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Surprise, security, and the american experience

RESENHA

Surprise, security, and the american experience* * Resenha recebida em maio e aprovada em outubro de 2007. Todas as citações da presente resenha foram livremente traduzidas pelo autor.

Carlos Gustavo Poggio Teixeira

Mestre em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Universidade Estadual de Campinas - PUC-SP/Unesp/Unicamp) e doutorando em Relações Internacionais pela Old Dominion University (Virginia, EUA) como bolsista da Capes/Fulbright. E-mail: cgpteixeira@gmail.com

Os ataques de 11 de setembro de 2001 não foram os únicos que pegaram os Estados Unidos de surpresa. Mais do que isso: a resposta a esse tipo de ataque com a conseqüente redefinição da política externa a partir da idéia de que a expansão do poder norte-americano é o caminho para se garantir a segurança não é exatamente uma novidade na história do país. É a partir desses argumentos que John Lewis Gaddis estrutura o seu livro Surprise, security and the american experience, que se originou a partir de palestras dadas pelo autor sobre a política externa dos Estados Unidos.

Gaddis é professor de história da Universidade de Yale e é considerado um dos mais conceituados estudiosos da história da política externa dos Estados Unidos, notadamente durante o período compreendido pela Guerra Fria. O autor é considerado a principal figura da escola "pós-revisionista" desta guerra. Enquanto os primeiros historiadores daquele período atribuíam as origens do confronto bipolar às ações de Stalin, a escola "revisionista", que veio a seguir, via nos interesses dos Estados Unidos, especialmente nos interesses econômicos, o principal motor da Guerra Fria. A partir da década de 1970, entretanto, a escola "pós-revisionista", liderada dor Gaddis, rejeitaria ambas as proposições, argumentando que a Guerra Fria teve suas origens nos interesses conflitantes das duas superpotências, bem como nos seus desencontros e mal-entendidos. Na avaliação de Gaddis, o desaparecimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) teria evidenciado a importância dos valores democráticos, inclusive no sentido de criar uma identidade comum entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental.

Surprise, security and the american experience foi selecionado entre os melhores livros do ano de 2004 pela revista The Economist e pelo New York Times Book Review, e como o melhor livro daquele ano pelo jornal Washington Post. De fato, a obra recebeu fartos elogios por parte da crítica especializada, especialmente por colocar o debate sobre a atual política externa do governo Bush sob nova perspectiva. Destaque-se que, em seus escritos recentes, Gaddis tem demonstrado uma espécie de apoio crítico à atual estratégia de combate ao terrorismo, especialmente no que se refere à idéia de "ataque preemptivo", que abordaremos adiante. Dessa forma, um dos méritos do livro é o fato de se afastar das análises muitas vezes histéricas por parte dos inúmeros críticos do governo Bush, mas, ao mesmo tempo, sem cair em uma postura de apoio incondicional.

O argumento central de Gaddis é que o núcleo da estratégia de segurança norte-americana adotada no pós-11 de setembro encontra suas raízes nos primórdios da história do país. Para o autor, a estratégia de segurança tal como consagrada na chamada "Doutrina Bush" - baseada no tripé unilateralismo, direito de preempção e fortalecimento da hegemonia norte-americana - remonta ao início do século XIX e à Guerra de 1812 com a Inglaterra. Para Gaddis, John Quincy Adams, filho do segundo presidente dos Estados Unidos, diplomata, secretário de Estado e, finalmente, presidente, teria sido o responsável por estruturar de maneira clara essa estratégia, que já se encontrava presente em algumas formas e de maneira dispersa desde a independência. Por essa razão, Gaddis considera Adams o estrategista norte-americano mais influente do século XIX, ressaltando que seu mandato como secretário de Estado do presidente James Monroe teria sido mais relevante do que o seu próprio mandato presidencial como sucessor de Monroe.

Muito antes dos eventos de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos sofreram um ataque-surpresa que marcou de forma definitiva sua política externa. Tal ataque se deu no decorrer da guerra iniciada em 1812 com a Inglaterra. A data era 24 de agosto de 1814, quando os britânicos entraram em Washington e incendiaram a Casa Branca e o Capitólio, naquele que seria o episódio mais marcante daquele confronto. Gaddis utiliza esse evento histórico para demonstrar que a subseqüente sensação de vulnerabilidade causada então levou os Estados Unidos a delinear de forma clara, pela primeira vez, uma estratégia de longo prazo atrelando a segurança do país à expansão de seu poder. A partir de então, argumenta Gaddis, os Estados Unidos jamais adotariam uma política de introspecção quando atacados. Na verdade, o contrário passaria a ser verdadeiro - a cada ataque, os interesses e o poderio norte-americano seriam ainda mais expandidos. E é John Quincy Adams quem Gaddis identifica como sendo o precursor dessa estratégia, baseada, conforme apontado acima, nos mesmos três elementos básicos que atualmente compõem a Doutrina Bush: unilateralismo, direito de preempção e hegemonia.

Quanto ao primeiro elemento, Gaddis reforça que, diversamente do entendimento proposto por muitos políticos e analistas, o unilateralismo norte-americano não significa o mesmo que isolacionismo. De fato, tal unilateralismo deve ser entendido como uma estratégia no sentido de evitar alianças automáticas e permanentes nos moldes clássicos europeus. Nesse sentido, o autor assevera que:

Os norte-americanos sempre estiveram extensivamente envolvidos no comércio internacional, e um fluxo constante de imigração, juntamente com melhorias nos transportes e nas comunicações, produziam também uma complexa rede de conexões culturais internacionais. Os Estados Unidos evitavam, entretanto, compromissos de agir em concerto com outras grandes potências contra contingências futuras que ninguém poderia prever (p. 24).

No que concerne ao direito de preempção, cabe aqui primeiramente uma observação importante, que Gaddis toca apenas de passagem, mas que é de grande relevância para a discussão do tema: a diferença entre os usos do termo preempção e prevenção nesse contexto. De acordo com o DOD Dictionary of Military Terms, dicionário de termos militares do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, um "ataque preemptivo" (preemptive attack) é definido como "um ataque iniciado com base em evidências incontestáveis de que um ataque inimigo é iminente" (DOD, 2005a). Por outro lado, a "guerra preventiva" (preventive war) é definida como a "guerra iniciada a partir da crença de que um conflito militar, mesmo não iminente, é inevitável, e que atrasá-la envolveria grandes riscos" (DOD, 2005b). Assim, entendemos que a estratégia da guerra preventiva possui pelo menos duas diferenças importantes em relação ao ataque preemptivo - a primeira, de ordem temporal, visto que a lógica por trás da iniciação de uma guerra preventiva é impedir que uma ameaça se concretize em um futuro mais distante, mesmo não havendo evidências imediatas de um ataque inimigo. A segunda diferença refere-se à natureza subjetiva dos indícios que levariam à efetivação do ataque. Dessa forma, a utilização oficial do termo preempção, portanto, ocorre porque esta - apesar de utilizada muito raramente - é uma opção reconhecida pela legislação internacional, ao passo que a guerra preventiva não o é.

Por conseguinte, o uso que Gaddis faz do termo ao longo do livro, se formos nos ater ao seu significado estrito, aproxima-se mais da idéia de guerra preventiva, apesar de o autor utilizar apenas o termo preempção.2 Gaddis nota que essa estratégia, com a única exceção da intervenção nas Filipinas em 1898, foi utilizada pelos Estados Unidos ao longo do século XIX apenas no hemisfério ocidental, o que era coerente com a posição desse país como potência regional durante esse período. Entre os exemplos citados pelo autor estão a guerra com a Espanha em 1818 acerca da Flórida e a anexação do Texas em 1845, sob a alegação de que "aquele território poderia não estar apto a garantir sua independência [...], e que os britânicos ou franceses poderiam vir a invadi-lo" (p. 18-19).

Finalmente, Gaddis destaca o terceiro elemento da estratégia norte-americana surgida a partir de Adams - a idéia de hegemonia, ou seja, a rejeição da "idéia de que os Estados Unidos poderiam ou deveriam coexistir, de igual para igual, com quaisquer outras potências, no continente americano" (p. 26). Gaddis ressalva que a busca dos Estados Unidos pela hegemonia no continente americano levou a uma diferenciação entre as idéias de soberania e de esferas de influência, ou seja, a principal preocupação dos Estados Unidos não era fundamentalmente invadir ou anexar territórios, mas atuar de forma a impedir que potências européias o fizessem. Dessa forma, os Estados Unidos buscariam diferenciar-se do contexto europeu ao afirmarem, no continente americano, não um equilíbrio de poder, mas uma preponderância de poder.

A partir da apresentação desses três elementos básicos da estratégia de segurança norte-americana, Gaddis analisa a resposta dos Estados Unidos aos outros dois ataques-surpresa de sua história - o bombardeio japonês em Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941 e, finalmente, os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Nesse ponto, Gaddis empreende uma análise importante e que merece atenção. Para o autor, a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial deu início a um processo de extensão do alcance do poder norte-americano, antes restrito ao hemisfério ocidental, para uma estratégia de abrangência global. No entanto, Gaddis faz questão de ressaltar uma importante distinção entre o que Adams preconizava no século anterior e a estratégia adotada por Roosevelt, visto que o último buscaria afastar-se das idéias de unilateralismo e preempção, apesar de manter (ainda que não "abertamente", segundo Gaddis) o elemento da hegemonia. Ora, como pretendia Roosevelt manter tal hegemonia sem o apoio dos outros dois componentes? De acordo com Gaddis, o substituto rooseveltiano para o unilateralismo e a preempção era a idéia do consenso. Tal consenso teria sido alcançado, de certa forma, após a Segunda Guerra Mundial e durante a Guerra Fria, baseado naquilo que Gaddis define como a possibilidade de "algo pior", ou seja, a hegemonia soviética. Destarte, a idéia de consenso é de central importância na análise de Gaddis tanto para o entendimento da estratégia de Roosevelt baseada no multilateralismo e na rejeição à preempção enquanto princípio, como para o autor fazer a diferenciação em relação aos outros dois períodos analisados por ele. Ou seja, tanto com Adams, como com Bush, o componente do consenso não está presente na engrenagem de segurança norte-americana.

Essa é apenas uma das semelhanças que Gaddis enxerga entre ambos os períodos, e é aqui que reside o principal interesse de seu livro. Na medida em que muitas análises freqüentemente descrevem as políticas levadas a cabo pela atual administração na Casa Branca como uma ruptura radical com o que seriam as "tradições" norte-americanas em política externa, a obra de Gaddis coloca o debate em uma perspectiva completamente distinta. De certa forma, o livro pode ser considerado como uma resposta a uma outra obra publicada um ano antes e que obteve ampla divulgação tanto nos Estados Unidos, como internacionalmente. Trata-se de America unbound: the Bush revolution in foreign policy, de Ivo Daalder e James Lindsay (2003), na qual defendem que as políticas adotadas por Bush em resposta aos ataques terroristas de 2001 representariam uma "profunda inovação estratégica" (DAALDER; LINDSAY, 2003, p. 125). Os autores concentram-se principalmente na questão dos ataques preemptivos, afirmando que isso representaria "um enorme desvio na política externa norte-americana" (DAALDER; LINDSAY, 2003, p. 122), visto que significaria o "abandono de um consenso estabelecido há décadas que colocava a dissuasão e a contenção no coração da política externa norte-americana" (DAALDER; LINDSAY, 2003, p. 125).

O autor não apenas discorda fortemente de tais considerações, como analisa a resposta norte-americana aos eventos de 11 de setembro de 2001 como um retorno à estratégia consagrada com Adams desde o início do século passado, ou seja, a hegemonia baseada no unilateralismo e na preempção, segundo apontado acima. Assim, Gaddis, que, conforme assinalamos, é um dos mais conceituados estudiosos da Guerra Fria, não incorre no equívoco comum de simplesmente esquecer toda a história da política externa dos Estados Unidos anterior ao ataque a Pearl Harbor. Portanto, o professor de Yale oferece uma visão bastante distinta das que prevaleciam no debate sobre a atual política externa norte-americana desde então, colocando para dialogar dois presidentes separados por quase duzentos anos de história. Nessa direção, o autor avalia que: "Apesar de algumas óbvias diferenças de personalidade, John Quincy Adams e George W. Bush não teriam muita dificuldade, no que diz respeito à segurança nacional, em entender um ao outro" (p. 38). O problema é que, conforme aponta Gaddis, tais métodos "soam mal" no início do século XXI, de modo que resiste uma evidente dificuldade em se manter um grau aceitável de consenso (p. 67). Com o desaparecimento da União Soviética, desaparecia também, ao menos provisoriamente, a possibilidade de "algo pior" em relação à hegemonia norte-americana, enfraquecendo dessa forma o consenso em torno dela. Nesse contexto, Gaddis avalia que as ações norte-americanas que se seguiram aos atentados de 2001 causaram uma sensação crescente em algumas partes do mundo de que "nada poderia ser pior do que a hegemonia norte-americana se ela fosse usada dessa forma" (p. 100-101).

Portanto, a análise de Gaddis acerca da política externa de segurança levada a cabo pelo governo Bush é bastante relevante para a discussão atual do tema. A importância que o autor confere ao atual governo norte-americano fica clara quando ele afirma que os ataques terroristas de 2001 levaram os Estados Unidos a redefinir, "apenas pela terceira vez na sua história" (p. 85), os pressupostos básicos de sua política de segurança. Ou seja, se Adams oferecia uma visão de hegemonia continental e preponderância de poder, enquanto Roosevelt concebia os Estados Unidos como uma potência de alcance global, mas atuando em concerto com outras potências, Bush passaria para uma visão de hegemonia global, visando principalmente a derrubada de regimes considerados hostis aos interesses norte-americanos, particularmente aqueles que financiam ou dão apoio a atividades terroristas. Logo, a novidade do governo Bush não estaria tanto nos meios, mas no alcance global da estratégia. A partir dessa constatação, Gaddis empreende uma apreciação mais específica do governo Bush, a fim de explicitar as diferenças entre os governos Adams e Bush, e apresentar suas principais críticas à estratégia perseguida pelo último.

O autor utiliza o episódio da invasão ao Iraque como um exemplo para caracterizar a política de Bush para a região do Oriente Médio - uma estratégia denominada de "choque e espanto" (shock and awe), ou seja, criar uma situação tanto no plano material quanto, principalmente, no plano psicológico que permita o duplo objetivo de transformar o Oriente Médio a partir da perspectiva dos Estados Unidos e de intimidar futuros ataques terroristas. Tal estratégia seria baseada em uma espécie de teoria dominó em que o Afeganistão e o Iraque seriam apenas as primeiras peças a cair. Assim, após apontar, durante a maior parte do livro, os pontos de contato entre Adams e Bush, Gaddis aproveita o exemplo supracitado para assinalar algumas diferenças importantes entre ambos. A primeira e mais evidente é o alcance global da estratégia do atual presidente norte-americano, ao passo que no século XIX seu alcance se restringia ao hemisfério ocidental. A segunda é o fato de o governo Bush ter declarado de forma pública e oficial o direito de preempção, visto que, ainda que os Estados Unidos mantivessem essa opção ao longo de sua história, tal opção não era publicamente declarada. Finalmente, Gaddis observa que a administração Bush não seguiu um famoso conselho proferido por Adams - o de que os Estados Unidos não deveriam ir ao exterior "em busca de monstros para destruir". Segundo o autor, "É aqui, então, que o legado de Adams e a estratégia de Bush se separam, pois Adams temia que tal busca faria dos Estados Unidos o 'ditador do mundo'. Bush, em contraste, vê os Estados Unidos como garantindo a liberdade ao redor do mundo" (p. 110).

No que se refere às críticas em relação à estratégia adotada por Bush, Gaddis destaca duas observações. A primeira, conforme mencionado acima, é a decisão da administração de declarar de forma pública o direito de preempção. Tal decisão evidentemente tornou difícil a manutenção de um consenso, que Gaddis considera como fator central para o sucesso dessa estratégia. Além disso, o alcance global de tal estratégia, em contraste com o alcance limitado da época de Adams, fez com que, de acordo com Gaddis, o shock and awe se estendesse além das fronteiras do Oriente Médio. Nesse ponto, é importante acrescentar que a obra foi publicada em 2004, portanto pouco tempo depois da invasão ao Iraque, o que evidentemente fez com que o autor não se aprofundasse muito no tema. Entretanto, considerando que Gaddis foi um dos intelectuais que apoiou a guerra no Iraque, esse é um tema que não podemos negligenciar. Observando que a maioria das análises feitas após a publicação do livro apontam para um retumbante fracasso de tal estratégia, tanto do ponto de vista do combate ao terrorismo transnacional como da manutenção de um nível de segurança minimamente razoável no Iraque, como Gaddis se posiciona no debate? É bem verdade que Gaddis não produziu mais muitas obras sobre o tema desde a publicação do livro, mas deu algumas respostas em um artigo na revista Foreign Affairs (GADDIS, 2005). Nele, o autor defende a opção de guerra preventiva no combate ao terrorismo, mas admite que, do ponto de vista do apoio internacional, tal estratégia foi um "fracasso" e que os Estados Unidos deveriam agora buscar formas de legitimá-la, esforçando-se para ganhar maior apoio multilateral. Gaddis menciona os casos da primeira Guerra do Golfo em 1991, da Bósnia em 1995 e de Kosovo em 1999, para concluir que o "Iraque é a exceção e não a regra, e há lições para serem aprendidas dessa anomalia" (GADDIS, 2005). Gaddis também reconhece as dificuldades das tropas norte-americanas em solo iraquiano, mas se esforça em provar que o "Iraque não é o Vietnã" (GADDIS, 2005), visto que as perdas norte-americanas na Indochina foram bem mais significativas do que no Oriente Médio.

A segunda crítica que o autor menciona no livro em relação à estratégia adotada por Bush se refere à estratégia de transformação do Oriente Médio, baseada na idéia de difundir a democracia naquela região, o que é de fato um paradoxo a ser resolvido pelos estrategistas norte-americanos. O autor pergunta-se se os Estados Unidos estariam dispostos a arriscar eleições livres no Oriente Médio, tendo em vista a possibilidade de tais eleições resultarem na emergência de governos com interesses contrários aos norte-americanos. Por enquanto, com a manutenção de um governo relativamente simpático aos Estados Unidos, tal preocupação está relegada a segundo plano, mas sem dúvida é um tema importante para reflexão futura. Gaddis também questiona se a promoção da democracia é uma forma realmente eficaz de combate ao terrorismo, ou se as causas seriam mais profundas e de difícil definição. Certamente são questionamentos pertinentes que devem constar em quaisquer debates futuros sobre a estratégia de segurança dos Estados Unidos no pós-11 de setembro de 2001.

De qualquer forma, a despeito dessas críticas, Gaddis oferece uma visão bem mais otimista do que a maioria das análises a respeito da guerra no Iraque, e não discute tanto os méritos da guerra em si, que são amplamente contestáveis, mas sim o que concerne ao aspecto, digamos, de "relações públicas", ou seja, a incapacidade norte-americana de angariar maior apoio internacional para essa empreitada. O que Gaddis não deixa claro é que as justificativas apresentadas pelo governo norte-americano para a invasão ao Iraque foram muito pouco convincentes, e já de antemão contavam com pouco suporte internacional, ao contrário das outras intervenções que ele menciona, como a guerra da Bósnia e a própria guerra do Afeganistão, logo em seguida aos ataques terroristas de 2001. "Espalhar a democracia" à força, soa bem mais estranho aos não norte-americanos do que motivos mais concretos, como foi o caso em outras intervenções. Outra observação que poderia ser feita é se a importância que Gaddis dá à estratégia adotada pela administração Bush, como tendo redefinido a política de segurança dos Estados Unidos "apenas pela terceira vez na sua história", não é exagerada. Gaddis não explica, por exemplo, por que a "Doutrina Bush" teria mais relevância do que, digamos, a "Doutrina Truman", esta sim talvez a primeira doutrina norte-americana de alcance explicitamente global. Provavelmente, apenas a distância histórica possa nos dar a verdadeira dimensão da importância da política de combate ao terrorismo que culminou na invasão do Afeganistão e, principalmente, do Iraque.

Nota

1. Porém, feita esta ressalva, utilizaremos ao longo desta resenha o termo preempção a fim de nos atermos exclusivamente à opção de Gaddis. Em um artigo posterior à publicação do livro, Gaddis argumenta que a divisão entre guerra preventiva e ataque preemptivo estaria superada no novo cenário das relações internacionais, visto que "esperar que ameaças terroristas tornem-se claras e imediatas representaria deixar a nação vulnerável a ataques surpresas" (GADDIS, 2005).

  • DAALDER, Ivo H.; LINDSAY, James M. America unbound: the Bush revolution in foreign policy. Washington: Brookings Institution Press, 2003.
  • DOD Dictionary of Military Terms. Preemptive attack. Washington: Defense Technical Information Center, 2005a. Disponível em: <http://www.dtic.mil/doctrine/jel/doddict/data/p/04231.html>. Acesso em: 16 abr. 2008.
  • ______. Preventive war. Washington: Defense Technical Information Center, 2005b. Disponível em: <http://www.dtic.mil/doctrine/jel/doddict/data/p/04269.html>. Acesso em: 16 abr. 2008.
  • GADDIS, John Lewis. Grand strategy in the second term. Foreign Affairs, v. 84, n. 1, jan.-fev. 2005. Disponível em: <http://www.foreignaffairs.org/20050101faessay84101/john-lewis-gaddis/grand-strategy-in-the-secondterm.html>. Acesso em: 16 abr. 2008.
  • *
    Resenha recebida em maio e aprovada em outubro de 2007. Todas as citações da presente resenha foram livremente traduzidas pelo autor.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008
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