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Dom Quixote reencontra Sancho Pança: relações internacionais e direito internacional antes, durante e depois da Guerra Fria

Don Quixote meets Sancho Panza again: international relations and international law before, during and after the Cold War

Resumos

Este artigo aborda a relação histórica entre as disciplinas acadêmicas de Relações Internacionais e do Direito Internacional a fim de proporcionar compreensão mais acurada acerca do atual debate interdisciplinar. Dessa forma, concepções convencionais sobre as principais teorias de Relações Internacionais - realismo e liberalismo - são discutidas, sendo estas teorias apresentadas sob novo enfoque. O liberalismo é concebido no contexto da convergência observada entre os estudiosos da política internacional e os juristas internacionais até o desenvolvimento de uma visão cética no campo do Direito Internacional, que é responsável pela criação do realismo em Relações Internacionais. O debate interdisciplinar pós-Guerra Fria é abordado por meio de três teorias distintas: institucionalismo, liberalismo e construtivismo. Argumenta-se que o construtivismo oferece maiores oportunidades para cooperação mais profunda entre estudiosos da política internacional e juristas internacionais. Isso se deve às conexões entre o construtivismo e a teoria crítica, o que permite unir construtivistas e teóricos legais críticos em uma Agenda Crítica para Relações Internacionais e Direito Internacional neste começo do século XXI.

Relações Internacionais; Direito Internacional; Liberalismo; Realismo; Construtivismo; Teoria Crítica


This article deals with the relation between the academic disciplines of International Relations and International Law in a historical perspective, so that an accurate comprehension of the current interdisciplinary debate can be brought to the fore. Thus, conventional conceptions about the main theories of International Relations - realism and liberalism - are discussed, and those theories are presented in a new light. Liberalism is conceived in the context of the convergence of international politics scholars and international lawyers until the development of a skeptical view in the field of International Law, which is responsible for the creation of realism in International Relations. The post-Cold War interdisciplinary debate is focused through three distinct theories: institutionalism, liberalism and constructivism. We argue that constructivism is more able to develop a deeper cooperation between international politics scholars and international lawyers. That is due to the connections between constructivism and critical theory, what allows joining constructivists and critical legal theorists in a Critical Agenda for International Relations and International Law in this beginning of the Twentieth-First Century.

International Relations; International Law; Liberalism; Realism; Constructivism; Critical Theory


Dom Quixote reencontra Sancho Pança - relações internacionais e direito internacional antes, durante e depois da Guerra Fria* * Artigo baseado em dissertação de Mestrado homônima, aprovada pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio) em março de 2005.

Don Quixote meets Sancho Panza again - international relations and international law before, during and after the Cold War

Igor Abdalla Medina de Souza

Mestre em Relações Internacionais pelo IRI/PUC-Rio e professor do IRI/PUC-Rio

RESUMO

Este artigo aborda a relação histórica entre as disciplinas acadêmicas de Relações Internacionais e do Direito Internacional a fim de proporcionar compreensão mais acurada acerca do atual debate interdisciplinar. Dessa forma, concepções convencionais sobre as principais teorias de Relações Internacionais - realismo e liberalismo - são discutidas, sendo estas teorias apresentadas sob novo enfoque. O liberalismo é concebido no contexto da convergência observada entre os estudiosos da política internacional e os juristas internacionais até o desenvolvimento de uma visão cética no campo do Direito Internacional, que é responsável pela criação do realismo em Relações Internacionais. O debate interdisciplinar pós-Guerra Fria é abordado por meio de três teorias distintas: institucionalismo, liberalismo e construtivismo. Argumenta-se que o construtivismo oferece maiores oportunidades para cooperação mais profunda entre estudiosos da política internacional e juristas internacionais. Isso se deve às conexões entre o construtivismo e a teoria crítica, o que permite unir construtivistas e teóricos legais críticos em uma Agenda Crítica para Relações Internacionais e Direito Internacional neste começo do século XXI.

Palavras-chave: Relações Internacionais - Direito Internacional - Liberalismo - Realismo - Construtivismo - Teoria Crítica

ABSTRACT

This article deals with the relation between the academic disciplines of International Relations and International Law in a historical perspective, so that an accurate comprehension of the current interdisciplinary debate can be brought to the fore. Thus, conventional conceptions about the main theories of International Relations - realism and liberalism - are discussed, and those theories are presented in a new light. Liberalism is conceived in the context of the convergence of international politics scholars and international lawyers until the development of a skeptical view in the field of International Law, which is responsible for the creation of realism in International Relations. The post-Cold War interdisciplinary debate is focused through three distinct theories: institutionalism, liberalism and constructivism. We argue that constructivism is more able to develop a deeper cooperation between international politics scholars and international lawyers. That is due to the connections between constructivism and critical theory, what allows joining constructivists and critical legal theorists in a Critical Agenda for International Relations and International Law in this beginning of the Twentieth-First Century.

Key words: International Relations - International Law - Liberalism - Realism - Constructivism - Critical Theory

Introdução

Este artigo objetiva analisar a relação entre as disciplinas de Relações Internacionais1 1 . O termo "Relações Internacionais" refere-se à disciplina propriamente dita, enquanto o termo "relações internacionais" se refere ao seu objeto de estudo. e Direito Internacional2 2 . O termo "Direito Internacional" refere-se tanto à disciplina quanto ao conjunto do Direito objetivo. Esta indistinção é motivada pela consideração de que o termo "direito" se refere ao direito subjetivo correspondente a determinado dever jurídico. em perspectiva histórica, com o intuito de melhor interpretar a reaproximação observada entre as mesmas ao final da Guerra Fria. Como afirmou Friedrich Kratochwil (2001:15):

"Precisamente porque a distinção de Carr entre 'realismo'e 'idealismo' tem logrado tanto sucesso em servir de suporte a certos compromissos substantivos, ela estabeleceu as bases para que 'realismo' e 'legalismo' informassem Relações Internacionais e Direito Internacional no que se refere às suas próprias compreensões enquanto disciplinas. Desconstruir esta história disciplinar é, portanto, um dos primeiros passos na direção de uma análise teórica mais frutífera da política internacional e do Direito Internacional".

A análise em perspectiva histórica é necessária para evitar que o estudo da reaproximação observada entre Relações Internacionais e Direito Internacional no pós-Guerra Fria seja um mero subproduto estigmatizado das concepções mais arraigadas entre os teóricos da política internacional, entre elas, principalmente, a divisão da literatura de Relações Internacionais entre as correntes "realista" e "idealista".

Os personagens criados por Miguel de Cervantes são metáforas que representam a forma como as disciplinas de Relações Internacionais e Direito Internacional são concebidas na historiografia dos estudos que têm por objeto o ambiente internacional. Desde o "Primeiro Grande Debate" da disciplina de Relações Internacionais, as alcunhas de "idealista" e "realista" acompanham, respectivamente, as disciplinas do Direito Internacional e de Relações Internacionais.

Nesses termos, o idealismo característico de Dom Quixote representa o Direito Internacional, mais particularmente a interpretação dada à sua vertente liberal, enquanto o pragmatismo de Sancho Pança se relaciona à concepção convencional do realismo na disciplina de Relações Internacionais. Como aqueles dois personagens, Relações Internacionais e Direito Internacional opõem-se e complementam-se em um típico movimento dialético. Assim como Miguel de Cervantes utiliza esses dois personagens para desmistificar as anti-gas histórias medievais de cavaleiros, o estudo da relação entre Relações Internacionais e Direito Internacional serve de mote para a desmistificaçãoearevisão crítica da historiografia de Relações Internacionais.

O termo reaproximação pressupõe logicamente um período inicial de aproximação seguido de um período de afastamento. Nesse sentido, a proximidade inicial remontaria ao período de formação das duas disciplinas, no final do século XIX e início do século XX, estendendo-se até o colapso da Liga das Nações e a eclosão da Segunda Grande Guerra. O afastamento corresponde ao período da Guerra Fria, quando houve um distanciamento entre Relações Internacionais e Direito Internacional. Finalmente, após o término do período em que a bipolaridade foi a tônica da política internacional, as duas disciplinas engendraram um movimento de reaproximação.

A reaproximação entre Relações Internacionais e Direito Internacional será analisada com base em três teorias, criadas a partir da colaboração entre teóricos da política internacional e juristas internacionais: institucionalismo, liberalismo e construtivismo. Argumenta-se que há um diálogo de crescente profundidade na ordem em que estas teorias são apresentadas. Não se argumenta que estas três teorias seguem uma ordem cronológica, mas sim que, tomadas em separado e na ordem apresentada, representam um diálogo cada vez mais profundo entre os teóricos das duas disciplinas. Não há nesta hipótese uma noção teleológica de progresso no tempo.

O restante do artigo organiza-se da forma que se segue. A segunda parte analisa o período inicial de convergência das disciplinas em torno das premissas liberais. Abordando-se, em primeiro lugar, o período de criação das disciplinas, faz-se uma revisão do liberalismo em Relações Internacionais e interpreta-se criticamente o "Primeiro Grande Debate" desta disciplina. A terceira parte concentra-se sobre o afastamento entre Relações Internacionais e Direito Internacional. De início, expõe-se a visão cética desenvolvida no campo do Direito Internacional, passando-se à articulação entre esse ceticismo e a criação do realismo na disciplina de Relações Internacionais; posteriormente, aborda-se a relativização da proposta realista, que a fez caminhar na direção da Escola Inglesa de Relações Internacionais; em seguida, expõe-se o ápice do afastamento entre as disciplinas, resultado da confluência entre o behaviorismo no estudo da política internacional e a "decadência" do Direito Internacional. Na quarta seção, discorre-se sobre a reaproximação observada após o final da Guerra Fria, sendo analisadas as teorias institucionalista, liberal e construtivista. Finalmente, conclui-se o artigo, apresentando prospectos para as disciplinas neste início do século XXI.

O Início das Disciplinas de Relações Internacionais e Direito Internacional - A Proximidade Deturpada pelo "Primeiro Grande Debate"

No início, o Estado. A formação das disciplinas do Direito Internacional e de Relações Internacionais é mais bem compreendida por meio da análise do conceito de Estado desenvolvido na segunda metade do século XIX, resultado de desdobramentos intelectuais ocorridos no âmbito da então embrionária Ciência Política. Desde os seus primeiros anos até a passagem para o século XX, a Ciência Política assistiu à construção de uma visão ortodoxa do Estado, expressa na formulação jurídica clássica segundo a qual a soberania consistia na autoridade suprema sobre uma comunidade política definida territorialmente3 3 . Ao redor desta concepção do Estado, situaram-se teóricos como Gettell (1910) e Willoughby (1896) (Schmidt, 1998:79). . A noção de soberania era o móbil que unia o conceito jurídico do Estado à descrição do objeto de estudo da política internacional e das normas jurídicas internacionais. A referida definição impunha conseqüências categóricas para as incipientes disciplinas de Relações Internacionais e Direito Internacional (Schmidt, 1998:79).

Para o estudo das relações internacionais, a noção jurídica do Estado impunha ontologia caracterizada pela multiplicidade de unidades independentes entre si, sem a presença de um comando central, o que as colocava em situação análoga à dos indivíduos no "estado de natureza" hobbesiano. Com efeito, desde então, a "analogia doméstica", criada no rastro da concepção jurídica do Estado, tornou-se uma das concepções mais freqüentemente associadas ao ambiente internacional.

Para o Direito Internacional, a concepção jurídica do Estado impunha um questionamento acerca do caráter jurídico das normas vigentes entre os Estados soberanos. A formulação mais célebre nesse sentido foi desenvolvida por John Austin, para quem o Direito Internacional não possuía os caracteres jurídicos essenciais, posto que suas normas não eram emanadas de um poder soberano.

A contestação, pelos juristas internacionais, da doutrina propugnada por Austin e seus adeptos abriu as portas para a construção de uma ontologia que liberava as disciplinas de Relações Internacionais e Direito Internacional das severas amarras impostas pela ortodoxa concepção jurídica do Estado, esta última resultado de poderosa confluência entre hegelianismo, darwinismo, nacionalismo romântico e positivismo no final do século XIX e início do século XX. Nesses termos, os juristas internacionais abriram o caminho para o estudo genuíno das relações entre os Estados, conforme atesta Brian Schmidt (idem:123): "De 1900 até a eclosão da Primeira Grande Guerra, em 1914, a área do Direito Internacional dominou o estudo e a análise das relações internacionais".

Seguindo essa perspectiva, determinados eventos levados a cabo no período, como as Conferências de Haia de 1899 e 1907 e a fundação da American Society of International Law, em 1906, com a conseqüente criação do periódico American Journal of International Law (AJIL), ilustram a íntima relação entre as proposições dos juristas internacionais e a formação de um ambiente para o estudo das relações internacionais de forma desvinculada do conceito jurídico ortodoxo do Estado.

As contestações à doutrina de Austin, objeto principal das edições inaugurais do primeiro jornal de língua inglesa destinado exclusivamente ao Direito Internacional, acabaram por representar, nas palavras de Francis Boyle (1985:23), "o evento mais importante no desenvolvimento de uma abordagem positivista jurídica para as relações internacionais nos Estados Unidos", abordagem esta que era "intencionalmente desvinculada das respectivas abordagens feitas pelos proponentes da teoria do Direito natural e dos cientistas políticos" (Schmidt, 1998:102).

Nesse contexto, surgiram duas formas de teorização sobre o ambiente internacional. De um lado, Stephen Leacock (1906) e Paul Reinsch (1909; 1911) - concentrando-se sobre as uniões públicas internacionais, os embriões das organizações internacionais do século XX - advogavam a tese de que os níveis de interdependência entre os Estados soberanos contrariavam empiricamente a concepção ontológica que primava pela multiplicidade de unidades independentes: estavam lançadas as bases do perene debate que opõe independência e interdependência como traço caracterizador das relações entre as unidades que compõem o sistema internacional (Schmidt, 1998:84). De outro lado, observou-se um movimento público para a reforma da prática internacional com base no primado do Direito, sendo as raízes desse movimento intrinsecamente ligadas à própria criação do Direito Internacional.

Com efeito, Martti Koskenniemi (2002) apresenta os termos em que se deu a criação da profissão de jurista internacional ao final do século XIX. Historicamente, o uso e a prática do Direito Internacional ficaram a cargo de um amplo espectro de profissionais, entre embaixadores, representantes diplomáticos das mais diversas categorias, monarcas, ministros, generais, marinheiros etc. Ocorre que estas pessoas, apesar de envolvidas no uso e prática do Direito Internacional, não concebiam a si mesmas como juristas internacionais, sendo o conhecimento da matéria um dos atributos requeridos para o pleno exercício de suas funções. Mesmo Henry Wheaton, autor do laureado Elements of International Law: With a Sketch of the History of the Science (1836), era diplomata e repórter do Direito (Simpson, 2002:996).

Seguindo Koskenniemi (2002), é possível argumentar que, apenas no final do século XIX, a profissão de jurista internacional afirmou-se como um grupo de pessoas que concebem a si mesmas como pertencentes a um nicho profissional específico e distinto dos demais, unidas por sua disposição em expor, desenvolver e envolver-se na consecução prática de um corpo de conhecimento que é considerado minimamente coeso. Os ideais sustentados pelos responsáveis pela formação da profissão de jurista internacional - jovens juristas como Gustave Rolin-Jaequemyns, Tobias Asser e John Westlake - são descritos por Koskenniemi (idem:13) com base na expressão l'esprit d'internationalité, "um novo espírito que ensinava as nações e raças a seguirem certos princípios comuns não apenas em suas relações mútuas, mas também em suas legislações domésticas". Institucionalmente, os referidos juristas participaram da fundação da Association Internationale pour le Progrès des Sciences Sociales, em 1862, e acabaram por criar, em 1868, o primeiro jornal de Direito Internacional-a Revue de Droit International et Legislation Comparée4 4 . O jornal tornou-se um órgão do Institute de Droit International após a criação deste, em 1873. .

O conteúdo exato dos ideais que motivaram os pioneiros da disciplina acadêmica do Direito Internacional deve ser apreendido a partir da distinção entre a expressão de língua francesa internationalité e a expressão de língua inglesa internationalism:

"O conceito de internationalité foi além do conceito de internationalism, que significava um processo de crescente cooperação e desenvolvimento de interesses comuns entre Estados, processo este que era guiado por uma maior interdependência entre os últimos. O primeiro conceito também significava a humanização das políticas nacionais e o desenvolvimento de um espírito liberal" (ibidem).

O conceito de internationalism associa-se a uma forma de pensar que pode ser identificada com o pensamento de Hugo Grocius, convencionalmente considerado o "pai do Direito Internacional" e fonte basilar da proposta de Direito entre os Estados, a qual vigorou durante séculos na Europa. Característica dessa concepção do Direito Internacional é o respeito à soberania dos Estados, acompanhado do reconhecimento de que os mesmos podem cooperar a partir da existência de certos interesses comuns.

A pedra de toque da descrição feita por Koskenniemi (idem) da formação do Direito Internacional consiste precisamente no argumento de que a disciplina acadêmica destinada ao estudo do Direito entre os Estados somente adquiriu traços próprios e distintos das demais atividades profissionais relacionadas ao ambiente internacional quando as idéias grocianas foram substituídas por uma proposta de reforma mais profunda da prática entre os Estados a partir de princípios liberais, entre eles o primado do Direito.

Com efeito, "nenhum dos homens por detrás da Revue comungava da tradição de Grocius, ou da escola do Direito Público Europeu, que dominou os escritos em Direito Internacional desde Vattel até meados do século XIX" (idem:17). A associação comum entre os primórdios da disciplina de Direito Internacional e o pensamento grociano dá lugar à constatação de que subsistia um verniz kantiano na mente dos homens responsáveis pela consolidação do estudo do Direito entre os Estados como disciplina acadêmica autônoma.

A distinção entre o pensamento grociano e o pensamento kantiano, implícita na apreensão exata do significado dos termos internationalism e internationalité, remonta à divisão do conhecimento em teoria internacional levada a cabo por Martin Wight (1991), divisão esta que é particularmente familiar aos estudantes de Relações Internacionais. Wight (idem) dividiu o pensamento em teoria internacional em três tradições: realismo, racionalismo e revolucionismo.

Apesar das diversas críticas de que é passível tal caracterização, deve ser resguardado a Wight o mérito de ter compreendido a diferenciação entre o grocianismo e o kantianismo; Grocius e Kant encabeçam, respectivamente, as tradições racionalista e revolucionista. Tal diferenciação coincide, por sua vez, com as supramencionadas vertentes sobre o pensamento internacionalista até a Segunda Grande Guerra; grosso modo, os teóricos que argumentavam haver maior interdependência e cooperação entre os Estados eram informados por uma descrição grociana da realidade internacional, ao passo que aqueles que propugnavam uma reforma mais profunda da prática internacional se associavam a uma proposta kantiana para a relação entre os Estados. Os grocianos tendem a enfatizar a cooperação intergovernamental típica das organizações internacionais, enquanto os kantianos tendem à ênfase cosmopolita, realçando a prevalência de uma civitasmaxima sobre a sociedade formada pelos Estados nacionais.

A despeito das patentes diferenças entre essas correntes, a concepção de Edward Carr (1939), segundo a qual o pensamento em Relações Internacionais teria sido marcado pelo "idealismo" ou "utopismo" nos anos posteriores à Primeira Grande Guerra, arraigou-se profundamente no imaginário dos teóricos envolvidos com a disciplina. Dessa forma, estudos sobremaneira distintos, como a análise das organizações internacionais e a proposta de reforma do sistema internacional sobre bases liberais, foram unidos sob a égide de uma alcunha unitária, que, em nome de uma onipresente dicotomia, opõe "idealistas" e "realistas".

A indistinção entre grocianos e liberais no período entreguerras, reunidos sob a alcunha quase pejorativa de "idealistas", é pródiga em conseqüências no desenvolvimento posterior da disciplina de Relações Internacionais. Deve-se a ela, em grande medida, a incapacidade dos teóricos da disciplina em diferenciar as teorias institucionalista e liberal no pós-Guerra Fria, disso resultando a distorcida nomenclatura "institucionalismo neoliberal", que, à moda da denominação de "idealistas", reúne orientações teóricas sobremaneira distintas.

Neste último caso, uma vez mais é possível recorrer à distinção entre as orientações teóricas grociana e kantiana para diferenciar institucionalistas de liberais: os primeiros, como o próprio nome indica, enfocam as instituições internacionais a partir de uma análise estado-cêntrica, sendo os Estados atores que cooperam movidos pelo auto-interesse; os últimos, também denominados neokantianos, valem-se do vínculo fundamental apontado por Kant entre a organização política interna dos Estados e os resultados observados na política internacional para discriminar os Estados liberais dos Estados não-liberais em termos de comportamento na esfera internacional.

Basicamente, a partir da conversão de liberais e grocianos do entreguerras em "idealistas", seguiu-se uma notável negligência com relação aos estudos das organizações internacionais no período posterior à Primeira Grande Guerra; o liberalismo, por sua vez, a partir de sua associação à experiência fracassada da Liga das Nações, foi deturpado a ponto de constituir uma defesa ingênua das organizações internacionais e do Direito Internacional como forma de substituir a política de poder. Levando-se em consideração os efeitos das proposições liberais do entreguerras sobre o imaginário dos teóricos de Relações Internacionaiseofato deo realismo ter surgido, nessa disciplina, como resposta àquelas proposições, nos ateremos em maior profundidade ao projeto de reforma da prática internacional capitaneado pelo presidente norte-americano Thomas Woodrow Wilson.

Wilson, Kant e o liberalismo em Relações Internacionais

O liberalismo no entreguerras encontra-se intrinsecamente ligado às propostas do presidente norte-americano Woodrow Wilson para a reforma da prática internacional. Em poucas palavras, a doutrina proposta por Wilson associava um forte componente moral à crença na resolução racional para os conflitos, a partir da difusão do modelo das democracias liberais e da adesão das nações a princípios como o primado do Direito.

A crença na resolução racional dos conflitos e a defesa da reforma do sistema internacional com base no primado do Direito explicam em grande medida os pontos que tornam o pensamento wilsoniano em Relações Internacionais sobremaneira afinado às proposições dos teóricos pioneiros do Direito Internacional enquanto disciplina acadêmica, uma vez que ambos comungavam, em geral, das premissas liberais. As propostas de Wilson pressupunham o Direito como móbil para a consecução da paz internacional, motivo pelo qual alguns teóricos, como Fred Halliday (1994:10), denominaram essa teoria de "paz por meio do Direito".

Ao término da Primeira Grande Guerra, a proposta de Wilson para a formação da Liga das Nações acabou por se tornar o epicentro das deturpações sofridas pelo liberalismo wilsoniano ao longo da história da disciplina de Relações Internacionais, a começar pelo enquadramento da Liga das Nações como a apoteose do pensamento "idealista", em oposição ao pensamento "realista". Como afirmou Walter McDougall (1997:124), "as dicotomias familiares entre velha e nova diplomacia, isolacionismo e internacionalismo e idealismo e realismo distorcem a nossa imagem do debate acerca da Liga das Nações".

A Liga das Nações foi concebida por Wilson como um concerto entre os países democráticos, que fariam valer o primado do Direito no sistema internacional, resolvendo as controvérsias de forma racional, o que, em última instância, aboliria os conflitos militares internacionais. Nesses termos, a receita para a paz contida na proposta da Liga das Nações representava, como afirmou John Ikenberry (2001:117),

"[...] uma organização mundial das democracias operando a partir de regras e obrigações mais fortes. As grandes potências ainda formariam o núcleo dessa comunidade democrática, mas a balança de poder seria substituída por mecanismos mais jurídicos e regrados de administração do poder e resolução de conflitos".

Wilson estava ciente de que a prevalência das democracias liberais entre a virtual totalidade das grandes potências era condição necessária para o sucesso da Liga das Nações; ele acreditava, à época, que o sistema internacional estava em vias de atingir essa condição: "em 1919, os principais Estados vencedores eram democráticos pela primeira vez na história" (idem:118). A crença do arquiteto da Liga das Nações ganhou mais substância à medida que se constatou que a Primeira Grande Guerra teve um efeito devastador sobre os impérios europeus; os impérios germânico, russo, turco-otomano e austro-húngaro foram levados a termo até o final do conflito iniciado em 1914.

Ocorre que os eventos posteriores na Europa se opuseram à previsão de Wilson de que governos democráticos se espalhariam pelo continente; vários países moveram-se de governos democráticos para ditaduras. No caso específico da Alemanha, este movimento se deu em grande parte em virtude da inobservância da proposição de Wilson segundo a qual deveria haver moderação nas punições impostas ao país, tendo sido bastante difundido à época o seu bordão por "uma paz sem vencedores".

Nas palavras de Andrew Moravcsik (1997:546): "Dada a teoria subjacente à proposta de Wilson, causa surpresa que a Liga tenha tornado-se moribunda em 1936, após doze países europeus terem substituído democracias por ditaduras?". Nesse contexto, deixou de existir uma condição sinequanon para o sucesso da Liga das Nações, motivo pelo qual não surpreende, de fato, o seu fracasso. Deve-se refutar, contudo, a associação freqüentemente feita entre o fracasso da Liga das Nações e a falsificação do liberalismo: o fracasso da Liga é plenamente explicável e previsível a partir das premissas que suportaram as ações de Woodrow Wilson, que, por diversas vezes, afirmou ser a existência de governos democráticos entre as grandes potências uma condição essencial para a eficácia da organização.

A plena compreensão do conteúdo da teoria liberal em Relações Internacionais e o seu enquadramento em um contexto filosófico mais amplo e denso trazem à baila o papel exercido pelo pensamento de Immanuel Kant no estudo da política internacional. Em poucas palavras, a teoria liberal em Relações Internacionais deve a Kant o arcabouço filosófico que lhe serve de matriz; sendo Woodrow Wilson um historiador e teórico político refinado, é impossível mensurar a influência do pensamento kantiano sobre o presidente norte-americano. Salta aos olhos, contudo, o enquadramento do pensamento de Wilson nas linhas mestras do complexo sistema filosófico de Kant. Em termos gerais, ambos comungam do papel central concedido à moral e da crença no potencial da razão humana; especificamente, em termos de política internacional, há uma patente convergência em torno da tese central do liberalismo, segundo a qual a organização jurídico-política interna dos Estados determina os resultados produzidos no sistema internacional.

Além disso, princípios como o primado do Direito e a autodeterminação dos povos fecham o círculo das premissas principais que selam a convergência entre Wilson e Kant. Em última instância, o pensamento de Wilson pressupõe o sistema filosófico kantiano, uma vez que a própria noção de moral, por exemplo, fundamental para a doutrina wilsoniana, somente adquire conteúdo a partir da teoria moral do filósofo alemão, basilar para o pensamento ocidental nos últimos dois séculos. Assim como Wilson, Kant era um defensor sincero e caloroso das ações morais.

O texto de Kant que mais influência exerceu sobre o estudo das relações entre os Estados foi Esboço Filosófico: À Paz Perpétua, que, escrito na esteira da Paz de Basiléia, celebrada entre França e Prússia, imitou ironicamente a forma dos tratados de paz da época. Diversas concepções presentes nesse trabalho revelam o pioneirismo de Kant como pensador internacionalista. Segundo Celso Mello (2002:475), foi o primeiro texto no qual se encontra expressamente o princípio da não-intervenção; também se encontram nesse escrito a noção de autodeterminação dos povos e a concepção de que o Homem, sendo um fim em si mesmo, é sujeito de direitos, o que abre as portas para as discussões relativas aos direitos humanos.

O primeiro artigo definitivo para a pazperpétua assim dispõe: "A constituição deve ser, em todo Estado, republicana" (Kant, 1879:63). A república kantiana é definida com base na separação entre os Poderes Executivo e Legislativo, sendo equivalente à noção de democracia liberal nos tempos atuais. O estabelecimento da democracia liberal para Kant era um imperativo moral, pois ela conjuga o autogoverno e a liberdade dos indivíduos; além disso, a democracia liberal é inerentemente pacífica. A liberdade associada à constituição republicana e o seu caráter pacífico são decorrentes do fato de o indivíduo agir, na república, com base em leis que ele próprio consentiu segundo um desejo racional de que elas se tornassem universais.

Kant formula, com o primeiro artigo definitivo, a pedra angular da teoria liberal na disciplina de Relações Internacionais, a saber, o argumento de que a estrutura jurídico-política de um Estado mantém relação intrínseca com o seu comportamento externo; atribui-se à organização interna dos Estados a fonte dos resultados produzidos na política internacional. Uma vez que na república kantiana o consentimento dos indivíduos é considerado na consecução das medidas públicas, o ingresso em conflitos torna-se menos factível, posto que condicionado à anuência daqueles que arcam com os seus custos. Nas contundentes palavras de Kant expostas no trecho mais citado do ensaio sobre a paz perpétua:

"Na constituição republicana, deve aparecer necessariamente o consentimento dos cidadãos para declarar a guerra. Nada mais natural, portanto, já que eles devem sofrer as conseqüências da guerra - os combates, as despesas, a devastação, o peso desolador da dívida pública, que passa para os tempos de paz -, que pensem muito e vacilem antes de decidirem-se a um jogo tão arriscado. Por outro lado, numa constituição em que o súdito não é cidadão, numa constituição não-republicana, a guerra é a coisa mais simples do mundo. O chefe do Estado não é um concidadão, mas um senhor; e a guerra não perturba nada no seu sistema de vida faustosa, que decorre em banquetes, caçadas e nas estadias em castelos prazenteiros. A guerra, para ele, é uma espécie de diversão: pode declará-la pelos mais leves motivos, ordenando imediatamente que o corpo diplomático - sempre tão disposto - cubra as aparências e encontre uma justificação plausível" (idem:51).

Wilson diferia de Kant somente na medida em que propunha uma agenda mais radical e intervencionista, em detrimento da proposição pioneira de Kant acerca do princípio da não-intervenção. Kant acreditava que o estabelecimento das democracias liberais aconteceria de forma autônoma, à medida que os indivíduos progredissem no exercício da razão; Wilson era mais propenso a utilizar a força para, de certa forma, acelerar a história. A fundamentação para a necessidade de radicalizar a agenda liberal é expressa em uma afirmação que assombra pela acuidade com que Wilson percebeu as sementes da Segunda Grande Guerra, um conflito ainda bem mais violento do que aquele iniciado em 1914:

"O liberalismo precisa ser mais liberal do que nunca, ele deve ser até radical para a civilização escapar da hecatombe... Eu não hesito em dizer que a guerra na qual acabamos de nos envolver, apesar de ter sido marcada por toda a sorte de terror, não pode ser comparada à guerra que enfrentaremos da próxima vez" (apud Mcnamara e Blight, 2001:168).

O "primeiro grande debate": deturpações na esteira da obra Vinte Anos de Crise

Se, tendo em vista o panorama dos estudos internacionais desde 1900, é extremamente difícil defender o argumento de que a obra de E. H. Carr intitulada Vinte Anos de Crise (1939) constitui o texto fundador da disciplina de Relações Internacionais, mais difícil ainda é fugir da constatação de que a divisão proposta pelo historiador inglês entre "idealismo" e "realismo" acabou por mostrar-se notavelmente perene a ponto de, até os dias de hoje, envolver a historiografia convencional de Relações Internacionais e habitar o imaginário dos estudiosos da disciplina. Nos últimos anos, entretanto, críticas contundentes têm sido desferidas às concepções de "idealismo" e "realismo" sustentadas por Carr5 5 . As críticas à concepção de "realismo" de Carr serão expostas na próxima seção. .

Como observou Peter Wilson (1998:10), Carr não expõe de forma analítica as principais proposições da corrente "idealista"; ao invés disso, constrói um conjunto frouxo de asserções que, freqüentemente acompanhadas de inferências e insinuações, demonstrariam os defeitos da referida corrente de pensamento. Em última instância, a explicação de Carr acerca do "idealismo" é indissociável de sua crítica desta corrente, sendo o "idealismo" definido a partir dos seus defeitos.

Nesse contexto, torna-se compreensível a deturpação sofrida pelo liberalismo na disciplina de Relações Internacionais. A ênfase dos liberais na organização jurídico-política interna dos Estados como fator determinante para os resultados observados na política internacional foi substituída - a partir da concepção do "idealismo" de Carr e da concentração deste sobre o fracasso da Liga das Nações - pela crença na possibilidade de as organizações internacionais e o Direito Internacional banirem, de forma autônoma, a política de poder do sistema internacional.

O Afastamento entre as Disciplinas - Ceticismo, Realismo, Escola Inglesa e Behaviorismo

Após o colapso da Liga das Nações e a eclosão da Segunda Grande Guerra, observou-se um período de "decadência" do Direito Internacional (Koskenniemi, 2002), enquanto a disciplina de Relações Internacionais assistia à criação do paradigma realista como resposta à escola liberal da "paz por meio do Direito" do período entreguerras.

A "decadência" do Direito Internacional deveu-se à prevalência, entre os teóricos desta disciplina, de uma visão extremamente cética quanto ao seu escopo de atuação e à sua aplicabilidade. Este ceticismo estava lastreado em uma concepção assimétrica da relação entre política e Direito, o que acabava por restringir sobremaneira o potencial do Direito Internacional em influenciar o comportamento dos atores internacionais.

O realismo em Relações Internacionais contrapunha-se à perspectiva kantiana presente nesta disciplina até os eventos mencionados na abertura deste artigo. Em resposta à proposta de difundir o modelo da democracia liberal e subsumir a política internacional em um arcabouço normativo racionalmente concebido, o realismo pregava que a natureza humana trazia a irracionalidade ao centro da política internacional.

A "decadência" do Direito Internacional e a criação do realismo em Relações Internacionais, longe de constituírem processos isolados, foram partes de um só e mesmo movimento. Tal proposição pode ser apresentada a partir da trajetória intelectual de Hans Morgenthau, o maior expoente do ceticismo no Direito Internacional (Koskenniemi, 1989:167-170) e o pai fundador da escola realista na disciplina de Relações Internacionais.

O Ceticismo no Direito Internacional

Em 1929, a tese de doutorado de Morgenthau para a Faculdade de Direito da Universidade de Frankfurt versava sobre os limites das funções judicial e arbitral em âmbito internacional6 6 . O título traduzido para o português era A Função Judicial Internacional. Natureza e Limites. , tema recorrente entre os teóricos de Direito Internacional da época. Como pano de fun-do ao tema da dissertação, havia uma incipiente tentativa de lidar com a relação entre Direito e política no cenário internacional. Basicamente, as fragilidades do Direito Internacional eram explicadas com base em sua relação com a política internacional (Koskenniemi, 2002).

Morgenthau argumentava que não fazia sentido conceber os assuntos internacionais a partir da oposição entre as questões "legais" e as questões "políticas", em virtude de uma concepção particular do político: este não possuía substância fixa, apresentando-se como uma qualidadeque aderia a qualquer objeto (idem:441). Assim, nenhum objeto estaria essencialmente livre de se tornar político. O político poderia estar em todos os objetos, bem como em objeto algum; tudo poderia ser e nada era necessariamente político. Como afirmou Morgenthau (apud Frei, 2001:124):

"A noção do político não é definida de forma rígida em seu conteúdo, sendo uma qualidade específica, uma coloração que pode aderir a diversos conteúdos. Uma questão que tem caráter político hoje pode perder toda a sua significância política amanhã, enquanto uma questão de significância mínima pode converter-se em uma questão política extremamente importante do dia para noite".

Dessa forma, o político somente pode ser oposto pelo não-político, mas o não-político é potencialmente político. Além disso, quando o político entra em cena, não há que se falar em resolução jurídica para o conflito, pois o próprio Direito positivo é posto em questão. Disso resulta um escopo reduzido para a atuação do Direito Internacional: o objeto por este regulado poderia politizar-se a qualquer momento, fugindo do escopo das normas jurídicas internacionais.

O teor das críticas formuladas por Morgenthau à perspectiva liberal, que uniu teóricos do Direito Internacional e de Relações Internacionais no entreguerras, pode ser compreendido por meio do contundente artigo escrito pelo então professor-assistente de Direito e Ciência Política da Universidade de Kansas para o periódico da Sociedade Norte-Americana de Direito Internacional, The American Journal of International Law, em 1940. Sob diversos aspectos, a crítica severa de Morgenthau aos liberais aponta claramente para as linhas mestras que comporiam a crítica realista aos teóricos liberais daquele período. Primeiramente, Morgenthau (1940) aborda a falta de correspondência entre os postulados do Direito Internacionaleaevidência empírica disponibilizada pelo estudo da história, proferindo uma crítica incisiva aos teóricos movidos por formulações apriori ditadas pela razão:

"Todos os esquemas e instrumentos que humanitaristas e políticos astutos engendraram para reorganizar as relações entre os Estados na base do Direito não suportam o julgamento da história. Ao invés de perguntarem se os seus instrumentos são adequados para os problemas que eles se propõem a resolver, a atitude geral dos internacionalistas foi considerar a adequação dos seus instrumentos como dada e culpar os fatos pelo fracasso. Quando os fatos se mostram contrários às suas previsões, eles parecem dizer: 'problema dos fatos'" (idem:260).

Morgenthau criticava a falta de uma espécie de mecanismo de feedback entre os teóricos de Direito Internacionale a e vidência empírica fornecida pela história. A noção de que a história deve funcionar como "mestra", da qual se deveriam extrair ensinamentos, evitaria a insistência dos teóricos do Direito Internacional da época em criar uma nova instituição tal qual a Liga das Nações, realizar uma terceira Conferência de Haia, defender a arbitragem como forma de litígio dos conflitos políticos e levar a cabo outra Conferência para o Desarmamento.

Tais insistências faziam com que os juristas internacionais "se assemelhassem aos feiticeiros das idades primitivas, em suas tentativas de exorcizar demônios sociais por meio de uma incansável repetição de fórmulas mágicas" (ibidem). Segundo Morgenthau (ibidem), o descompasso entre os postulados dos teóricos de Direito Internacional e a realidade deveu-se à prevalência do positivismo jurídico nessa disciplina, às expensas do fato de tal perspectiva ter sido desacreditada nas outras esferas do pensamento jurídico durante as primeiras décadas do século XX.

Ainda para Morgenthau, o positivismo jurídico era demasiado formalista. A validade de uma determinada regra internacional era respondida pelo positivista com base em elementos internos ao procedimento legal. O critério de validade defendido por Morgenthau funcionava com base em fatos observáveis; nesse sentido, ele questionava a validade de instrumentos legais como o Pacto da Liga das Nações, o Pacto Briand-Kellogg e os Tratados de Paz de 1919.

O célebre artigo de 1940 acabou por representar um libelo antiformalista, declarando a necessidade de maior interdisciplinaridade no estudo do Direito Internacional. Morgenthau apresentou proposta de reforma que ele denominou de "ciência funcionalista" do Direito Internacional, que tencionava produzir proposições sobre o Direito a partir de estudos puramente sociológicos. Morgenthau, contudo, nunca desenvolveu tal "ciência funcionalista", o que é compreensível dado o seu ceticismo quanto ao papel do Direito Internacional. Em vez de avançar a proposta reformista, ele acabou por tornar-se o pai fundador do realismo na disciplina de Relações Internacionais.

O realismo em Relações Internacionais

O paradigma realista na disciplina de Relações Internacionais emergiu em um contexto de conflito entre duas formas distintas de teorização no âmbito das ciências sociais. Os teóricos que emigraram da Alemanha em virtude da ascensão do regime nazista encontraram, ao atravessar o Atlântico, um ambiente intelectual sobremaneira distinto daquele observado no velho continente àquela época.

De um lado, a tradição acadêmica norte-americana, que se pautava pelo que Reinhold Niebuhr (1984:164; Frei, 2001:186) classificou como "otimismo histórico", isto é, a crença na razão como solução de todos os problemas e chave para a compreensão dos seres humanos e do mundo. Stanley Hoffmann (1991:33) caracteriza essa tradição a partir da "busca pela certeza", do "desejo de calcular o incalculável" e da "cruzada pela substituição das discussões sobre os motivos pelas discussões acerca de dados objetivos".

De outro lado, a tradição germânica de pensamento em ciências sociais enfoca elementos como teoria e história, mostrando-se cética - desde Nietzsche - quanto ao papel da razão7 7 . A presença do irracional no pensamento alemão, na verdade, deita as suas raízes além de Nietzsche, estendendo-se aos românticos alemães, sobretudo Schelling; contudo, Nietzsche representou influência prepoderante, ligando-se de forma mais imediata e fundamental a teóricos como Max Weber, Carl Schmitt e Hans Morgenthau. A associação entre Nietzsche e o componente irracional no pensamento alemão deve-se a teóricos conservadores do entreguerras, bem como a algumas análises marxistas sobre o filófoso alemão, sendo a mais conhecida entre estas aquela feita por Georg Lukács (1967), primeiramente publicada em 1953. Posteriormente, entretanto, observou-se movimento de revisão da filosofia nietzschiana, notadamente a partir da análise feita por Gilles Deleuze (1981), inicialmente publicada em 1962 e freqüentemente apontada como o marco inicial do pós-estruturalismo. Para nossos propósitos, interessa menos a controvérsia acerca da filosofia de Nietzsche do que a leitura que teóricos como Weber, Schmitt e Morgenthau dela fizeram, motivo pelo qual, doravante, as referências a Nietzsche associam-se às interpretações conservadora e marxista, prevalecentes à época da criação do paradigma realista em Relações Internacionais. . Apesar de a razão instrumental ter sido responsável pelo progresso das ciências naturais, tal não seria possível com relação às ciências sociais, pois o mundo social responde a uma lógica distinta do mundo natural. A visão otimista da história como progresso mediado pela razão dá lugar à história em sua dimensão trágica.

Esse conflito se mostrou claro para Morgenthau a partir de 1943, quando ele trocou a Universidade de Kansas pela Universidade de Chicago, baluarte do cientificismo norte-americano, onde já se mostrava incipiente, por meio de nomes como Harold Lasswell, aquilo que viria a ser conhecido como a revolução behaviorista. Desse ambiente de conflito intelectual nasceu Scientific Man vs Power Politics (Frei, 2001:190). Em consonância com o diagnóstico de Niebuhr, Morgenthau, sobre a tradição intelectual norte-americana, afirmou que "a principal característica dessa filosofia era a sua confiança na razão" (apudidem:186). Ele se voltou contra o cientificismo - a crença na equivalência entre as ciências naturais e sociais - prevalecente no pensamento universitário nos Estados Unidos de uma forma geral, buscando reafirmar a dimensão trágica da história e da condição humana.

A partir do enquadramento desse argumento dentro da lógica da tradição germânica de pensamento em ciências sociais, é possível levantar dúvidas sobre a concepção do realismo como um paradigma desenvolvido no interior do mundo anglo-saxão e atendendo aos seus princípios. Com efeito, os enfoques mais recentes sobre os escritos de Morgenthau ainda em solo europeu apontam para a constatação de que os seus escritos pós-1937 pouco ou nada acrescentam de novo ao arcabouço construído antes de sua chegada aos Estados Unidos. A própria obra mestra do realismo, A Política entre as Nações, primeiramente publicada em 1948, já havia sido planejada desde, pelo menos, 1933 (idem: 208).

Além da ausência de análises dos escritos da fase européia de Morgenthau, outro fator induziu as historiografias de Relações Internacionais ao erro quanto às origens do realismo na disciplina: depois de ingressar nos Estados Unidos, Morgenthau, conscientemente, ocultou as referências basilares do seu pensamento. Em vez de citar os pensadores alemães que lhe serviram de base para o desenvolvimento da teoria realista, Morgenthau optou por mencionar, em seus tex-tos, pensadores anglo-saxões, o que chega a ser compreensível em virtude da intensa atmosfera antigermânica dos anos que se seguiram à Segunda Grande Guerra. Não constitui exagero supor que a diferença entre alemão e nazista não era clara para a maior parte das pessoas àquela época. Nesse contexto, apresentar uma teoria política como declaradamente germânica não era uma atitude das mais prudentes, sendo o caminho alternativo mais óbvio "citar autores anglo-saxões e autoridades clássicas para conferir suporte à sua posição" (idem:110-111).

Esse é o mote para a compreensão dos motivos que levaram diversos teóricos a supor que o desenvolvimento do realismo se deu dentro de parâmetros anglo-saxões, quando não se recorre aos clássicos da teoria política para explicar as suas origens, às expensas das diferenças entre os contextos políticos da aurora da modernidade e do século XX. No último caso, o realismo em Relações Internacionais é concebido como uma tradição que se estenderia, basicamente, aos escritos de Maquiavel e Hobbes. O enfoque recente na fase européia de Morgenthau, no entanto, estimulou contestações a essa concepção, intensamente enraizada na literatura da disciplina de Relações Internacionais. Como afirmou Fred Halliday (1994:14): "Normalmente concebido como uma evolução dentro do mundo anglo-saxão, o realismo veio a articular críticas à Liga das Nações que foram, desde a década de 1920, formuladas pela direita alemã".

A análise sobre as influências no pensamento de Hans Morgenthau indica que o realismo em Relações Internacionais deve as suas origens a uma tradição do pensamento alemão em ciências sociais que abarcaria pensadores como Carl Schmitt, Max Weber e, principalmente, Friedrich Nietzsche8 8 . A influência de Carl Schmitt é apresentada por Martti Koskenniemi (2002) e mostra-se particularmente relevante à luz da relação entre Relações Internacionais e Direito Internacional. Christoph Frei (2001), biógrafo de Morgenthau, apresenta indícios incontrastáveis de que a maior referência para o pensamento do criador do realismo em Relações Internacionais é Friedrich Nietzsche. Morgenthau (1984), em seu esboço de autobiografia (que não ultrapassou a página 15), confere importância primordial a Max Weber. Frei (2001), entretanto, sustenta que a influência de Weber se subsume na influência de Nietzsche. A precedência concedida a Weber seria motivada pelo fato de este último ser um intelectual que adquiriu crescente respeito no ambiente acadêmico norte-americano, ao contrário de Nietzsche, cuja filosofia é cercada de polêmicas, sendo, inclusive, associada ocasionalmente ao pensamento que serviu de base ao nacional-socialismo. . As principais características dessa tradição alemã, como já esboçado, seriam a crença na impossibilidade de resolução racional para conflitos de valores (Nietzsche/Weber), a concepção da vida como luta pelo poder em virtude da natureza humana, caracterizada pela "vontade de poder" (Nietzsche), e a tentativa de estabelecer a autonomia do político como esfera particular da vida social (Schmitt).

A visão otimista e teleológica da modernidade como progresso mediado pela razão humana dá lugar à concepção da modernidade como tragédia: os avanços tecnológicos não podem conter os conflitos de valores, ao contrário, acabam por torná-los potencialmente mais perigosos, acirrando a luta pelo poder. A medida do desenvolvimento do racionalismo científico é a medida da preponderância da irracionalidade na cena política, esta última concebida como uma esfera da vida social que responde por suas próprias leis, enraizadas, em última instância, na natureza humana. Em termos de Direito Internacional e Relações Internacionais, os postulados dessa tradição resultam em visão fortemente assimétrica da relação entre o jurídico e o político, o que relega o Direito Internacional a um espaço deveras restrito, em consonância com a abordagem de Morgenthau desde a sua dissertação de 1929.

A análise dos "diálogos escondidos" entre Morgenthau e Schmitt ilustra o traço distintivo da crítica destes juristas da República de Weimar ao pensamento liberal; ambos sustentavam que o uso do discurso moralista e legalista intensificava os conflitos (Koskenniemi, 2002:462). A Liga das Nações não era de modo algum irrelevante - como supunham os teóricos pseudo-realistas mais bem representados pela concepção de Edward Carr (1939) sobre a tradição realista -, mas potencialmente perigosa a partir do momento em que tendia a remover as barreiras que limitavam a violência entre as nações em sua luta pelo poder no sistema internacional. Expressões como "nações amantes da paz" e "nações criminosas" eram a tônica da nova guerrajusta: algumas nações beligerantes teriam a sua participação em conflitos apoiada pela ética e pelo Direito, enquanto outras são consideradas como não-merecedoras do direito moral e legal de pegar em armas.

Por meio da Liga das Nações, as potências líderes da nova ordem internacional buscavam defender os seus interesses; para isso, procuravam associá-los aos interesses da humanidade. Schmitt, em seu estudo sobre a nova ordem anglo-americana, reconheceu que a tendência à universalização de interesses particulares era uma característica marcante dessa nova ordem internacional. Nesse sentido, é bastante elucidativa a sua citação de Proudhon: "Quem diz humanidade, pretende enganar" (Schmitt, 1992:81).

No mesmo sentido, Morgenthau (2003) profere crítica a essa tendência à universalização de interesses particulares no quinto dos seus princípios do realismo político: "O realismo político recusa-se a identificar as aspirações morais de uma determinada nação com as leis morais que governam o universo" (idem:21). Ao invocar a humanidade para a defesa dos seus interesses particulares, as potências líderes da nova ordem acabaram por abrir o caminho para a remoção de todas as barreiras que limitavam a violência dos conflitos internacionais. Como afirmou Schmitt (1992:81):

"O emprego do nome da humanidade, a apelação à humanidade, a confiscação dessa palavra, tudo isso só poderia, já que não se pode afinal de contas empregar sem certas conseqüências tais nomes sublimes, manifestar a terrível pretensão de que se deve denegar ao inimigo a qualidade de Homem, declará-lo hors-la-loi e hors l'humanité e com isso levar a guerra à extrema desumanidade".

Sob essa perspectiva, não é surpreendente o fato de o século XX ter observado, ao mesmo tempo, o emprego mais difundido do conceito de humanidade e um nível de atrocidade sem precedentes em termos de destruição de vidas em conflitos. Morgenthau (2003) ponderou que as guerras do século XX readquiriram o caráter religioso e ideológico das cruzadas medievais, em oposição ao caráter secular imposto pelo Direito Público Europeu desde o final da Guerra dos Trinta Anos. Nesse sentido, a restrição da violência atingida pela antiga ordem européia deu lugar aos conflitos ilimitados, à guerra total. Como resultado:

"O dever moral de poupar os feridos, enfermos e inimigos que se entregaram desarmados e de respeitá-los como seres humanos que são tidos como inimigos exclusivamente por terem sido encontrados do outro lado da cerca é suplantado pelo dever moral de punir e varrer da face da terra os professores e praticantes do mal" (idem:447).

Em termos de pensamento político em geral, Morgenthau concordava com Schmitt na maior parte de suas posições, entretanto, considerava que este não fora longe o suficiente, deixando de conectar a sua teoria do Estado àquilo que para Morgenthau constitui a sua fonte primordial, a natureza humana. Nesse sentido, "ao invés de penetrar nas raízes últimas do Estado como ele realmente é, Schmitt pára no meio do caminho" (Frei, 2001:119), pois

"[...] toda reflexão sobre a realidade deve voltar-se para a base de tudo aquilo que pertence ao âmbito político, tudo relacionado ao Estado, e essa base é o próprio Homem. Isso porque o reino da política [...] emerge da alma humana. Portanto, para qualquer um que se outorgue a tarefa de compreender a realidade do Estado seriamente, o primeiro passo deve ser traçar esta realidade até as suas raízes psicológicas" (ibidem).

Nesse ponto, Carl Schmitt dá lugar a Friedrich Nietzsche, a maior referência no pensamento de Morgenthau, o "pai oculto" do realismo em Relações Internacionais. A concepção que Morgenthau desenvolve da natureza humana está umbilicalmente ligada à sua interpretação dos escritos de Nietzsche, que se enquadra, por sua vez, na leitura que prevalecia da obra deste último no período entreguerras9 9 . A interpretação conservadora da obra de Nietzsche alinhava as proposições do filósofo àquelas da direita alemã, como fica claro adiante, quando Morgenthau expressamente associa Nietzsche aos ditadores fascistas. Devidamente alimentada pelas alterações fraudulentas que a irmã de Nietzsche promoveu na obra deste filósofo, essa interpretação acaba por resultar em uma concepção particular e simplista do conceito de "vontade de poder", a despeito da contextualização do mesmo no complexo sistema filosófico nietzschiano. . Morgenthau compartilhava com Nietzsche a obsessão pelo Homem como objeto de análiseeabusca impreterível pela realidade da vida humana e do mundo. O papel condicionante exercido pela natureza humana no mundo social é expresso logo no primeiro dos princípios do realismo político elencados por Morgenthau (2003:4): "O realismo político acredita que a política, como, aliás, a sociedade em geral, é governada por leis objetivas que deitam suas raízes na natureza humana".

O duradouro envolvimento de Morgenthau com o pensamento nietzschiano foi trazido à tona por pesquisas recentes de seu material pessoal. Apesar de suas obras publicadas não conterem referências nesse sentido, suas anotações pessoais elucidam o grau da influência exercida por Nietzsche na formação intelectual do pai fundador do realismo em Relações Internacionais (ver Frei (2001), que realiza análise copiosa dos arquivos de Morgenthau).

Para Nietzsche, o homem e o mundo estão longe de representar a quinta-essência da razão; ao contrário, ela é a exceção, não a regra no mundo social. A razão não passa de instrumento a ser guiado por uma intrincada rede de impulsos humanos, estes impulsos podendo ser reduzidos, ao fim e ao cabo, à vontade de poder, o impulso básico que move os seres humanos. A essência da vida reside na vontade de ter algo, e algo mais, indefinidamente: os objetivos das ações humanas estão voltados exclusivamente para as conquistas pessoais (idem:103).

Ocorre que a vontade de poder inerente aos Homens não pode jamais ser satisfeita, uma vez que ela não conhece limites. Disso resulta a condição trágica da vida humana, incapaz de acompanhar as exigências da vontade ilimitada de poder: o Homem está condenado a viver o contraste imposto pela intensidade dos seus anseios em oposição às possibilidades reais de realização dos mesmos. A onipresença da tragédia é o traço "irremediável, inevitável e inescapável" da vida (idem:105).

Em virtude da natureza humana, portanto, a razão pouco tem a oferecer em termos de explicação do mundo social. Nietzsche teria levado às últimas conseqüências a afirmação do papel do irracional. Fazendo referência à discussão que nos é particularmente relevante, com efeito, talvez não haja oposição mais perfeita do que aquela representada pelo Nietzsche "destruidor da razão" em relação a Kant. Nada é mais ilustrativo nesse sentido do que os incessantes ataques de Nietzsche à moral, peça que se tornou nevrálgica em Kant a partir de fundamentos racionais.

Enquanto Nietzsche, entretanto, considerava - ainda de acordo com a interpretação que lhe era dada pelos teóricos no entreguerras - que os sistemas normativos destinados a limitar os conflitos entre os Homens configuravam mera hipocrisia, constituindo reles subterfúgio dos fracos para lidarem com os fortes, Morgenthau caracterizava-os como necessários para evitar a desagregação social. Como afirmou Frei (idem:107), ao mesmo tempo que Morgenthau permaneceu fielmente ligado ao analista, recusou-se a seguir o profeta: quando se trata de prescrições normativas e valores primordiais, Morgenthau di-vorcia-se do pensamento nietzschiano. O ponto de desembarque de Morgenthau do pensamento nietzschiano é elucidado a partir da seguinte passagem de A Política entre as Nações (Morgenthau, 2003:422, ênfase minha):

"Por outro lado, a própria tradição da civilização ocidental, que tenta restringir o poder dos fortes em benefício dos fracos, foi combatida por ser tida como efeminada, sentimental e decadente. Seus opositores têm sido aqueles que, como Nietzsche, Mussolini e Hitler, não só aceitam o desejo do mando e a luta pelo poder como fatos sociais basilares, mas ainda enaltecem as suas manifestações desenfreadas e postulam essa ausência de restrições como um ideal para a sociedade e uma norma de conduta para o indivíduo".

É precisamente a partir desse ponto de discordância em relação a Nietzsche que Morgenthau busca refúgio na ética da responsabilidade weberiana. Como afirmou Rob Walker (1993:32), a ética da responsabilidade é o abrigo encontrado por Morgenthau para fugir tanto do idealismo como da política de poder em seu estado puro. As prescrições de Morgenthau aos estadistas estão sobremaneira próximas da noção de ética da responsabilidade e da concepção da política como vocação, cujas peculiaridades estão fora do alcance do público em geral; a afinidade de Morgenthau com o conceito de ética da responsabilidade e o seu significado específico em termos da política internacional tornam-se evidentes a partir da seguinte passagem de A Política Entre as Nações (Morgenthau, 2003), em que o autor justifica por que os interesses nacionais devem seguir uma lógica baseada no poder e não em considerações baseadas em princípios morais abstratos:

"[...] é exatamente o conceito de interesse definido em termos de poder que nos salva tanto daquele excesso moral como da loucura política, porque se considerarmos todas as nações, inclusive a nossa, como entidades políticas em busca de seus respectivos interesses definidos em termos de poder, teremos condições de fazer justiça a todas elas. E estaremos fazendo justiça a todas em um duplo sentido: podemos julgar outras nações como avaliamos a nossa e, tendo julgado deste modo, seremos capazes de executar políticas que respeitam os interesses das demais nações, ao mesmo tempo em que protegemos e promovemos os nossos próprios interesses. Em política, a moderação tem necessariamente de refletir a moderação no julgamento moral" (idem:22).

A concepção do realismo como teoria decorrente da tradição do pensamento alemão em ciências sociais se mostra sobremaneira mais consistente do que o recurso a leituras reificadas, simplistas e fora de contexto dos pensadores clássicos da Ciência Política, cujos objetos de estudo se associavam ao bem-estar no interior dos Estados. Hobbes e Maquiavel, apontados por Carr como fundadores da teoria realista em Relações Internacionais, voltavam seus escritos para a afirmação do Estado nacional em um contexto de revolta contra o pensamento escolástico, típico da aurora da modernidade. É necessário grau considerável de violência para proceder à redução do pensamento desses autores à concepção amoral da política convencionalmente difundida entre os teóricos de Relações Internacionais.

Em termos da interface entre Relações Internacionais e Direito Internacional, o paradigma realista da primeira destas disciplinas impõe prospectos exíguos de cooperação interdisciplinar, na medida em que, ao Direito Internacional, é reservado um escopo reduzido e uma aplicabilidade duvidosa nas relações internacionais. O desembarque de Morgenthau do pensamento nietzschiano no que se refere a questões normativas, contudo, é pródigo em significados em termos da interface entre Relações Internacionais e Direito Internacional, fazendo-o caminhar na direção de uma posição mais moderada acerca do papel exercido pelas normas jurídicas internacionais.

Escola Inglesa e a busca pela via media

A contraposição entre as propostas analítica e normativa apresentadas por Morgenthau (2003) faz de A Política Entre as Nações um livro cujas proposições centrais se mostram contraditórias. De um lado, as leis fundamentais da política são determinantes no cenário internacional, conduzindo a um determinismo impossível de ser modificado pela ação do estadista. De outro lado, a sensibilidade do estadista quanto aos interesses nacionais e à apreensão das características particulares de uma determinada situação é importante para a produção de resultados na política internacional. Como apontou Koskenniemi (2002:470), "a afirmação simultânea do constrangimento e da liberdade foi crucialmente importante como o fundamento da técnica polêmica de Morgenthau". A tentativa, por parte de Morgenthau, de conjugar elementos "realistas" e "idealistas" em sua obra magna fê-lo convergir, em importantes aspectos, na direção dos teóricos da chamada Escola Inglesa da disciplina de Relações Internacionais.

Para Martin Wight (1991), os realistas são aqueles teóricos que enfatizam e se concentram sobre o elemento da anarquia internacional, a política de poder e o estado de guerra. Os racionalistas enfocam o elemento da interação entre os Estados no cenário internacional, concentrando-se sobre as instituições criadas pelos mesmos para possibilitar o intercurso mutuamente benéfico em ambiente anárquico. Os revolucionistas caracterizam-se por uma espécie de caráter missionário, concentrando-se, em última instância, em prescrições voltadas para ideais de cunho cosmopolita.

Ao longo de sua carreira intelectual, Martin Wight demonstrou traços incontrastáveis de sua preferência pela tradição racionalista e seu viés grociano, em detrimento das tradições capitaneadas por Maquiavel e Kant. Hedley Bull seguiu o mesmo viés e ambos os teóricos são associados comumente ao grocianismo e ao estudo da sociedade internacional. Wight (idem:21) caracteriza a tradição racionalista como uma espécie de via media entre os extremos representados pelas tradições realista e revolucionista, síntese entre a política de poder pura apregoada pelos realistas e as prescrições idealistas propostas pelos revolucionistas: assim como Morgenthau, ele busca projetar uma fronteira teórica que se situe entre os extremos da política de poder e do idealismo.

A convergência entre as propostas de Morgenthau e Wight, particularmente a busca por uma viamedia no estudo das relações internacionais, resulta da convergência desses teóricos em torno de valores ocidentais de matriz européia. O próprio Wight (1966:91) definiu a busca por um meio-termo, um justemilieu entre extremos, como a principal influência dos valores ocidentais no estudo das relações internacionais, ao lado da filosofia política voltada para o estudo de governos constitucionais. Com efeito, a busca pela viamedia é uma perene característica do pensamento ocidental de matriz européia, sendo que suas raízes podem ser traçadas até o conceito de justiça desenvolvido por Aristóteles, citado por Wight (idem:89) como o ponto de partida da forma de pensar característica da civilização ocidental.

Segundo Aristóteles (1987), a justiça é uma virtude que engloba todas as outras e se situa precisamente no meio-termo. Assim, a uma postura justa correspondem duas posturas injustas dispostas em extremos opostos. A força dessa concepção pode ser aferida pelo fato de, até os dias de hoje, os ordenamentos jurídicos carregarem consigo o brocardo "onde há justiça demais, há injustiça", ou seja, a justiça nunca corresponde a uma atitude extremada, sendo sempre ditada pela moderação. Para ilustrar essa última colocação, é útil citar imagem muito comum em sede jurídica: associa-se uma situação justa ao pêndulo de um relógio em sua posição central e a injustiça ao posicionamento do pêndulo em qualquer das duas extremidades opostas. Na ânsia de se fazer justiça, é possível que, ao deslocar o pêndulo de uma extremidade para o centro, acabe-se por levá-lo à outra extremidade, permanecendo-se em uma situação injusta. Assim, a "justiça demais" corresponderia ao movimento de uma extremidade a outra, ou seja, de uma posição injusta a outra.

Não é difícil, ante ao exposto, estabelecer uma analogia entre a concepção aristotélica de justiçaeadivisão levada a cabo por Wight (1991) do pensamento sobre as relações internacionais: as correntes capitaneadas por Maquiavel e Kant serviriam como extremos para que a posição central, representante da moderação, acabe por ser privilegiada, carregando toda a carga de um conceito de justiça que se encontra na base intelectual da civilização ocidental. Com efeito, Howard Williams e Ken Booth (1996:72) identificaram, na divisão proposta por Wight, "um típico truque inglês", que consiste em estabelecer dois extremos implausíveis para realçar a preponderância do meio-termo.

A estrutura dos argumentos apresentados por Morgenthau e pela Escola Inglesa também responde pela escolha do meio-termo em de-trimento de posições extremas: a sociedade de Estados independentes constitui forma de organização política da humanidade preferível aos extremos representados pelo estado de guerra permanente e pela concepção normativamente voltada para o estabelecimento da civitas maxima; a noção de moralidade internacional criada no âmbito da sociedade européia de Estados é defendida por situar-se entre os extremos representados pela raisond'état, relacionada à política de poder em seu estado puro, e a conduta que segue o adágio latino fiat justitia et pereat mundus10 10 . Faça a justiça, ainda que o mundo pereça em razão disso. , relacionado à defesa incondicional da prática de ações condizentes com a moral individual.

Em termos da relação entre Relações Internacionais e Direito Internacional, a influência dessa busca pelo meio-termo partilhada por Morgenthau e pelos teóricos da Escola Inglesa resulta em uma concepção do papel exercido pelas normas jurídicas internacionais que se situa entre os opostos claramente demarcados pelos seus negadores, que não cogitam da existência de normas jurídicas em âmbito internacional, e os kantianos, que postulam ser possível subsumir a política internacional em um arcabouço normativo racionalmente concebido por meio do Direito Internacional. A busca pelo meio-termo e o papel das normas jurídicas internacionais que dela resulta se revelam já na abertura do capítulo de A Política Entre as Nações (Morgenthau, 2003) que se destina à análise do Direito Internacional:

"Deve-se relembrar, ao iniciarmos a discussão sobre direito internacional, o mesmo aviso de cautela contra os extremos com que foi iniciado o exame, respectivamente, da moralidade internacional e da opinião pública mundial. Um número crescente de autores expressam a opinião de que não existe o que se costuma chamar de direito internacional. E, por outro lado, um número decrescente de observadores mantém a convicção de que, se fosse devidamente codificado e ampliado, de modo a regular as relações políticas entre os Estados, ele poderia, graças à sua própria força intrínseca, transformar-se em algo que substituísse a disputa pelo poder no cenário internacional, ou pelo menos em uma influência limitadora da mesma" (idem:505).

Para Morgenthau e os teóricos da Escola Inglesa, o Direito Internacional mostrar-se-ia eficiente como mecanismo regulador das áreas nas quais fosse observada convergência ou complementaridade entre os interesses dos Estados envolvidos, sendo incapaz de fazer prevalecer seus comandos nos aspectos conflituosos da vida internacional. Seguindo essa perspectiva, as normas de Direito Internacional tendem a se concentrar sobre as regras básicas de coexistência entre os Estados, posto que haveria interesse comum na manutenção da ordem internacional, constituída sob a forma de uma sociedade de Estados independentes, o que lança luz novamente sobre a união dos referidos teóricos sob a égide dos valores europeus. Defende-se a concepção grociana do Direito Internacional como instrumento voltado para a manutenção da sociedade européia de Estados resultante do final da Guerra dos Trinta Anos, cujo traço marcante é o estado-centrismo: o Estado detém o monopólio da personalidade jurídica internacional.

Behaviorismo e "decadência": o ápice do afastamento

Bull (1969) identificou a tensão decorrente da existência de duas abordagens distintas sobre as relações internacionais, que ele denominou de clássica e científica. A abordagem clássica, característica de teóricos como ele próprio, Wight e Morgenthau, apregoava uma forma de teorização que derivava da Filosofia, da História e do Direito. Segundo Bull (idem), a adoção dos padrões estritos de verificação e prova não produz resultados significantes quando o objeto de estudo é a relação entre os Estados. Por sua vez, a abordagem científica aspirava a uma teoria das relações internacionais cujas proposições fossem baseadas na prova matemática ou lógica ou, ainda, em procedimentos empíricos estritos de verificação. Esta forma de teorização era característica de nomes como Morton Kaplan, Thomas Schelling e Karl Deutsch, sendo possível relacioná-la às teorias dos sistemas internacionais (idem:21).

Desse novo ambiente de conflito intelectual resultou, de acordo com as palavras de Kaplan (1969), um "novo grande debate" na disciplina de Relações Internacionais, entre os clássicos ou tradicionalistas e os científicos ou behavioristas (idem:39). As teorias tradicionalistas eram derivadas, em certa medida, dos escritos de autores mais antigos sobre Direito Internacional e reservavam espaço em suas abordagens ao papel das normas jurídicas internacionais, ao passo que as proposições lógicas, os modelos e os métodos quantitativos característicos dos behavioristas acabavam por excluir a análise do papel do Direito Internacional dos estudos sobre política internacional.

Nesses termos, à medida que a disciplina de Relações Internacionais se consolidava como "uma ciência social norte-americana" (Hoffmann, 1991), no rastro da proeminência dos Estados Unidos, que adquiriram o statusde superpotência ao final da Segunda Grande Guerra, prevalecia uma metodologia que resultava em um estudo da política internacional completamente alheio às considerações sobre o Direito Internacional. A partir dessa conjuntura, não surpreende que o livro Theory of International Politics, de Kenneth Waltz (1979), a obra mais influente que resultou do movimento behaviorista na disciplina de Relações Internacionais, somente se refira às leis em sua conotação atinente às relações lógicas e explicações científicas (Koskenniemi, 2002:472). Waltz (1979) considerava que a anarquia do sistema internacional determinava o comportamento dos Estados, motivo pelo qual as normas - dentre elas aquelas emanadas do Direito Internacional - não exerciam qualquer efeito causal independente sobre os Estados.

Não bastasse essa conjuntura, no campo do Direito Internacional predominava forte ostracismo no período, na esteira da "decadência" observada nesta disciplina na segunda metade do século XX, cujas raízes remontam ao ceticismo lançado por teóricos como Morgenthau e Schmitt. Brian Simpson (2002:996) apontou, com base na literatura norte-americana sobre o assunto, que a referida "decadência" se deveu a uma conjunção de fatores que acabaram por destruir o compromisso com o primado do Direito e com o provimento de uma justiça imparcial. Dentre tais fatores, merecem destaque a ganância, o realismo, o pragmatismo, a irresponsabilidade das academias de Direito e o ativismo judicial.

A confluência entre a prevalência do neo-realismo na disciplina de Relações Internacionais e o período de "decadência" do Direito Internacional representou brusco afastamento entre os estudiosos dessas duas disciplinas; se, por um lado, os teóricos da política internacional concentravam-se em estudos estritamente ligados às questões de deterrence e das causas da guerra, por outro lado, os juristas ocupavam-se cada vez mais do lado profissional do Direito, abdicando das teorias sobre o ambiente internacional que marcaram os períodos mais proeminentes do Direito Internacional.

À medida que a Guerra Fria era levada a termo, contudo, as proposições neo-realistas foram objeto de contestações por parte dos teóricos envolvidos com o estudo das relações internacionais. Argumentava-se, entre outras coisas, que as normas seriam elementos relevantes para o estudo da política internacional. Os juristas internacionais, por sua vez, buscando superar o estado de ostracismo que prevalecia no Direito Internacional, encontraram nas teorias sobre as relações internacionais elementos que se adequavam às problemáticas da disciplina que se achavam intimamente ligadas à política internacional. Dessa forma, ao final da Guerra Fria, os teóricos de Relações Internacionais e do Direito Internacional reaproximaram-se, sendo neste contexto criadas as teorias institucionalista, liberal e construtivista, resultantes de empreendimentos interdisciplinares.

A Reaproximação ao Final da Guerra Fria: Institucionalismo, Liberalismo e Construtivismo

O institucionalismo

A contínua prevalência do realismo na disciplina de Relações Internacionais passou a ser contestada pela observação da perenidade exibida por certos arranjos normativos internacionais às expensas das variações dos atributos de poder entre os membros do sistema internacional. Esse descompasso representava anomalias empíricas da teoria realista, posto que esta considera serem as instituições internacionais sempre o reflexo ou o espelho da distribuição de poder entre os atores do sistema internacional. Mais especificamente, à visão geral, segundo a qual haveria um declínio da hegemonia norte-americana estabelecida desde o fim da Segunda Grande Guerra, contrapunha-se a constatação de que permanecia em funcionamento a estrutura criada ao final daquele conflito.

Nesse contexto, reabriu-se o diálogo entre os teóricos da política internacional e os juristas internacionais, por meio da criação da teoria institucionalista11 11 . O institucionalismo na disciplina de Relações Internacionais associa-se, sob variados apectos, ao surgimento das abordagens neo-institucionalistas na Ciência Política, a partir da década de 1980, mediante a proposição de que as instituições influenciam o comportamento dos agentes. Os neo-institucionalistas dividem-se entre os adeptos da análise histórica e da escolha racional, sendo os institucionalistas de Relações Internacionais tributários desta última corrente em particular. . A convergência em relação ao objeto de estudo do Direito Internacional pode ser aferida a partir da definição dos regimes internacionais produzida pelos teóricos institucionalistas: "regimes são conjuntos, implícitos ou explícitos, de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão em torno dos quais convergem as expectativas dos atores em uma determinada área das relações internacionais" (Krasner, 1982:2).

A teoria institucionalista na disciplina de Relações Internacionais - capitaneada por Robert Keohane - surgiu como contrapartida à proeminência lograda pelo neo-realismo. Contudo, assim como o neo-realismo, o institucionalismo deve ser compreendido dentro do ambiente intelectual característico dos Estados Unidos, particularmente a partir do consenso observado na academia norte-americana quanto às premissas basilares que deveriam direcionar o estudo da política internacional, a saber, o papel central concedido à estrutura internacional anárquica, a concepção do Estado como ator primordial e a caracterização deste como um ator que age baseado no auto-interesse.

A última dessas premissas se relaciona com a adoção do modelo do ator racional, conseqüência da revolução behaviorista que invadiu o estudo das relações internacionais e imprimiu um viés nitidamente economicista nas teorias voltadas para a política internacional. Como pano de fundo à referida aplicação de métodos e idéias provenientes da Economia, residia o compromisso dos teóricos da política internacional com o método científico positivo. Em uma área de estudos relativamente recente como a política internacional, ciosa de atestar o seu caráter científico, nada mais conveniente do que a importação dos métodos da ciência social que observou a influência mais avassaladora da metodologia proposta por Augusto Comte, tida como sinônimo de cientificidade por boa parte dos acadêmicos norte-americanos à época.

Ocorre que o positivismo impõe limitações ao debate interdisciplinar entre os teóricos da política internacional e os juristas internacionais, na medida em que dificulta a apreensão dos efeitos das normas no mundo social. Como afirmaram Friedrich Kratochwil e John Ruggie (1986), lançando as bases da crítica construtivista às teorias racionalistas (realistas e institucionalistas), há complicações inerentes à concepção das normas como ocorrências causais, o que dificulta a aplicação das relações de causa e efeito típicas do positivismo. Nas palavras destes autores:

"Normas podem 'guiar' o comportamento, podem 'inspirar' o comportamento, podem 'racionalizar' o comportamento, podem expressar 'expectativas mútuas' sobre o comportamento, ou podem ser ignoradas. Mas elas não correspondem a uma causa no sentido em que um projétil de arma de fogo ao atravessar o coração causa a morte ou um surto incontrolado na oferta de dinheiro causa inflação" (idem:355).

Além disso, a formulação de leis gerais característica do positivismo, a partir de constatações empíricas, também resulta em problemas para uma análise do papel exercido pelas normas, uma vez que estas são válidas ainda que em termos contrafatuais. Mesmo em caso de descumprimento, uma norma não perde a sua validade, ao contrário da concepção de "lei" sustentada pelos positivistas. Dirigir embriagado, por exemplo, não refuta a norma que proíbe os indivíduos de dirigir sob a influência do álcool. Segue-se a conclusão desses autores:

"O impacto das normas dentro dos regimes internacionais não é um processo passivo, que pode ser apreendido de forma análoga às leis newtonianas que governam a colisão entre dois corpos. Assim, a prática comum de tratarem-se as normas como 'variáveis' - sejam elas independentes, dependentes, intervenientes, ou o que quer que seja - deve ser severamente repreendida" (idem:356).

De um lado, o fato de o institucionalismo incorporar as premissas basilares do neo-realismo permitiu que os seus proponentes evitassem uma reedição do debate entre "realistas" e "idealistas", o que proporcionou maior amplitude à reabertura do diálogo com os juristas internacionais. De outro lado, contudo, ao adotarem as premissas basilares do realismo, notadamente o seu enfoque estado-cêntrico, os institucionalistas afastaram-se das questões mais prementes do estudo do Direito Internacional no pós-Guerra Fria, como o papel exercido pelos atores domésticos e transnacionais e a análise de temas como direitos humanos e o acesso dos atores não-estatais aos tribunais internacionais.

Além disso, os teóricos institucionalistas comungam com os realistas uma visão exógena dos interesses dos Estados. Em outras palavras, os interesses são "tomados como dados" a partir da proposição de que os Estados agem, necessariamente, baseados em sua concepção dos seus próprios interesses. Nesses termos, as normas jurídicas internacionais são concebidas como instrumentos utilizados pelo Estado para satisfazer o seu auto-interesse previamente formulado. Como resultado, o Direito Internacional, dentro do paradigma institucionalista, apesar de ressurgir da completa obscuridade a que foi relegado pelo neo-realismo, restringe-se ao papel de variável interveniente, posicionando-se entre os fatores causais básicos - como interesse e poder-eos resultados produzidos no cenário internacional.

A discussão relativa aos motivos que conduzem os Estados à aquiescência12 12 . Tradução do termo de língua inglesa compliance, sob cuja égide é travado um longo debate de importantes implicações para as disciplinas de Relações Internacionais e Direito Internacional, sendo esta última a que concentra a maior parte da literatura sobre o assunto: ver Henkin (1968), Chayes e Chayes (1995). perante as normas jurídicas internacionais encontra a sua resposta, no âmbito da teoria institucionalista, na medida em que estas normas ajudam os Estados a satisfazer os seus interesses, por exemplo, ao aumentar o fluxo de informações ou ao reduzir os custos de transação e os incentivos para a violação dos acordos assumidos internacionalmente.

Ao fim e ao cabo, os desafios impostos pelos institucionalistas aos realistas reabriram o diálogo entre Relações Internacionais e Direito Internacional ao propor um enfoque da política internacional baseado em elementos como normas, regras, princípios e procedimentos de tomada de decisão. Contudo, o compartilhamento de certas premissas, como o estado-centrismo e a visão dos interesses estatais como fixos e exógenos, com os mesmos teóricos realistas foi responsável, em grande medida, pela limitação dos estudos interdisciplinares entre juristas internacionais e teóricos da política internacional. Apesar das limitações à reaproximação entre Direito Internacional e Relações Internacionais no âmbito do institucionalismo, o resgate do enfoque sobre elementos afinados com o objeto de estudo dos juristas internacionais abriu espaço para propostas interdisciplinares mais profundas.

O liberalismo

Após o final da Guerra Fria, observou-se um movimento de resgate das proposições da teoria liberal de Relações Internacionais, a partir dos trabalhos de juristas internacionais e teóricos da política internacional, notadamente Anne-Marie Slaughter (1993) e Andrew Moravcsik (1997). No rastro da percepção de que a globalização acentuou a importância dos atores não-estatais, os liberais propõem o enfoque sobre o papel dos atores sociais na formação dos interesses estatais, que não são mais considerados exógenos e fixos - como propunham realistas e institucionalistas -, mas determinados a partir das relações sociais estabelecidas em âmbito doméstico e transnacional.

Os liberais, resgatando a importância do vínculo estabelecido por Kant e Wilson entre a organização política interna dos Estados e o seu comportamento na esfera internacional, enfatizam a importância da política doméstica para os resultados produzidos no sistema internacional. Como pano de fundo, subsiste a premissa de que o viés de representação presente nas instituições políticas é responsável pela produção de resultados subótimos para a população dos Estados considerada em sua totalidade, como as guerras e o protecionismo comercial, por exemplo, que oneram a maioria da população para o benefício de pequenos, mas influentes, grupos de interesse.

Andrew Moravcsik (idem), com o artigo "Taking Preferences Seriously: A Liberal Theory of International Politics", buscou restabelecer a teoria liberal na disciplina de Relações Internacionais, a partir de três proposições que comporiam o seu núcleo duro: 1) a primazia dos atores sociais: os atores fundamentais na política internacional são os indivíduos e grupos privados, em média, racionais e avessos ao risco; eles organizam trocas e ações coletivas de forma a promover interesses diferenciados sob restrições impostas pela escassez material, valores conflitantes e variações no poder de influência social; 2) representação e preferências estatais: Estados (assim como as demais instituições políticas) representam uma parcela da sociedade doméstica e agem movidos pelos interesses desta parcela; 3) interdependência e o sistema internacional: a configuração das preferências de Estados interdependentes determina o seu comportamento. Em outras palavras, apesar de os interesses estatais serem formados pré-socialmente, o seu comportamento é uma função dos interesses de outros Estados (idem:516-521).

A teoria liberal da política internacional apresentada por Moravcsik (idem) e adotada por Slaughter vai de encontro às concepções convencionalmente estabelecidas sobre o liberalismo na disciplina de Relações Internacionais (Slaughter, 2000:37). O liberalismo é comumente associado ao institucionalismo, associação esta que originou a nomenclatura "institucionalismo neoliberal". Slaughter e Moravcsik, contudo, fornecem subsídios para a contestação dessa associação; o resgate do liberalismo por eles proposto está assentado sobre premissas muito distintas daquelas sustentadas pelos institucionalistas.

O institucionalismo, à moda do realismo, adota o enfoque estado-cêntrico e deriva os resultados da política internacional a partir de hipóteses sistêmicas, diferindo dos realistas apenas na medida em que confere efeito causal independente às instituições internacionais, para as quais os institucionalistas voltam a sua análise, o que os faz convergir para a perene orientação teórica grociana de estudos sobre o sistema internacional. O liberalismo, por outro lado, busca as hipóteses explicativas dos resultados produzidos na política internacional a partir da ação da sociedade civil - doméstica e transnacional - sobre os Estados. A deturpação decorrente da nomenclatura "institucionalismo neoliberal" nada mais é do que o resultado da crença dos teóricos de Relações Internacionais na existência do "idealismo" no período entreguerras: à moda do "idealismo", o "institucionalismo neoliberal" congrega orientações teóricas sobremaneira distintas entre si.

Em artigo clássico para a promoção do debate interdisciplinar, Slaughter (1993) propôs uma agenda dual para a cooperação entre os teóricos de Direito Internacional e de Relações Internacionais. A dualidade correspondia às possibilidades abertas pelos paradigmas institucionalista e liberal para o debate interdisciplinar. Ao contrário do institucionalismo, cuja opção pelo modelo do Estado como ator unitário impede teorizações a respeito das relações entre os atores sociais e os Estados, o liberalismo é capaz de incluir em sua proposta de debate interdisciplinar temas como Direito Transnacional e direitos humanos, neste último caso indo ao encontro da tendência observada no Direito Internacional Público de considerar o indivíduo como pessoa internacional.

Na esteira das possibilidades abertas para a contribuição recíproca entre os teóricos de Relações Internacionais e do Direito Internacional, desenvolveu-se, simultaneamente à reconstrução do paradigma liberal em Relações Internacionais, uma agenda de pesquisa voltada para o debate interdisciplinar. Deve-se observar que os teóricos institucionalistas, gradualmente, observaram um movimento de deslocamento de premissas próximas ao realismo a premissas mais afins ao liberalismo, a partir da constatação de que o estudo da política interna dos Estados constituiria um subterfúgio para o tratamento das anomalias com as quais se deparava a teoria institucionalista. Prova disso é o fato de Slaughter e Moravcsik serem acompanhados, no estudo da "legalização"13 13 . O estudo interdisciplinar da "legalização" encontra-se na edição especial da revista International Organization, vol. 54, nº3, do ano 2000. - um marco em termos do debate interdisciplinar promovido sob a égide da teoria liberal - por teóricos como Robert Keohane e Judith Goldstein, expoentes do paradigma institucionalista.

O estudo da "legalização" possibilitou a análise de questões de interesse das disciplinas de Relações Internacionais e do Direito Internacional, como as conseqüências do acesso de atores não-estatais às Cortes Internacionais, o debate acerca das formas jurídicas "duras" e "suaves" e, ainda, a aquiescência. Com respeito a esta última, destaque-se que o estudo da "legalização" amplia a sua análise ao permitir a construção de hipóteses que se baseiam na política doméstica dos Estados. As normas emanadas do Direito Internacional não são mais concebidas como instrumentos para satisfazer os interesses dos Estados, mas podem transformar estes últimos na medida em que têm o poder de modificar a correlação doméstica e transnacional de forças: ao favorecer alguns grupos em detrimento de outros, as referidas normas participam da constituição dos interesses dos Estados.

Como pode ser aferido por meio do estudo da "legalização", entretanto, os teóricos liberais empregam, ostensivamente, a exemplo dos teóricos institucionalistas, a epistemologia positivista. As conseqüências oriundas da presença de normas jurídicas internacionais ainda são apreendidas com base no modelo positivista, que se concentra sobre as relações de causa e efeito e a formulação de leis gerais a partir de investigações empíricas. Nesse sentido, as críticas de Kratochwil e Ruggie (1986) à utilização da epistemologia positivista na análise das normas também se aplicam, em grande medida, aos teóricos liberais.

Além disso, apesar de o liberalismo tornar endógeno os interesses dos Estados, os interesses dos atores sociais - fundamentais para os liberais - são exógenos e anteriores ontologicamente às normas jurídicas. Estas - ainda que não sejam concebidas como meros instrumentos para concretizar os interesses estatais - são instrumentos que servem aos interesses utilitaristas dos atores sociais.

Desconstruindo a anarquia e as normas jurídicas - o construtivismo e o debate interdisciplinar

A derrocada pacífica da União Soviética, pondo fim à Guerra Fria, impôs contundentes desafios aos estudiosos da política internacional, pois os paradigmas reconhecidamente dominantes à época - o neo-realismo e o institucionalismo - não dispunham de instrumentos analíticos para explicar a extinção não-belicosa de uma superpotência como o Estado soviético. À medida que crescia a percepção de que o entendimento da origem dos interesses dos atores se mostrava indispensável para a explicação dos resultados observados na política internacional, abriu-se espaço, na disciplina de Relações Internacionais, para perspectivas focadas em aspectos culturais e sociológicos, que, enfatizando a construção social dos elementos basilares do sistema internacional, acabaram por ser reunidas sob a nomenclatura construtivismo (Katzenstein et alii, 1998).

Sintomaticamente, em 1989, ano da queda do Muro de Berlim, símbolo do fim da Guerra Fria, duas obras lançaram as bases para a abordagem construtivista na disciplina de Relações Internacionais, ambas enfocando o papel das regras, concebidas em sentido amplo, para a compreensão da política internacional14 14 . Friedrich Kratochwil, Rules, Norms, and Decisions - On the Conditions of Practical and Legal Reasonig in International Relations and Domestic Affairs e Nicholas Onuf, World of Our Making. Além disso, no mesmo ano foi publicado o livro From Apologyto Utopia, de Martti Koskenniemi, que defendia uma abordagem crítica para o Direito Internacional. . Concomitantemente ao Muro de Berlim, começava a desmoronar a prevalência do paradigma neo-realista no estudo das relações internacionais, uma vez que este paradigma se encontrava envolvido em um oceano de anomalias na esteira do fim da bipolaridade que marcara o sistema internacional desde o final da Segunda Grande Guerra.

O enfoque construtivista sobre as regras e normas abre um vasto campo de análises para a conciliação entre os estudos sobre a política internacional e aqueles sobre Direito Internacional, como o papel exercido pela legitimidade, pelo Direito costumeiro internacional e, inclusive, os efeitos que a variável poder exerce no cenário internacional. Assim, não surpreende que Friedrich Kratochwil e Nicholas Onuf apresentem em comum uma sólida formação intelectual no campo do Direito. Da mesma forma que o liberalismo e, em menor medida, o institucionalismo, pode-se afirmar que o construtivismo, na disciplina de Relações Internacionais, constitui uma teoria desenvolvida a partir de esforços que uniram teóricos tanto do Direito Internacional quanto de Relações Internacionais.

De um ponto de vista mais abrangente, o construtivismo deu seqüência às contestações dos teóricos críticos da política internacional que, no rastro do "Terceiro Grande Debate" da disciplina de Relações Internacionais, questionaram as bases sobre as quais se assentavam os paradigmas dominantes à época, o realismo e o institucionalismo (Reus-Smit, 1996). Os construtivistas desenvolveram a agenda crítica na medida em que forneceram os alicerces para uma concepção ontológica alternativa da política internacional, na qual os elementos-chave das relações internacionais - como poder, interesses e mesmo a anarquia e os Estados - não eram tomados como dados, mas problematizados a partir da proposição de que são construções sociais mediadas pelas ações dos atores da política internacional.

No que se refere ao debate interdisciplinar entre Relações Internacionais e Direito Internacional, esse componente crítico do construtivismo abre um canal de diálogo entre os construtivistas e os teóricos legais críticos a partir do momento em que ambos, ao proporem a problematização dos conceitos que informam o estudo das disciplinas de Relações Internacionais e do Direito Internacional, investigam o papel das regras jurídicas na formação dos elementos basilares destas disciplinas, como o poder, os interesses, a anarquia e os Estados. Basicamente, os construtivistas e os teóricos legais críticos propõem a existência de uma relação interativa entre as regras jurídicas e a formação dos referidos elementos, alegando haver uma constituição mútua entre estes e aquelas.

É precisamente a possibilidade de as normas adquirirem precedência ontológica sobre os interesses dos atores que credencia o construtivismo a suplantar não somente o institucionalismo em termos de debate interdisciplinar entre Relações Internacionais e Direito Internacional, mas também o liberalismo. Para os liberais, as normas, apesar de serem anteriores aos interesses dos Estados, são posteriores à formação dos interesses pelos atores sociais, atores fundamentais da política internacional segundo o paradigma liberal. No âmbito do construtivismo, três autores merecem destaque na abertura de um canal de diálogo interdisciplinar: Alexander Wendt, Nicholas Onuf e Friedrich Kratochwil.

Alexander Wendt (1987; 1992; 1999) abriu espaço para estudos interdisciplinares ao propor que os conceitos de interesse e poder são constituídos a partir de idéias - parte delas normas. Essa abertura permite cogitar da participação das normas jurídicas internacionais na formação dos referidos conceitos, assim como da própria identidade dos atores, fonte da qual emanam os seus interesses. A ênfase desse autor nos efeitos constitutivos das normas permite transcender a interpretação causal comumente dispensada às normas jurídicas no estudo das relações internacionais.

Nicholas Onuf (1989), ao desenvolver uma versão do construtivismo mais radical do que aquela proposta por Wendt, leva às últimas conseqüências o papel constitutivo das regras, que passam a ser responsáveis pela constituição dos próprios atores internacionais. Onuf, contudo, analisa o papel das regras jurídicas sob o enfoque das assimetrias geradas pelas mesmas, ou seja, as regras emanadas do Direito Internacional - que nunca são neutras - são responsáveis pelas relações de domínio presentes no sistema internacional.

Ao enfocar as compreensões compartilhadas intersubjetivamente, Kratochwil (1989) é conduzido ao papel da linguagem na construção dos conceitos que compõem o estudo das relações internacionais. O Direito é concebido como um processo argumentativo peculiar que deita as suas raízes na tradição retórica fundada por Aristóteles, sendo relevante na medida em que é responsável, a partir de sua dimensão comunicativa, pela técnica segundo a qual os atores buscam persuadir uns aos outros no cenário internacional. Seguindo essa perspectiva, Kratochwil (idem) propõe um entendimento mais frutífero para a perene questão acerca do papel do Direito Internacional no sistema internacional.

Movidos pelo potencial interdisciplinar apresentado pelo construtivismo, diversos teóricos empreenderam análises sobre objetos de interesse das disciplinas de Relações Internacionais e do Direito Internacional: Helen McManus (2001) busca - baseando-se nas convergências entre o construtivismo proposto por Alexander Wendteateoria legal crítica desenvolvida por Martti Koskenniemi - investigar o papel interativo das normas jurídicas internacionais em sua relação com o poder; Thomas Risse-Kappen (1995) formula explicações construtivistas para a paz democrática; Martha Finnemore e Stephen Toope (2001) desferem contundentes críticas às bases teóricas liberais sobre as quais se assenta o estudo da "legalização".

O maior potencial do construtivismo para o debate interdisciplinar entre juristas internacionais e teóricos da política internacional pode ser associado à sua dimensão crítica; os construtivistas caracterizam-se pela problematização dos conceitos-chave que informam o estudo das relações internacionais. Seguindo essa perspectiva, não somente os interesses dos atores, mas também a anarquia, o poder e os próprios Estados são constituídos pelas regras e normas jurídicas, que também são concebidas como construções mediadas pelas ações dos atores, prevalecendo, em última instância, a visão de que há mútua constituição entre os supramencionados elementos. Essa dimensão crítica abre um canal de diálogo entre os construtivistas e os teóricos legais críticos, como Martti Koskenniemi, para quem as normas jurídicas internacionais participam da construção de um conceito operativo de poder e são, ao mesmo tempo, constituídas pelo poder.

Para além de Dom Quixote e Sancho Pança - Relações Internacionais e Direito Internacional no Início do Século XXI

Desde o "Primeiro Grande Debate" da disciplina de Relações Internacionais, as alcunhas de "idealistas" e "realistas" acompanham, respectivamente, os juristas internacionais e os teóricos da política internacional, que acabaram por formar as suas identidades a partir dessa dicotomia que se encontra arraigada entre os internacionalistas. Essa oposição impede, contudo, uma compreensão mais profícua acerca da interface entre Relações Internacionais e Direito Internacional, a começar pela deturpação das duas teorias que, historicamente, mais influência exerceram no estudo da política internacional: o realismo e o liberalismo. A partir da obra Vinte Anos de Crise, de E. H. Carr (1939), o realismo e o liberalismo foram sobremaneira distorcidos, concebendo-se, desde então, o primeiro como uma tradição que remonta aos escritos de Maquiavel e Hobbes e o último como uma defesa do potencial autônomo das organizações internacionais e do Direito Internacional para abolir os conflitos internacionais. O realismo e o liberalismo são reduzidos, respectivamente, à apologia de uma concepção amoral da política e à defesa utópica da prevalência da harmonia de interesses entre os atores internacionais.

A dicotomia representada pelos termos "idealismo" e "realismo" de tal forma descaracteriza a relação entre Direito Internacional e Relações Internacionais que permite uma analogia com os personagens criados por Miguel de Cervantes, Dom Quixote e Sancho Pança. Estes opõem entre si, de maneira caricatural, o extremo idealismo e o extremo realismo, compondo um típico movimento dialético em que a identidade de ambos é consolidada por meio da contraposição entre o desejo de mudança que, a partir da perda de contato com a realidade, converte-se em loucura, e o pragmatismo que, a partir de um ceticismo radical, converte-se em apologia irrestrita, ainda que por vezes involuntária, das condições presentes.

Em última instância, se o "dever ser" de que se ocupam os juristas internacionais é oposto radicalmente ao "é" de que se ocupam os teóricos da política internacional, a oposição que informa a própria identidade das disciplinas de Direito Internacional e Relações Internacionais as torna fadadas à inutilidade, pois o "dever ser" perde a pretensão de "ser" e o que "é" se torna impermeável àquilo que "deve ser". Se os juristas internacionais tornam-se inúteis pela defesa de proposições irrealizáveis, os teóricos da política internacional tornam-se inúteis pelo fato de resumirem a sua função à descrição da realidade incontornável do sistema internacional, que, não permitindo ações alternativas, faz dos agentes políticos meros contempladores da realidade.

O período de maior afastamento entre as disciplinas de Direito Internacional e Relações Internacionais, resultante da conjugação entre a revolução behaviorista na última e a "decadência" da primeira, é um exemplo dos efeitos da separação radical entre Direito Internacional e Relações Internacionais. A derrocada da União Soviética, que acarretou o final da Guerra Fria, mudança histórica de imensas proporções, passou ao largo dos juristas internacionais e dos teóricos da política internacional. Para os primeiros, a bipolaridade entre duas superpotências que não hesitavam em oferecer indícios de que o Direi-to Internacional não realizaria o ideal de regular o exercício do poder em âmbito internacional resultou em um forte ostracismo, que impedia as teorizações sobre o ambiente internacional que marcaram os períodos mais proeminentes da disciplina. No caso dos teóricos da política internacional, tornou-se patente a sua incapacidade em lidar com temas como a mudança histórica, uma vez que se encontravam envolvidos em uma metodologia que impunha uma apologia implícita às condições vigentes no período da Guerra Fria. Como afirmou Robert Cox (1986:248), em referência ao neo-realismo de Kenneth Waltz: "Há uma inequívoca qualidade panglossiana em uma teoria que, publicada ao final da década de 1970, conclui que o mundo bipolar é o melhor de todos os mundos possíveis"15 15 . Cox faz uma ironia, utilizando o otimismo de Pangloss, personagem de Cândido, romance satírico de Voltaire. Segundo Pangloss, que serve de mote à crítica de Voltaire à filosofia de Leibniz, tudo sempre acontece da melhor forma possível no mundo. .

As teorias realista e liberal, da forma como descritas neste artigo, conferem coerência às histórias das disciplinas de Relações Internacionais e do Direito Internacional a partir do seu enquadramento dentro do panorama mais amplo da modernidade. Em termos filosóficos, o projeto moderno é expresso, inicialmente, na crença iluminista na razão humana como fonte do progresso. Nesse sentido, as teorias teleológicas que pregam o progresso social capitaneado pela razão humana são a característica primordial dessa faceta otimista da modernidade. Todavia, a descrença quanto ao papel da razão no mundo social, mundo este caracterizado pela ação de forças irracionais ligadas à natureza humana, imprime à modernidade um tom trágico, formando a sua faceta pessimista, quando o progresso dá lugar a uma atmosfera apocalíptica.

Como vimos, a formação das disciplinas de Direito Internacional e Relações Internacionais deveu-se, em boa medida, às propostas reformistas liberais, principalmente à defesa do primado do Direito no sistema internacional. A idéia de subsumir a política internacional em um arcabouço normativo racionalmente concebido sob a égide do Direito Internacional, acompanhado da difusão do modelo da democracia liberal, revela a crença dos primeiros teóricos de ambas as disciplinas na razão como força passível de governar as ações humanas em nível internacional. Não surpreende que, nesse período - de grande proeminência para o Direito Internacional e uma certa confusão para Relações Internacionais, que deveria esperar pela criação do paradigma realista para a consolidação de sua identidade enquanto disciplina acadêmica autônoma -, o pensamento kantianoeasua crença teleológica na razão humana como móbil para o progresso social tenham prevalecido nessas disciplinas.

A crítica realista provida por Hans Morgenthau, apoiado em uma tradição alemã que remonta ao pensamento nietzschiano, pôs em xeque precisamente o potencial da razão em governar o mundo social, derivando-se disso a incapacidade de o Direito Internacional regular a ação humana em nível internacional por meio de um arcabouço normativo racionalmente concebido. Esse movimento transformou a proeminência do Direito Internacional, do final do século XIX e início do século XX, em "decadência" no rastro de um período de forte ostracismo na disciplina, ao mesmo tempo que consolidou a identidade da disciplina de Relações Internacionais, ao descartar a subsunção dos assuntos internacionais em temas legais, conseqüência que restaria inevitável em caso de realização do ideal do primado do Direito. Tampouco surpreende que o pensamento nietzschiano tenha servido de pano de fundo para os ataques ao liberalismo que resultaram na formação do paradigma realista na disciplina de Relações Internacionais. A concepção de Morgenthau como um discípulo de Nietzsche para as disciplinas do Direito Internacional e de Relações Internacionais nada mais faz do que posicionar as referidas disciplinas na trilha filosófica de modernidade, da crença iluminista à descrença trágica no papel da razão no mundo social.

Como conseqüência dessa afinidade entre a história das disciplinas e o pensamento moderno, modernos são os limites que se impõem a juristas internacionais e teóricos da política internacional, no rastro da nova edição do debate que opõe realistas e liberais, sobremaneira semelhante àquele que teve lugar na República de Weimar na década de 192016 16 . No flanco realista, podem ser listados autores como Giorgio Agamben, Antonio Negri e Rob Walker, que se baseiam em Schmitt para a interpretação da atual realidade internacional; no flanco liberal, o destaque recai sobre Slaughter e Moravcsik, que adotam posição kelseniana, ainda com referência ao debate weimariano. . Os internacionalistas encontram-se diante da escolha entre dois pólos que se mostram igualmente insatisfatórios, pois, se a partir do realismo acabamos por militar em favor da ética da responsabilidade, que resulta em um particularismo indiferente, partindo do liberalismo, seguimos a linha monolítica e impositiva que resulta em um universalismo imperialista.

O caso paradigmático que expõe os limites impostos aos internacionalistas pela escolha entre realismo e liberalismo é representado pelas intervenções humanitárias. Por um lado, a recusa em permitir a violação do princípio da soberania em caso de desrespeito maciço aos direitos humanos implica a condenável indiferença perante demandas tão prementes quanto o restabelecimento do respeito às condições básicas para a existência e o desenvolvimento da vida humana. Por outro lado, a defesa da violação da soberania nos referidos casos abre as portas para que, a partir do discurso humanitário, as potências mais poderosas imponham valores culturais, políticos e sociais aos países menos poderosos, em flagrante desrespeito à autodeterminação dos povos.

O próprio projeto moderno traz, entretanto, uma alternativa para contrapor o niilismo que pode decorrer da necessidade de escolha entre o particularismo indiferente e o universalismo imperialista. Paralelamente ao projeto moderno que se volta para o progresso social por meio da crença iluminista na razão, crença que vem sendo contestada com maior contundência desde Nietzsche, desenvolveu-se uma tradição de pensamento que busca a conscientização do Homem de que as barreiras impostas ao desenvolvimento de suas potencialidades são socialmente construídas, não constituindo barreiras naturais intransponíveis: trata-se do projetocrítico.

O termo crítica foi utilizado primeiramente pelos humanistas e pelos pregadores da Reforma Protestante; estes últimos utilizavam a crítica dos escritos bíblicos para contestar as práticas eclesiásticas vigentes à época; contudo, foi no período iluminista que a crítica atingiu a maturidade enquanto método, sendo ligada de forma clara à noção de que a falta de liberdade do Homem era decorrente de crenças e pensamentos distorcidos, que impediam a sua emancipação. Tendo em vista o vínculo estabelecido entre a crítica e o exercício da razão no pensamento iluminista, não surpreende que Kant seja uma vez mais o ponto de partida. Nas palavras desse pensador:

"O iluminismo é a libertação do Homem da tutelagem a que ele próprio se submeteu. Tutelagem é a incapacidade de o Homem fazer uso do seu próprio entendimento sem o direcionamento dado por outro Homem. Essa tutelagem é auto-imposta se a sua causa não é a falta de entendimento, mas sim a falta de resolução e coragem para fazer uso dele sem o direcionamento de outrem. O lema do iluminismo é, portanto: Sapere Aude! Tenha coragem de usar o seu próprio entendimento" (Kant, 1970:54).

O projeto crítico sofreu alterações durante o seu percurso, que abrange o pensamento de um poderoso conjunto de autores, como Hegel, Marx e os teóricos da Escola de Frankfurt. Contudo, a busca pela emancipação do ser humano, a partir da conscientização do caráter condicional das barreiras a ele impostas, representa traço comum que une os críticos desde Kant. Na discussão que nos é particularmente relevante, o projeto crítico associa-se, em seus pontos fundamentais, às propostas dos teóricos construtivistas17 17 . As contribuições de outras correntes, como o pós-modernismo, para a evolução do projeto crítico em Relações Internacionais não pode ser dispensada; contudo, considera-se que os construtivistas avançaram as propostas difusas apresentadas no "Terceiro Grande Debate" (Reus-Smit, 1996) ao desenvolverem ontologia para o estudo das relações internacionais que permite a contestação empírica das teorias dominantes à época. .

O elemento essencial da orientação teórica construtivista consiste na constatação de que o mundo tal como o conhecemos é artificial, ou seja, é resultado da ação dos atores, e não natural, isto é, independente da ação humana. Conceitos como "anarquia" e "norma jurídica", concebidos como construções artificiais, deixam de carregar significados intrínsecos; como construções sociais, o conteúdo deles é conferido a partir das ações humanas que dão significado aos mesmos. A prevalência do behaviorismo e do positivismo no estudo do ambiente internacional, acompanhada da dicotomia entre "realistas" e "idealistas", resultou na inversão dessa relação: ou o comportamento humano era condicionado pela anarquia internacional, como sustentavam os "realistas", ou era - ou deveria ser - condicionado pelas normas jurídicas internacionais, como sustentavam os "idealistas". A "anarquia" e as "normas jurídicas" eram consideradas como elementos externos que determinavam a ação humana.

A convergência entre construtivistas e teóricos legais críticos em tor-no do enfoque sobre a relação constitutiva entre os conceitos que informam o estudo de Relações Internacionais e do Direito Internacional conduz à consideração de que o poder e as normas jurídicas internacionais são mutuamente constituídos. Assim, ao mesmo tempo que as normas jurídicas participam da construção de um conceito operativo de poder, este constitui as normas jurídicas, ao imprimir nelas as assimetrias presentes no mundo social. Nesse sentido, a relação entre poder e Direito deve ser aferida mediante o processo a partir do qual a força bruta é imbuída em uma linguagem normativa que lhe confere legitimidade, quando a força bruta se consubstancia em exercício legítimo de poder. Ocorre que, no decurso desse processo, a linguagem normativa acaba por restringir as hipóteses em que se considera haver exercício legítimo de poder, residindo nessa restrição a garantia da autonomia do Direito em face do poder.

Uma agenda crítica unindo teóricos de Relações Internacionais e do Direito Internacional pode ser traçada a partir do enfoque no referido processo em que a linguagem normativa do Direito permite e restringe o exercício legítimo do poder. Em um primeiro momento, essa agenda se voltaria para a proposta negativa que consistiria em desconstruir conceitos como anarquia e norma jurídica, que mascaram, a partir de sua concepção como elementos neutros e de existência autônoma, as relações de poder existentes no sistema internacional.

A partir da vinculação de noções como anarquia e norma jurídica aos contextos que lhe deram origem, torna-se possível expor as assimetrias presentes no cenário internacional: o exercício do poder, oculto sob o véu de elementos tidos como neutros e de existência autônoma, seria exposto à luz do dia. Uma vez exposto o exercício do poder e as assimetrias que se encontram por detrás dos conceitos basilares que informam o estudo de Relações Internacionais e do Direito Internacional, estaria aberto o caminho para que os profissionais envolvidos com o ambiente internacional se conscientizassem do caráter contingente e gerador de assimetrias, não somente dos referidos conceitos, mas também de outros, como, por exemplo, do conceito de Estado.

Em um segundo momento, a exposição do poder - ao engendrar toda a resistência que caracteriza a reação que se segue quando o exercício do poder é perceptível a olho nu - pode fomentar a compreensão do mecanismo por meio do qual a força bruta é consubstanciada em poder legítimo. A compreensão desse mecanismo, por sua vez, tende a oferecer opções para o avanço do desejo normativo que norteia, historicamente, os estudiosos tanto do Direito Internacional quanto de Relações Internacionais, a saber, a restrição e a regulação do exercício do poder de forma a enquadrá-lo dentro de padrões socialmente toleráveis, resultando disso a redução nos níveis de violência observados no cenário internacional. Esse desejo normativo, ainda que mais premente entre os teóricos do Direito Internacional, caracteriza também os estudiosos de Relações Internacionais, como prova o histórico da disciplina, particularmente dos seus dois principais paradigmas: o liberalismo e o realismo.

Os liberais, após a Primeira Grande Guerra, propunham a implementação de uma agenda que buscava restringir o exercício de poder no cenário internacional, a partir da difusão das democracias liberais e de um arcabouço normativo racionalmente concebido sob a égide do Direito Internacional. No rastro da constatação de que os níveis de violência do conflito iniciado em 1914 transcenderam aquilo que se concebia como socialmente tolerável, o liberalismo retirava a sua força da crença de que, em última instância, as suas proposições seriam responsáveis pela abolição dos conflitos internacionais.

Os realistas, após a Segunda Grande Guerra, contrapunham os liberais primordialmente a partir do argumento de que a agenda liberal, ao invés de restringir e até abolir os conflitos internacionais, fazia com que os mesmos ganhassem maior intensidade e violência por meio do exercício desenfreado do poder, sendo a ação conforme a ética da responsabilidade um imperativo moral destinado a limitar os conflitos. Os realistas, assim como os liberais, lastreavam a força de sua teoria na proposição de que ela seria responsável pela redução dos níveis de violência observados no cenário internacional.

Sob a perspectiva do desejo normativo subjacente aos juristas internacionais e aos teóricos da política internacional, constitui um paradoxo o fato de que o século que assistiu à consolidação do Direito Internacional e de Relações Internacionais como disciplinas acadêmicas tenha sido caracterizado por níveis de violência que não conhecem precedentes na história. Ao liberalismo seguiu-se a catástrofe da Segunda Grande Guerra, e o realismo não impediu, durante a Guerra Fria, o uso sem limites do poder pelas superpotências, que difundiram a violência e o terror pela periferia do sistema internacional. O nível de violência e o exercício desenfreado do poder observados durante o século XX atestam a incompetência dos teóricos de Relações Internacionais e do Direito Internacional na persecução do desejo normativo que serve de base para ambas as disciplinas.

Ao final da Guerra Fria, a proposta de uma agenda crítica unindo teóricos de Relações Internacionais e do Direito Internacional apresenta-se como alternativa para se atingir o referido ideal a partir da conjunção entre as propostas negativa e positiva apresentadas. Essas propostas permitem a implementação do projeto de conscientização do Homem - o verdadeiro e único agente no mundo social -, que deita as suas raízes na tradição crítica fundada por Kant, ao mesmo tempo que concretiza o ideal de restringir e regular o exercício do poder de forma a enquadrá-lo dentro de padrões socialmente toleráveis, resultando disso a redução dos níveis de violência observados no cenário internacional.

Notas

Artigo recebido em dezembro de 2005 e aprovado para publicação em janeiro de 2006.

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  • 1
    . O termo "Relações Internacionais" refere-se à disciplina propriamente dita, enquanto o termo "relações internacionais" se refere ao seu objeto de estudo.
  • 2
    . O termo "Direito Internacional" refere-se tanto à disciplina quanto ao conjunto do Direito objetivo. Esta indistinção é motivada pela consideração de que o termo "direito" se refere ao direito subjetivo correspondente a determinado dever jurídico.
  • 3
    . Ao redor desta concepção do Estado, situaram-se teóricos como Gettell (1910) e Willoughby (1896) (Schmidt, 1998:79).
  • 4
    . O jornal tornou-se um órgão do Institute de Droit International após a criação deste, em 1873.
  • 5
    . As críticas à concepção de "realismo" de Carr serão expostas na próxima seção.
  • 6
    . O título traduzido para o português era A Função Judicial Internacional. Natureza e Limites.
  • 7
    . A presença do irracional no pensamento alemão, na verdade, deita as suas raízes além de Nietzsche, estendendo-se aos românticos alemães, sobretudo Schelling; contudo, Nietzsche representou influência prepoderante, ligando-se de forma mais imediata e fundamental a teóricos como Max Weber, Carl Schmitt e Hans Morgenthau. A associação entre Nietzsche e o componente irracional no pensamento alemão deve-se a teóricos conservadores do entreguerras, bem como a algumas análises marxistas sobre o filófoso alemão, sendo a mais conhecida entre estas aquela feita por Georg Lukács (1967), primeiramente publicada em 1953. Posteriormente, entretanto, observou-se movimento de revisão da filosofia nietzschiana, notadamente a partir da análise feita por Gilles Deleuze (1981), inicialmente publicada em 1962 e freqüentemente apontada como o marco inicial do pós-estruturalismo. Para nossos propósitos, interessa menos a controvérsia acerca da filosofia de Nietzsche do que a leitura que teóricos como Weber, Schmitt e Morgenthau dela fizeram, motivo pelo qual, doravante, as referências a Nietzsche associam-se às interpretações conservadora e marxista, prevalecentes à época da criação do paradigma realista em Relações Internacionais.
  • 8
    . A influência de Carl Schmitt é apresentada por Martti Koskenniemi (2002) e mostra-se particularmente relevante à luz da relação entre Relações Internacionais e Direito Internacional. Christoph Frei (2001), biógrafo de Morgenthau, apresenta indícios incontrastáveis de que a maior referência para o pensamento do criador do realismo em Relações Internacionais é Friedrich Nietzsche. Morgenthau (1984), em seu esboço de autobiografia (que não ultrapassou a página 15), confere importância primordial a Max Weber. Frei (2001), entretanto, sustenta que a influência de Weber se subsume na influência de Nietzsche. A precedência concedida a Weber seria motivada pelo fato de este último ser um intelectual que adquiriu crescente respeito no ambiente acadêmico norte-americano, ao contrário de Nietzsche, cuja filosofia é cercada de polêmicas, sendo, inclusive, associada ocasionalmente ao pensamento que serviu de base ao nacional-socialismo.
  • 9
    . A interpretação conservadora da obra de Nietzsche alinhava as proposições do filósofo àquelas da direita alemã, como fica claro adiante, quando Morgenthau expressamente associa Nietzsche aos ditadores fascistas. Devidamente alimentada pelas alterações fraudulentas que a irmã de Nietzsche promoveu na obra deste filósofo, essa interpretação acaba por resultar em uma concepção particular e simplista do conceito de "vontade de poder", a despeito da contextualização do mesmo no complexo sistema filosófico nietzschiano.
  • 10
    . Faça a justiça, ainda que o mundo pereça em razão disso.
  • 11
    . O institucionalismo na disciplina de Relações Internacionais associa-se, sob variados apectos, ao surgimento das abordagens neo-institucionalistas na Ciência Política, a partir da década de 1980, mediante a proposição de que as instituições influenciam o comportamento dos agentes. Os neo-institucionalistas dividem-se entre os adeptos da análise histórica e da escolha racional, sendo os institucionalistas de Relações Internacionais tributários desta última corrente em particular.
  • 12
    . Tradução do termo de língua inglesa
    compliance, sob cuja égide é travado um longo debate de importantes implicações para as disciplinas de Relações Internacionais e Direito Internacional, sendo esta última a que concentra a maior parte da literatura sobre o assunto: ver Henkin (1968), Chayes e Chayes (1995).
  • 13
    . O estudo interdisciplinar da "legalização" encontra-se na edição especial da revista
    International Organization, vol. 54, nº3, do ano 2000.
  • 14
    . Friedrich Kratochwil,
    Rules, Norms, and Decisions - On the Conditions of Practical and Legal Reasonig in International Relations and Domestic Affairs e Nicholas Onuf,
    World of Our Making. Além disso, no mesmo ano foi publicado o livro
    From Apologyto Utopia, de Martti Koskenniemi, que defendia uma abordagem crítica para o Direito Internacional.
  • 15
    . Cox faz uma ironia, utilizando o otimismo de Pangloss, personagem de
    Cândido, romance satírico de Voltaire. Segundo Pangloss, que serve de mote à crítica de Voltaire à filosofia de Leibniz, tudo sempre acontece da melhor forma possível no mundo.
  • 16
    . No flanco realista, podem ser listados autores como Giorgio Agamben, Antonio Negri e Rob Walker, que se baseiam em Schmitt para a interpretação da atual realidade internacional; no flanco liberal, o destaque recai sobre Slaughter e Moravcsik, que adotam posição kelseniana, ainda com referência ao debate weimariano.
  • 17
    . As contribuições de outras correntes, como o pós-modernismo, para a evolução do projeto crítico em Relações Internacionais não pode ser dispensada; contudo, considera-se que os construtivistas avançaram as propostas difusas apresentadas no "Terceiro Grande Debate" (Reus-Smit, 1996) ao desenvolverem ontologia para o estudo das relações internacionais que permite a contestação empírica das teorias dominantes à época.
  • *
    Artigo baseado em dissertação de Mestrado homônima, aprovada pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio) em março de 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      Jan 2006
    • Recebido
      Dez 2005
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