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Coalizões Sul-Sul e multilateralismo: Índia, Brasil e África do Sul

South-South coalitions and multilateralism: India, Brazil and South Africa

Resumos

Este artigo busca analisar as razões motivadoras da parceria no jogo das negociações comerciais multilaterais. O objetivo é contribuir para a compreensão mais ampla sobre as bases (doméstica e internacional) do processo de constituição de coalizões internacionais, ou parcerias, de tipo Sul-Sul no novo contexto da agenda multilateral. Tal processo tem ocupado papel central na dinâmica das negociações multilaterais e regionais de comércio, particularmente no que tange às perspectivas do reequilíbrio de forças centro-periferia do sistema internacional. A reabertura de uma nova rodada de negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), com foco justamente nos novos desafios temáticos sobre comércio internacional e caminhos para o desenvolvimento, reintroduz a centralidade do papel das coalizões e alianças de tipo Sul-Sul. Este artigo analisa a convergência e divergência de interesses comerciais entre Brasil, Índia e África do Sul, dentro do quadro de interesses político-estratégicos mais amplos, mostrando que os aspectos meramente comerciais não dão conta de explicar os tipos de alinhamentos produzidos no interior da arena multilateral de comércio.

Coalizões; Negociações Multilaterais; Cooperação Sul-Sul; Organização Mundial do Comércio (OMC)


This article seeks to analyze the reasons that stimulate the multilateral trade negotiations. The purpose is going to contribute for the comprehension about the basis (domestic and international) in the constitution of international coalitions, in the new context of the multilateral agenda. The international coalitions constitution trial has occupied central paper in the dynamic one of the multilateral and regional negotiations, in particular in what plays to the perspectives of the balance of forces center-periphery of the international system. The new thematic challenges about international trade and development introduce new studies about the international coalitions and alliances on the South level. This article analyzes the convergence and divergence of commercial interests between Brazil, India and Africa of the South, inside the chart of broader political-strategic interests, showing that the merely commercial aspects do not give to count of explain the kinds of alignments that are produced in the interior of the arena multilateral of commerce.

Coalitions; Multilateralism; South-South Cooperation; World Trade Organization (WTO)


ARTIGOS

Coalizões Sul-Sul e multilateralismo: Índia, Brasil e África do Sul* * Agradecemos a preciosa colaboração de Manoel Galdino Pereira Neto, Bruno Varella Miranda e Arthur Serra Massuda na coleta de dados e discussão durante toda a execução da pesquisa. Sem esse trabalho em grupo, este artigo não seria possível. Lembrando, como de praxe, que o resultado é de responsabilidade exclusiva de seus autores.

South-South coalitions and multilateralism: India, Brazil and South Africa

Amâncio Jorge Nunes de OliveiraI I Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), professor de Relações Internacionais do Departamento de Ciência Política da USP e coordenador científico do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni/USP). II Doutora em Ciência Política pela USP, professora de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pesquisadora sênior do Caeni/USP e membra do Fórum Universitário Mercosul. III Bacharel em Ciências Sociais pela USP, mestre e doutorando pelo Departamento de Ciência Política da USP. Atualmente é pesquisador visitante na State University of New York, Buffalo. ; Janina OnukiII; Emmanuel de OliveiraIII

RESUMO

Este artigo busca analisar as razões motivadoras da parceria no jogo das negociações comerciais multilaterais. O objetivo é contribuir para a compreensão mais ampla sobre as bases (doméstica e internacional) do processo de constituição de coalizões internacionais, ou parcerias, de tipo Sul-Sul no novo contexto da agenda multilateral. Tal processo tem ocupado papel central na dinâmica das negociações multilaterais e regionais de comércio, particularmente no que tange às perspectivas do reequilíbrio de forças centro-periferia do sistema internacional. A reabertura de uma nova rodada de negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), com foco justamente nos novos desafios temáticos sobre comércio internacional e caminhos para o desenvolvimento, reintroduz a centralidade do papel das coalizões e alianças de tipo Sul-Sul. Este artigo analisa a convergência e divergência de interesses comerciais entre Brasil, Índia e África do Sul, dentro do quadro de interesses político-estratégicos mais amplos, mostrando que os aspectos meramente comerciais não dão conta de explicar os tipos de alinhamentos produzidos no interior da arena multilateral de comércio.

Palavras-chave: Coalizões – Negociações Multilaterais – Cooperação Sul-Sul – Organização Mundial do Comércio (OMC)

ABSTRACT

This article seeks to analyze the reasons that stimulate the multilateral trade negotiations. The purpose is going to contribute for the comprehension about the basis (domestic and international) in the constitution of international coalitions, in the new context of the multilateral agenda. The international coalitions constitution trial has occupied central paper in the dynamic one of the multilateral and regional negotiations, in particular in what plays to the perspectives of the balance of forces center-periphery of the international system. The new thematic challenges about international trade and development introduce new studies about the international coalitions and alliances on the South level. This article analyzes the convergence and divergence of commercial interests between Brazil, India and Africa of the South, inside the chart of broader political-strategic interests, showing that the merely commercial aspects do not give to count of explain the kinds of alignments that are produced in the interior of the arena multilateral of commerce.

Key words: Coalitions – Multilateralism – South-South Cooperation – World Trade Organization (WTO)

Introdução

O processo de constituição de coalizões internacionais1 Notas tem ocupado papel central na dinâmica das negociações multilaterais e regionais de comércio, particularmente no que tange às perspectivas de reequilíbrio de forças centro-periferia no sistema internacional. A reabertura de uma nova rodada de negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), justamente com foco nos novos desafios temáticos sobre comércio internacional e caminhos para o desenvolvimento, reintroduz a centralidade do papel das coalizões das alianças Sul-Sul.

Na prática, os esforços cooperativos dessa natureza já se consubstanciam com a constituição de uma série de coalizões, com destaque para o G-202 2 . O G-20 surgiu na Conferência Ministerial da OMC, realizada em Cancún em 2003, em resposta ao direcionamento proposto pelos países desenvolvidos em relação às negociações agrícolas dentro da OMC. São membros do G-20: África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito, Guatemala, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Filipinas, Tanzânia, Tailândia, Venezuela, Zimbábue. e o G-33 3 . Criado em junho de 2003, com a Declaração de Brasília, o fórum IBSA é constituído pela Índia, Brasil e África do Sul. Também conhecido como G-3, apresenta como propósito central a consolidação de uma parceria estratégica entre países em desenvolvimento, com três interesses comuns principais: o compromisso com instituições e valores democráticos; o empenho em vincular a luta contra a pobreza a políticas de desenvolvimento; e a convicção de que instituições e procedimentos multilaterais devem ser fortalecidos em contextos de instabilidades econômicas, políticas e relativas a questões de segurança. , este também conhecido como IBSA (sigla, em inglês, para Índia, Brasil e África do Sul). Um elemento comum nessas duas coalizões é a articulação entre Índia e Brasil e o papel de liderança que ambos os países vêm desempenhando no sentido de viabilizá-las.

Levando-se, porém, em consideração estritamente a dimensão da convergência de interesses comerciais internacionais, a parceria Índia-Brasil, no marco de esforços de construção de coalizões internacionais, é claramente contra-intuitiva. Para ficar em apenas um único exemplo, o G-20 é uma coalizão setorial (specific-issue coalition), focada no tema de agricultura. O contra-senso é que, sabidamente, Índia4 4 . Sobre o posicionamento da Índia na OMC, vale consultar os trabalhos de Surupa Gupta (2004) e Wadhva (2005). e Brasil têm interesses substantivamente divergentes na agenda multilateral de agricultura. Enquanto o Brasil tem uma posição marcadamente demandante e ofensiva – ou seja, tem disposição de liberalizar ainda mais seu mercado doméstico no jogo de barganha multilateral –, a Índia possui uma posição defensiva, protecionista, em relação ao acesso a mercados para bens agrícolas.

Com efeito, a lógica da constituição da parceria Índia-Brasil demanda explicação que vá, simultaneamente, no sentido de uma compreensão mais profunda e sistemática dos interesses econômicos de ambos os países e de outros interesses, para além das questões comerciais. Este artigo apresenta os primeiros resultados da pesquisa sobre o tema – desenvolvida pelo Centro de Estudos das Negociações Internacionais da Universidade de São Paulo5 5 . A pesquisa, intitulada Bases da Construção de Coalizões e as Negociações Multilaterais: Brasil, Índia e África do Sul, conta com financiamento da Fundação Ford. (Caeni/USP) –, cujo objetivo é cobrir a lacuna existente de análises comparativas mais sistemáticas sobre "convergência-divergência" de interesses comerciais entre Brasil, Índia e África do Sul. Trata, além disso, de analisar esses mesmos interesses comerciais no quadro de interesses político-estratégicos mais amplos. O ponto de partida fundamental é de que a focalização nos aspectos meramente comerciais não dá conta de explicar os tipos de alinhamentos que são produzidos no próprio interior da arena multilateral de comércio.

A preocupação fundamental reside em saber quais são as razões motivadoras da parceria no jogo das negociações comerciais multilaterais. A resposta a esta questão trará contribuições pontuais, simultaneamente, à teoria das coalizões e à análise das perspectivas políticas de coalizão Sul-Sul no plano multilateral. O ponto de partida é que a parceria Índia-Brasil no campo das coalizões deve ser entendida com base em três pressupostos.

O primeiro pressuposto tem a ver com o fato de que a sinergia de posicionamento entre os países parece resultar da combinação entre interesses defensivos6 6 . Por "interesses" ou "posições defensivas", entende-se posturas protecionistas ou de rechaço à liberalização do mercado doméstico ou ainda a maiores compromissos regulatórios internacionais. Em contraposição, "interesses ou posicionamentos ofensivos" equivalem a posturas que demandam maior liberalização às outras partes da negociação associadas à disposição de abrir o próprio mercado interno. O mesmo que dizer posições "internacionalistas". – a exemplo de temas como regras de investimentos e direito de propriedade intelectual – e preocupações de equilíbrio de poder extracoalizão. Sinergia de interesses ofensivos substantivos7 7 . Ver definição na nota anterior. , sejam temáticos ou setoriais, ou ainda forças de atratividade econômica, no plano do comércio e de investimentos diretos, tem papel marginal para explicar a parceria.

O segundo pressuposto está relacionado ao vetor principal da parceria, que é intergovernamental, ainda que se leve em consideração a influência de coalizões domésticas no processo de formulação de posições externas. Forças societais transnacionais ou não-governamentais, neste sentido, têm peso diminuto.

Por fim, o terceiro pressuposto tem a ver com o resultado da combinação dos dois pressupostos acima. Esta combinação faz com que a postura dos países tenha um sentido tático-estratégico, ou mesmo político, que comporta a divergência de interesses e dá sentido à ação coletiva entre os países, o que dá instabilidade estrutural à parceria.

Embora tais pressupostos encontrem plausibilidade em uma análise superficial, as bases concretas das motivações de formação de coalizões do tipo Sul-Sul requerem verificação empírica longe de estar consolidada. Nesses termos, duas hipóteses, mutuamente excludentes, devem ser consideradas.

A primeira hipótese é de que as coalizões de tipo Sul-Sul, tais como G-20 e IBSA, inscrever-se-iam em uma lógica institucional-liberal, fruto de interdependência econômico-comercial e de interesses8 8 . "Interesse" aqui está sendo usado como conceito liberal. Não há descuido quanto ao entendimento de que, em uma perspectiva construtivista de Relações Internacionais, preferência/interesses e identidade são mutuamente constitutivos. substantivos e convergentes no plano das negociações e do comércio internacional. A opção de países como Brasil e Índia tenderia a fundamentar-se, caso esta hipótese se confirme, por razões utilitárias.

Em uma segunda hipótese, as coalizões de tipo Sul-Sul inscrever-se-iam em uma lógica de cunho mais estratégico-ideológico do que fruto de interdependência econômico-comercial. A opção de países como Brasil e Índia fundamenta-se, neste sentido, em razões não-utilitárias.

O objetivo deste artigo será contribuir para a compreensão mais ampla sobre as bases da constituição de coalizões internacionais, ou parcerias, de tipo Sul-Sul, no novo contexto da agenda multilateral, tomando como indicativo das preferências desses países os posicionamentos adotados em arenas internacionais-chave.

A originalidade deste estudo deriva do fato de procurar lançar parâmetros analíticos e metodológicos sobre as novas bases estruturais da constituição de coalizões de tipo Sul-Sul orientadas para as negociações multilaterais, em um contexto em que os movimentos Norte-Sul perderam sentido imediato e força política.

Como já se pôde evidenciar nos primeiros movimentos da nova rodada de negociações da OMC, Rodada Doha, as coalizões terão um papel central. Nessas coalizões, será fundamental a liderança das potências regionais do Sul ou de países intermediários (PIs)9 9 . Inúmeros trabalhos acadêmicos dedicaram-se ao estudo do comportamento dos países intermediários no plano internacional, bem como de avaliações conceituais. O termo "intermediários" é considerado aqui no sentido operacional, uma vez que está associado à formação de coalizões. . Fenômenos de diferentes níveis contribuíram para modificar as perspectivas da nova rodada de negociações multilaterais, a saber: 1) esgotamento de estratégias puras de vetos por parte de países em desenvolvimento ou coalizões Sul-Sul em função da enorme quantidade de arranjos possíveis, trocas intertemáticas, cross-link issues etc.; 2) impactos potenciais dos novos acordos multilaterais no sentido da redução de margens de formulação de políticas industriais e de intervenção estatal no planejamento econômico; 3) importância da manutenção de regimes multilaterais de comércio robustos como contraponto a posturas unilateralistas hegemônicas; e 4) impactos derivados da proliferação de acordos regionais e bilaterais, paralelos ou complementares aos acordos firmados na OMC e com tendência a serem mais profundos e restritivos do ponto de vista da margem de formulação de políticas.

Teoria de Coalizões: Evolução e Estado da Arte

A recorrência da constituição de coalizões e a centralidade destas nos mais relevantes processos políticos concorreram para a emergência de uma "teoria das coalizões". Originalmente, a teoria das coalizões foi fundamentada e aplicada aos estudos sobre formação de governos em sistemas parlamentares para, em seguida, voltar-se aos estudos dos outros processos, inclusive no âmbito das relações e negociações internacionais. Embora em seu curso evolutivo os estudos sobre coalizões tenham variado substantivamente em termos de níveis de análises10 10 . Destacam-se os seguintes níveis analíticos: 1) preocupações quanto à motivação dos atores (países) em priorizar arranjos cooperativos Sul-Sul; 2) fatores de estabilidade e durabilidade ao longo do tempo em função de característica intracoalizão ou das condições e do contexto; 3) eficácia e impactos da ação coletiva dessas coalizões; 4) tipologia das coalizões e estratégias preferenciais; 5) estudos de caso sobre coalizões e processos de negociações multilaterais ou regionais; 6) papel de lideranças no processo de construção/constituição de coalizões; e 7) tamanho da coalizão e estratégias possíveis etc. , é pertinente agrupá-los em 1) estudos sobre o processo de formação de coalizões (theory of coalition formation), empenhados em compreender como e quais os tipos de coalizões são formados e 2) estudos sobre o comportamento das coalizões, destinados a analisá-las sob a ótica da atuação dos atores participantes e, como decorrência, da estabilidade coalicional11 11 . Ver Carraro e Marchiori (2002) e Macho-Stadler, Pérez-Castrillo e Ponsati (1998). ao longo do tempo em função dos riscos de deserção dos atores; do tipo de estratégias desenvolvidas (demandantes, de veto, mistas etc.), do padrão de atuação (conservadora versus revolucionária), da eficácia de suas ações e da distribuição dos recursos (pay-offs).

The Theory of Political Coalitions, escrito por William Riker (2003) em 1962, foi o trabalho de referência sobre o campo de estudos da formação de coalizões. Riker desenvolve, neste trabalho, o princípio do tamanho das coalizões (size principle), para o qual em jogos de soma-zero de n-pessoas, em que concessões são permitidas, em que os jogadores são racionais e têm informações perfeitas, apenas coalizões vencedoras mínimas ocorrem. Invertendo-se a formulação, quando a saída de um único membro da coalizão inviabiliza a capacidade de vitória desta, tem-se a "coalizão vencedora mínima", cuja lógica deriva do fato de que os participantes tendem a evitar maior dispersão na divisão dos benefícios derivados do processo de barganha.

A aplicabilidade do "princípio do tamanho" na formação de coalizões no campo das relações/negociações internacionais, teoria das alianças ou coalizões internacionais não foi, contudo, direta e demonstrou comportar limitações severas. De acordo com Russett (1968), com um número maior de atores, como de hábito no âmbito internacional, tornava-se difícil achar um resultado sobre a conformação da coalizão mínima. Ou seja, o princípio perdia em capacidade preditiva. Mas esta não seria, segundo este mesmo autor, a limitação principal do modelo de Riker, mas sim o fato de que tal modelo não levava em consideração as diferenças de poder intracoalizão. Não há considerações sobre como o peso político e econômico dos países poderia ser medido e ponderado no sentido de se antever formação de coalizões vencedoras mínimas no âmbito internacional.

Trabalhos subseqüentes aos de Riker buscaram forjar formulações mais abrangentes à teoria da formação de coalizões, para além da centralidade de número de atores, e trouxeram contribuições, ainda que limitadas e indiretas, ao entendimento sobre as bases da formação de alianças internacionais. Foi o caso de Willian Ganson (1961a; 1961b; 1962; 1964) em seus estudos experimentais sobre a formação de coalizões em convenções partidárias nos EUA.

Ganson (1961b) parte do mesmo suposto de Riker ao admitir que os atores tendem a evitar membros supérfluos nas suas coalizões. Avança, contudo, ao introduzir a idéia de que, no processo de formação de coalizões, os atores levam em consideração "preferências estratégicas não-utilitárias", relacionadas a preferências políticas e afinidades ideológicas. Segundo ele, o custo de formação de coalizões ideologicamente coesas é menor e o retorno (pay-off) aos participantes é maior. A despeito de não haver menções explícitas, é intuitiva a idéia de que o esforço para abarcar espectros ideológicos díspares força os proponentes das coalizões a fazerem concessões que os distanciam de seus pontos iniciais de preferência, além de tornar a coalizão mais instável pelo risco de deserção.

Theodore Caplow (1956; 1959) amplia os esforços de aprimoramento do "princípio do tamanho" da teoria de formação de coalizões. Sua contribuição específica reside na incorporação do peso relativo às avaliações de preditibilidade das iniciativas coalicionais. Caplow (1959) argumenta que, além da preocupação sobre equilíbrio de poder intercoalizões, os atores preocupam-se com o jogo de forças intracoalizões e desenvolvem estratégias no sentido de controlar os demais membros da aliança. Esta é a razão, por exemplo, para o fato de um ator intermediário preferir aliar-se a um parceiro mais fraco do que ao ator hegemônico do sistema. Com efeito, a conseqüência de uma aliança formada por um ator intermediário e uma potência seria, neste contexto, a perda de graus de liberdade e a subordinação do ator médio.

Portanto, diferentemente do que postula Riker, as preferências de parcerias são informadas pela assimetria de poder relativo dos membros. Nada mais oportuno do que essas formulações como parâmetros analíticos para o entendimento do papel dos países intermediários nos esforços de formação de coalizões no jogo multilateral. Não só os intermediários tendem, nesta ótica, a rechaçar alinhamentos automáticos com as grandes potências, como se dispõem a arcar com os custos da liderança de coalizões contra-hegemônicas12 12 . O G-20 parece figurar com exatidão nesta perspectiva. . Isso vale para arenas específicas, como é o caso de regimes internacionais, ou para fóruns abrangentes, casos da Organização das Nações Unidas (ONU) e da OMC. Contudo há que se ponderar o fato de que os exercícios experimentais de Caplow foram desenvolvidos para combinações de três atores, o que impõe limitações para estudos sobre alianças internacionais, sem invalidar a essência dos nossos argumentos.

Foram feitos avanços também no sentido de conferir centralidade analítica à questão da distribuição dos pay-offs e o papel dos side-payments no processo de formação de coalizões. Russet aponta ainda outras limitações ao modelo do tamanho mínimo. A saber, o problema da insuficiência de informações, que impinge dificuldades adicionais aos atores de calcular com precisão qual seria o tamanho mínimo. Ou, ainda, as imensas dificuldades de mensuração de poder relativo na formação de alianças. Como conseqüência, os atores tendem a alargar a base de apoio e a margem de segurança de vitória.

Em um esforço taxonômico não definitivo, mas bastante abrangente, Barbara Hinckley (1979) extrai dos principais estudos sobre coalizões, 21 variáveis explicativas sobre a formação e o comportamento das coalizões. A autora distribui essas variáveis em quatro grandes grupos: atributos dos membros (grupo 1), recursos distributivos iniciais (grupo 2), condições e regras do jogo (grupo 3) e padrões e comportamento das coalizões (grupo 4). Os tipos de relações que se estabelecem entre esse conjunto de variáveis dependem, evidentemente, do problema de pesquisa. A própria Hinckley, por exemplo, fixa o grupo 4 (padrões e comportamento das coalizões) como variável dependente, a ser explicada por meio dos outros três conjuntos de variáveis. Contudo, há que se ter clareza de que os grupos de variáveis são quase sempre mutuamente constitutivos, ou influenciam-se reciprocamente.

A tipologia de Hinckley contribui no sentido de lembrar e esclarecer que o foco central do trabalho está em estabelecer inferências sobre o comportamento das coalizões (grupo 4) com base nos atributos dos membros (grupo 1), aqui rebatizados como bases estruturais. Condições e regras do jogo entram como pano de fundo, ou como variáveis intervenientes na modelagem proposta. Em uma formação mais direta, a questão é saber quais as perspectivas das coalizões de tipo Sul-Sul, tendo em vista as novas bases estruturais em que estas coalizões são formadas (atributos do ator) e o novo contexto que operam, diante do fato de que o contexto ideológico da polarização Norte-Sul, tal como no marco da Guerra Fria, já não viabiliza com automaticidade arranjos cooperativos de tipo Sul-Sul.

Alguns trabalhos nessa direção já foram encaminhados. De fato, a literatura sobre coalizões mais voltada para as negociações internacionais preocupa-se mais em estabelecer correlações entre "tipos13 13 . A tipologia de coalizões não varia muito entre os autores e leva em consideração as seguintes dimensões: abrangência ( specific-oriented, que pode ser tanto temática quanto setorial/subsetorial, versus coalizões abrangentes), padrão de estratégias (coalizões de veto, demandantes ou mediadoras) e origem (regionais). de coalizões" e comportamento (estabilidade, estratégia e eficácia). Prevalecem os trabalhos defensores da tese de que coalizões temáticas ou setoriais (specific-issue ou setorial issue) são aquelas que reúnem condições de terem estratégias ofensivas ou demandantes (Higgot e Cooper, 1990; Rothstein, 1984) e tendem a ser mais estáveis e eficazes no sentido de garantir resultados favoráveis no jogo das negociações multilaterais.

No sentido oposto, coalizões abrangentes têm tendência a ser mais instáveis, pelo risco de deserção dos participantes, além de ter posturas de tipo veto-player. Um dos poucos trabalhos que caminham em direção oposta é o de Hamilton e Whalley (1989), defensores, à época do início da Rodada Uruguai do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade – GATT), da tese de que as coalizões specific-oriented precisavam ainda passar por uma prova de fogo, mas tendiam a ser instáveis, pois não sobreviveriam ao jogo de trocas intertemáticas (cross-over issues). Em outros termos, a focalização temática, ao invés de ser atributo de força, figuraria como elemento de fragilidade para as coalizões no jogo multilateral.

Do ponto de vista do estudo de casos, no campo das coalizões abrangentes, vale citar a Nova Ordem Econômica Mundial e o Programa Integrado para Commodities (Rothstein, 1984), que atentam para a fragilidade das coalizões abrangentes. No caso das coalizões specific-oriented, Higgot e Cooper (1990) possuem um estudo significativo sobre o papel do Grupo de Cairns na Rodada Uruguai do GATT. Higgot e Cooper chamam a atenção para o fato de que, no jogo de barganha, a eficácia desta coalizão derivou de a sua coesão ter sido forjada por convergência de interesses, já que a coalizão é constituída por grandes exportadores de commodities agrícolas. Trata-se de mais uma evidência empírica de que coalizões specific-oriented viabilizam e modulam positivamente estratégias ofensivo-demandantes.

Em estudo mais recente, Narlikar (2003) segue semelhante perspectiva. A autora estuda casos de coalizões intergovernamentais no âmbito do GATT e da OMC, orientados para responder simultaneamente quais tipos de coalizão funcionam e em que condições. Funcionar, neste caso, implica sobrevivência e efetividade. A autora conclui que as coalizões envolvendo países em desenvolvimento funcionam, ou têm maior probabilidade de funcionar, se dois pré-requisitos forem contemplados. Em primeiro lugar, se houver "coerência interna"14 14 . Coerência aqui é entendida como convergência de interesses substantivos. Sinais de incoerência são: interesses substantivos contraditórios, hierarquia ou diferenciação intracoalizão que permitam a membros menores ter posturas de carona e incorporar suas demandas à ação coletiva da coalizão, coalizão cimentada por elementos ideológicos. Quanto mais contraditórios forem os interesses, mais custoso será manter a coalizão. , entendida como interesses econômicos substantivos em comum, em contraposição a razões ideológicas/ideacionais15 15 . Narlikar e Woods (2001) tipificam, em outro trabalho, dois tipos de coalizões: 1) Alliance-type: membros de coalizões juntam-se para realizar interesses próprios (não há preocupação com identidades ou crenças). Essas coalizões são formadas em resposta a ameaças específicas antes de buscar algo direcionado. (Os membros da coalizão Café au Lait, por exemplo, buscavam equilíbrio de ganhos e perdas dentro da coalizão.) Pode-se dizer que essas alianças se desenvolvem melhor quando se restringem a um pequeno recorte temático; e 2) Bloc-type: ideologia e identidade compartilhada – por serem mais duráveis, elas se adaptam a novos temas com maior facilidade, podendo atuar em um escopo mais abrangente (exemplo: G-77. Apesar disso, essas coalizões não podem entrar em uma negociação que eroda a união do grupo. . Coalizões que careçam de "coerência interna" se encontrariam em extrema dificuldade de vir a ter influência coletiva externa. Em segundo lugar, se possuírem peso externo. A autora cita como exemplo duas coalizões, specific-oriented, que conquistaram peso externo: mais uma vez o Grupo de Cairns e a Café au Lait16 16 . A coalizão ganhou esse nome porque seus principais líderes eram a Colômbia e a Suíça. A Café au Lait viabilizou a ampla negociação ocorrida na Rodada Uruguai. .

Narlikar não desconsidera a possibilidade de que grupos abrangentes não possuam durabilidade, mas tendam a se consolidar mais como fóruns consultivos do que como atores que dispõem de maior força política para influenciar o jogo multilateral. Neste caso, os países, por desalento, tendem a depositar recursos diplomáticos em outras iniciativas.

Uma outra linhagem de estudos focaliza a perspectiva de sobrevivência e eficácia da cooperação Sul-Sul de acordo, não com as características intrínsecas da coalizão, mas com as estratégias possíveis adotadas. Tais estudos fazem, assim, clara inversão de papéis e de relação de causa e efeito. Este foi o caso do estudo de Sell e Odell (2003) sobre as negociações na OMC envolvendo o Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (em inglês, Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights – TRIPs) e Saúde Pública. Nessas negociações, a coalizão dos países em desenvolvimento, mais fraca que a dos desenvolvidos – liderada pelos EUA –, logrou obter sucesso ao fim das negociações, em um resultado inesperado.

Segundo os autores, esse resultado inesperado pode ser explicado tendo em vista aspectos conjunturais extracoalizacionais que dão caráter peculiar àquela negociação e fatores mais estruturais intracoalizacionais. Dentre estes (intracoalizão), destaca-se o tipo de estratégia adotada pela coalizão. A adoção de uma estratégia distributiva combinada com estratégia integrativa – mixed distributive strategie – permitiu aos países em desenvolvimento não só vetar novos compromissos no TRIPs que dificultassem a quebra de patentes no caso da AIDS, como ainda demandar interesses ofensivos. Nessa negociação, a garantia era de que as quebras de patentes para casos de saúde pública como o da Aids não resultariam em punição comercial.

Em última análise, a motivação dos países em optar por atuar, no jogo das negociações multilaterais, por meio de coalizões internacionais comporta explicações de diferentes matrizes teóricas. Possui um amplo espectro que vai desde uma abordagem organizacional, relacionada à diminuição de custos transacionais, principalmente para países de menor desenvolvimento relativo; passa pela análise cognitiva (Friend, Laing e Morrison, 1977; Lee e Rosenthal, 1976); neo-institucionalismo (Alt e Gilligan), com foco no papel dos grupos de interesse e instituições; neo-realistas (Dupont, 1994; Michener et alii, 1975), relacionadas à dimensão do equilíbrio de poder; até vertentes construtivistas, calcadas nas dimensões da realidade intersubjetiva, socialização e identidade como elementos-chave na constituição de coalizões. Trabalho mais recente de Narlikar e Tussie (2004), a título de exemplo, leva em consideração a questão do aprendizado, sinônimo de "socialização", em que o histórico de outras experiências de coalizões de tipo Sul-Sul são tomadas como variável-chave.

No campo da escolha racional, o trabalho de Mancur Olson (1999), A Lógica da Ação Coletiva, de 1965, consolidou-se como seminal para os estudos sobre o fenômeno da formação de coalizões. Não há, nesta obra de Olson, uma preocupação de compreender o fenômeno da ação coletiva em um campo específico, seja ele doméstico ou internacional, mas sim de apontar para uma teoria geral sobre a formação de grupos políticos e a ação coletiva.

Olson rechaça a idéia de autores baseados na filosofia política, a exemplo de Arthur Bentley, de que existiria uma "tendência natural", um instinto dos indivíduos a agir por meio de agrupamentos. Ao contrário, a motivação da ação coletiva fundamentar-se-ia em um cálculo utilitário de custo/benefício, típico dos agentes racionais do mercado, no qual a propensão dos agentes em cooperar para uma ação coletiva pressupõe a percepção de que haverá um benefício líquido marginal derivado da ação. Neste contexto, duas dimensões são chaves nas formulações olsonianas sobre ação coletiva e formação de coalizões: o tamanho do grupo e a distinção entre benefícios coletivos17 17 . "Benefício que, ao ser provido, não pode ser negado a nenhum consumidor potencial" (Mancur, 1999:26). "Benefícios coletivos: qualquer benefício que, se for consumido por uma pessoa Xi em um grupo Xi, Xii... Xn, não pode ser negado aos outros membros deste grupo" ( ibidem). Há semelhanças, neste aspecto, com a cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF) da OMC. e benefícios privados ou seletivos. Um benefício coletivo, para ser considerado como tal, deve preencher dois requisitos: de "não-excludibilidade" (uma vez tendo sido provido o bem, nenhum dos beneficiários potenciais pode ser excluído); e "partilhabilidade", que assevera que a utilização de um benefício não diminui a disponibilidade ou fruição desses benefícios para os outros.

No que tange ao tamanho do grupo, Olson defende haver uma relação inversamente proporcional entre a propensão em cooperar por meio do grupo e o tamanho do mesmo. A ampliação do grupo inibe os atores a arcar com custos da ação coletiva na medida em que, quanto maior for o grupo, menor será a relevância das contribuições individuais, assim como menor será o controle e a parcela dos benefícios gerados pela ação coletiva18 18 . Há aqui uma outra distinção importante a ser feita: benefícios inclusivos ou exclusivos. Os exclusivos são aqueles em que a entrada de novo membro é equivalente à entrada de um novo competidor (exemplo: situação de mercado). Os inclusivos são aqueles em que a entrada de um novo membro representa o ingresso de um novo contribuinte sem ônus para a partilha de um benefício: vide o ingresso de um novo morador para o rateio dos custos condominiais. Há clara proximidade desses conceitos com a idéia de soma-zero e soma positiva da teoria dos jogos. . Em outros termos, quanto maior for o grupo, mais subótimo será o provimento de benefícios da ação coletiva. Daí porque Olson se preocupa fundamentalmente com uma teorização sobre os grupos grandes, em detrimento de uma reflexão mais sistemática sobre os pequenos, cujos dilemas de ação coletiva são menores.

Estabelece-se, na perspectiva de Olson, um ciclo negativo como resultado da ampliação do grupo. Quanto maior o grupo, menor será a possibilidade de controle dos investimentos dos membros, o que facilita o efeito carona. Como conseqüência, menor será a eficácia de partição dos benefícios e a disposição dos membros em seguir investindo na ação coletiva. Este ciclo leva Olson a concluir que a ação coletiva em grandes grupos depende do provimento de benefícios seletivos (ou privados)19 19 . Para uma crítica à idéia de que o problema da ação coletiva pode ser superado com a oferta de benefícios seletivos, ver Frohlich, Oppenheimer e Young (1971), defensores da tese de que somente pelo fato de às vezes os benefícios coletivos serem racionais é que os benefícios seletivos são usados e importantes. Para exemplo da utilização de benefícios seletivos em questões substantivas, ver Oliver (1980) e Burguess e Robinson (1969). Neste caso, Burguess e Robison analisam o papel dos benefícios seletivos na constituição da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), questionando até que ponto tais benefícios ampliam a coesão e a eficiência desta aliança. aos membros dos grupos, sem os quais não haverá motivação para a cooperação coletivista.

A oferta de benefícios seletivos, também conhecida como teoria do subproduto, não seria o único dispositivo indutor da superação do dilema da ação coletiva. Russell Hardin (1982), por exemplo, avança na teorização de Olson ao introduzir a idéia de que essa superação pode ser conquistada pela ação de um "empreendedor político" (political entrepreneurs), disposto a arcar de forma desproporcional com os custos da ação coletiva em troca de interesses próprios, como projeção e liderança.

Deste modo, independentemente de ser ou não uma coalizão Sul-Sul, a formação de coalizões internacionais deve ser entendida no contexto de benefícios seletivos ou de lideranças políticas. No caso das coalizões Sul-Sul, como se verá a seguir, é muito provável que o papel de empreendedor político seja cumprido pelos países intermediários, o que conferiria a especificidade destes países no sistema.

Ação Coletiva Sul-Sul: Entre o Normativo e o Substantivo

A reemergência e proliferação de coalizões tipo Sul-Sul, no contexto atual de despolarização do sistema internacional e de internacionalização econômica, impõem desafios analíticos importantes. Alianças Sul-Sul emergiram durante o período bipolar como contraponto, ou visão alternativa, à estruturação estratégico-militar Leste-Oeste. A identidade coletiva do Sul, tal qual o Movimento dos Não-Alinhados ou a Nova Economia Internacional, foi construída por meio de uma contraposição, de um sentimento de não-pertencimento do grupo dos países do Norte desenvolvido.

Um conjunto amplo de transformações interligadas conseguiu atenuar dicotomias estruturais (Norte/Sul; desenvolvidos/não desenvolvidos) e, como conseqüência, incutiu dificuldades em se forjar identidades coletivas de países da periferia. Transformações tais como: a emergência de centros econômicos dinâmicos na periferia em moldes semelhantes aos de países desenvolvidos; opção e pressão pela integração dos países periféricos à economia internacional; interdependência e vínculos comerciais entre os países da periferia e os do centro; regulamentação internacional multilateral mais intrusiva e vinculante; competição de países emergentes pelos grandes mercados consumidores; constrangimentos progressivos a posturas de carona nos regimes internacionais etc. Fenômenos que, se não eliminam, ao menos reduzem drasticamente dicotomias que conferem identidade e sentido à ação coletiva.

Cabe indagar, nesse novo contexto, se existe propriamente uma agenda internacional do Sul. E, caso haja, se se trata de uma agenda normativa, de princípio, tal qual a dos movimentos forjados no contexto bipolar, ou de uma agenda substantiva de interesses convergentes. Em que pese o fato de que elementos normativos e substantivos possam estar simultaneamente na base da formação de coalizões, ou seja, não são inteiramente excludentes, a prevalência de uma dessas ordens de motivações tem implicações relevantes no que tange às perspectivas da ação coletiva: estratégias dominantes de perfil distributivo ou integrativo, estabilidade por conta da fidelidade dos membros pertencentes e acomodação possível de posicionamentos.

Nos moldes da proposição de Olson (1999), a agenda internacional equivale a um determinado benefício a ser provido pela ação coletiva. A inexistência de um determinado bem inviabilizaria, segundo essa perspectiva, qualquer possibilidade de ação coletiva ou, no caso específico, de formação de uma coalizão internacional. Entretanto, a existência de um bem comum é condição necessária, porém não suficiente, como se viu na primeira seção, para que a ação coletiva deixe de ser latente e passe a ser ativa. Especialmente nos grandes agrupamentos, como freqüentemente é o caso das coalizões vigentes no âmbito internacional (G-90, G-20, G-33, entre outras).

É preciso, assim, que sejam superados os dilemas da ação coletiva, tais como o da necessidade de que o provimento de benefícios aos membros participantes seja superior aos custos investidos. Tal superação, segundo Olson, depende da eliminação de agentes caronas que subotimizam o montante final de benefícios coletivos, seja pela oferta de bens seletivos positivos ou pela imposição de bens seletivos negativos. Ou, ainda, segundo Russell Hardin (1982:35), pela disposição de um empreendedor político (political entrepreunership)20 20 . Segundo Hardin (1982:35), empreendedores políticos são aqueles que, com vistas a subir na carreira, dispõem-se a prover benefícios coletivos a grupos relevantes. O autor cita, como distintos modos de empreendimento, políticos que visam atingir um grupo latente (não-organizado), mas que pode lhes render votos, e carreiristas dentro de uma determinada organização. Os exemplos, embora específicos para o universo político, ajustam-se claramente ao papel desempenhado por países que, em nome da liderança e projeção internacional, se disponham a arcar com os custos de ações coletivas, em regimes, coalizões ou outros esquemas de ação cooperativa. em arcar de forma desproporcional com o provimento dos bens públicos.

Em síntese, no sentido de compreender a formação de coalizões internacionais Sul-Sul, em uma perspectiva olsoniana, deve-se ter clareza sobre os seguintes aspectos: a natureza dos benefícios a que se destinam a ação coletiva, se de fundo substantivo ou normativo; que tipo de benefícios seletivos (positivos ou negativos), se necessário, são usados para viabilizar a ação coletiva; em que medida países intermediários distinguem-se por cumprir o papel de "empreendedor político" na constituição de tais coalizões.

Relativamente à questão dos benefícios, a formação de coalizões Sul-Sul, de fundo normativo, derivaria de uma convergência de princípios e identidade entre os participantes. Nos termos de Pizzorno (apud Santos, 1989), trata-se de uma ação coletiva não utilitarista, de formação de uma "identidade social". Neste caso, a viabilidade da ação coletiva dispensaria a convergência estrita de uma agenda substantiva. A motivação básica da empreitada coletiva é a de reforma da ordem, reequilíbrio do sistema, inclusão. Por exemplo, no campo institucional, uma agenda normativa unifica todos os outsiders ou membros menos relevantes no processo decisório, ainda que a agenda substantiva entre eles não seja convergente.

Neste caso, o benefício a que se destina a ação coletiva é evidente: a própria reforma do sistema. A superação de uma situação de latência talvez dependa ainda mais de liderança política, na medida em que a inclusão de um ator em uma reforma institucional representa interesses difusos e intangíveis, diferentemente de interesses substantivos concretos e imediatos, cujo provimento do benefício é imediato. Possivelmente, a presença de caronas é menos sensível para os investidores da ação coletiva. Mesmo sendo sensível, a seletividade dos benefícios é garantida pela proporcionalidade de poder decisório angariado em função dos investimentos individuais. O caso da reforma do Conselho de Segurança da ONU é exemplo típico.

No espectro oposto, do campo substantivo ou utilitário, é mais complexa a definição do que sejam benefícios coletivos e, portanto, mais complexa sua exiqüibilidade. Evidentemente, não há uma regra geral. Cada coalizão é um caso. Por lógica, quanto mais específica a coalizão, maior será a definição do pay-off em jogo, sendo o inverso igualmente verdadeiro. As coalizões monotemáticas e específicas – como, por exemplo, a do Grupo de Cairns, que congrega apenas grandes exportadores agrícolas – têm clareza do benefício oriundo da ação coletiva, qual seja, a liberalização do mercado agrícola mundial. Em que pese o fato de que uma potencial conquista do grupo de Cairns beneficiaria todos os potenciais exportadores agrícolas, mesmo os não investidores desta ação, a essenciabilidade do bem (liberalização agrícola) compensaria o investimento feito pela ação coletiva, resolvendo-se assim o problema do efeito carona.

Por outro lado, coalizões abrangentes, como, por exemplo, o grupo IBSA, como se verá na última parte deste artigo, são marcadas pela indefinição do que sejam os benefícios coletivos da ação coordenada. Por essência, são "bens difusos" e intangíveis. A coordenação substantiva, neste caso, é muito menos provável. Até porque há, em se tratando de coalizões abrangentes, uma composição de bens de distintas naturezas: alguns tipicamente públicos puros, outros tipicamente seletivos. A segurança internacional e meio ambiente são bens mais facilmente tipificados como "benefícios públicos puros", na medida em que preenchem os requisitos da partilhabilidade e não-exclusibilidade.

Um regime que amplie a segurança internacional, em tese, é bem público e beneficia a todos, independentemente de os potenciais usuários terem ou não arcado com o custo da ação. Um regime de segurança é específico ainda mais porque os pay-offs individuais para posturas caronas são mais elevados: o desertor de esquemas de segurança coletivos (por exemplo, eliminação de armas) sempre fica em vantagem comparativa absoluta.

Em comércio internacional, a noção de benefício público puro é muito mais dificilmente aplicável. Os regimes internacionais de comércio tendem a trabalhar com esquemas de seletividade e reciprocidade. O caso clássico de seletividade são as uniões aduaneiras, que provêm benefícios apenas aos participantes do acordo e, portanto, garantem vantagens seletivas para quem participa dele. Garantem, ainda mais, benefícios seletivos negativos aos não-participantes, na medida em que os que estão de fora são indiretamente punidos e sofrem com o desvio de comércio resultante da discricionalidade para com os terceiros. Outras regras de comércio, como, por exemplo, regras de investimento, também garantem critérios de seletividade. Os direitos e deveres são aplicáveis apenas aos participantes plenos do acordo.

Portanto, o cálculo de compatibilização de interesses em uma coalizão abrangente é mais complexo do que em coalizões específicas. Daí porque é plausível supor que as coalizões Sul-Sul abrangentes sejam cimentadas por motivações de duas categorias. A primeira, normativa, de pressão por democratização do sistema e da ordem internacional. A segunda, substantiva, mas de interesses substantivos defensivos. A agenda de Cingapura (investimentos, facilitação de comércio, política de concorrência e compras governamentais) é um caso clássico de amálgama da coalizão G-20.

Independentemente da raiz normativa ou substantiva de um benefício, a constituição das coalizões Sul-Sul é altamente dependente da presença de um empreendedor político, dado que a ação não se concretiza de forma espontânea. Este papel é quase sempre desempenhado por países intermediários (PIs). Os PIs têm simultaneamente interesse diferenciado e recursos para assumir o custo necessário para deflagrar e organizar a ação coletiva Sul-Sul, ou seja, para cumprir o papel dos political entrepreneurs (Hardin, 1982; Moe, 1988).

Por interesse diferenciado, entenda-se a peculiaridade dos PIs, diferentemente dos países pequenos, em assumir papel de liderança nos planos global e regional, e em se autoperceberem como mais afetados – em comparação tanto com os grandes como com os pequenos – pelas conseqüências dos processos internacionais. Por outro lado, contam com recursos materiais capazes de cumprir este papel. Assim, a tendência é de que os países pequenos desempenhem, dentro dessas coalizões, papéis mais passivos (do tipo carona), e que os países médios atuem como líderes.

Há que se ajustar, neste sentido, a tese central de que os países intermediários teriam como traço distintivo, comparativamente às grandes potências ou aos países menores, o fato de priorizar "as arenas multilaterais e a ação coletiva entre países similares de forma a exercer alguma meta de poder e influenciar nos resultados internacionais" (Keohane apud Soares de Lima, 2005:25). Na realidade, o traço distintivo dos PIs pode estar na maior propensão, comparativamente a países de outro porte, em atuar como empreendedor político de coalizões no âmbito multilateral.

De forma mais ou menos explícita, essa tese sobre a especificidade dos países médios aparece em vários trabalhos, em que pese a ausência de evidências empíricas suficientes para sustentá-la. É o caso do trabalho de Stephen M. Walt (1987), em sua teoria sobre coesão e alianças internacionais. Segundo Walt, os estados em situação de ameaça, das duas uma: ou adotam uma política de contrapeso, por meio da busca de aliados, ou optam pela acomodação de interesses, ou seja, cedem à pressão. A política de contrapeso é diretamente proporcional ao poder dos países, o que significa que, quanto menor o país, maior será a probabilidade de que procure a acomodação de interesses.

Neste quadro, os PIs podem optar por alianças verticais com as grandes potências, ou por alianças entre médios e pequenos países, alianças confrontativas. Mais do que tão-somente tomar parte de coalizões Sul-Sul, os PIs teriam uma postura de empreendedor político, ou de liderança (o termo Estado-diretor das coalizões expressa bem esta noção). No fundo, é como se os países de porte médio disputassem com os de grande porte uma relação de clientela com os países menores. Neste sentido, os cálculos e papéis dos países de diferentes portes no interior de uma coalizão seriam diferentes. No cálculo dos pequenos, estaria a preocupação de qual (ou quais) Estado(s)-diretor(es) da ação coletiva apresentaria(m) melhores benefícios seletivos positivos.

Além de ser menor o custo de alinhamento, comparativamente aos países de porte médio, o benefício esperado é bem menos ambicioso, ou seja, a taxa de cooptação é significativamente menor. Um exemplo disso é o efeito do Sistema Geral de Preferência (SGP) nos alinhamentos dos países pequenos com grandes potências. Este aspecto acaba por ter conseqüência no âmbito da coesão das coalizões Sul-Sul, na medida em que benefícios seletivos negativos (ameaças) ou positivos extracoalizão podem ser oferecidos aos países menores, induzindo-os a desertar da ação coletiva. Um exemplo disso foi precisamente o caso da Colômbia e do Peru, que saíram do G-20 por pressão norte-americana.

Já para os PIs, interessaria alterar as condições oligopolistas do sistema multilateral. Neste sentido, as coalizões ou ação coletiva serviriam como forma de ampliação de poder de barganha no próprio jogo das negociações ou ainda como elemento legitimador de sua posição relativa no sistema. A concepção de intermediário, portanto, estaria mais próxima da de mediador/intermediador entre o conjunto dos países em desenvolvimento e desenvolvidos.

Sendo verdadeiras essas concepções, o problema central está além da maior ou menor propensão dos intermediários em buscar adesão a coalizões Sul-Sul; está, mais do que isto, em figurar como empreendedor político (liderança) no processo de formação de tais coalizões.

Resta saber, neste sentido, quais os "benefícios seletivos" – por exemplo, no âmbito das negociações da OMC – podem e são oferecidos pelos PIs aos seus potenciais "clientes", demais parceiros intermediários ou países menores. Em outros termos, cabe indagar qual a lógica da formação de alianças entre países intermediários ou entre médios e pequenos.

Por uma tipologia de estratégias Sul-Sul

Esquematicamente, as coalizões, sejam elas Sul-Sul ou não, são criadas por razões de cunho endógeno, ou seja, por motivações intra-aliança, ou por razões exógenas, com objetivos externos à aliança. Além disso, são formadas com fins de caráter defensivo, com o fito de conter uma determinada agenda, ou ofensivo, de cunho demandante de uma determinada pauta ou agenda no plano internacional. A combinação dessas duas dimensões compõe uma tipologia básica de padrões de coalizões que podem ser agrupadas da seguinte forma: tipo I (exógeno-ofensivo); tipo II (exógeno-defensivo); tipo III (endógeno-ofensivo); e tipo IV (endógeno-defensivo).

As coalizões de tipo I, exógenas-ofensivas, representam enormes desafios do ponto de vista de ação coletiva. Diferentemente das coalizões defensivas ou reativas, o apelo mobilizador para ações demandantes é baixo. É mais fácil mobilizar os agentes para defender interesses já consolidados do que para obter novas conquistas. Além disso, os atores precisam estar orientados para um objetivo claramente convergente, a fim de que se gere a ação coletiva. Por outro lado, interesses difusos, ou divergentes, não geram ação coletiva. Um exemplo claro desse tipo de ação coletiva é a aliança feita entre Brasil, Índia, Japão e Alemanha com vistas a reformar o Conselho de Segurança da ONU.

Neste caso, não é pré-requisito que os países tenham níveis elevados de interdependência entre eles, para além da questão que motiva a aliança. Ou seja, o interesse motivador pode ser extremamente pragmático e pontual. O bem seletivo esperado por esta aliança é a conquista do objetivo que motivou sua origem, de forma que a responsabilidade do Estado-diretor é a liderança na conquista desse objetivo.

Os interesses de tipo II, exógeno-defensivo, mais se assemelham à teoria de alianças. Tem um apelo engajador mais forte do que as coalizões ofensivas. No campo da economia política, há tempo – vide trabalho pioneiro de Schattschneider (1935) – consolidou-se a idéia de que os interesses protecionistas (import-competers) são politicamente mais poderosos do que os interesses livre-cambistas. Essa mobilização teria a ver com o fato de que os interesses protecionistas são concentrados, enquanto os livre-cambistas são difusos, menos propensos a gerar mobilização política. Este raciocínio, relacionado ao papel da influência de grupos de interesses domésticos na formação de preferências externas, também é válido na formação de alianças internacionais.

Da mesma forma que o tipo I, não há necessidade de haver grande convergência de posicionamento extra-ação coletiva. O elemento unificador da ação coletiva é a contrariedade ao tópico comum (movimento antiglobalização, anti-ALCA etc.). Ação coletiva demanda menos investimentos. A liderança pode ser apenas instrumental, com a tarefa de diagnosticar o risco e incentivar a mobilização. A eficácia (de contenção) é grande. A solidariedade é mais fácil de conquistar, porém mais instável.

As coalizões endógeno-ofensivas, de tipo III, por outro lado, tem como traço marcante o fato de demandar interdependência elevada entre seus membros. O apelo mobilizador é baixo, porém, uma vez vencido o dilema da ação coletiva, é mais estável. De modo geral, as demandas por cooperação são crescentes, de forma que a exigência por incentivos seletivos é alta, assim como a cobrança em cima da liderança hegemônica. Há, além disso, uma demanda alta por supra-institucionalização do processo.

Por fim, as coalizões endógeno-defensivas, de tipo IV, demandam igualmente elevados níveis de interdependência, mas são pouco recorrentes (razão pela qual não merecem maior destaque).

A plausibilidade da noção de que as bases do ressurgimento das coalizões Sul-Sul se assentam em fatores endógenos pressuporia a idéia de que a interdependência Sul-Sul estaria se ampliando, premissa dificilmente defensável. Em vez disso, o fato é que, de mais a mais, o desenvolvimento da periferia depende de centros econômicos desenvolvidos do Norte. Quase que invariavelmente, o comércio Sul-Sul representa uma parte pouco significativa do comércio dos países da região Sul. Os vínculos Sul-Sul são, no mais das vezes, intermediados pelo Norte, em uma espécie de "triangulação regulada". Parece inquestionável que a interdependência tem fortes bases regionais, e é por aí que as demandas por "governança global" se fazem sentir, em particular por acordos de integração regional e "supranacionalização" regional.

Existem, evidentemente, outras fontes "endógenas" de demandas por cooperação Sul-Sul e formação de coalizão de países em desenvolvimento. A mais significativa diz respeito à percepção de que, ao invés do Norte, são para os pares do Sul que os países em devem olhar. Se aí se encontram males ou mazelas comuns, é aí que devem ser identificadas fontes inspiradoras da gestão de problemas comuns. Além disso, os governos periféricos poderiam estar dispostos a induzir interdependência aos pares do Sul, não por outra coisa senão efeito indireto de diversificação de dependência com as grandes potências vigentes.

Sobre a gestão de mazelas comuns, deve-se chamar atenção para o fato de que esta forma de interdependência é muito mais propensa a gerar cooperação na baixa política do que na alta. Isso se resolve com acordos de cooperação, troca de experiências, intercâmbio de instituições governamentais ou não-governamentais etc. Nada que implique os mesmos custos de alinhamentos excludentes e confrontativos com as grandes potências, perdas de graus de liberdades em ação externa ou coisas equivalentes. Sobre a interdependência induzida, vale questionar sua eficácia e viabilidade, sem que isso seja feito com bases em consensos mínimos na sociedade, elites em particular, dos países em questão. A interdependência artificial, contudo, pouco agrega.

As coalizões exógenas, por seu turno, não padecem desse tipo de problema. Sequer precisam comungar de objetivos genuínos comuns. Por vezes, aliados podem ter objetivos absolutamente distintos, mas sinergias táticas claras. À primeira vista impensável, uma coalizão entre o Grupo Africano e a União Européia pode ser formada em favor da manutenção de subsídios agrícolas na OMC. Os europeus para manterem a produção subsidiada, e os africanos para comprarem alimentos subsidiados.

As posturas demandantes por parte de coalizões exigem maior convergência de interesses do que no caso de posturas defensivas. O Grupo de Cairns, a título de exemplo, operou na Rodada Uruguai como demandante por aglutinar países com interesses específicos comuns, no caso, exportadores agrícolas. Na coalizão IBSA ou mesmo no G-20, não há esta convergência de interesses – a propósito, antagônicos em determinados aspectos. Neste sentido, trata-se de uma coalizão defensiva.

O Caso IBSA: Índia, Brasil e África do Sul

O IBSA é uma coalizão Sul-Sul emblemática, pois é constituída por três países em desenvolvimento indicados pela literatura como pertencentes a qualquer das inúmeras categorias destinada a expressar a noção de condição intermediária no sistema internacional – potências regionais, potências médias, países intermediários ou mercados emergentes. Esta especificidade possibilita avaliar o perfil, as bases da formação e as potencialidades de uma coalizão "entre potências médias do Sul".

A despeito da inexistência de evidências empíricas que confirmem premissas sobre as especificidades comportamentais dos países intermediários – seja maior propensão, comparativamente a países de maior ou menor porte, a tendências coletivistas, como operar por meio de coalizões ou ser mais multilateralistas –, esta categoria ainda é amplamente usada como fator explicativo de opções ou padrões de inserção no plano internacional. Como se viu na seção anterior, um aspecto pouco explorado deste debate é a possibilidade de que o elemento que distingue um PI de outro qualquer, seja a disposição de arcar com os custos (leia-se liderar) da ação coletiva de alianças contra-hegemônicas.

Não cabe, nesta seção, sequer testar esta hipótese de especificidade dos países médios. Dispomo-nos a um esforço de caráter mais exploratório. Tomando-os como países intermediários, conclui-se que: ou tais países têm um interesse comum/agenda internacional que sedimente a idéia de PIs, ou os interesses divergentes tornam-se compatibilizáveis justamente por se tratar de PIs. Além disso, inferências para um plano mais amplo sobre coalizões Sul-Sul podem derivar das observações sobre as limitações e perspectivas de coordenação entre países médios, responsáveis pela estruturação de coalizões Sul-Sul mais amplas, tipo G-20.

Como é sabido, a criação do grupo IBSA gerou questionamentos, tanto no plano acadêmico como político, sobre quais seriam as bases reais ou motivações dos governos participantes ao empenhar esforços em uma iniciativa de ação coletiva envolvendo países com baixo grau de interdependência socioeconômica.

Deve-se descartar, de pronto, a interdependência endógena como fator indutor da formação desta coalizão Sul-Sul. Os possíveis elementos endógenos da formação da coalizão IBSA não derivariam propriamente de "gestão de problemas comuns" e demandas crescentes por cooperação, nos moldes da interpretação de cunho neofuncionalista. Quando muito, tratar-se-ia, como se viu na introdução, de referências mútuas para lidar com problemas comuns, ou, ainda, de uma disposição governamental para induzir a ampliação da interdependência como forma de diversificação de parcerias, para além dos vínculos com grandes potências.

Sendo secundário o papel da "interdependência endógena" como fator explicativo do processo de formação do grupo IBSA, há que se analisar as bases da convergência de interesses capazes de compatibilizar uma ação coletiva por meio de uma coalizão ou aliança de interesses. Interesse, neste caso, é deduzido de posicionamento ou preferências reveladas, tomados pelos países em um conjunto de temas. Foram criados indicadores que captam as preferências dos três países reveladas na OMC e na ONU. Cada voto na ONU e cada posição na OMC foram classificados segundo quatro categorias: voto a favor da resolução; voto contrário; abstenção; e ausência de prerrogativa de voto (para o caso de algum país não poder expressar suas posições nesses fóruns em algum período da amostra). Foram recolhidos dados para um período de onze anos (de 1994 a 2004). Foi utilizado o índice de correlação bivariado (entre dois países) para medir o grau de convergência ou divergência das preferências reveladas. Em uma escala de 0 a 1, quanto mais próximo de 1 for o resultado, maior a convergência de posicionamento do país em relação ao tema pesquisado. Quanto mais próximo de 0, maior a divergência de posicionamento do país em relação ao tema.

O índice de correlação bivariado foi utilizado como uma medida dinâmica que permitisse captar o alinhamento dos países no tempo. Ou seja, para cada ano e tema foi criada uma matriz de preferência revelada de cada país. A partir dessa matriz, foram construídos quatro índices diferentes de convergência das preferências reveladas pelos países que fazem parte da coalizão IBSA: índice de convergência geral (Gráfico 1), índice de convergência para os temas de segurança internacional (Gráfico 2), índice de convergência para os temas de comércio internacional (Gráfico 3) e índice de convergência para outros temas, tais como direitos humanos, meio ambiente e cláusulas trabalhistas (Gráfico 4).





No plano geral, conforme se observa no Gráfico 1, o aspecto mais relevante diz respeito ao fato de a convergência entre Brasil e África do Sul ser sistematicamente superior a qualquer combinação que inclua a Índia. Chama a atenção também o fato de que, a partir do ano 2000, há uma inversão de tendência, de forma que a correlação entre Índia e Brasil, que até então era superior à correlação Índia e África do Sul, passa a ser inferior a esta combinação. Se não discriminada tematicamente, a convergência entre Índia e Brasil segue uma tendência declinante durante todo o período verificado21 21 . Um exercício mais exaustivo, que contemplasse um número maior de países e analisasse o comportamento das grandes potências, permitiria elucidar até que ponto as preferências dos países intermediários ou grandes países do Sul estariam se afastando ou se aproximando das dos países centrais. . Esse mesmo ano de 2000 marca o ápice da convergência de comportamento entre Brasil e África do Sul.

Nas análises mais específicas, o que se verifica é que o nível de correlação varia de forma significativa de acordo com o tema em questão. No caso da segurança internacional (Gráfico 2), revelam-se contrastes, ainda mais acentuados do que nos temas gerais, entre o posicionamento indiano e seus demais parceiros da coalizão IBSA. Em praticamente todo o período analisado, de 1994 a 2004, o índice de correlação de posicionamento da Índia com a África do Sul e o Brasil é abaixo de 0,3. É no intervalo de tempo entre 2000 e 2003 que se verificam as distâncias mais acentuadas de correlação entre o binômio Brasil/África do Sul e dois outros pareamentos envolvendo a Índia. A partir de 2003, as correlações passam a ter um viés de crescimento.

Na área de comércio internacional (Gráfico 3), verifica-se um comportamento diferente do que ocorre em segurança internacional. Na área de comércio, a década de 1990 é marcada pela elevada correlação de posicionamento, qualquer que seja o pareamento observado. A partir de 1999, porém, há uma queda acentuada das taxas de correlação de posicionamento envolvendo Brasil, tanto com a Índia quanto com a África do Sul. Esta tendência só vem a ser invertida a partir, mais uma vez, de 2003.

No caso dos outros temas (Gráfico 4), conhecidos como novos temas das relações internacionais (direitos humanos, meio ambiente e padrões trabalhistas), as correlações dos países apresentam-se em forma de picos, relativamente sincrônicos para as três combinações consideradas. A elevação de correlação mais radicalmente acentuada se dá entre a Índia e a África do Sul, de 2001 a 2003.

Portanto, das três áreas consideradas, a área de segurança internacional é aquela cuja convergência de posicionamento entre os três países é a menor, em particular graças à Índia. Embora não exista uma medida capaz de predizer a partir de qual nível de convergência a ação coletiva passa a ser exeqüível ou compatibilizável, um padrão de convergência tal qual o observado na segunda metade da década de 1990, abaixo da casa dos 30%, permite avanços analíticos sobre a base da constituição do grupo IBSA.

Quanto ao fato, por exemplo, de inexistir um contexto ou elementos capazes de subsidiar uma ação coletiva endógena na área de segurança, no interior da coalizão IBSA, ou mesmo no plano externo, é pouco provável, embora altamente desejável, que tal grupo venha a forjar uma agenda comum na área de segurança e defesa internacional, dada a distância entre suas preferências.

Resta, assim, considerar a viabilidade da coalizão IBSA na área de segurança internacional, a partir de dois componentes estratégicos e dinâmicos: dentro de um quadro de trocas intertemáticas mais amplas ou a partir de uma orientação tático-estratégica cuja finalidade seria a de reformar o sistema (exemplo do Conselho de Segurança da ONU), sem que isso signifique uma plataforma convergente em termos de regulação na matéria. Isso com um custo de acomodação elevado, inerente a coalizões formadas por membros com distância ideológica grande.

Conclusão

Do mesmo modo que a convergência de posicionamento internacional não garante, por si só, força motriz para a formação da coalizão, a divergência de posicionamento não inviabiliza a ação coletiva. Porém, há claras implicações no que tange ao padrão de coalizões formadas a partir dessas duas possibilidades.

O cenário de convergência de posicionamento comporta tanto coalizões defensivas quanto ofensivas. Porém, na situação ou áreas em que prevalece posicionamento divergente, a compatibilização depende de que seja feita como fruto de trocas intertemáticas (entre níveis distintos) ou que represente um movimento tático, cujo objetivo não transcende a democratização parcial do sistema ONU.

Parece evidente a distância ideológica de posicionamento entre Índia e os demais parceiros do grupo IBSA de que haja compatibilização de uma agenda própria do Sul em termos de regulação internacional na área de segurança. Isso equivale a dizer que a aliança IBSA, na área de segurança voltada ao jogo multilateral, assim como o posicionamento em termos de alta política, está mais para "pensamento desejável" do que para um cenário provável.

Os resultados iniciais deste trabalho chamam a atenção para a necessidade de pesquisas empíricas mais estruturadas, que ajudem na criação de parâmetros de análise sobre comportamento internacional de países, no que tange, por exemplo, ao processo de formação de coalizões de tipo Sul-Sul. Fundamentalmente, o processo de constituição de alianças Sul-Sul vem sendo tratado a partir de um pressuposto, discutível, de que a convergência de identidades de países em desenvolvimento seja o elemento aglutinador.

Uma análise mais sistemática apenas dessas coalizões, que possuem força simbólica, mostra que os interesses internacionais de países ícones do mundo em desenvolvimento, embora acomodáveis, são substantivamente distintos. Em parte, isso se deve ao fato de que, tanto em termos de realidade doméstica, quanto em termos de relação com seu entorno, tais países projetam interesses distintos na arena internacional.

Em decorrência disso, os dilemas da ação coletiva só são superados graças à equalização de elementos exógenos e defensivos, tanto no âmbito de segurança quanto no de comércio internacional. As coalizões Sul-Sul, a IBSA em particular, tendem a ser de tipo exógeno-defensivo.

Em outro nível, o trabalho ajuda a clarificar as noções sobre o papel dos países intermediários no plano da constituição das coalizões Sul-Sul. A formulação de que esses países de porte médio são tendencialmente mais coletivistas ou multilateralistas do que países de outros portes não encontra assento nas evidências empíricas. Contudo, em particular a partir da observação do comportamento da Índia e do Brasil, pode-se defender a tese de que tais países têm maior propensão a arcar com os custos do empreendimento político da formação dessas mesmas coalizões. É esta propensão diferenciada, a ser analisada em pesquisas empíricas mais calibradas, e não outra razão, que confere especificidade ao que se vem atribuindo à categoria de países intermediários.

1. "Coalizões" são grupos que se formam com propósitos de barganha e negociações coletivas. Refere-se a qualquer grupo de tomadores de decisão (decision-makers) que participam de uma negociação e que concordam em agir coordenadamente a fim de chegar a um consenso (common end) (Narlikar e Woods, 2001).

Artigo recebido e aprovado para publicação em março de 2006.

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  • Notas
  • 2
    . O G-20 surgiu na Conferência Ministerial da OMC, realizada em Cancún em 2003, em resposta ao direcionamento proposto pelos países desenvolvidos em relação às negociações agrícolas dentro da OMC. São membros do G-20: África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito, Guatemala, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Filipinas, Tanzânia, Tailândia, Venezuela, Zimbábue.
  • 3
    . Criado em junho de 2003, com a Declaração de Brasília, o fórum IBSA é constituído pela Índia, Brasil e África do Sul. Também conhecido como G-3, apresenta como propósito central a consolidação de uma parceria estratégica entre países em desenvolvimento, com três interesses comuns principais: o compromisso com instituições e valores democráticos; o empenho em vincular a luta contra a pobreza a políticas de desenvolvimento; e a convicção de que instituições e procedimentos multilaterais devem ser fortalecidos em contextos de instabilidades econômicas, políticas e relativas a questões de segurança.
  • 4
    . Sobre o posicionamento da Índia na OMC, vale consultar os trabalhos de Surupa Gupta (2004) e Wadhva (2005).
  • 5
    . A pesquisa, intitulada Bases da Construção de Coalizões e as Negociações Multilaterais: Brasil, Índia e África do Sul, conta com financiamento da Fundação Ford.
  • 6
    . Por "interesses" ou "posições defensivas", entende-se posturas protecionistas ou de rechaço à liberalização do mercado doméstico ou ainda a maiores compromissos regulatórios internacionais. Em contraposição, "interesses ou posicionamentos ofensivos" equivalem a posturas que demandam maior liberalização às outras partes da negociação associadas à disposição de abrir o próprio mercado interno. O mesmo que dizer posições "internacionalistas".
  • 7
    . Ver definição na nota anterior.
  • 8
    . "Interesse" aqui está sendo usado como conceito liberal. Não há descuido quanto ao entendimento de que, em uma perspectiva construtivista de Relações Internacionais, preferência/interesses e identidade são mutuamente constitutivos.
  • 9
    . Inúmeros trabalhos acadêmicos dedicaram-se ao estudo do comportamento dos países intermediários no plano internacional, bem como de avaliações conceituais. O termo "intermediários" é considerado aqui no sentido operacional, uma vez que está associado à formação de coalizões.
  • 10
    . Destacam-se os seguintes níveis analíticos: 1) preocupações quanto à motivação dos atores (países) em priorizar arranjos cooperativos Sul-Sul; 2) fatores de estabilidade e durabilidade ao longo do tempo em função de característica intracoalizão ou das condições e do contexto; 3) eficácia e impactos da ação coletiva dessas coalizões; 4) tipologia das coalizões e estratégias preferenciais; 5) estudos de caso sobre coalizões e processos de negociações multilaterais ou regionais; 6) papel de lideranças no processo de construção/constituição de coalizões; e 7) tamanho da coalizão e estratégias possíveis etc.
  • 11
    . Ver Carraro e Marchiori (2002) e Macho-Stadler, Pérez-Castrillo e Ponsati (1998).
  • 12
    . O G-20 parece figurar com exatidão nesta perspectiva.
  • 13
    . A tipologia de coalizões não varia muito entre os autores e leva em consideração as seguintes dimensões: abrangência (
    specific-oriented, que pode ser tanto temática quanto setorial/subsetorial,
    versus coalizões abrangentes), padrão de estratégias (coalizões de veto, demandantes ou mediadoras) e origem (regionais).
  • 14
    . Coerência aqui é entendida como convergência de interesses substantivos. Sinais de incoerência são: interesses substantivos contraditórios, hierarquia ou diferenciação intracoalizão que permitam a membros menores ter posturas de carona e incorporar suas demandas à ação coletiva da coalizão, coalizão cimentada por elementos ideológicos. Quanto mais contraditórios forem os interesses, mais custoso será manter a coalizão.
  • 15
    . Narlikar e Woods (2001) tipificam, em outro trabalho, dois tipos de coalizões: 1)
    Alliance-type: membros de coalizões juntam-se para realizar interesses próprios (não há preocupação com identidades ou crenças). Essas coalizões são formadas em resposta a ameaças específicas antes de buscar algo direcionado. (Os membros da coalizão
    Café au Lait, por exemplo, buscavam equilíbrio de ganhos e perdas dentro da coalizão.) Pode-se dizer que essas alianças se desenvolvem melhor quando se restringem a um pequeno recorte temático; e 2)
    Bloc-type: ideologia e identidade compartilhada – por serem mais duráveis, elas se adaptam a novos temas com maior facilidade, podendo atuar em um escopo mais abrangente (exemplo: G-77. Apesar disso, essas coalizões não podem entrar em uma negociação que eroda a união do grupo.
  • 16
    . A coalizão ganhou esse nome porque seus principais líderes eram a Colômbia e a Suíça. A
    Café au Lait viabilizou a ampla negociação ocorrida na Rodada Uruguai.
  • 17
    . "Benefício que, ao ser provido, não pode ser negado a nenhum consumidor potencial" (Mancur, 1999:26). "Benefícios coletivos: qualquer benefício que, se for consumido por uma pessoa Xi em um grupo Xi, Xii... Xn, não pode ser negado aos outros membros deste grupo" (
    ibidem). Há semelhanças, neste aspecto, com a cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF) da OMC.
  • 18
    . Há aqui uma outra distinção importante a ser feita: benefícios inclusivos ou exclusivos. Os exclusivos são aqueles em que a entrada de novo membro é equivalente à entrada de um novo competidor (exemplo: situação de mercado). Os inclusivos são aqueles em que a entrada de um novo membro representa o ingresso de um novo contribuinte sem ônus para a partilha de um benefício: vide o ingresso de um novo morador para o rateio dos custos condominiais. Há clara proximidade desses conceitos com a idéia de soma-zero e soma positiva da teoria dos jogos.
  • 19
    . Para uma crítica à idéia de que o problema da ação coletiva pode ser superado com a oferta de benefícios seletivos, ver Frohlich, Oppenheimer e Young (1971), defensores da tese de que somente pelo fato de às vezes os benefícios coletivos serem racionais é que os benefícios seletivos são usados e importantes. Para exemplo da utilização de benefícios seletivos em questões substantivas, ver Oliver (1980) e Burguess e Robinson (1969). Neste caso, Burguess e Robison analisam o papel dos benefícios seletivos na constituição da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), questionando até que ponto tais benefícios ampliam a coesão e a eficiência desta aliança.
  • 20
    . Segundo Hardin (1982:35), empreendedores políticos são aqueles que, com vistas a subir na carreira, dispõem-se a prover benefícios coletivos a grupos relevantes. O autor cita, como distintos modos de empreendimento, políticos que visam atingir um grupo latente (não-organizado), mas que pode lhes render votos, e carreiristas dentro de uma determinada organização. Os exemplos, embora específicos para o universo político, ajustam-se claramente ao papel desempenhado por países que, em nome da liderança e projeção internacional, se disponham a arcar com os custos de ações coletivas, em regimes, coalizões ou outros esquemas de ação cooperativa.
  • 21
    . Um exercício mais exaustivo, que contemplasse um número maior de países e analisasse o comportamento das grandes potências, permitiria elucidar até que ponto as preferências dos países intermediários ou grandes países do Sul estariam se afastando ou se aproximando das dos países centrais.
  • *
    Agradecemos a preciosa colaboração de Manoel Galdino Pereira Neto, Bruno Varella Miranda e Arthur Serra Massuda na coleta de dados e discussão durante toda a execução da pesquisa. Sem esse trabalho em grupo, este artigo não seria possível. Lembrando, como de praxe, que o resultado é de responsabilidade exclusiva de seus autores.
  • I Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), professor de Relações Internacionais do Departamento de Ciência Política da USP e coordenador científico do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni/USP).
    II Doutora em Ciência Política pela USP, professora de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pesquisadora sênior do Caeni/USP e membra do Fórum Universitário Mercosul.
    III Bacharel em Ciências Sociais pela USP, mestre e doutorando pelo Departamento de Ciência Política da USP. Atualmente é pesquisador visitante na State University of New York, Buffalo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      Mar 2006
    • Recebido
      Mar 2006
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