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Coalizões Globais Lideradas pelos Estados Unidos na Guerra ao Terror (2001-2011): Para Além do Unilateralismo* * Artigo recebidoem18 de julho de 2014 e aprovado para publicação em11 de dezembro de 2014.

Global US-Led Coalitions of the War on Terror (2001-2011): Beyond Unilateralism

Resumo

O artigo analisa os objetivos do governo dos Estados Unidos na construção de coalizões internacionais para a Guerra ao Terror. Por meio de referências conceituais e teóricas das Relações Internacionais e da análise do perfil das coalizões militares nas guerras do Afeganistão e do Iraque, adota-se o argumento construtivista de que essas coalizões buscaram fundamentalmente satisfazer o princípio do multilateralismo e conferir maior legitimidade ao engajamento norte-americano naquelas guerras. O apoio militar de outros países-membros das coalizões não foi significativo do ponto de vista operacional. Isto em razão da dimensão do poderio militar norte-americano e do fato de que tais operações implicam custos adicionais, decorrentes da necessidade de criação de uma estrutura que permita a efetiva colaboração entre Forças Armadas. Estas, muitas vezes, possuem diferenças quanto aos tipos de equipamentos empregados e às regras de engajamento, ademais de barreiras linguísticas e culturais.

Guerra ao Terror; Estados Unidos; Coalizões; Legitimidade

Abstract

This article examines the goals of the US government in constructing international coalitions for the War on Terror. Building on conceptual and theoretical approaches in International Relations and analyzing the profiles of the military coalitions formed in the wars in Afghanistan and Iraq, we adopt a constructivist argument that these coalitions sought to comply with the principle of multilateralism and to confer greater legitimacy for the US engagement. The support of other members of these coalitions was not significant from an operational standpoint. This is due to the unparalleled size of the US military and to the additional costs generated by such operations. Such costs come from the need to build a structure that enables effective collaboration between armed forces which have differences such as types of equipment and rules of engagement, in addition to linguistic and cultural barriers.

War on Terror; United States; Coalitions; Legitimacy

Introdução

Nas horas seguintes aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, foi marcante o apoio que o governo e a sociedade dos Estados Unidos receberam de diversos Estados, organizações internacionais e povos do mundo. Enquanto os norte-americanos assistiam estarrecidos ao que ocorria na maior cidade do país, as palavras de indignação e consolo proferidas por líderes políticos, celebridades e pessoas comuns ressoaram por todo o globo.

Este apoio, contudo, não se limitou a manifestações, discursos e visitas diplomáticas protocolares. Diversos países ofereceram apoio militar e de inteligência para possíveis ações norte-americanas no exterior, e mesmo países neutros, como a Suécia e a Suíça, ou que pos suem relações nem sempre amistosas com os Estados Unidos, como a Rússia e a China, apoiaram o esforço norte-americano. Alguns se envolveram diretamente nas coalizões militares, enquanto outros apoiaram a luta contra o terrorismo de formas distintas. Este conjunto de ações realizado pelos Estados Unidos e outros países veio a fazer parte da chamada Guerra Global ao Terror, um termo "guarda -chuva" no âmbito do qual diversos países puderam colaborar de diferentes maneiras no combate ao terrorismo, ainda que sob liderança dos Estados Unidos.

A suposta unilateralidade e o suposto isolamento dos Estados Unidos em sua Guerra ao Terror, tão presentes em diversos discursos, podem, portanto, ser relativizados. Mesmo com a oposição interna e externa a muitas das ações do país, os Estados Unidos conseguiram construir e liderar uma rede de apoio mundial para o combate ao terrorismo: a Guerra ao Terror foi, em grande parte, uma Guerra Global ao Terror.

Há grande confusão e inconsistência no uso de conceitos como multilateral e unilateral. Notadamente, afirmar que a política dos Estados Unidos foi ou deixou de ser unilateral pouco acrescenta à compreensão do tema. Os adjetivos multilateral e unilateral são, na verdade, os extremos de um espectro cuja posição a ser ocupada varia de acordo com o tema e o momento histórico em questão. No pós-11 de setembro, o aumento da distância em relação a uma postura multilateral pode induzir nos observadores a percepção de que o país passou a adotar uma política unilateral, quando, na verdade, ela se tornou mais unilateral - ou menos multilateral - do que era até então. A Guerra ao Terror, assim como outras ações/temas da política externa norte -americana, foi composta por uma mistura de elementos de unilateralismo e multilateralismo.

Ademais, subjacentes à visão de que os Estados Unidos agiram unilateralmente na Guerra ao Terror, encontram-se pressuposições teóricas equivocadas acerca da relação custo/benefício dessa guerra. Em particular, os críticos desse suposto unilateralismo acreditam que uma ação multilateral traria, inevitavelmente, maior compartilhamento de custos entre países aliados e, provavelmente, maior eficiência e efetividade militar. Em contraste, argumentamos que o multilateralismo está, nesse caso, muito mais associado a questões de legitimidade internacional do que a incentivos econômicos, militares ou estratégicos.

O presente artigo tem como objetivo analisar a forma como os Estados Unidos construíram uma rede de apoio global para o combate ao terrorismo, a qual ainda se mantém depois de mais de treze anos do início da Guerra ao Terror, mesmo com a perda de apoio de vários países ao longo do tempo. Na primeira seção, há um esboço concei tual e teórico sobre a formação das alianças nas relações entre Estados; e na segunda seção se analisam as ações militares dos Estados Unidos na Guerra ao Terror, estudando-se dois casos: Afeganistão e Iraque.

1. Abordagens Conceituais e Teóricas

A decisão do governo de George W. Bush de invadir e ocupar o Iraque a partir de março de 2003 recebeu severas críticas tanto da sociedade norte-americana como de estrangeiros por seu caráter supostamente unilateral. De acordo com tais críticas - manifestadas com destaque inclusive, e sobretudo, durante a disputa das eleições presidenciais de 2004 -, os Estados Unidos arcaram sozinhos com os custos da guerra e da reconstrução do Iraque em razão de sua intransigência e incapacidade de convencer aliados como França e Alemanha a se juntarem à chamada "coalizão dos dispostos".

Curiosamente, contudo, a Casa Branca divulgou lista de 48 países que teriam contribuído para a invasão e/ou a ocupação do Iraque, incluindo países tão distintos quanto as Ilhas Marshall e o Reino Unido. Como, então, seria possível caracterizar a ação militar dos Estados Unidos no Iraque como unilateral? E de que formas o multilateralismo poderia ter reduzido os custos desta ação? Em particular, porque países-ilha sem Forças Armadas permanentes foram integrados à coalizão?

Tais questões revelam imprecisões e diferenças no uso de conceitos como "alianças", "coalizões", "unilateralismo" e "multilateralismo", assim como premissas teóricas discutíveis relativas às motivações e resultados do envolvimento de diversos países em ações militares conjuntas. Esta seção discute esses conceitos e as teorias relevantes de alianças e coalizões militares no campo das Relações Internacionais para a explicação da coalizão dos dispostos, assim como de outras formadas no contexto das ações militares dos Estados Unidos que objetivaram combater o terrorismo internacional.

Há uma extensa literatura no campo das Relações Internacionais que reconhece a importância de alianças políticas e busca teorizá-las. Contudo, a dinâmica das alianças e das coalizões militares, sobretudo durante guerras, tem sido muito menos estudada. A importância de tais alianças e coalizões para o multilateralismo tampouco tem recebido atenção adequada por parte dos estudiosos, o que é intrigante, uma vez que as operações militares constituem a esfera mais consequente da ação multilateral. Conforme nota Patricia A. Weitsman (2009WEITSMAN, P. A. Alliance Cohesion and Coalition Warfare: The Central Powers and the Triple Entente. Security Studies, v. 12, n. 3, p. 79-113, 2003., p. 1), estudiosos e autoridades políticas geralmente classificam operações de coalizão como "unilaterais" se um país assume a liderança no processo decisório. No entanto, isso é problemático, pois qualquer operação multinacional requer coordenação e, portanto, comando e controle, além de cooperação mútua na sua elaboração e implementação.

Multilateralismo significa resposta coletiva a problemas interna cionais. Em vez de agir sozinhos, dois ou mais países se coordenam e confrontam tais problemas conjuntamente. Unilateralismo, em contraste, refere-se a situações nas quais um país age sozinho ao confrontar um problema de política externa, seja por escolha ou necessidade.

Conforme é evidente nos debates sobre a atuação dos Estados Unidos no combate ao terrorismo internacional, a discussão sobre multilateralismo/unilateralismo envolve um forte componente normativo (KEOHANE; NYE, 1985KEOHANE, R. O.; NYE, J. Two Cheers for Multilateralism. Foreign Policy, v. 60, p. 148-167, 1985.; URQUHART, 1986URQUHART, B. The Limits of Unilateralism. Foreign Policy, v. 65, p. 39-42, 1986-1987.-1987; GALLA ROTTI, 1991GALLAROTTI, G. M. The Limits of International Organization: Systematic Failure in the Management of International Relations. International Organization, v. 45, n. 2, p. 183-220, 1991.; LAKE, 1992LAKE, D. A. Powerful Pacifists: Democratic States and War. American Political Science Review, v. 86, n. 1, p. 24-37, 1992.; RUGGIE, 1993RUGGIE, J. G. (Ed.). Multilateralism Matters: The Theory and Praxis of an Institutional Form. Nova York: Columbia University Press, 1993.; STEWART; FOR MAN, 2002STEWART, P.; FORMAN, S. Multilateralism and U.S. Foreign Policy: Ambivalent Engagement. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 2002.). John G. Ruggie (1993), talvez o autor que oferece a mais detalhada discussão do significado do multilateralismo, argumenta que o conceito não se limita aos desenhos institucionais, mas também abarca os princípios que conferem sentido a tais desenhos institucionais. Em particular, o multilateralismo envolve um compromisso de agir em concerto com outros países "sem consideração dos interesses particulares das partes ou das exigências estratégicas que podem existir em qualquer ocorrência específica" (RUGGIE, 1993, p. 11). Desta forma, mesmo quando países agem conjuntamente por acreditar que essa é a estratégia que melhor serve seus interesses, isso não pode ser considerado unilateralismo.

O governo de George W. Bush (2000-2008) foi criticado por privilegiar o unilateralismo em detrimento do multilateralismo (CARTER, 2003CARTER, Ralph G. Leadership at Risk: The Perils of Unilateralism. Political Science and Politics, v. 36, n. 1, p. 17-22, 2003., p. 17-21; BUZAN, 2004BUZAN, Barry. The United States and the Great Powers: World Politics in the Twenty First Century. Cambridge: Polity Press, 2004., p. 167-170; BROOKS; WOHL FORTH, 2005BROOKS, S. G.; WOHLFORTH, W. C. International Relations Theory and the Case against Unilateralism. Perspectives on Politics, v. 3, n. 3, p. 509-524, 2005., p. 509-519). Não buscamos contestar tais críticas, tampouco argumentar que a orientação de política externa desse governo não tenha sido unilateral. Notamos simplesmente que, em duas das principais ações de política externa no âmbito do combate ao terrorismo internacional, as guerras no Afeganistão e no Iraque, os Estados Unidos optaram por lutar em uma coalizão, apesar dos consideráveis custos de fazê-lo. Concordamos com Weitsman (2009, p. 4-5) que esse aparente paradoxo pode indicar a necessidade de uma definição de multilateralismo que vá além da apresentada acima, levando em conta fatores como ideologia, normas e valores, conforme a linha de argumentação de Ruggie. Antes de oferecermos explicações teóricas para a coalizão dos dispostos, contudo, vamos tentar conceituar "alianças" e "coalizões".

Infelizmente, não há uma definição de alianças amplamente aceita na literatura de Relações Internacionais. Todas as definições, entretanto, contêm alguma noção de cooperação entre países. Alianças podem divergir com relação às áreas temáticas em que tal cooperação ocorre, assim como com relação ao seu grau de institucionalização ou formalização. Neste artigo, estamos interessados exclusivamente em alianças na área de segurança, especificamente as militares. Essas variam desde a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), baseada em organização formal e altamente institucionalizada, a acordos informais e de longa duração, como o existente entre Estados Unidos e Israel, não necessariamente dirigidos a um inimigo comum em particular. Entre esses dois extremos, há uma forma de cooperação formal, mas não institucionalizada, representada pela força militar multinacional que atuou no Iraque a partir de 2003, com o objetivo de derrubar e substituir o regime do Partido Baath e de Saddam Hussein (OEST, 2007OEST, K. J. N. The End of Alliance Theory? Working Paper, Copenhague, Universidade de Copenhague, 2007., p. 12). De forma a abarcar tamanha variedade na sua formalização/institucionalização, as alianças são definidas aqui de forma ampla. Adotamos particularmente a definição de Stephen Walt (1987WALT, S. The Origins of Alliances. Ithaca: Cornell University Press, 1987., p. 12), segundo a qual alianças são "arranjos formais ou informais para cooperação na área de segurança entre dois ou mais Estados soberanos".

Embora alianças e coalizões sejam conceitos usados com frequência de forma intercambiável, é útil para nossos propósitos distingui-los. Muito menos discutida do que a definição de alianças, a definição de coalizões tem sido ainda assim proposta por alguns autores, geralmente no âmbito da discussão sobre alianças, e com ênfase em sua duração mais curta, formação ad hoc e natureza mais efêmera (WEITSMAN, 2003; DIBB, 2002DIBB, P. The Future of International Coalition: How Useful? How Manageable? The Washington Quarterly, 2002.; MORROW, 1986MORROW, J.D. A Spatial Model of International Conflict. American Political Science Review, n. 80, p. 1.131-1.150, 1986.; SNYDER, 1997SNYDER, G. H. Alliance Politics. Ithaca: Cornell University Press, 1997.). Tratamos coalizões, neste artigo, como um subconjunto das alianças e, seguindo Kajsa Ji Noe Oest (2007, p. 21), as definimos como "cooperação não institucionalizada ad hoc, formal e informal, em segurança entre dois ou mais Estados soberanos formada como resposta a situação específica com a finalidade de desempenhar uma tarefa específica".

Por que alianças e coalizões são formadas? Em particular, por que um país hegemônico iria se engajar na formação de uma coalizão? Certamente, os Estados Unidos poderiam ter conduzido as intervenções militares no Afeganistão e no Iraque sozinhos, sem a cooperação da coalizão dos dispostos.

A resposta a tais questões oferecida pela literatura sobre alianças militares como uma assunção usualmente não questionada ou problematizada seria que países formam alianças e coalizões com o objetivo de elevar sua efetividade, eficiência e segurança militar. A maior parte dos estudiosos presume que forças militares agregadas são mais efetivas e eficientes do que uma força militar - ainda que do hegemon - operando sozinha. Notadamente, na visão de Kenneth N. Waltz (1979)WALTZ, K. N. Theory of International Politics. Nova York: Random House, 1979., e nas abordagens neorrealistas de uma forma geral, alianças aparecem no contexto da balança de poder, na qual Estados se aliam de forma a fortalecer suas capacidades militares e contrapor o poderio superior do Estado dominante.

Walt (1987) oferece um refinamento da teoria de Waltz, conhecido como a teoria da balança de ameaças. Em seu trabalho The Origins of Alliances, Walt nota que, frequentemente, as alianças não são contrabalançadas em termos de poder. Para explicar essa aparente anomalia, Walt argumenta que países formam alianças com o objetivo de responder a ameaças comuns, e não somente de contrabalançar o poder do hegemon. A ameaça apresentada por um país depende de sua proximidade geográfica, de suas capacidades ofensivas e da agressividade de suas intenções.

Essas explicações neorrealistas, que privilegiam a influência determinante da estrutura do sistema internacional sobre o processo de formação de alianças, têm sido questionadas por abordagens teóricas que se baseiam em fatores domésticos. Por exemplo, Barnett e Levy (1991)BARNETT, M. N.; LEVY, J. S. Domestic Resources of Alignment: The Case of Egypt, 1962-73. International Organization, v. 45, n. 3, p. 369-395, 1991. têm examinado os determinantes internos da formação de alianças, argumentando que Estados confrontam um trade-off entre financiar o desenvolvimento de suas capacidades militares ou realizar outros gastos sociais. As alianças surgem como resposta a esse dilema, permitindo que Estados busquem a proteção de outros Estados. Líderes cujo poder depende da manutenção de estabilidade social, política e econômica por meio de gastos sociais tendem a buscar a formação de alianças. Desta forma, a decisão de se aliar com outros Estados depende de incentivos estruturais e de fatores que operam em âmbito doméstico. Entretanto, a agregação de capacidades militares permanece a principal razão e incentivo para formação de alianças, como nas abordagens neorrealistas.

Contudo, a assunção de que as alianças servem para aumentar a efetividade, a eficiência e a capacidade militar dos Estados é questionável. São frequentes as reclamações de líderes militares norte-americanos por terem que lutar com aliados, por diversas razões.

Primeiro, há o risco de que os aliados reduzam ou retirem em sua totalidade suas tropas da coalizão, especialmente como resposta a pressões irresistíveis que operam em âmbito da política doméstica. Na guerra do Iraque, houve vários exemplos, inclusive do Reino Unido.

Ademais, conforme nota Patricia Weitsman (2006), a guerra de coalizão normalmente é mais custosa e menos efetiva do que aquela conduzida sozinho. De fato, a guerra de coalizão exige um alto grau de planejamento, consulta e cooperação. Padrões operacionais diferem entre países aliados e podem minar o sucesso de campanhas militares. A presunção de que tal perda de autonomia é mais do que compensada pela provisão de tropas adicionais pelos aliados e pela repartição do fardo de lutar não é empiricamente sustentada.

Por fim, coalizões podem reduzir a efetividade militar não somente por razões técnicas e de logística, mas também por razões políticas. Aliados podem enfraquecer as cadeias de comando, a definição de estratégias militares e a capacidade de responder rapidamente a novos desafios no campo de batalha (HOFMANN; SCHMITT, 2010HOFMANN, S. C.; SCHMITT, O. Coalition Warfare and Military Effectiveness. In: 106th Annual Meeting of the American Political Science Associa tion. Washington D.C., 2-5 set. 2010., p. 2). Por exemplo, os alvos a serem atacados têm de ser acordados de antemão por todos os aliados. Além disso, tensões dentro da coalizão podem retardar ou paralisar as ações militares. Países islâmicos, por exemplo, têm restrições a atacar outros países islâmicos, e rejeitam qualquer ação que possa ser interpretada como favorecendo Israel.

No caso particular da guerra do Iraque, é evidente que a coalizão dos dispostos não respondia a necessidades de agregação de capacidades militares. Os Estados Unidos sozinhos poderiam ter conduzido a invasão e a ocupação do país, provavelmente com custos menores. Dos 48 países apontados pela Casa Branca como membros da coalizão, somente três enviaram tropas para a invasão do Iraque, quais sejam, o Reino Unido, a Austrália e a Polônia. Outros 37 países ofereceram tropas para apoiar as operações militares após a invasão ser concluída. Oito países, portanto, não contribuíram com tropas nem para a invasão nem para a ocupação do país. Conforme já apontado, a coalizão contém diversos membros que sequer possuem Forças Armadas permanentes: Ilhas Marshall, Micronésia, Palau e Ilhas Salomão. Assim, é difícil argumentar, conforme as abordagens teóricas tradicionais, que a coalizão incrementou a capacidade, a efetividade ou a eficiência da ação militar no Iraque.

Por que, então, os Estados Unidos se empenharam tanto para formar e sustentar a coalizão dos dispostos? Abordagens teóricas construtivistas podem contribuir para responder essa questão. De acordo com tais abordagens, identidades, normas e valores compartilhados definem quais comportamentos são apropriados, direcionando as ações dos Estados, inclusive as que dizem respeito a questões militares e de segurança. Assim, em contraste com o neorrealismo e as abordagens de política doméstica que privilegiam o poder material, especialmente militar, o construtivismo privilegia fatores ideacionais. Para os construtivistas, as alianças militares não resultam necessariamente da exigência de agregar poder militar e de uma lógica das consequências, mas sim de uma lógica do que é apropriado em dado contexto histórico e social.

Weitsman (2009, p. 5) nota que pesquisas de opinião pública e a literatura acadêmica tratam o multilateralismo como uma ideologia de ação coletiva, em vez de uma ação coletiva ela mesma. Tal ideologia defende a crença de que a ação militar multilateral, de preferência por meio de organizações internacionais, é preferível e mais legítima que a ação militar unilateral. O multilateralismo ideológico seria, portanto, um fim em si mesmo, e não simplesmente um meio para dividir os custos da ação militar e agregar poder bélico.

Em estudo sobre intervenções humanitárias militares, Martha Finnemore (1996)FINNEMORE, M. Constructing Norms of Humanitarian Intervention. In: KATZENSTEIN, P. J. (Ed.). The Culture of National Security: Norms and Identity in World Politics. Nova York: Columbia University Press, 1996. argumenta que o multilateralismo contemporâneo é normativo, não estratégico, moldado por noções compartilhadas de que o uso da força só é legítimo quando exercido coletivamente, e particularmente após aprovação de organizações multilaterais, em especial a Organização das Nações Unidas (ONU). Intervenções unilaterais, muito mais frequentes no século XIX, seriam na atualidade vistas como ilegítimas e oportunistas.

Os Estados Unidos seriam plenamente capazes de conduzir, sozinhos, a intervenção militar no Iraque. Mesmo após a formação da coalizão dos dispostos, os Estados Unidos desempenharam um incontestável papel de liderança e arcaram com a maior parte dos custos dessa intervenção. Ademais, a coalizão gerou custos adicionais para a guerra, os quais provavelmente superaram quaisquer ganhos de agregação das capacidades militares dos países envolvidos. A razão primordial para os consideráveis esforços despendidos na sua formação foi, portanto, a busca de maior legitimidade perante a comunidade internacional.

A percepção generalizada de que o governo Bush vinha agindo unilateralmente e usando os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, assim como a presumida existência de armas de destruição em massa no Iraque, como pretextos para instaurar um regime pró-americano no país e controlar suas vastas reservas de petróleo aumentava a necessidade de legitimação da guerra. A busca por aliados envolveu longas negociações, pressões e concessões políticas e econômicas a diversos países de todas as regiões do globo.

Notadamente, a intervenção militar no Iraque desfrutou de muito menos legitimidade do que aquela conduzida previamente no Afeganistão. A intervenção no Afeganistão foi geralmente vista como representando uma legítima defesa necessária para impedir que o país continuasse dando abrigo à al-Qaeda e para a captura de terroristas, tendo recebido aval do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CSNU). A intervenção no Iraque, contudo, foi tratada como uma ação oportunista com pouca ou nenhuma relação com a guerra ao terror. Numerosos protestos contra a invasão e ocupação do Iraque foram organizados globalmente (CITIES..., 2003CITIES jammed in worldwide protest of war in Iraq. CNN, Atlanta, 15 fev. 2003.).

O multilateralismo e a formação da coalizão dos dispostos serviam assim ao propósito de conferir maior legitimidade à ação militar, e não de agregar poderio bélico ou oferecer qualquer outra vantagem estratégica a essa ação. Ao ganhar o apoio de dezenas de outros países, o governo de Bush visava apresentar as ações militares contra o terrorismo, especialmente a conduzida no Iraque, como necessárias para a resolução de um problema global, e não como ações que ser viam exclusivamente aos interesses políticos e estratégicos norte -americanos.

Não obstante, é notável que os Estados Unidos fracassaram em incorporar países mais poderosos na coalizão dos dispostos. Alemanha, França, Rússia e China, entre outros, recusaram-se a participar da intervenção no Iraque. Por incluir 48 integrantes, essa coalizão pode parecer expressiva em tamanho, mas a ausência dos países de maior peso político e militar e a presença de diversos países com pouca influência internacional sugerem que o resultado almejado pelos Estados Unidos foi somente parcialmente obtido.

2. As Coalizões Internacionais na Guerra Global ao Terror

Nos dias que se seguiram aos ataques de 11 de setembro de 2001, discursos de autoridades dos Estados Unidos e de países aliados deixaram claro que, caso uma série de exigências não fossem cumpridas por aqueles que haviam planejado e/ou apoiado os ataques, estes sofreriam dura retaliação, fossem governos ou atores não estatais.

Já em 12 de setembro de 2001, o Conselho do Atlântico Norte reuniu-se em sessão extraordinária para debater o ocorrido. Em 15 de setembro, publicou declaração afirmando que as ações terroristas ha viam sido consideradas ataques contra todos os integrantes da OTAN, invocando-se pela primeira vez na história da organização o artigo 5º do Tratado de Washington (NATO, 2011NATO. Statement by the North Atlantic Council. Bruxelas, 15 set. 2011. Disponível em: <http://www.nato.int/docu/pr/2001/p01-124e.htm>. Acesso em: 15 mai. 2012.
http://www.nato.int/docu/pr/2001/p01-124...
). Em 14 de setembro, a Austrália também invocou pela primeira vez um tratado de defesa conjunta, o Tratado de Segurança entre Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos (ANZUS), afirmando que o país considerava que aqueles ataques eram também ataques contra a Austrália (AUS TRÁLIA, 2001). O CSNU, por sua vez, emitiu em 12 de setembro uma declaração condenando os ataques e autorizando o uso da força.

No dia 20 de setembro de 2001, o presidente dos Estados Unidos proferiu discurso no qual considerou os ataques de 11 de setembro como atos de guerra, os quais, por essa razão, seriam respondidos também com uma guerra (BUSH, 2001). Surgia ali a chamada Guerra ao Terror. No mesmo discurso, contudo, foi afirmado que esta guerra seria diferente daquelas de que os Estados Unidos haviam participado nos anos anteriores, como a Guerra do Golfo (1990-1991) e a Guerra no Kossovo (1999). Isto em razão de que esta nova guerra: i) teria uma duração mais longa; ii) abrangeria uma área geográfica mais extensa (o mundo todo, na verdade); e iii) implicaria a mobilização de diversos setores do governo e da sociedade civil nos Estados Unidos e em outros países do mundo (BUSH, 2001).

Além da Austrália e dos integrantes da OTAN, outros países ofereceram apoio aos Estados Unidos. Alguns viriam a participar diretamente das coalizões militares, enquanto outros apoiariam a luta contra o terrorismo de outras formas, como: congelando ativos de sus peitos de estarem ligados a atividades terroristas; impondo legislações mais rigorosas de combate ao terrorismo; e colaborando com agências do governo dos Estados Unidos no fornecimento de informações. Este conjunto de ações fez parte do termo "guarda-chuva" Guerra Global ao Terror. Por seu intermédio, os Estados Unidos têm combatido o terrorismo de variadas formas e com apoio de diversos atores, os quais oferecem ajuda de acordo com suas capacidades e objetivos políticos próprios.

Nesta seção, são oferecidos dois breves estudos de caso com o objetivo de demonstrar algumas das características desta guerra liderada pelos Estados Unidos e de como o país foi capaz de construir um consenso (quase) global em torno do tema. Os estudos de caso abordam as guerras propriamente ditas travadas no âmbito da Guerra ao Terror: a Guerra no Afeganistão (2001-) e a Guerra no Iraque (2003-2011).

2.1 A Guerra no Afeganistão (2001-)

Embora o presidente George W. Bush, em seu discurso de 20 de setembro de 2011, tivesse afirmado que o mundo todo seria o "palco" da Guerra ao Terror, ele também demonstrou que o principal alvo desta guerra seria a al-Qaeda, liderada por Osama bin Laden. As ações iniciais seriam direcionadas contra o regime Talibã no Afeganistão (1996-2001), cujo apoio à al-Qaeda foi destacado no discurso (BUSH, 2001). Na ocasião, o governo norte-americano fez um ultimato ao regime Talibã, exigindo que fossem cumpridas uma série de condições. Foi mencionado ainda que o apoio de outros países seria fundamental (BUSH, 2001).

Não havendo resposta positiva do regime Talibã, foi desencadeada a invasão do país em 7 de outubro de 2011, no âmbito da Operação Liberdade Duradoura, com o objetivo de derrubar o regime. Embora a operação visasse desmantelar a estrutura da al-Qaeda em várias partes do mundo, a dimensão das ações no Afeganistão foi bastante superior às demais.

O início das ações ocorreu com bombardeios e disparos de mísseis de cruzeiro contra as instalações da al-Qaeda e do Talibã no país. Quanto às tropas em solo, sua presença nos primeiros dias foi limitada, havendo apenas integrantes da Agência Central de Inteligência (CIA) e das Forças Especiais dos Estados Unidos e do Reino Unido. Nos dias seguintes, ocorreu a incorporação de integrantes das Forças Espe ciais do Canadá, da Austrália e da Turquia (GORDON, 2001GORDON, M. R. A Nation Challenged: Month 1; a Month in a Difficult Battlefield: Assessing U.S. War Strategy. The New York Times, 8 nov. 2001., p. 2), indicando o apoio político e militar que os Estados Unidos estavam recebendo para suas ações no país. Até o final daquele ano (2001), as tropas em solo foram compostas apenas por integrantes de Forças Especiais. A entrada maciça de tropas ocorreu somente após o Acordo de Bonn e a Resolução 1.386 do CSNU, que criou a Força de Assistência Internacional em Segurança (ISAF, na sigla em inglês), cujo objetivo inicial foi ocupar militarmente Cabul. Estas iniciativas, contudo, só foram adotadas após o Talibã e a al-Qaeda terem perdido suas principais posições no país, incluindo as cidades de Mazar-i -Sharif, Cabul e Kandahar.

Com a criação da ISAF, outros países passaram a enviar tropas para compor a missão e, em fevereiro de 2002, dezoito países participavam da ISAF (CDI, 2002CDI - Center for Defense Information. Fact Sheet: International Security Assistance Force in Afghanistan. Washington, 14 fev. 2002. Disponível em: <http://www.cdi.org/terrorism/isaf.cfm>. Acesso em: 15 mai. 2012.
http://www.cdi.org/terrorism/isaf.cfm...
), conferindo à ocupação do Afeganistão um caráter multinacional. A ISAF permaneceu inicialmente apenas em Cabul e seus arredores, sem a liderança de nenhum país específico e sendo composta, em sua maioria, por tropas de Reino Unido, Alemanha, França, Espanha e Turquia. Enquanto isso, os Estados Unidos mantiveram-se responsáveis pelo país como um todo, ainda no âmbito da Operação Liberdade Duradoura.

Em agosto de 2003, quando trinta países participavam da coalizão, a OTAN passou a comandar a ISAF a pedido da ONU e do governo do Afeganistão, sendo esta a primeira experiência de desdobramento de forças da OTAN fora da Europa e da América do Norte (NATO, 2012). Em outubro daquele ano, a OTAN aceitou expandir a ação para além de Cabul, ao que se seguiu a aprovação da Resolução 1.510 pelo CSNU, ampliando a jurisdição da ISAF. Até aquele mês, a dimensão da ISAF ainda era pequena, possuindo em torno de 5.500 militares (SHANKER, 2003SHANKER, T. NATO Agrees to Widen Role in Afghanistan Beyond Kabul. The New York Times, 8 out. 2003.). A partir de dezembro de 2003, a ISAF passou a se expandir, assumindo progressivamente as operações militares nas diversas regiões do país, processo concluído em outubro de 2006 (NATO, 2012).

O apoio recebido pelos Estados Unidos nas ações no Afeganistão foi oriundo de vários países. Quando ocorreu o ingresso de tropas, em dezembro de 2001, tomaram parte na coalizão apenas militares dos Estados Unidos e do Reino Unido. Progressivamente, contudo, diversos outros países iniciaram suas contribuições. Até meados de 2012, cinquenta países haviam contribuído com tropas, alguns se envolvendo em ações de combate, outros fornecendo apoio logístico. Consta na Tabela 1 a participação de tropas por país em maio de 2012.

Tabela 1
Participação de Tropas na ISAF (Por País, Maio de 2012)

A construção desta coalizão, contudo, não teve objetivo militar; seu objetivo foi conferir legitimidade às ações dos Estados Unidos no Afeganistão. Em maio de 2012, cerca de 70% das tropas da ISAF eram dos Estados Unidos e 7% do Reino Unido. Dos demais países com tropas no Afeganistão, apenas nove possuíam mais de mil soldados naquele país. Como referência, o Brasil possuía, em fevereiro de 2012, cerca de 2.200 militares no Haiti (UNITED NATIONS, 2012UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations. UN Mission's Contributions by Country. Nova York, 29 fev. 2012. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/contributors/2012/feb12_5.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2012.
http://www.un.org/en/peacekeeping/contri...
), um país muito menor e atuando em uma missão de complexidade significativamente inferior. Apenas oito países da ISAF pos suíam contingentes superiores ao contingente brasileiro no Haiti. Ademais, entre os países listados na Tabela 1, dez possuíam contingente inferior a cinquenta militares.

À exceção do Reino Unido, os militares dos países aliados (mesmo os da OTAN) são vistos com reserva pelas Forças Armadas dos Estados Unidos:

É por isso que na Guerra do Golfo, por exemplo, os militares americanos ficaram felizes em ter apenas um navio da guarda costeira da Noruega, três pequenos navios dos Países Baixos e três fragatas, uma corveta e oito aviões de caça da Itália como parte de uma coalizão militar - para ser franco, as forças da coalizão mi litar atrapalham o caminho do poder militar americano (ALLISON, 2007ALLISON, William Thomas. The United States and Coalition Building in the New International Order. Forum on Public Policy: A Journal of the Oxford Round Table, 2007. Disponível em: <http://www.forumonpublicpolicy.com/ archive07/allison.pdf>.
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, p. 5).

De fato, no início da ocupação do Afeganistão, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos relutou em aceitar contribuições de outros países além dos que já então participavam da Operação Liberdade Duradoura, vindo a fazê-lo ainda em 2001, mas por razões puramente políticas (SANGER; GORDON, 2001SANGER, D. E.; GORDON, M. R. A Nation Challenged: The White House; U.S. Takes Steps to Bolster Bloc Fighting Terror. The New York Times, 7 nov. 2001.). Mesmo Canadá, Aus trália e Turquia foram vistos com reservas, considerando-se que apenas o Reino Unido era um país que de fato agregaria capacidade militar aos Estados Unidos na guerra.

A participação de outros países, embora possa adicionar poder militar à ação, requer uma estrutura que permita a efetiva colaboração, incluindo a adaptação de sistemas e a padronização de regras de engajamento, sobretudo de não integrantes da OTAN. Estas medidas implicam custos adicionais, havendo ainda dificuldades não contornáveis no curto prazo, como as barreiras linguísticas e culturais.

Ademais da participação com tropas, alguns países forneceram outras formas de apoio às ações lideradas pelos Estados Unidos no Afeganistão. A Rússia, por exemplo, abriu em 2001 um hospital de campanha no país (BBC NEWS, 2001BBC NEWS. In Pictures: Russia's Kabul Field Hospital. BBC News, Londres, 4 dez. 2001. Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/1689421.stm>. Acesso em: 15 mai. 2012.
http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/168942...
; PRAVDA, 2001PRAVDA. Russian Field Hospital in Kabul Works at Full Capacity. Pravda, Moscou, 4 dez. 2001. Disponível em: <http://english.pravda.ru/news/world/04-12-2001/23631-0>. Acesso em: 15 mai. 2012.
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), tendo também fornecido autorização, a partir de 2009, para que forças norte-americanas sobrevoassem seu espaço aéreo com o objetivo de facilitar suas ações no Afeganistão (UNITED STATES, 2011). Observa-se, dessa forma, que mesmo um país cujos interesses em grande parte se opõem aos dos Estados Unidos aderiu parcialmente a algumas das ações realizadas no âmbito da Guerra ao Terror.

2.2 A Guerra no Iraque (2003-2011)

A preparação para a invasão norte-americana do Iraque ficou marcada pela oposição demonstrada por setores da sociedade civil em vá rios países do mundo e pelas críticas de governos de diferentes regiões e perfis políticos, destacando-se a oposição de dois integrantes da OTAN: Alemanha e França. A não aprovação das ações militares por parte do CSNU acarretou críticas particularmente acentuadas ao governo norte-americano e à suposta unilateralidade de sua ação militar: os Estados Unidos haviam "atropelado" uma instituição cuja criação eles mesmos haviam protagonizado.

Embora se deva reconhecer que a ação norte-americana no Iraque foi ilegal do ponto de vista do direito internacional, há que se destacar o apoio político e/ou militar recebido de diversos países para a invasão do Iraque, reunidos na chamada coalizão dos dispostos. Considerar a guerra um empreendimento unilateral é, portanto, uma imprecisão.

Do ponto de vista externo, o país obteve apoio de diversos governos. A primeira etapa das operações, nos meses de março e abril de 2003, consistiu na invasão do país e na derrubada do regime de Saddam Hussein. Na operação de invasão propriamente dita, tomaram parte aproximadamente 390 mil militares de quatro países: Estados Unidos (340 mil militares), Reino Unido (47 mil militares), Austrália (2 mil militares) e Polônia (200 militares) (BOWMAN, 2003BOWMAN, S. Iraq: U.S. Military Operations. Washington: Congressional Research Service, The Library of Congress, 4 ago. 2003. Disponível em: <http://www.iwar.org.uk/news-archive/crs/23191.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2012.
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, p. CRS-3). Em apenas três semanas, as principais cidades do país foram conquistadas, declarando-se, em 1º de maio de 2003, o fim das principais ações militares no país por meio do discurso "Missão cumprida", de George W. Bush. Entre o início da invasão e o término oficial das operações (maio de 2003), três outros países enviaram tropas: Albânia, Dinamarca e Espanha. A partir de maio de 2003, outros países passaram a enviar tropas e, até o final de 2011, quarenta países haviam participado com tropas na Guerra do Iraque. Consta da Tabela 2 os países e suas respectivas contribuições em novembro de 2004.

Tabela 2
Participação de Tropas na Guerra do Iraque (Por País, Novembro de 2004)

Além dos Estados Unidos e do Reino Unido, apenas oito países chegaram a ter mais de mil militares no país em algum momento do conflito: Austrália, Coreia do Sul, Espanha, Geórgia, Itália, Países Baixos, Polônia e Ucrânia. Do total de quarenta participantes, 29 não eram integrantes da OTAN quando iniciaram sua participação. Destes, sete aderiram à OTAN posteriormente (Albânia, Bulgária, Eslováquia, Estônia, Letônia, Lituânia e Romênia); dois estão em processo de adesão (Bósnia-Herzegovina e Macedônia); seis não estão em processo de adesão, mas participaram ou participam dos Planos Individuais de Parceria de Ação (IPAPs) (Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Geórgia, Moldávia e Ucrânia); e seis são aliados extra -OTAN (Austrália, Coreia do Sul, Filipinas, Japão, Nova Zelândia e Tailândia). Além destes países, dois eram da Ásia (Cingapura e Mongólia), quatro da América Latina e Caribe (El Salvador, Honduras, Nicarágua e República Dominicana), dois da Oceania (Fiji e Tonga) e nenhum da África.

Os objetivos de cada país em participar foram variados, assim como a importância atribuída pelos Estados Unidos às suas contribuições. Os que estavam - ou estão - em processo de adesão à OTAN utilizaram sua participação como forma de demonstrar compromisso em relação às ações externas tanto da organização como dos Estados Unidos. Este compromisso também esteve presente nos três novos integrantes da OTAN - Hungria, República Tcheca e Polônia - que haviam ingressado na organização em 1999, e naqueles que fizeram ou fazem parte dos IPAPs. Esteve presente, ainda, nos países que não estavam em processo de adesão, mas que haviam manifestado o desejo de aderir à organização.

Alguns países que participaram do esforço destas guerras usufruíram de outras vantagens. Alguns dos benefícios concedidos pelos Estados Unidos foram: i) com Cingapura: um acordo de livre comércio reduzindo tarifas e cotas; e ii) com a Jordânia: como havia um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos, empresas do país estariam em melhor posição para participarem da reconstrução do pós-guerra (ARMSTRONG, 2003ARMSTRONG, D. US Pays Back Nations that Supported War. San Francisco Chronicle, San Francisco, 11 mai. 2003. Disponível em: <http://www.globalpolicy.org/component/content/article/167/35379.html>. Acesso em: 15 mai. 2012.
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).

Mesmo a ONU foi obrigada a reconhecer uma situação de facto e criou uma estrutura no Iraque a fim de auxiliar a construção da paz no país. Por meio da resolução 1.483 do CSNU, de março de 2003, elaborada pelos Estados Unidos e copatrocinada pelo Reino Unido e pela Espanha (AFTEREFFECTS..., 2003AFTEREFFECTS; Passages from Security Council Resolution Ending U.N. Sanctions on Iraq. The New York Times, 23 mai. 2003.), enfatizou-se a importância do desarmamento no país e foram estabelecidas ações a serem realizadas pela ONU.

Posteriormente, em agosto de 2003, foi aprovada a Resolução 1.500, que criou a Missão de Assistência das Nações Unidas no Iraque (Unami). Por meio dela, criou-se o cargo de representante especial do secretário-geral da ONU no Iraque, ocupado por Sérgio Vieira de Mello, o qual, em razão de um ataque a bomba, veio a falecer apenas cinco dias depois da aprovação da resolução, juntamente com mais 21 funcionários da ONU. Além de contribuir com o esforço de estabilização do país, a participação da ONU atenuou parcialmente as críticas realizadas contra os Estados Unidos e seus aliados, sobretudo em função do apoio conferido à Autoridade Provisória da Coalizão entre abril de 2003 e junho de 2004 e, a partir de então, ao governo iraquiano.

Dessa forma, ainda que a Guerra do Iraque tenha sofrido críticas de governos e organizações da sociedade civil em todo o mundo (incluindo de países da OTAN), os Estados Unidos conseguiram mobilizar o apoio de governos de várias regiões do mundo, conferindo à Guerra do Iraque um caráter mais multilateral do que esta pode aparentar.

Considerações Finais

As guerras promovidas pelos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque representam as principais ações da política externa do país no âmbito do combate ao terrorismo internacional e, por essa razão, foram selecionadas como casos empíricos. Crucialmente, contudo, esses casos revelam não somente limitações, mas de fato equívocos das abordagens teóricas tradicionais sobre alianças e coalizões. Tais abordagens pressupõem que a principal motivação para a formação de alianças e coalizões é a agregação de maior efetividade, eficiência e, sobretudo, capacidade bélica à atuação isolada de um país, além da divisão dos custos dos conflitos armados.

No entanto, conforme argumentado, a coalizão formada na guerra do Afeganistão, assim como a "coalizão dos dispostos" na guerra do Iraque, incluíram número relativamente grande de países, mas não elevaram a eficiência, efetividade ou capacidade militar dos Estados Unidos. Pelo contrário, há evidências de que tais coalizões geraram maiores custos operacionais e reduziram a efetividade da ação bélica liderada pelos norte-americanos. Além disso, enquanto potência hegemônica e com capacidades militares incomparáveis, os Estados Unidos certamente poderiam se engajar em ambos os conflitos armados sozinhos, não necessitando das coalizões.

Ademais, seguindo uma abordagem teórica construtivista, argumentamos que a razão pela qual os Estados Unidos se empenharam tanto na formação dessas coalizões no âmbito das guerras do Afeganistão e do Iraque e, sobretudo, na "coalizão dos dispostos" está relacionada à busca por maior legitimidade. Conforme demonstrado em diversos estudos, na política internacional contemporânea a ação militar multilateral, de preferência por meio de organizações internacionais, é tratada como preferível e mais legítima que a ação militar unilateral. Desta forma, a formação de coalizões militares, como as examinadas neste artigo, seguiria uma lógica do que é apropriado em dado contexto histórico e social, em vez de uma lógica das consequências. E a necessidade de legitimidade se mostrava mais imperativa em um governo como o de George W. Bush, cujas ações eram tão contestadas, inclusive em âmbito internacional.

Nesse contexto, devemos também entender o multilateralismo como uma ação coletiva por parte de determinados países, ação esta que contém um componente normativo. De fato, o multilateralismo envolve um compromisso de agir coletivamente. Ao construir e liderar coalizões com numerosos países - ainda que poucos destes fossem de fato poderosos -, os Estados Unidos não podem ser acusados de praticar um unilateralismo stricto sensu, pelo menos nas guerras do Afeganistão e do Iraque aqui examinadas. E a conclusão de que o país agiu multilateralmente nesses conflitos armados se sustenta mesmo se considerarmos que ele o fez por acreditar ser essa a estratégia que melhor servia a seus interesses.

Nosso argumento implica, portanto, a rejeição tanto das críticas de que os Estados Unidos agiram unilateralmente nas guerras do Afeganistão e do Iraque como daquelas que afirmam que, ao fazê-lo, incorreu em maiores custos militares. Contudo, cabem três ressalvas quanto às nossas conclusões.

Primeiro, é certo que o fracasso em incluir países mais poderosos militar e politicamente nas coalizões formadas nessas guerras é significativo. Não desejamos argumentar que a composição das coalizões é irrelevante. Sustentamos simplesmente que não é possível deduzir a priori que a ação multilateral, ou a formação de uma coalizão militar, geram tais resultados benéficos.

Segundo, ao defender que os Estados Unidos agiram multilateralmente nas guerras do Afeganistão e do Iraque, não desejamos sugerir que a política externa de George W. Bush tenha se pautado, de uma forma geral, pelo princípio do multilateralismo. De fato, o governo dos Estados Unidos nesse período buscou enfraquecer a ONU e demonstrou em diversas ocasiões a intenção clara de agir sozinho.

Terceiro, tampouco desejamos defender as iniciativas dos Estados Unidos de se engajar nas guerras do Afeganistão e do Iraque. Muitas das numerosas críticas feitas à política externa do país nesse período, tanto domesticamente quanto pela comunidade internacional, continuam válidas. Somente consideramos que a análise das coalizões construídas e lideradas pelo país nessas guerras deve buscar aplicar conceitos e abordagens teóricas de forma mais rigorosa. Em particular, a acusação de que os Estados Unidos agiram unilateralmente nos dois principais conflitos armados da Guerra ao Terror não se sustenta analiticamente, e nos parece demasiadamente influenciada por outros vieses ideológicos e normativos.

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    Artigo recebidoem18 de julho de 2014 e aprovado para publicação em11 de dezembro de 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2014
  • Aceito
    11 Dez 2014
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