Técnica para preparo angioarquitetônico hepático de ratos

Preparation technique for angioarquitetonic liver model in rats

TÉCNICA PARA PREPARO ANGIOARQUITETÔNICO HEPÁTICO DE RATOS¹

Vitormauro Araújo da Silva²

Jocielle Santos de Miranda²

Marcus Vinicius Henriques Brito³

Silva VA, Miranda JS, Brito MVH. Técnica para preparo angioarquitetônico hepático de ratos. Acta Cir Bras [serial online] 2000 Jul-Sept;15(3). Available from: URL: http://www.scielo.br/acb.

RESUMO: Os métodos de injeção-corrosão são os principais métodos utilizados para o estudo da anatomia vascular do fígado. Alguns autores mencionam a técnica para estudo de fígado de cães, porcos, hamsters, coelhos e gatos, entretanto são escassos os trabalhos que mencionam o estudo da anatomia hepática de ratos. Desta forma é importante o conhecimento de novas técnicas de preparo para modelos angioarquitetônico de fígados, possibilitando um melhor conhecimento da anatomia e por conseguinte, aperfeiçoando significativamente a abordagem operatória deste órgão. Em função disso o objetivo do presente estudo é demonstrar a técnica para realização de angioarquitetura venosa do fígado de ratos. Foram utilizados 10 Rattus norvegicus albinus (Wistar), com massa corporal entre 250 e 300g, para verificar a funcionalidade do método. A técnica para preparo de modelo vascular apresenta três tempos fundamentais: cateterização da veia porta, veia cava intra-abdominal e veia cava intra-torácica; preparo e infusão da solução de acrílico; corrosão em ácido clorídrico e maceração da peça. Concluímos que, esta técnica é factível e apresenta como vantagem um baixo custo (30 dólares) e com a utilização de duas cores diferentes de tinta pode-se separar o sistema vascular portal do sistema de drenagem supra-hepático, portanto sendo capaz de moldar a estrutura vascular hepática de ratos.

DESCRITORES: Acrilatos. Molde por corrosão. Modelos anatômicos. Fígado. Sistema porta. Ratos.

INTRODUÇÃO

O estudo da anatomia hepática é um assunto que fascina não só os anatomistas como também os cirurgiões, que o consideravam inoperável, sendo este órgão hoje abordado cirurgicamente com relativa segurança. Dentro deste contexto, a cirurgia experimental tem tido um papel decisivo no desenvolvimento técnico-científico da cirurgia hepática^{1, 2}. No entanto, para que isso fosse possível foram desenvolvidos inúmeros métodos de estudo da anatomia hepática. Entre eles os de injeção-corrosão, que têm papel fundamental para o estudo da anatomia vascular deste órgão^{3, 4, 5}.

O primeiro relato de segmentação hepática foi publicado por HUGO REX em 1888, este investigou o fígado de vários animais e humano, entretanto, não mencionando o número de casos observado³. Uma grande contribuição para o estudo da anatomia intra-hepática e a sistematização das hepatectomias foi dada por CUINAUND, durante um período que começou em 1952 e continuou até 1979^{6, 7}.

NETTELBLAD (1954)⁸, D’ERRICO (1976)⁴ e RIELLA (1982)⁹ estudaram a anatomia das vias biliares intra-hepáticas. O primeiro estudou fígados humanos, e os últimos, fígados de cães. A maior parte destes trabalhos utilizam estudos de injeção e corrosão, sendo esta técnica bem descrita para peças de grande porte, tanto de animais como também de humanos. CALOMENO e Col. (1987)³ relata o grande uso de dois métodos de modelagem: o de acetato de vinil e látex de neoprene. Inclusive comparando sua aplicabilidade tanto de forma extra-hepática como intra-hepática. Um outro método que pode ser utilizado é o de acrílico auto-polimerizante.

Em pequenos animais, YAMAMOTO e Col. (1984 e 1985)^{10, 11} estudaram microangiograficamente terminações arteriais hepáticas como uso de microscopia eletrônica de varredura em moldes vasculares em acrílico de fígados de ratos, hamsters e humanos. Sendo utilizada a técnica descrita por MURAKAMI e Col. (1974)¹². Particularmente em ratos, não foram encontrados estudos que descrevam a técnica para realização de estudo macroscópico da angioarquitetura venosa.

Desta forma é importante o conhecimento de novas técnicas de preparo para modelos angioarquitetônico de fígados, possibilitando um melhor conhecimento da anatomia e por conseguinte, aperfeiçoando significativamente a abordagem operatória deste órgão. Em função disso, o objetivo do presente estudo é verificar a factibilidade, custo e utilização da técnica de moldagem angioarquitetônica venosa em fígado de ratos com acrílico auto-polimerizante.

MÉTODOS

MATERIAL

Para a confecção do molde angioarquitetônico da veia porta de ratos é necessário o seguinte material:

1. Ácido Clorídrico a 35%, 1 litro.

2. Algodão

3. Acrílico auto-polimerizante JET

   ^®, pó e solvente.

4. Béquer de 5 ml, 3 unidades.

5. Béquer de 50 ml, 1 unidade

6. Cateter de infusão periférica tipo Gelco

   ^® n.º 18, 3 unidades.

7. Fio Seda 3-0, 3 unidades.

8. Heparina sódica, 1 unidade.

9. Seringa plástica de 20 ml, 1 unidade.

10. Seringa plástica de 5 ml, 2 unidades.

11. Soro fisiológico, 1 unidade

12. Tinta spray nas cores Azul e Vermelho, 1 unidade de cada.

PROCEDIMENTOS

Foram utilizados 10 ratos (Rattus norvegicus albinus) da linhagem Wistar, machos, com massa corporal entre 250 e 300g, provenientes do Biotério do Instituto Evandro Chagas (Belém – PA). Estes animais foram aproveitados de grupos padrão de outros experimentos.

A técnica para preparo de modelo vascular apresenta três tempos fundamentais: cateterização da veia porta, veia cava intra-abdominal e veia cava intra-torácica; preparo e infusão da solução de acrílico; corrosão em ácido clorídrico e maceração da peça.

Primeiro tempo:

Os animais foram anestesiados utilizando éter etílico por via inalatória e submetidos a laparotomia xifo-pubiana com ampla exposição da cavidade peritonial. Em seguida foi realizada dissecção e isolamento da veia mesentérica superior próximo a veia porta, com ligadura de seus ramos proximais, veia gastroesplênica, pancreatoduodenal e a gastroepiplóica direita¹³, sendo também necessária ligadura e reparo na porção distal da mesma. O mesmo procedimento foi feito na veia cava inferior em seu trajeto intra-abdominal com ligadura dos ramos renais e ligadura de sua porção distal (FIGURA 1).

FIGURA 1 -

Simultaneamente foi preparado uma solução de heparina, na concentração de 1ml de heparina diluída em 50ml de soro fisiológico. Com esta solução os catéteres de infusão periférica são heparinizados.

A cateterização da veia porta foi realizada com um cateter n.º 18, sendo fixado com fio seda 3-0, em seguida foi infundido 0,5 ml de solução de heparina. O mesmo procedimento foi realizado na veia cava inferior intra-abdominal.

Logo após a cateterização da veia porta e da veia cava inferior intra-abdominal, o animal foi submetido a eutanásia pelo aumento do fluxo de anestésico por via inalatória. Sendo em seguida realizada toracotomia para-esternal esquerda para visibilização da veia cava inferior intra-torácica. A cateterização desta foi realizada, utilizando cateter similar aos anteriores com ligadura do mesmo com fio seda 3-0.

Após realizada a cateterização dos três vasos citados, é feita a lavagem da peça utilizando 100 ml de solução salina heparinizada. Sendo infundido lentamente 50 ml pelo cateter da veia porta, e mais 50 ml desta solução pelo cateter da veia cava inferior intra-abdominal.

Segundo tempo:

Foram preparadas duas porções de solução de acrílico auto-polimerizante (azul e vermelha). A primeira porção (azul) é preparada depositando-se 2 g de polímero em Béquer, a este deve ser adicionado 4 ml de solvente. Para melhor diluição, a solução deve ser homogeneizada. Em seguida é adicionado 1 ml de tinta azul. Uma seringa de 5 ml é preenchida com 4ml da solução. A Segunda porção (vermelha) foi prepara depositando em Béquer 1g de soluto, dissolvendo-o em 2 ml de solvente e adicionando 0,5 ml de tinta vermelha. Uma seringa de 5 ml é preenchida com 2 ml da solução.

No cateter da veia porta foi infundido 1 ml de solução acrílica "vermelha" e no cateter da veia cava inferior intra-abdominal 2 ml da solução acrílica "azul". Utilizou-se pressão continua e crescente chegando ao máximo 250 mm Hg, com velocidade de infusão de aproximadamente 1ml/min.

Para melhor visualização das estruturas vasculares recomenda-se que os lobos do fígado sejam interpostos por pedaços de algodão umedecidos.

Terceiro tempo:

Após a infusão da solução acrílica e acondicionamento do fígado, o mesmo foi deixado em repouso durante duas horas, sendo após este período, ressecado e depositado em Béquer contendo 50 ml de ácido clorídrico a 35%. A peça permanece em repouso por 12 horas, quando então é retirada e macerada. Tal procedimento consiste em lavar a peça até que todo o parênquima restante, após corrosão, seja retirado.

Para melhor visibilização da estrutura vascular principal, retira-se a microcirculação com auxílio de pinça histológica, apresentando aspecto final conforme FIGURA 2.

FIGURA 2

DISCUSSÃO

A técnica de moldagem intra-hepática vem demonstrando ser a melhor opção para o estudo da anatomia vascular do fígado¹². CALOMENO e Col. (1987)³ realizaram estudo comparativo com látex de neoprene e acetato de vinil, concluindo que os dois métodos tem vantagens e desvantagens. De acordo com esse estudo o látex de neoprene é mais efetivo para visibilização de estruturas de calibres maiores, enquanto a resina de vinil mostrou melhores resultados quando se pretende estudar detalhes delicados da anatomia vascular. No presente trabalho foi utilizado o acrílico auto-polimerizante com base no trabalho de YAMAMOTO e Col. (1985)¹¹, que fez uso do acrílico para estudar a microscopia microvascular dos ramos arteriais do fígado de ratos, sendo esta substância apropriada para estudos tanto de estruturas microscópicas, quanto de calibres maiores.

Contudo, dificuldades técnicas estiveram presentes no início do experimento. Tais dificuldades, consistiram em cateterizar a veia porta e determinar volume adequado de solução de acrílico a ser injetado. Estas, foram superadas obedecendo uma curva de aprendizado durante a realização do projeto piloto.

A ligadura das ramificações da veia porta e da veia cava inferior intra-abdominal justifica-se pelo fato de que se não realizada, há uma perda de volume significativo da solução acrílica quando infundida, pois ocorre um desvio desta solução para a via esplênica, gástrica, duodenal e renal¹³. Assim, com a ligadura dos ramos e de sua porção terminal, é controlado o volume de infusão e mantém-se uma pressão constante dentro do sistema hepático.

Já para se encontrar o volume adequado de solução acrílica, foi injetado 2, 1.5 , 1 e 0.5 ml de solução de acrílico na veia porta. Observou-se que com o volume de 2 e 1.5 ml provocava rompimento dos vasos sanguíneos, enquanto que injetando 0,5 ml não ocorria o preenchimento completo dos mesmos. Assim obteve-se um preenchimento satisfatório com o volume de 1 ml, conforme plano piloto. O mesmo ocorreu com a veia cava inferior, utilizando 4, 3, 2 e 1 ml de solução de acrílico, sendo 2 ml o volume adequado ao preenchimento do referido vaso. A infusão da solução acrílica deve ser feita com velocidade de aproximadamente 1 ml/min., para que não ocorra rompimento dos vasos por excesso de pressão.

Na execução da técnica é fundamental a heparinização dos catéteres e a infusão 0,5 ml de solução de heparina logo após a cateterização, justificando-se pela necessidade de evitar a formação de coágulos tanto nos catéteres como na rede vascular hepática. Assim, a cateterização da veia cava inferior intra-torácica deve ser realizada imediatamente após a eutanásia, para que seja possível a drenagem da solução salina infundida nos catéteres da veia porta e da veia cava inferior abdominal, e com isso também objetiva-se a retirada do excesso de sangue e possíveis coágulos. Deste modo mantém-se desobstruída a rede vascular hepática, tornado possível a injeção da solução de acrílico.

Um outro aspecto é o tempo de preparo da solução acrílica, que é crucial para o sucesso do experimento, uma vez que dever ser realizado em curto espaço de tempo para que a solução não endureça. Recomenda-se que as soluções vermelha e azul sejam preparadas por duas pessoas, simultaneamente. A utilização destas cores na preparação das soluções acrílicas, possibilita uma melhor visibilização e divisão do sistema vascular da veia porta e do sistema de drenagem das supra-hepáticas.

É importante que os lobos hepáticos sejam separados por algodão embebido em soro para evitar a superposição dos lobos e para que após a maceração se obtenha uma melhor visibilização da rede vascular, assim como a retirada da micro circulação com o auxilio de uma pinça histológica.

Vale salientar que esta técnica permite a demonstração da circulação arterial hepática, em função da grande perveabilidade da solução de acrílico. Entretanto a técnica de MURAKAMI e col. (1974)¹⁰ é mais indicada para este fim.

CONCLUSÃO

Esta técnica é factível e apresenta como vantagem um baixo custo (30 dólares) e com a utilização de duas cores diferentes de tinta pode-se separar o sistema vascular portal do sistema de drenagem supra-hepático, portanto sendo capaz de moldar a estrutura vascular hepática de ratos.

Silva VA, Miranda JS, Brito MVH. Preparation technique for angioarquitetonic liver model in rats. Acta Cir Bras [serial online] 2000 Jul-Sept;15(3). Available from: URL: http://www.scielo.br/acb.

ABSTRACT: The injection-erosion methods are the principal methods used for the study of the vascular anatomy of the liver. Some authors mention the technique for study of liver of dogs, pigs, hamsters, rabbits and cats, however they are scarce the works that mention the study of the hepatic anatomy of rats. This way it is important the knowledge of new preparation techniques for angioarquitetonic livers' models, making possible a better knowledge of the anatomy and consequently, improving the operative approach of this organ significantly. Due above of that the objective of the present study is to demonstrate the technique for accomplishment of veined corrosing casting of the rat's liver. 10 Rattus norvegicus albinus (Wistar) were used, with corporal mass between 250 and 300g, to verify the functionality of the method. The technique for preparation of vascular model presents three fundamental times: catetherization of the portal vein, intra-abdominal vena cava and intra-thoracic vena cava; prepare and infusion of the solution of acrylic; erosion in hydrochloric acid and maceration of the anatomic piece. We concluded that, this technique is feasible and it presents as advantage a low cost (30 dollars) and with the use of two colors different from ink it can separate the portal vascular system of the hepatic veins drainage system, therefore being capable to mold the structure vascular liverwort of rats.

SUBJECT HEADINGS: Acrylates. Corrosion casting. Models anatomic. Liver. Portal system. Rats.

Endereço para correspondência:

Marcus Vinicius Henriques Brito

Tv. Apinages 630/201

Belém - PA

66033–170

Tel: [phone]

Fax: [phone]

e-mail: [e-mail]

Data do recebimento: 28/04/2000

Data da revisão: 02/06/2000

Data da aprovação: 13/07/2000

² Graduando do Curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará. Estagiário do Laboratório de Cirurgia Experimental.

³ Doutor em Medicina pela UNIFESP.- Escola Paulista de Medicina. Presidente da SOBRADPEC - Regional Pará.

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1

Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Universidade do Estado do Pará, com apoio financeiro do FUNTEC / SECTAM.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Set 2000
• Data do Fascículo
  Set 2000

Histórico

• Revisado
  02 Jun 2000
• Recebido
  28 Abr 2000
• Aceito
  13 Jul 2000