Seguindo o mesmo padrão das OIGs mencionadas nos capítulos precedentes, as autoras apresentam informações detalhadas sobre a criação, o desenho institucional e o papel desempenhado por cada uma delas, em suas respectivas áreas de atuação.

Não basta discorrer sobre a existência de OIGs e de ONGIs. É preciso traçar as formas de interação que podem existir entre esses atores, assim como as possíveis interações entre as organizações internacionais em geral com os Estados. Os atores interagem em complexas teias de relações sociais, ou seja, não é possível isolá-los ou retirá-los do contexto em que se inserem.

No sexto capítulo, assim como en passant no quarto, são abordadas questões como a relação que essas ONGIs têm com os principais órgãos das Nações Unidas e com os Estados, além da possibilidade de autonomia financeira perante seus doadores.

Ao longo de todo o texto, é minuciosa a análise de seis OIGs e três ONGIs. Outras tantas são citadas, seja como exemplo, seja nas tabelas ou quadros sugestivos de leituras complementares, embora só se tenha essa informação após a leitura do texto. O mesmo ocorre com algumas subáreas temáticas que não constam do quadro do início dos capítulos, embora sejam mencionadas ao longo do texto. Destarte, a elaboração de um índice remissivo para uma futura edição do livro seria de grande utilidade àqueles que pretendem adotá-lo como um manual das organizações internacionais modernas.

De fato, a forma, a didática e a simplicidade do texto conferem à obra o status de manual sobre a existência e a atuação das organizações na arena política internacional. Dentro de um mesmo tema, algumas questões são tratadas com profundidade, como a segurança coletiva global, embora outras sejam apenas brevemente mencionadas, como a segurança coletiva regional (:111). Em virtude de apresentar as informações em extensão e em profundidade, o livro é indicado tanto para alunos de graduação como de pós-graduação.

No Brasil, como já mencionado, essa é a primeira publicação referente às organizações cujo foco se dirige à área das relações internacionais, e não exclusivamente ao direito internacional público. Era de se esperar, portanto, que algum tipo de comentário ou espaço fosse destinado à inserção diplomática e/ou à participação política do Brasil no processo de criação e de tomada de decisão de algumas das OIGs analisadas. Sua relação com as ONGIs também poderia ter sido explorada, ainda que de forma sucinta, já que duas das três ONGIs analisadas têm sede no Brasil e a terceira implementa várias de suas atividades neste país. Tal inserção ampliaria ainda mais o público-alvo do livro para alcançar também os brasileiros em carreira diplomática e os que pretendem trabalhar com as ONGIs.

Por tudo o que aqui foi exposto, e a despeito das sugestões para as próximas edições, o livro é digno de apreciação tanto para acadêmicos de relações internacionais como para diplomatas e funcionários de OIGs ou ONGIs que pretendam ampliar seu conhecimento teórico e prático sobre as organizações internacionais a partir de uma perspectiva política.

Os temas são tratados com seriedade e entusiasmo, com a conjugação harmoniosa e permanente dos pontos e contrapontos das organizações e das perspectivas teóricas analisadas, sendo imperiosa a leitura desse novo manual também para o leigo interessado na atualidade das discussões.

Resenha recebida em abril e aceita para publicação em maio de 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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