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A economia política dos Fundos de Riqueza Soberana

The political economy of Sovereign Wealth Funds

Resumos

Os Fundos de Riqueza Soberana (FRS) são novos atores dentro do atual regime monetário e financeiro internacional. A atuação dos FRS representa o retorno da participação do Estado no sistema financeiro internacional, o que levanta vários questionamentos quanto aos verdadeiros objetivos desses fundos, ou seja, se os fundos atuam em busca de lucro ou por motivos políticos-estratégicos. O objetivo do artigo é analisar se a ausência de uma regulamentação internacional à atuação dos FRS pode ser entendida dentro da concepção de regimes internacionais ou deve ser pensada a partir das relações de interesses entre os diferentes Estados.

Economia Política Internacional; Fundos de Riqueza Soberana; Desregulamentação; Regime Financeiro Internacional


Sovereign Wealth Funds (SWFs) are new actors in the current international monetary and financial system. The performance of SWFs represents the return of states' participation in the international financial system, which raises several questions about the true goals of these funds, mainly whether funds pursue profit or political-strategic goals. This article analyzes whether the absence of regulation of SWF investment can best be understood based on an international regimes perspective, or rather is driven by the relationship between the interests of specific states.

International Political Economy; Sovereign Wealth Funds; Deregulation; International Financial Regime


ARTIGOS

A economia política dos Fundos de Riqueza Soberana

The political economy of Sovereign Wealth Funds

Patricia Fonseca Ferreira ArientiI; Luan VieraII

IDoutora em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPA), professora adjunta da graduação e da pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisadora do grupo de Economia Política Internacional do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). E-mail:pffarienti@gmail.com

IIGraduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: luan.vieira0@gmail.com

RESUMO

Os Fundos de Riqueza Soberana (FRS) são novos atores dentro do atual regime monetário e financeiro internacional. A atuação dos FRS representa o retorno da participação do Estado no sistema financeiro internacional, o que levanta vários questionamentos quanto aos verdadeiros objetivos desses fundos, ou seja, se os fundos atuam em busca de lucro ou por motivos políticos-estratégicos. O objetivo do artigo é analisar se a ausência de uma regulamentação internacional à atuação dos FRS pode ser entendida dentro da concepção de regimes internacionais ou deve ser pensada a partir das relações de interesses entre os diferentes Estados.

Palavras-chave: Economia Política Internacional – Fundos de Riqueza Soberana – Desregulamentação – Regime Financeiro Internacional

ABSTRACT

Sovereign Wealth Funds (SWFs) are new actors in the current international monetary and financial system. The performance of SWFs represents the return of states' participation in the international financial system, which raises several questions about the true goals of these funds, mainly whether funds pursue profit or political-strategic goals. This article analyzes whether the absence of regulation of SWF investment can best be understood based on an international regimes perspective, or rather is driven by the relationship between the interests of specific states.

Keywords: International Political Economy – Sovereign Wealth Funds – Deregulation – International Financial Regime

Introdução

Um regime de transações financeiras internacionais1 1 . De acordo com Satto (2012), um regime de transações financeiras internacionais é referido usualmente como sistema financeiro internacional. é o conjunto de regras, normas e instituições formais e informais que orientam os fluxos de capitais na economia internacional. O atual regime das transações financeiras internacionais, formado após o fim do sistema de Bretton Woods, substitui um regime monetário e financeiro, ancorado no padrão ouro-dólar e no controle de capitais, por um regime baseado no padrão dólar flexível, desregulamentado e com ampla mobilidade de capitais. Dentro desse novo regime financeiro internacional, o capital financeiro privado tem sido o ator mais relevante, de tal forma que os investidores institucionais (fundos de pensão, fundos de hedge etc.) e os bancos privados internacionais são os grandes responsáveis pela dinâmica operacional desse sistema.2 2 . As sucessivas crises financeiras internacionais têm mostrado, no entanto, que o arranjo financeiro pós-Bretton Woods não pode ser considerado um regime estável, capaz de estabelecer regras e normas que limitem e orientem as ações dos seus principais atores.

A contrapartida da expansão do capital financeiro privado foi uma mudança na forma de atuação estatal na estrutura financeira. Ao reduzir sua intervenção nos mercados financeiros domésticos e ao reduzir os controles de capitais externos, os Estados nacionais abdicaram de sua capacidade de interferência no sistema financeiro, tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Não se pode dizer, no entanto, que os Estados nacionais deixaram de ser atores relevantes no atual regime financeiro. Através da implementação de reformas neoliberais, os Estados garantiram ao capital financeiro o ambiente necessário para que a plena mobilidade de capitais financeiros pudesse ocorrer. Em outras palavras, os Estados nacionais deixam de atuar como reguladores do sistema financeiro e tornam-se promotores da desregulamentação e da liberalização financeira.

É dentro desse contexto que a atuação recente dos Fundos de Riqueza Soberana (em inglês, Sovereign Wealth Funds) deve ser analisada: como fundos de investimento estatais, através dos quais os Estados nacionais se tornam novamente atores diretos dentro do atual regime financeiro. O crescimento do volume dos recursos disponibilizados por esses fundos os torna um ator cada vez mais relevante dentro do regime financeiro internacional, uma vez que, através dos investimentos feitos por fundos controlados pelos Estados, os investidores institucionais deixam de ser apenas investidores privados.

Além disso, a partir da atuação dos fundos estatais como investidores institucionais globais, estabelece-se uma nova relação entre Estado e mercado: não apenas os Estados passam a atuar diretamente dentro do sistema financeiro internacional, como parte substancial da riqueza financeira está se deslocando da esfera privada em direção à esfera estatal. Em outras palavras, o surgimento e a proliferação dos fundos estatais têm ampliado o papel do Estado no sistema financeiro internacional, pois os governos dos países detentores desses fundos passam a exercer um papel não apenas de garantidor do espaço de atuação do capital privado, mas, também, de investidor direto no mercado financeiro global, através dos investimentos dos fundos soberanos. Segundo alguns autores (TRUMAN, 2008; WOLF, 2007), a expansão dos Fundos de Riqueza Soberana (FRS) representa um retorno do Estado dentro da arena financeira global.

Considerando que os Fundos de Riqueza Soberana são fundos de investimento estatal, existe, portanto, uma constante tensão por parte dos países receptores desses investimentos entre, de um lado, a lógica liberalizante e desregulamentada dos fluxos de capitais internacionais; e, por outro lado, o receio de que esses fundos estatais possam ser utilizados como instrumentos de geopolítica por parte dos países que os possuem. Não existe, até o momento, uma regulamentação específica para a atuação dos fundos estatais, embora essa tensão seja crescente.

Este artigo busca, assim, analisar a ausência da regulamentação específica sobre a atuação dos fundos estatais dentro da concepção de regimes internacionais. Para tal, na próxima seção, discute-se a utilidade do conceito de regimes internacionais para entender a relação entre investimentos estatais internacionais e Estados nacionais. Na seção posterior, discutem-se os avanços e retrocessos para a criação de uma regulamentação específica aos Fundos de Riqueza Soberana. E, finalmente, a última seção conclui o artigo.

Regimes Internacionais

Segundo teorias institucionalistas das Relações Internacionais, um regime internacional é um conjunto de princípios (crenças), normas (padrão de comportamento), regras (conjunto de ações que podem ser usadas para se chegar aos mesmos propósitos), instituições e processos decisórios que orientam as ações e iniciativas internacionais em determinadas áreas, delimitando e restringindo, portanto, a conduta dos atores envolvidos (KRASNER, 1986).

Regimes são criados com o objetivo de resolver problemas de coordenação que tendem a resultados não pareto-eficientes. Para Robert Keohane (2005), Estados nacionais aderem aos regimes internacionais devido à constatação de que, em algumas situações, decisões negociadas coletivamente são mais eficientes do que quando tomadas de forma unilateral e individual.

Outro elemento importante na definição de regimes é que eles são formados ao redor de áreas de interesse, ou seja, regimes são circunscritos a uma área temática específica, a partir da qual os temas relacionados a essa área são tratados dentro de um mesmo arranjo político e segundo as mesmas regras.

Assim, a mais importante função dos regimes seria facilitar as negociações entre governos, sendo que os governos aceitam as regras e os princípios de um regime internacional pelas seguintes razões:

1. Regimes permitem a coordenação das ações dos diferentes Estados visando um único resultado. Com isso, reduzem o leque de alternativas de decisão possíveis e reduzem a complexidade das relações internacionais.

2. Os princípios e regras de um regime estabelecem expectativas mútuas sobre o comportamento de outros, permitindo que as partes se adaptem a cada nova situação. Ao aderir aos princípios e regras do regime, os Estados podem estabelecer suas expectativas sobre o comportamento de outros parceiros, assim como as formas que seus parceiros se adaptarão a cada nova situação.

3. Regimes, ao tornar as informações mais abertas e mais difundidas, reduzem as incertezas de seus atores, uma vez que reduzem a assimetria de informações.

4. Finalmente, regimes reduzem os custos de transações, uma vez que contratos, convenções e quase-acordos fornecem informações e padrões de custos de transações.

Resumindo, os regimes são formados a partir da cooperação entre seus atores, uma vez que eles acreditam que a adesão ao regime pode levar à obtenção de acordos com benefícios maiores do que na ausência do regime. Assim, governos frequentemente se comportam de acordo com as regras do regime internacional estabelecido, devido tanto à constatação de que, por vezes, negociações coletivas podem ser mais eficientes do que as tomadas unilateralmente, quanto à percepção das consequências advindas de uma discórdia resultante da violação às regras (KEOHANE, 2005).

Krasner (2012, p. 95) ressalta, no entanto, que existe uma distinção fundamental entre princípios e normas, de um lado, e regras e procedimentos, de outro. Os princípios e as normas são características definidoras de um regime e, portanto, as mudanças nos princípios e nas normas são mudanças do próprio regime. Por outro lado, existem diferentes regras e procedimentos de tomada de decisão que podem ser adotados em um regime em consonância com seus princípios e normas. Ou seja, "mudanças em regras e procedimentos de tomada de decisão são mudanças internas aos regimes, desde que os princípios e as normas não sejam alterados" (KRASNER, 2012, p. 95).

Um dos princípios fundamentais que caracteriza a configuração do atual regime monetário e financeiro internacional é a liberalização dos fluxos de investimento internacional. Embora esse regime tenha sido construído de forma a atender os interesses dos principais Estados dentro do sistema internacional, a proliferação dos fundos estatais pode questionar a funcionalidade de tal regime. A restrição ou a regulamentação da entrada dos investimentos oriundos dos fundos estatais por parte dos países receptores desses investimentos poderia representar um rompimento com um dos princípios do atual regime financeiro internacional, marcado pela liberalização dos fluxos de investimentos internacionais.

Assim, dentro da concepção de regimes, a ideia de modificar princípios através da regulamentação específica de uma determinada modalidade de investimento, o investimento estatal, pode ter um custo elevado, uma vez que abriria o espaço para o aprofundamento da discussão sobre a necessidade de um novo desenho para o sistema financeiro internacional através de medidas mais robustas de controles dos fluxos de capitais internacionais. Ao mesmo tempo, uma regulamentação específica sobre investimentos estatais por parte dos países desenvolvidos pode acarretar reações nacionalistas nos países detentores de Fundos Soberanos e contribuir para o aumento do protecionismo nas economias em desenvolvimento.

Susan Strange (1982), no entanto, rejeita qualquer papel significativo para princípios, normas, regras e procedimentos para tomada de decisões, uma vez que questionaa validadeea utilidade do próprio conceito de regimes para analisar as relações entre mercados e Estados. Na sua concepção, o estudo dos regimes reflete um modismo estadunidense como resposta intelectual ao objetivo de minimizar o declínio da hegemonia estadunidense, sobretudo a partir da década de 1970.

Além disso, Strange (1982) argumenta que, uma vez que o conceito é usado de diferentes maneiras por diferentes acadêmicos, a imprecisão do conceito de regimes limita a percepção das causas fundamentais do comportamento dos Estados no sistema internacional: as relações entre poder e interesses. Outro problema associado à imprecisão do conceito de regimes é que o termo está carregado de valoração. O próprio uso da palavra regime distorce a realidade, pois carrega consigo a ideia de que existe uma medida exagerada de previsibilidade e ordem no sistema. O conceito de regime traz implícito que todos os atores querem mais e melhores regimes e que uma ordem baseada numa maior interdependência deve ser o objetivo coletivo. A analogia de regimes com interesse nacional, no entanto, distorce a realidade. Todo arranjo considerado como regime é facilmente afetado quando as percepções de interesse nacional entre os Estados que participam do arranjo são alteradas.

A noção de regime, ao introduzir certa confiança em relação do futuro da anarquia internacional e alguma ordem dentro da incerteza, não apenas tende a aceitar um caráter estático nos arranjos formados dentro do ambiente cada vez mais dinâmico da política mundial, como também impõe uma visão de centralidade do Estado, dentro de um contexto que está profundamente marcado pela crescente influência de atores não estatais na tomada de decisões por parte dos governantes (STRANGE, 1982).

Assim, embora o conceito de regimes internacionais seja muito apropriado para a análise de um regime financeiro que tem suas bases nos anos 1970 e desde então mantém as mesmas características básicas (liberalização dos fluxos de capitais, hegemonia do dólar, maior participação do setor privado), a recente atuação dos Fundos de Riqueza Soberana no atual sistema financeiro internacional e o crescente dilema a respeito de sua regulamentação coloca a teoria de Strange no centro do debate.

Os Fundos de Riqueza Soberana e a sua Regulamentação

A origem dos Fundos de Riqueza Soberana

Uma das principais características do ciclo financeiro internacional na última década tem sido o crescente aumento das reservas internacionais por parte dos países em desenvolvimento, através do acúmulo de superávits na conta-corrente e no balanço de pagamentos. Um contexto internacional marcado pelo favorável desempenho econômico de países como a China, a Índia e o Brasil e o consequente fortalecimento do comércio internacional (interrompidos pela crise subprime) contribuíram para o aumento dos preços das commodities (matérias-primas) agrícolas, metálicas e de fontes de energia (petróleo e gás natural) e, consequentemente, o aumento de superávits comerciais dos países exportadores de commodities. Além disso,a manutenção de baixas taxas de juros nas principais áreas monetárias internacionais (dólar, euro e iene) foi responsável pela abundância de liquidez internacional, o que, por sua vez, aumentou não apenas o fluxo do comércio, como também a entrada de capital externo em alguns países em desenvolvimento. De acordo com os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), entre o último quarto de 2005 e o último quarto de 2011, as reservas internacionais triplicaram de US$ 4,3 trilhões para US$ 10,1 trilhões, sendo a maior parte concentrada em países em desenvolvimento.

Diante do excesso de reservas, os bancos centrais desses países periféricos começam a se preocupar em como administrar suas reservas em moedas estrangeiras. Tradicionalmente, parte substancial é aplicada em títulos de curto prazo do Tesouro dos EUA, nos chamados Treasury Bills,3 3 . Também referidos como T-bills, esses títulos do governo norte-americano têm um prazo de vencimento inferior a um ano. T-bills são vendidos em quantias de US$ 1.000, chegando a um máximo de US$ 5 milhões, e geralmente possuem vencimentos de um, três ou seis meses. devido ao papel de moeda reserva internacional desempenhado pelo dólar no sistema financeiro internacional. O problema é que essas reservas têm um custo de carregamento,4 4 . O custo de carregamento pode ser avaliado a partir do elevado diferencial entre a taxa de juros interna e a dos títulos da dívida dos Estados Unidos, uma vez que, a fim de reduzir a pressão inflacionária gerada pelo excesso de reservas internacionais, alguns países em desenvolvimento precisam emitir títulos nos mercados locais para tirar dinheiro de circulação, pagando juros altos. basicamente dado pela diferença entre o seu custo de oportunidadeea rentabilidade obtida, uma vez que as aplicações em papéis do Tesouro norte-americano são aplicações com segurança e com alta liquidez, porém de baixa rentabilidade. Somado à decrescente rentabilidade dos títulos do tesouro norte-americano, encontra-se o fato de que, em vários países, a entrada de recursos externos superou amplamente o necessário para garantir liquidez aos bancos centrais em caso de crise financeira.5 5 . Num contexto globalizado, sujeito às abruptas reversões nos fluxos de capitais internacionais, a regra de Guidotti-Greenspan tornou-se a referência para os policymakers em relação ao nível de reserva adequado a ser mantido pelo Banco Central. De acordo com essa regra, as reservas devem cobrir 100% da dívida externa de curto prazo do país.

Nesse contexto, países que são grandes detentores de reservas, ao buscarem aplicações alternativas e mais rentáveis para o excedente de suas reservas, estão criando seus Fundos de Riqueza Soberana.

Fundos de Riqueza Soberana são fundos de investimento mantidos por um governo, ou seja, são fundos de investimento estatal, formados por ativos em moeda estrangeira e geridos em separado das reservas oficiais.6 6 . Ressalta-se, no entanto, que embora os fundos soberanos sejam fundos estatais, administrados pelo governo, seus recursos excluem os ativos de reservas internacionais mantidos por autoridades monetárias para propósitos relacionados ao balanço de pagamentos ou de políticas monetárias, empresas estatais, fundos de pensão de empregados do governo ou ativos administrados para o benefício de indivíduos. São compostos por ativos financeiros, tais quais: ações, títulos, imóveis ou outros instrumentos financeiros fundados por ativos de moeda estrangeira (foreign exchange assets).

A proliferação dos fundos estatais implica, primeiramente, que parte da riqueza financeira mundial está sendo deslocada dos investidores financeiros privados para o Estado. De acordo com o gráfico abaixo, percebe-se que, nos últimos cinco anos, ocorreu maior crescimento relativo dos recursos dos fundos estatais em relação aos fundos privados. Entre 2006 a 2011, os FRS passaram de US$ 3 trilhões para US$ 4,83 trilhões, apresentando um crescimento de 61%. Como contrapartida, no mesmo período, os fundos de hedge aumentaram de US$ 2 trilhões para US$ 2,25 trilhões, apresentando um crescimento de 12,5%.


Além disso, segundo avaliação da empresa de consultoria Ernst & Young, o total de ativos dos Fundos de Riqueza Soberana deverá chegar a US$ 8 trilhões em 2015.10 10 . Expectativa traçada pela empresa de consultoria Ernst & Young. Disponível em: < http://www.ey.com/GL/en/Issues/Business-environment/Six-global-trends-shaping-the-business-world-Governments-enhance-ties-with-the-private-sector>. Acesso em: 24 out. 2012. Os dados revelam, portanto, que a importância dos FRS como fundo de investimento deverá continuar a crescer.

Regulamentação específica sobre a atuação dos fundos estatais ou apenas sugestões de "boas práticas"?

O próprio crescimento dos recursos envolvidos nos fundos estatais levanta, dentro da comunidade internacional, a questão de como esses fundos serão geridos e de que forma serão aplicados. A questão dos Fundos de Riqueza Soberana tem, portanto, outra dimensão que precisa ser analisada. Se, por um lado, é real que os fundos modificam a participação do Estado no sistema financeiro internacional, por outro lado, dado seu caráter estatal, o elevado volume de recursos envolvidos nos fundos de riqueza soberana tem gerado preocupações por parte de organismos multilaterais e dos países receptores desses investimentos de que FRS possam ser utilizados como instrumento político. Em maio de 2008, por exemplo, Gal Luft, diretor-executivo do Institute of Global Security, declarou na Comissão de Relações Externas da Câmara de Representantes dos Estados Unidos (House Committee on Foreign Affairs) seu receio de que fundos soberanos possam ser utilizados, por parte de alguns governos, como um instrumento para ampliação de sua influência geopolítica ou para promover ideologias antiocidentais (LUFT, 2008).

De fato, existe uma crescente preocupação por parte dos países desenvolvidos em relação aos investimentos feitos pelos FRS. Em janeiro de 2008, por exemplo, o senador dos Estados Unidos, membro do Comitê Bancário do Senado, Charles Schumer afirmou que "porque Fundos Soberanos são, por definição, suscetíveis a interesses não econômicos, quanto mais eles se aproximam de exercer algum controle e influência, mais preocupações teremos" (WERDIGIER; ANDERSON, 2008), o que exprime uma opinião clara sobre a aversão a esses fundos, na medida em que eles aumentam sua participação nas empresas norte-americanas. A reação hostil à entrada de investimentos estatais não é vista apenas pelos representantes dos governos dos Estados Unidos. Ainda em janeiro de 2008, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy alertou que a França protegeria seus ativos de "Fundos Soberanos ex tremamente agressivo s" (KURLANTZICK, 2008).

A preocupação torna-se ainda mais evidente quando países como China, Cingapura e Brasil afirmam explicitamente que pretendem utilizar seus fundos estatais como alavanca ao desenvolvimento interno, o que pode ampliar a participação dos países em desenvolvimento no cenário econômico e político internacional.

Fundos de Riqueza Soberana não são recentes e existem desde 1950, quando foram criados os fundos do Kuwait e Arábia Saudita. Nos anos 1970, devido ao primeiro choque do petróleo, novos fundos soberanos foram criados, como o Alaska Permanent Fund Corporation e o Abu Dhabi Investment Authority, ambos em 1976.11 11 . O Abu Dhabi Investment Authority é hoje o maior detentor de ativos dentre os FRS. A preocupação com esses fundos aumenta e se torna uma questão política quando, a partir da década atual, países vistos como política e ideologicamente dominados por correntes não alinhadas aos interesses dominantes nos EUA, Europa ou Japão (tais como China, Rússia, Líbia, Irã e Venezuela) criam seus fundos estatais.

Alguns exemplos de compras por parte desses fundos demonstram as razões da crescente preocupação das organizações internacionais e dos policymakers dos EUA, Europa e Japão em relação à atuação de grandes fundos estatais. S egundo o Democracy Journal (KURLANTZICK, 2008), um fundo gerenciado pelo governo chinês comprou, em 2008, 10% da empresa norte-americana Blackstone, uma das mais proeminentes no setor de gestão de investimento do país. Outro fundo, gerenciado pelo governo do Kuwait, adquiriu uma participação na European Aeronautic Defense and Space Company, uma gigante no ramo do ar, do espaço e também no ramo militar. Ainda, em 2007, o governo de Dubai comprou tanto a empresa varejista de luxo Barney's quanto uma participação de 19,9% no mercado de ações Nasdaq, e, no final de 2007, o China Investment Corporation (CIC) comprou 9,9% das ações do Morgan Stanley12 12 . Dados disponíveis no site do Sovereign Wealth Fund Intitute:< http://www.swfinstitute.org/statistics-research/subprime-report/>. Acesso em: 22 out. 2012. por US$ 5 bilhões.

A natureza das transações citadas acima revela a profunda contradição que envolve a relação entre países investidores e países receptores de fundos estatais. Por um lado, existe uma constante preocupação por parte dos defensores dos fundos estatais em afirmar que sua atuação é pautada pela mesma lógica dos fundos de investimento privados, ou seja, a busca pela lucratividade e segurança; por outro lado, a atuação de alguns fundos soberanos levanta o questionamento sobre a existência de um viés político nesses investimentos estatais.

De fato, em alguns casos tem sido muito difícil avaliar as aquisições apenas pela perspectiva privada de composição de uma carteira de investimento formada a partir do binômio risco-retorno. Um exemplo é o Fundo Soberano chinês e seus investimentos nas gigantes Morgan Stanley e Blackstone. Segundo Puel (2009), como a política chinesa é, por si só, difícil de ser interpretada, os investimentos feitos pelo CIC provocam, muitas vezes, certa desconfiança em relação às reais razões por trás de suas aquisições. Não é possível afirmar que tais investimentos tenham sido puramente financeiros, assim como também não é possível afirmar que existia uma estratégia puramente geopolítica movendo as decisões do fundo chinês. Segundo o autor, certamente havia um pouco de cada motivação. Puel (2009) lembra, no entanto, que, embora possa haver uma preocupação em relação à atuação dos FRS orientais nos Estados Unidos, vale ressaltar que a quantidade de títulos do tesouro norte-americano de posse dos Bancos Centrais da China e do Abu Dhabi Investment Authority (ADIA) já seria suficiente para fazer pressão na economia norte-americana. Isso provavelmente se caracteriza dentro do que Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro norte-americano, chamou de novo "equilíbrio do terror financeiro".13 13 . Definido por Roubini e Setser (2004) como um sistema cuja estabilidade depende da vontade dos bancos centrais asiáticos em manter enormes quantidades de títulos do Tesouro norte-americano (e outros títulos de renda fixa dos EUA) e em adicionar aos seus estoques, já enormes, para fornecer os fluxos contínuos financeiros necessários para sustentar o déficit em conta-corrente dos EUA e o sistema de "Bretton Woods Dois".

A preocupação com as reais motivações dos investimentos dos fundos estatais torna-se ainda maior ao se considerar que os Fundos Soberanos, diferentemente dos fundos de hedge, "não estão sujeitos aos requerimentos regulatórios convencionais de transparência e de divulgação de informação sobre a composição de suas carteiras de investimento" (CAPARICA, 2010, p. 15). Assim, existe uma preocupação crescente com a ausência de transparência sobre a gestão e os investimentos realizados pelos FRS principalmente quando esses investimentos são feitos pelos países não alinhados aos interesses hegemônicos. A incerteza, relacionada ao montante de ativos e às carteiras administradas por esses fundos ou até mesmo sobre quais são seus objetivos, preocupa um número cada vez maior de agentes receptores de tais investimentos.

É dentro desse contexto que o G7 recorreu à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e ao FMI para identificar as "melhores práticas" tanto pelo lado do receptor, quanto pelo lado do investidor.

Assim, em 2008, por iniciativa do International Working Group on Sovereign Wealth Funds (IWG) e com a coordenação do Fundo Monetário Internacional, foi publicada uma proposta de regulação, estabelecendo 24 princípios, a serem seguidos pelos países-membros do IWG.14 14 . Sendo dezenove países-membros operando 21 diferentes fundos. Disponível em: < http://www.iwg-swf.org/membersweb.htm>. Acesso em: 7 nov. 2012. A adoção dos princípios, contudo, é voluntária e eles estão sujeitos às leis e regulamentações internas de cada país.

Os Princípios de Santiago representam sugestões de boas práticas para a criação, manutenção e gerenciamento dos Fundos de Riqueza Soberana. Especificamente, os Generally Accepted Principles and Practices (GAPPs) recomendam aos FRS uma ampla divulgação de suas transações, de sua administração, dos seus objetivos e de sua política de investimentos, sendo que estes últimos devem estar em consonância.

Os Princípios de Santiago são, portanto, princípios gerais, que servem como guias quanto à atuação dos FRS, sendo que apenas alguns poucos princípios abordam a problemática de forma mais pragmática. Mesmo assim, a adoção dos princípios está sujeita à aprovação voluntária por cada Estado. Além disso, caso o país decida adotar os Princípios de Santiago, não existe nenhuma forma de fiscalizar se as recomendações estão sendo ou não cumpridas, pois o FMI não possui autoridade em regular ou monitorar a atuação desses fundos, uma vez que as condicionalidades ao financiamento não se aplicam aos fundos (MATOO; SUBRAMANIAN, 2008).

Ainda em 2008, o comitê de investimento da OCDE, sendo o principal fórum internacional para debates sobre políticas de investimento, elaborou um relatório sobre os FRS e as políticas dos países receptores dos investimentos. A partir do relatório, a Organização afirma que as regras para investimentos já existentes dentro da OCDE continuam sendo os instrumentos mais adequados para orientar e proteger os países receptores dos investimentos oriundos dos Fundos de Riqueza Soberana. Tais procedimentos seriam suficientes para garantir a adesão dos fundos estatais aos princípios de transparência, não discriminação e liberalização. Ao mesmo tempo, o relatório divide os objetivos dos investimentos dos FRS entre os puramente comerciais e os de cunho mais político, incluindo questões de defesa nacional e política externa. O comitê sugere, então, que os países receptores de tais investimentos apliquem a cláusula de segurança nacional, contida nos instrumentos de investimentos da OCDE, sempre que acreditarem ser necessário. Para evitar a utilização indiscriminada e desnecessária da cláusula pelos países receptores dos investimentos, no entanto, foi sugerido aos FRS seguir os critérios de transparência, previsibilidade, proporcionalidade e contabilidade, de forma a reduzir as incertezas nos países receptores desses investimentos em relação aos propósitos originários dos fundos estatais. Quando do descumprimento desses critérios, seria legítimo que os países receptores recorressem a tal cláusula.15 15 . Ressalta-se que o relatório apoia também as boas práticas delineadas pelo FMI em relação aos FRS.

O objetivo da OCDE, claramente exposto, é garantir a manutenção da liberdade dos fluxos de capitais e investimentos internacionais – mesmo em se tratando de investimentos de FRS –, mas ao mesmo tempo proteger interesses de segurança considerados essenciais por países soberanos. Inclusive, em 2011, em discurso proferido (REGULATORY..., 2011) no encontro do International Forum of Sovereign Wealth Funds (IFSWF),16 16 . O IFSWF foi estabelecido pelo International Working Group, quando do seu encontro no Kuwait em abril de 2009. Richard Boucher, da OCDE, afirma que a orientação descrita acima, traçada pela organização, é absolutamente complementar aos Princípios de Santiago: "de fato, transparência e contabilidade, tanto do ponto de vista corporativo, quanto do Estado, andam lado a lado".

Percebe-se, assim, a inexistência de uma regulamentação coletiva eficaz em relação à atuação dos Fundos de Riqueza Soberana no sistema financeiro e produtivo internacional. Os Princípios de Santiago, de fato, oferecem recomendações sobre as formas de gerenciamento dos FRS capazes de oferecer maior segurança aos países receptores desses investimentos, mas, no entanto, não passam de um "código de conduta" sem qualquer fiscalização. Da mesma forma, as Diretrizes da OCDE, ainda que mantenham o princípio da liberdade dos fluxos de investimentos externos, representam uma regulamentação mais rigorosa, mas ainda são pouco utilizadas. Na prática, percebe-se que os Estados receptores de investimentos dos FRS optam por medidas unilaterais,17 17 . Para uma apresentação das medidas unilaterais tomadas pelos países desenvolvidos, ver Cohen (2009). em detrimento de uma atuação mais ativa no âmbito multilateral em busca de uma regulamentação coletiva.

Sendo assim, constata-se que, apesar do discurso nacionalista, poucas medidas pragmáticas foram tomadas pelos governos para se protegerem de tais investimentos ou para forçar uma regulamentação coletiva sobre a atuação dos investimentos estatais.

A ausência de uma atuação mais incisiva em relação à criação de uma regulamentação sobre a atuação dos FRS pode ser explicada, em grande medida, pela atuação desses fundos durante a crise subprime e a posterior crise financeira, o que provocou uma reviravolta na hostilidade em relação aos Fundos de Riqueza Soberana nos países desenvolvidos, uma vez que eles se tornaram uma alternativa à ausência de liquidez nos países mais afetados pela crise. Entre março de 2007 e abril de 2008, os fundos soberanos investiram quase US$ 45 bilhões em grandes bancos ocidentais. Esse foi o caso do ADIA, que comprou 4,9% dos ativos do Citigroup por US$ 7,5 bilhões, e do CIC, que por US$ 5 bilhões adquiriu 9,9% das ações do Morgan Stanley,18 18 . Dados disponíveis no site do Sovereign Wealth Fund Intitute:< http://www.swfinstitute.org/statistics-research/subprime-report/>. Acesso em: 23 out. 2012. tonando-se o terceiro maior detentor de ações da empresa.19 19 . Dados disponíveis em: < http://investors.morningstar.com/ownership/shareholders-major.html?t=MS>. Acesso em: 30 mai. 2011. De fato, durante a crise subprime de 2008, os Estados Unidos aceitaram a liquidez fornecida pelos investimentos dos FRS em seus bancos e em outras instituições norte-americanas sem qualquer contestação à questão de soberania ou segurança nacional. Como o historiador econômico Charles Geisst disse ao Financial Times em janeiro de 2008: "Desde a Primeira Guerra Mundial que empresas não têm procurado por tanto capital estrangeiro quanto elas estão agora" (KURLANTZICK, 2008).

Na mesma época, o secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson, declarou: "Nós aceitamos investimentos estrangeiros de Fundos de Riqueza Soberana nos Estados Unidos." Além disso, ao final de 2007, após a injeção feita no Citigroup pela ADIA, a conservadora Heritage Foundation escreveu um "webmemo" em que afirmava que o Citigroup, de fato, necessitava de tal liquidez para salvá-lo. Em uma nota intitulada "Sovereign Wealth Funds No Cause for Panic" (MILLER; KIM, 2007), argumentava que os tomadores de decisão norte-americanos não deveriam considerar controles mais restritivos aos investimentos estrangeiros mediante esse grande investimento no Citigroup.

Recentemente, durante a crise europeia, alguns FRS estão investindo em diferentes setores no continente. O ADIA adquiriu o equivalente a £ 125 milhões no segundo maior aeroporto do Reino Unido, o Gatwick. A compra feita pelo ADIA, que representa 15% do aeroporto, foi realizada dias depois que o Serviço de Pensão Sul-coreano comprou 12% do mesmo. Além do ADIA, o Korea Investment Corporation (KIC) também tem avaliado que alguns ativos europeus podem ser uma alternativa atrativa de investimento em tempos de crise.

Numa primeira análise, investimentos diretos em bancos europeus durante momentos de crise não seriam uma opção preferencial dos FRS do Oriente Médio. Apesar disso, esses fundos estão investindo nesse segmento devido, principalmente, às desvalorizações desses ativos. Dependendo da necessidade de liquidez de cada banco europeu, seus ativos estão sendo vendidos apenas para capitalização. O Fundo Soberano coreano, inclusive, abriu um escritório em Londres, o que pode ser um forte indicador de suas intenções no continente.

Resumindo: países desenvolvidos enfrentam atualmente o seguinte dilema: por um lado, existe a preocupação constante de que fundos estatais possam investir na compra de participações no setor bancário, em tecnologia de ponta e em setores críticos como infraestrutura e segurança nacional; por outro lado, os investimentos feitos por fundos estatais representam, para os países receptores desses recursos, entrada de capital externo, algo quase sempre desejado por seus governos, principalmente em momentos de instabilidade financeira. De fato, os FRS se distinguem dos fundos de investimento privados por não operarem com recursos de terceiros e por terem horizonte de mais longo prazo, podendo, assim, adotar estratégias de investimento de longo prazo.20 20 . O fato dos FRS não adotarem estratégias de curto prazo não significa que não adotem operações especulativas. A atuação desses fundos nos momentos de crise nos EUA e na Europa implica em comprar ativos baratos acreditando na valorização desses ativos ao final da crise.

Assim, muitos analistas acreditam que os fundos estatais podem atuar no sistema financeiro internacional como um instrumento capaz de garantir certa estabilidade em momentos de instabilidade e incerteza, atuando, assim, como emprestador de última instância em momentos de crise financeira. De fato, a visão de que os Fundos de Riqueza Soberana podem ser uma fonte de estabilidade financeira em um período economicamente penoso parece prevalecer. Nas palavras de Robert Kimmit (2008), secretário-adjunto do Tesouro em 2008:

[Fundos Soberanos de Riqueza] devem ser considerados uma força de estabilidade financeira – por fornecer liquidez aos mercados, aumentar os preços de ativos e por diminuir os juros dos empréstimos nos países nos quais eles investem.

A partir do exposto acima, é possível analisar a ausência de uma regulamentação internacional à atuação dos fundos estatais a partir das relações de interesses entre os diferentes Estados. O atual arranjo financeiro internacional deve ser entendido como um regime de transações financeiras internacionais. Como visto na seção anterior, partindo da concepção de regimes, a ausência de uma regulamentação específica e multilateral sobre a atuação dos fundos de riqueza soberana pode ser explicada por uma relutância coletiva em ferir um dos princípios fundamentais do atual regime financeiro internacional, que é a liberalização dos fluxos de capitais.

A possibilidade de modificar princípios através da regulamentação específica de uma determinada modalidade de investimento, o investimento estatal, pode ter um custo elevado, uma vez que abriria o espaço para o aprofundamento da discussão sobre a necessidade de um novo desenho para o sistema financeiro internacional através de medidas mais robustas de controles dos fluxos de capitais internacionais. Ao mesmo tempo, uma regulamentação específica sobre investimentos estatais por parte dos países desenvolvidos pode acarretar reações nacionalistas nos países detentores de FRS e contribuir para o aumento do protecionismo nas economias em desenvolvimento.

A ideia de manutenção do regime financeiro internacional, entretanto, parece insuficiente para explicar a ausência de uma regulamentação internacional à atuação dos fundos estatais. O que se percebe é que os países receptores de investimento estatal optam por soluções ad hoc em momentos específicos. Os movimentos de aceitação e rejeição em direção à recepção dos investimentos estatais parecem mudar de acordo com as percepções de interesse nacional por parte do Estado receptor. As preocupações em relação ao teor político e estratégico dos FRS, presentes em certos momentos nos discursos oficiais, podem ser superadas por interesses de curto prazo durante um período de crise econômica.

Ressalta-se, no entanto, que, mesmo em momentos de crise, não existe uma total sobreposição de um interesse sobre o outro, uma vez que foram criadas algumas medidas unilaterais de proteção a tais investimentos tanto nos EUA como em países da União Europeia.21 21 . Essa regulação, nos Estados Unidos, teve uma preocupação com a segurança nacional e com uma possível diversificação desses investimentos pelos FRS, uma vez que poderiam surtir efeitos macroeconômicos desestabilizadores. Assim, nos EUA, é possível que o presidente vete a aquisição de qualquer empresa norte-americana por parte do Ato de Produção de Defesa. Além disso, há também o Comitê para Investimentos Externos (em inglês, Committee on Foreign Investments – CFIUS), responsável por avaliar os casos de investimentos estrangeiros que podem ameaçar a segurança nacional. Já a União Europeia adotou medidas contra os países em que o princípio de reciprocidade de abertura de mercados não é executado, com meios formais em cada Estado, com destaque para Alemanha, França e Reino Unido. Contudo, nos momentos de necessidade de liquidez e elevado risco, os interesses momentâneos acabam por prevalecer. Assim, as relações entre os Estados nacionais e mercados, configuradas nos investimentos estatais, parecem estar sendo pautadas mais pelas relações de interesses individuais do que pela busca da manutenção de um regime de cooperação internacional.

Conclusões

Até o início da década de 2000, o regime monetário e financeiro internacional caracterizou-se pela atuação do capital financeiro privado como seu ator determinante. Com o aumento exponencial das reservas internacionais, os Fundos de Riqueza Soberana tornaram-se também atores atuantes e relevantes no sistema financeiro internacional. Uma vez que a expansão dos FRS representa o retorno do Estado à arena financeira global, preocupações em relação aos objetivos dos fundos estatais começam a ganhar espaço na agenda política dos países desenvolvidos. Os países receptores de investimentos estatais precisam enfrentar o dilema posto entre a lógica desregulamentada dos fluxos de capitais internacionais e o possível uso desses fundos para fins geopolíticos.

Apesar de a ameaça que os investimentos dos FRS podem representar para os países desenvolvidos e receptores desses investimentos, ainda não existe uma regulamentação coletiva dos fluxos de investimentos soberanos. Os Princípios de Santiago oferecem um "código de conduta", sem qualquer fiscalização, sobre as formas de gerenciamento dos FRS, enquanto as Diretrizes da OCDE, embora busquem garantir a manutenção da liberdade dos fluxos de capitais e investimentos internacionais, recomendam que os interesses nacionais sejam protegidos quando os países se sentirem ameaçados. Todavia, tanto os Princípios de Santiago, como as Diretrizes da OCDE são apenas sugestões de "boas condutas".

A ausência de uma regulamentação internacional à atuação dos fundos estatais pode ser explicada, no entanto, a partir das relações de interesses entre os diferentes Estados. Se, por um lado, a opção pela regulamentação dos fluxos de capitais estatais entre os países significaria romper com um dos princípios do regime monetário internacional, por outro lado, a ausência de uma regulação coletiva parece atender muito mais aos interesses dos Estados nacionais, uma vez que permite aos países receptores de investimento estatal adotarem soluções ad hoc, tanto de aceitação como de rejeição, de acordo com o interesse nacional.

Notas

Artigo recebido em 19 de março de 2013 e aprovado para publicação em 2 de julho de 2013.

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  • 1
    . De acordo com Satto (2012), um regime de transações financeiras internacionais é referido usualmente como sistema financeiro internacional.
  • 2
    . As sucessivas crises financeiras internacionais têm mostrado, no entanto, que o arranjo financeiro pós-Bretton Woods não pode ser considerado um regime estável, capaz de estabelecer regras e normas que limitem e orientem as ações dos seus principais atores.
  • 3
    . Também referidos como T-bills, esses títulos do governo norte-americano têm um prazo de vencimento inferior a um ano. T-bills são vendidos em quantias de US$ 1.000, chegando a um máximo de US$ 5 milhões, e geralmente possuem vencimentos de um, três ou seis meses.
  • 4
    . O custo de carregamento pode ser avaliado a partir do elevado diferencial entre a taxa de juros interna e a dos títulos da dívida dos Estados Unidos, uma vez que, a fim de reduzir a pressão inflacionária gerada pelo excesso de reservas internacionais, alguns países em desenvolvimento precisam emitir títulos nos mercados locais para tirar dinheiro de circulação, pagando juros altos.
  • 5
    . Num contexto globalizado, sujeito às abruptas reversões nos fluxos de capitais internacionais, a regra de Guidotti-Greenspan tornou-se a referência para os
    policymakers em relação ao nível de reserva adequado a ser mantido pelo Banco Central. De acordo com essa regra, as reservas devem cobrir 100% da dívida externa de curto prazo do país.
  • 6
    . Ressalta-se, no entanto, que embora os fundos soberanos sejam fundos estatais, administrados pelo governo, seus recursos excluem os ativos de reservas internacionais mantidos por autoridades monetárias para propósitos relacionados ao balanço de pagamentos ou de políticas monetárias, empresas estatais, fundos de pensão de empregados do governo ou ativos administrados para o benefício de indivíduos.
  • 7
    . Disponível em: <
  • 8
    . Disponível em: <
    http://www.bloomberg.com/markets>. Acesso em: 20 set. 2012.
  • 9
    . Disponível em: <
    http://www.swfinstitute.org>. Acesso em: 10 set. 2012.
  • 10
    . Expectativa traçada pela empresa de consultoria Ernst & Young. Disponível em: <
  • 11
    . O Abu Dhabi Investment Authority é hoje o maior detentor de ativos dentre os FRS.
  • 12
    . Dados disponíveis no site do Sovereign Wealth Fund Intitute:<
  • 13
    . Definido por Roubini e Setser (2004) como um sistema cuja estabilidade depende da vontade dos bancos centrais asiáticos em manter enormes quantidades de títulos do Tesouro norte-americano (e outros títulos de renda fixa dos EUA) e em adicionar aos seus estoques, já enormes, para fornecer os fluxos contínuos financeiros necessários para sustentar o déficit em conta-corrente dos EUA e o sistema de "Bretton Woods Dois".
  • 14
    . Sendo dezenove países-membros operando 21 diferentes fundos. Disponível em: <
    http://www.iwg-swf.org/membersweb.htm>. Acesso em: 7 nov. 2012.
  • 15
    . Ressalta-se que o relatório apoia também as boas práticas delineadas pelo FMI em relação aos FRS.
  • 16
    . O IFSWF foi estabelecido pelo International Working Group, quando do seu encontro no Kuwait em abril de 2009.
  • 17
    . Para uma apresentação das medidas unilaterais tomadas pelos países desenvolvidos, ver Cohen (2009).
  • 18
    . Dados disponíveis no site do Sovereign Wealth Fund Intitute:<
  • 19
    . Dados disponíveis em: <
  • 20
    . O fato dos FRS não adotarem estratégias de curto prazo não significa que não adotem operações especulativas. A atuação desses fundos nos momentos de crise nos EUA e na Europa implica em comprar ativos baratos acreditando na valorização desses ativos ao final da crise.
  • 21
    . Essa regulação, nos Estados Unidos, teve uma preocupação com a segurança nacional e com uma possível diversificação desses investimentos pelos FRS, uma vez que poderiam surtir efeitos macroeconômicos desestabilizadores. Assim, nos EUA, é possível que o presidente vete a aquisição de qualquer empresa norte-americana por parte do Ato de Produção de Defesa. Além disso, há também o Comitê para Investimentos Externos (em inglês,
    Committee on Foreign Investments – CFIUS), responsável por avaliar os casos de investimentos estrangeiros que podem ameaçar a segurança nacional. Já a União Europeia adotou medidas contra os países em que o princípio de reciprocidade de abertura de mercados não é executado, com meios formais em cada Estado, com destaque para Alemanha, França e Reino Unido.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Mar 2013
    • Aceito
      02 Jul 2013
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