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Taming the sovereigns

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RESENHA

Taming the sovereigns

Marcelo Valença

Mestrando em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio)

Kalevi J. Holsti. Cambridge, Cambridge University Press, 2005, 349 páginas.

Kalevi Holsti aborda em seu livro a questão das mudanças e transformações ocorridas na relação entre os Estados ao longo da história e como estas são percebidas pelos estudiosos das relações internacionais (RI). Por meio de uma análise empfrica bem elaborada, a obra aborda aspectos de um dos debates centrais da disciplina, que é a questão da mudança nas RI. Para o autor, pontos de ruptura e marcos históricos - que supostamente delimitariam o início de "novas eras" e práticas - são aclamados a todo instante, quando, na verdade, tais eventos não teriam a integralidade dos efeitos alegados. Esta abordagem sugere que a idéia de mudança envolve um processo contínuo na política internacional, mesmo que não implique em alterações decisivas na forma como o mundo é visto e entendido: o sistema internacional seria dotado de dinamicidade e esta não se mostraria apenas quando dos grandes eventos; ao contrario, seria percebida freqüntemente. O ataque de 11 de setembro, as grandes guerras e Westphália seriam pontos marcantes para as RI, mas as mudanças não ocorreriam somente em momentos como estes: a alteração da ordem faz parte de um processo contínuo.

A proposta de Holsti é fazer um estudo da estrutura institucional da política internacional por meio da análise contextualizada das instituições e dos arranjos dispostos que conduzem às relações mútuas entre os Estados. Para o autor, as bases da sociedade internacional de Estados começaram a se constituir no século XVII com o surgimento das instituições internacionais, mas foi apenas no período posterior às guerras napoleônicas que a sociedade foi formada, firmando-se definitivamente com o surgimento da Liga das Nações.

Para atingir seus objetivos, Holsti vai buscar padrões de mudança nas instituições internacionais - o Estado, o território, a soberania, o direito internacional, a diplomacia, o comércio internacional, o colonialismo e a guerra -, seja na direção da institucionalização, seja na sua erosão, comparando a sua relevância na política ao longo dos séculos. A opção por utilizar estes referenciais - que ajudam a compor a sociedade internacional de Hedley Bull (2002) - tem como finalidade estabelecer parâmetros "isentos" de comparação, pois as instituições internacionais estariam diretamente ligadas ao contexto histórico analisado, assumindo postura crítica perante a política internacional, fugindo assim de explicações determinísticas. Ademais, estas resistiriam a grandes eventos, como guerras e crises, tendo mais impacto na vida social do que muitas das inovações tecnoloógicas observadas, e assumindo papel central na vida social. Os critérios para perceber as mudanças e transformações seriam baseados nas práticas, idéias, crenças e normas empreendidas em cada uma destas instituições internacionais, que são analisadas e comparadas historicamente em um capítulo exclusivamente dedicado ao estudo das mudanças por elas sofridas.

É importante expor, inicialmente, que Kalevi Holsti vê como mudança a alteração dos componentes das instituições, por meio do acréscimo ou retirada de seus elementos, levando ao aumento ou redusão de sua complexidade. Tais alterações implicariam na obsolescência ou renovação destas instituições. Poderia implicar também na sua trasformação, isto é, alterações profundas nas estruturas da instituição internacional, fazendo com que as novas estruturas constituam verdadeiras antíteses daquelas anteriormente observadas. Haveria, assim, seis tipos de mudança: renovação ou substituição; acréscimo ou subtração; aumento ou diminuição de complexidade.

O livro pode ser dividido em duas partes. A primeira (do capítulo 2 ao 5) consiste na análise das instituições fundacionais - o território, a soberania e o direito internacional -, que permitiriam a qualquer estudioso perceber a existência de um sistema organizacional formado por Estados e distinto de outras formas de organização política, como impérios ou sistemas suseranos; as instituições são os componentes que formam o sistema internacional moderno. De acordo com o autor, elas não teriam passado por transformações, a não ser o esvaziamento do direito de conquista como atributo da soberania e como norma do direito internacional, perdendo, assim, legitimidade. O Estado, visto como ator1 1 . O Estado é visto como ator porque seria ele quem criaria e manteria as instituições existentes, enquanto seria uma instituição fundacional porque é parte integrante e formadora do sistema internacional. e instituição, justamente por este caráter duplo, representaria o maior desafio na exposição de Holsti, mas é classificado por ele, ao menos a priori, como instituição fundacional.

A segunda parte (do capítulo 6 ao 9) é formada pela análise das instituições procedimentais - diplomacia, comércio internacional, colonialismo e guerra - que constituiriam as práticas, normas e crenças repetidas ao longo do tempo e que são decorrentes da interação entre os diferentes atores internacionais em função dos princípios propostos pelas instituições fundacionais. As instituições procedimentais são importantes para se perceber as características essenciais do sistema internacional, mas possuem importância secundária se comparadas às instituições fundacionais. As instituições procedimentais também não teriam passado por transformações, exceto o colonialismo, que mais tarde se tornaria obsoleto. O conjunto de mudanças pelas quais as demais instituições deste tipo passaram levou o colonialismo a se tornar algo ultrapassado, mesmo que a sua estrutura não tenhá sofrido modificações: foram os efeitos combinados e decorrentes, por exemplo, de fatores econômicos associados a questões de soberania, como o princípio da autodeterminação dos povos, que o teriam levado a ser visto como ultrapassado. Assim, ainda que nenhuma alteração estrutural profunda - isto é, uma trasformação - tenhá acontecido, houve diversas mudanças que trouxeram às instituições internacionais novos elementos e/ou alterações em sua complexidade que afetaram a capacidade operacional do colonialismo. Tais efeitos, se por um lado não se mostraram capazes de decretar a sua extinção, por outro tornaram tal instituto demasiadamente oneroso, em custos políticos e econômicos, desencorajando a sua manutenção e instituindo seu desuso. Isto mostraria como os diversos mecanismos que compõem a ordem internacional estão inter-relacionados e como variações em um ou mais deles poderiam afetar os demais, ainda que tais mudanças não estejam diretamente ligadas.

O que podemos apreender de Taming the Sovereigns é a tentativa de promover uma releitura dos postulados da Escola Inglesa, especialmente do papel central ocupado pelas instituições constituintes da sociedade internacional de Estados, perante os desafios propostos à organização estatal neste início do século XXI, principalmente diante dos processos de globalização, questionando, a todo instante, conceitos centrais do Estado, como territorialidade e soberania.

Dentre as instituições fundacionais estudadas, o Estado é aquela que apresenta mais nuances, o que torna sua análise mais delicada: ao mesmo tempo que demonstra ter todas as características necessárias para que se configure uma instituição internacional, ele se mostraria como ator central da sociedade internacional criando, inclusive, as instituições. Enquanto estas seriam "estruturas de normas, regras e idéias que influênciariam o comportamento dos agentes" (:27)2 2 . Todas as citações foram traduzidas livremente pelo autor deste artigo. , os Estados seriam entidades soberanas que apresentariam continuidade temporal, delimitasão territorial, governo centralizado e limites de separação entre as idéias de público e privado, em uma forma natural de organização política.

As mudanças que o Estado sofreu desde Westphália implicaram no aumento de sua complexidade - como na ampliação de suas funções, antes restritas a taxação e ao exército para uma lista mais abrangente de funções, ampliando também o seu aparelho burocratico.

Holsti critica aqueles que pregam a obsolescência do Estado. A insistência na idéia de erosão de soberania ou permeabilidade das fronteiras constituiria um wishful thinkink dos acadêmicos que gostariam de ver o mundo se reduzindo, formando uma vila global: fora do exemplo europeu, háveria poucos sinais de que isto realmente estivesse ocorrendo. Como aponta Krasner (200I), algumas atividades ilícitas desafiariam o Estado, mas ainda assim teríamos a preponderância desta organização política.

Quanto às fronteiras, sua importância variou bastante ao longo do tempo, especialmente até o século XVI, quando os monarcas começaram a notar que a efetivasão de seu poder dependia de uma área onde este pudesse ser exercido, principalmente após a Guerra dos Trinta Anos: "Parte do jogo da soberania era definir precisamente onde a lei 'nacional' prevaleceria sobre a estrangeira e sobre regras locais e jurisdições" (:79). O território estava sujeito a alterações de tamanho em função de, mas não se limitando a, conquistas, participações e casamento dos regentes. A partir do século XVIII, o espaço tornou-se institucionalizado, com as normas de jurisdição territorial exclusiva sobrepondo-se às antigas, sustentando as mudanças rumo às práticas contemporâneas. Estas se referem não apenas à revisão do espaço, mas também a sua administração, com os Estados detendo os recursos para o controle dos fluxos através de suas fronteiras.

As fronteiras assumiram a função de demarcar a legitimidade de uma autoridade e da aplicação das suas leis, além de proteção contra a entrada de indivíduos e bens indesejados. Suas normas e regras desenvolveram-se conforme a capacidade dos Estados de controlar seus territórios e identificar a sua população. Diversos dispositivos acordados entre os Estados a partir de 1960 reforçavam a idéia de que o princípio do rebus sic stantibus3 3 . O princípio do rebus sic stantibus, segundo Holsti (:151), indica que o acontecimento de eventos ou o surgimento de novas condições que proporcionem alterações na forma como o sistema é organizado não pode ser alegado para reivindicar revisão arbitrária e sem o consentimento dos afetados no que diz respeito às fronteiras já consolidadas. Toda e qualquer modificação nas fronteiras dos Estados devem incluir, necessariamente, a aceitação dos envolvidos. não mais valeria. Com isso, o território estatal entraria em um processo de mutação, passando a ser visto como congelado e com as fronteiras assumindo valores sociais mais amplos do que aqueles vislumbrados séculos antes: o território teria passado por mudanças, mas ainda teria importância.

Holsti vê a soberania como uma instituição internacional constuída socialmente cuja prática é fundamentada pelo consenso dos Estados; seria, pois, o ponto no qual repousa a idéia da sociedade internacional de Estados, pois as demais instituições estariam relacionadas a ela de maneira inseparável. A soberania é dividida em dois componentes: normas e regras que constituem o Estado, definindo os atores do jogo político, e aquelas que regulam as relações entre os Estados, isto é, as regras do jogo. A preocupação de Holsti é trabalhár com as regras constituintes da soberania, ajudando a criar e manter os Estados, definindo e apontando os atores aptos a participar do debate político.

Ser considerado soberano consistiria em adquirir um status jurídico atribufdo pelos seus pares e que faz com que o Estado pertensa ao "clube". Diferentemente do que é defendido por Krasner (2001), o Estado depende deste status para ser soberano, não podendo ser declarado como tal apenas por possuir determinados atributos: sem o reconhecimento dos demais, o Estado seria apenas um ente político, como uma ONG, por exemplo.

Todas as tentativas de romper a idéia de soberania - e, conseqüentimente, a de Estado moderno e territorialidade - foram malsucedidas, contando com pronta reação da sociedade internacional. O que começou como uma maneira de reforçar o Estado perante o poder papal acabou se tornando uma forma naturalizada de organização política, mais completa que as já conhecidas, mesmo diante de constantes críticas (Osiander, 2001). Os processos de globalização acabaram por levá-la a um anacronismo: com o rompimento jurídico e prático desta idéia, a autoridade estatal distanciou-se do poder e da influência outrora exercidos. Mas a decisão final de participar do jogo político ainda pertence ao Estado. Este é, portanto, um conceito idealizado que não corresponde ao processo observado na prática, o que não significa que tenhá perdido a sua importância na política internacional contemporânea. Muitas de suas características originais foram-se com o tempo - como o direito de conquista -, mas o seu núcleo duro continua o mesmo, ainda que se percebam anomalias em seu corpo.

A ultima instituição fundacional analisada é o direito internacional. Este se mostraria fundamental para a ordem vigente, com diversos princípios mantendo-se, via de regra, intactos ao longo do tempo, com exceção dos direitos humanos, da organização dos Estados, das organizações internacionais, que ganháram complexidade, e do direito de conquista, abolido. Outros, como a soberania e a igualdade jurídica permanecem não apenas intactos, mas sustentando a sociedade internacional. Todas as leis são alteradas ao longo do tempo e com as normas internacionais não é diferente: há uma síntese que promove a renovação das regras, com princípios antigos se mesclando a novos para promover a trasformação da regra e torná-la mais adequada às demandas. Não houve trasformação do direito internacional, mas mudanças inerentes ao decurso, incluindo a obsolescência de parte dele.

Holsti expõe que certas normas são aplicáveis em relação a grupos distintos em diversos momentos históricos. Estas regras, essenciais, constituem um regime de coexistência dos Estados na sociedade. A aceitação delas, e sua trasformação em princípios, foi o primeiro passo rumo à institucionalização do direito internacional, juntamente com o consenso na forma de interpretá-las e o interesse dos Estados de mantê-las durante certo período de tempo. As normas e práticas internacionais reforçavam a idéia original de soberania como uma proteção dos Estados: atualmente, o conceito dirige-se às idéias de autodeterminação dos povos e de igualdade jurídica. O caráter constitutivo da soberania, como ressaltado anteriormente, acaba limitando aqueles que tentam negá-la, pois para se ter certos direitos seria preciso garantir os mesmos a outrem.

O entendimento da diplomacia como uma instituição internacional remonta ao século XIV, prolongando-se até Westphália. Sua origem estaria ligada com o surgimento de embaixadas permanentes nas cidades-Estados italianas e evoluiu até a exclusividade dos soberanos de enviar representantes diplomáticos4 4 . Esta inovação caracterizaria a continuidade das relações diplomáticas, algo que não existia anteriormente, como pode ser percebido nas relações existentes, por exemplo, entre as sociedades clássicas (Tucídides, I987), que enviavam representantes apenas quando hávia conflito de interesses. . No final do século XVII, a diplomacia já era entendida como um conjunto de práticas consentidas, constantes e regularizadas; a capacidade de manter embaixadas permanentes no estrangeiro era vista como atributo de soberania, pois indicava que o Estado que autorizava a abertura destas representações via o requerente como ator soberano. As normas preocupavam-se com a pessoa do embaixador, isto é, com quem poderia ocupar tal papel e quais direitos e garantias este teria. Um outro sinal de institucionalização da diplomacia foi a burocratização do processo diplomático, visando à sua padronização.

Durante o século XIX, não houve aumento na representasão diplomática, mas houve na sua profissionalização. A ascensão e escolha dos diplomatas pelo seu mérito passaram a ser a regra na maioria dos Estados. Apesar disso, pouco mudou nas funções tradicionais da diplomacia. Uma das mudanças foi a preocupação de se esgotar todos os métodos diplomáticos antes de se apelar à força. A entrada de novos agentes, como organizações não-governamentais (ONGs) e negociadores privados, tornou a prática diplomática mais complexa, mas não consistiu em nenhuma trasformação: os princípios cultivados desde o século XIV continuam em vigor, adequados ao período histórico vigente. Questionamentos e rupturas como aquelas propostas pela Revolusão Chinesa desafiaram as normas tradicionais, mas tiveram de ser revistas para que ocorressem os relacionamentos de Estados como a China com os demais da sociedade internacional.

Como apontam os críticos, o uso de comissões de representasão que não são compostas por agentes do corpo diplomático estatal seria um indicador de que a institucionalização deste instrumento estaria diminuindo: "[....] há diversas organizações políticas que não são Estados soberanos que atuam em atividade diplomática" (:202). Outras críticas vêm da violasão sistemática das normas de condução da diplomacia, além do surgimento de novas tecnologias, juntamente com o rápido crescimento das relações transnacionais, que superariam o uso das vias de comúnicação diplomática. Holsti defende não a trasformação das relações diplomáticas, mas o aumento da complexidade de tais relações diante da sua democratização. A atuação ad hoc dos mediadores não-oficiais não provoca trasformação do instituto, mas complementa a atuação dos Estados, aumentando a sua efetividade.

No comércio internacional, especialmente durante o período das grandes navegações, existia um sistema anárquico, quase hobbesiano, fugindo do domínio da sociedade. Os Estados atuavam conforme seus próprios interesses, sem considerar vantagens comparativas ou princípios regulatórios, ainda que houvesse tratados de cooperação. A preocupação maior era de adquirir colônias para poder se aferir lucros com a sua exploração: "[....] a idéia de que o comércio poderia ser desenvolvido por vias pacíficas existia, mas a possibilidade de este trazer benéficos mútuos estava além do pensamento mercantilista" (:2I7).

O desenvolvimento do pensamento liberal de Adam Smith e David Ricardo levou à mudança no pensamento econômico. Houve assim uma adequação destes novos princípios as práticas outrora existentes, especialmente durante o século XIX. A grande depressão econômica de 1929 promoveu um novo conjunto de mudanças. Hodiernamente, o surgimento de instituições como a Organização Mundial do Comércio garantiu um nível considerável de institucionalização, por meio de práticas e normas que romperam com o estado de natureza outrora existente. Ainda que estas normas não cubram todas as possibilidades, deixam claras as intenções de regulamentação. As idéias tiveram papel importante nestas transformações, mas não podem ser vistas como únicas responsáveis: houve mudança de práticas na área, permitindo a maior recepção destas, especialmente porque a possibilidade de ganhos mútuos passou a ser considerada pelos agentes envolvidos. As condições criadas permitiram a institucionalização, mas não há indicadores de que estas mudanças se mantenham diante das adversidades, como aquelas experimentadas com as guerras do século XX e a crise de 1929. A institucionalização existe e é maior do que a percebida em outras épocas, mas não provocou transformações no campo econômico.

O colonialismo é uma exceção entre todas as instituições analisadas, fundacionais ou procedimentais: apenas este se tornou obsoleto. A formação de colônias ajudou no estabelecimento econômico e territorial dos Estados modernos, estabelecendo padrões de seguransa e garantindo os recursos para a centralização do poder. Cada potência impunha seu próprio modelo de colonização de acordo com os seus interesses e os domínios coloniais eram mais ou menos respeitados conforme se dava a relação entre os europeus. As colônias eram reforços para todas as outras instituições internacionais; mas, uma vez consolidadas estas instituições, o colonialismo perdeu sua força. E isto não ocorreu no pós-Segunda Guerra Mundial, como é corrente afirmar: as bases que sustentaram esta prática se iniciaram no século XIX, com as colônias americanas, mas a grande onda de descolonização ocorreu a partir da segunda metade da década de 1940.

A Organização das Nações Unidas (ONU) trouxe sistemas de administração das ex-colônias para que estas pudessem passar pelo período de transição até se tornarem Estados livres. A distribuição de seus territórios deixou de ser um espólio para os vencedores dos conflitos, além de não fazer mais parte do conjunto de identidade das grandes potências: as suas indepedências eram apenas questão de tempo. A obsolescência das colônias, portanto, não foi algo que simplesmente ocorreu, mas parte de um processo cultivado ao longo dos últimos séculos, com as guerras do século XX atuando como um catalisador destas mudanças. O colonialismo tornou-se obsoleto não apenas pela questão da soberania, mas também pelos seus custos econômicos, inviáveis e insustentáveis.

A guerra, finalmente, é a forma primária de interação entre atores políticos independentes ao longo da história. Ela era travada entre as entidades políticas e não entre seus cidadãos: com a derrota de um dos lados, os enfrentamentos encerravam-se e as baixas entre os soldados também, impedindo que a violência se alastrasse. As idéias de Clausewitz lastreavam tal postura, com a diplomacia complementando o uso da força. A guerra era institucionalizada na medida em que as práticas e comportamentos eram padronizados pelos diferentes exércitos, seja na organização hierárquica, seja no tratamento dado, por exemplo, a prisioneiros de guerra, formando uma etiqueta da mesma. Estas idéias possibilitaram a formação de distinções entre combatentes e não-combatentes, combatentes e neutros, governo e exército e entre guerra e paz.

Durante o século XX, houve mudanças no formato que os confrontos assumiram, deixando de ser uma prerrogativa de entidades soberanas para se tornar um instrumento utilizado também por grupos privados; a proliferasão de milícias privadas é um sinal deste novo tempo, remontando aos mercenários da Guerra dos Cem Anos. Não mais importava reduzir as forças inimigas, mas causar o máximo de destruição possível. As condições socioeconômicas dos novos Estados ajudaram a explicar em parte esta quebra de institucionalização: por se tratar de confronto entre grupos políticos dentro do mesmo espaço territorial, uma das táticas adotadas era a de caracterizar o inimigo como um ser inferior, provocando medo e aumentando o número de baixas adversarias. Mas o sinal mais flagrante da quebra da institucionalização da guerra foi o fim da separação entre paz e guerra: se antes esta era declarada, demarcando claramente seu começo, tal prática não mais existe, sendo um processo que culmina no confronto entre as partes.

Por outro lado, a utilização de novas tecnologias pareceu levar a guerra novamente em direção à sua institucionalização: a idéia de guerras cirúrgicas, com o alvo milimetricamente definido ajudaria a reduzir a destruição causada, levando, novamente, aos ideais clausewitzianos. A Guerra do Golfo, em 1991, e do Kosovo, em 1999, seriam exemplos desta mudança. Mas, em outras regiões do globo, os novos conflitos continuam a existir, levando ao massacre de populações inteiras. Assim, ocorre um paradoxo no que diz respeito à percepsão da guerra como uma instituição, pois, dependendo da regiao observada, teríamos diferentes mudanças. Poderíamos identificar três tendências para a guerra: a sua obsolescência, tal como pregada pela carta da ONU; a sua "re-institucionalização", com a utilização das armas "inteligentes"; e a quebra da institucionalização, nas formas assumidas pelas novas guerras.

Com a análise das instituições trabalhadas no livro, Holsti conclui que a única mudança mais profunda ocorreu com o colonialismo, que se tornou obsoleto. Isto levou ao esvaziamento da idéia de conquista, tanto como um pressuposto da soberania estatal, quanto na sua forma de norma internacional. As demais instituições internacionais passaram por mudanças, mas por meio de processos que as tornaram mais complexas e adequadas às necessidades exigidas pelo sistema, sejam em função do surgimento de novos atores internacionais, sejam pelos desafios propostos pelos fluxos de globalização.

Holsti procura mostrar que a sociedade internacional é dinâmica e a mudança é uma realidade que não se limita apenas a eventos marcantes e que, na visão de muitos, marcariam o início de uma nova era. A formatação das instituições internacionais às exigências impostas pela sociedade internacional implica, além da inter-relação entre os institutos, o aumento da complexidade de suas formas, tornando-as mais adequadas à vida social e política.

Notas

Resenha recebida em agosto e aprovada para publicação em outubro de 2005.

  • BULL, Hedley. (2002), A Sociedade Anárquica São Paulo/Brasília, IPRI/Imprensa Oficial de São Paulo/Editora da UnB.
  • KRASNER, Stephen. (2001), "Abiding Sovereignty". International Political Review, vol.22, nş 3, pp.229-251.
  • OSIANDER, Andreas. (2001), "Sovereignty, International Relations, and the Westphalian Myth". International Organization, vol.55, nş 2, pp.251-287.
  • TUCÍDIDES. (I987), História da Guerra do Peloponeso São Paulo/Brasília, IPRI/Imprensa Oficial de São Paulo/Editora da UnB.
  • 1
    . O Estado é visto como ator porque seria ele quem criaria e manteria as instituições existentes, enquanto seria uma instituição fundacional porque é parte integrante e formadora do sistema internacional.
  • 2
    . Todas as citações foram traduzidas livremente pelo autor deste artigo.
  • 3
    . O princípio do
    rebus sic stantibus, segundo Holsti (:151), indica que o acontecimento de eventos ou o surgimento de novas condições que proporcionem alterações na forma como o sistema é organizado não pode ser alegado para reivindicar revisão arbitrária e sem o consentimento dos afetados no que diz respeito às fronteiras já consolidadas. Toda e qualquer modificação nas fronteiras dos Estados devem incluir, necessariamente, a aceitação dos envolvidos.
  • 4
    . Esta inovação caracterizaria a continuidade das relações diplomáticas, algo que não existia anteriormente, como pode ser percebido nas relações existentes, por exemplo, entre as sociedades clássicas (Tucídides, I987), que enviavam representantes apenas quando hávia conflito de interesses.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
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