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Aspectos éticos da pesquisa com animais

1 - EDITORIAL

ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA COM ANIMAIS

Saul Goldenberg

Na Declaração de Helsinki I, adotada na 18a.Assembléia Médica Mundial, em Helsinki, Finlândia (1964) no item n.1 dos Princípios Básicos enuncia: "A pesquisa clínica deve adaptar-se aos princípios morais e científicos que justificam a pesquisa clínica e deve ser baseada em EXPERIÊNCIAS DE LABORATÓRIO E COM ANIMAIS".

A declaração de Genebra da Associação Médica Mundial estabelecia o compromisso do médico com as seguintes palavras: "A Saúde do meu paciente será minha primeira consideração".

O meu paciente é o SER HUMANO e o meu paciente é o ANIMAL DE LABORATÓRIO ou de EXPERIMENTAÇÃO.

O exercício da pesquisa deve ser conduzida somente por pessoas cientificamente qualificadas e sob constante supervisão.

Ninguém erra porque quer errar. Não sabe que está errando. Erra por desconhecimento e por despreparo técnico. Eis porque cursos sobre bioterismo, manejo e uso de animais de laboratório, são muito importantes e precisam ser repetidos com freqüência.

De nossa parte temos tornado obrigatória a Disciplina que chamamos de BIOTERISMO e o CUIDADO COM OS ANIMAIS DE EXPERIMENTAÇÃO, ministrado por profissionais da área, veterinários e bioteristas.

Na nossa Revista Acta Cirúrgica Brasileira, 95% dos artigos enviados são de pesquisa em animais de laboratório. Não raro, recebemos trabalhos que não cumprem "os princípios éticos da experimentação animal".

O Colégio Brasileiro de Experimentação Animal-COBEA, entidade filiada ao INTERNATIONAL COUNCIL FOR LABORATORY ANIMAL SCIENCE (ICLAS) procurando aprimorar as condutas dirigidas à experimentação animal no País, postula:

Artigo I

Todas as pessoas que pratiquem experimentação biológica devem tomar consciência de que o animal é dotado de sensibilidade, de memória e que sofre sem poder escapar à dor;

Alguns ou muitos pesquisadores brasileiros desconhecem este artigo e enviam trabalhos assim chamados "científicos"nos quais estão registrados atos de verdadeiras atrocidades cometidas nos animais. Pesquisa sem ética não é pesquisa séria. A atrocidade é anti-pesquisa, é um ato hediondo. São os mesmos abusos cometidos contra prisioneiros nos campos de concentração durante a 2a. Guerra Mundial e que levou ao primeiro código de normas regulando a pesquisa com seres humanos.

O trabalho experimental anti-ético é devolvido ao autor com as recomendações do COBEA.

No Artigo II dos Princípios Éticos está escrito: "O experimentador é moralmente responsável por suas escolhas e por seus atos na experimentação animal". No Artigo V: "Os investigadores devem considerar que os processos determinantes de dor ou angústia em seres humanos causam o mesmo em outras espécies". No Artigo VI: "Todos os procedimentos com animais que possam causar dor ou angústia precisam se desenvolver com sedação, analgesia ou anestesia adequada. Atos cirúrgicos ou outros atos dolorosos não podem se implementar em animais não anestesiados e que estejam apenas paralisados por agentes químicos e/ou físicos".

Artigo VIII: "O uso de animais em procedimentos didáticos e experimentais pressupõe a disponibilidade de ALOJAMENTO que proporcione condições de vida adequada às espécies, contribuindo para sua saúde e conforto.(O que se observa em muitas Instituições são verdadeiros depósitos vergonhosos de animais) O transporte, a acomodação, a alimentação e os cuidados com os animais criados ou usados para fins biomédicos devem ser dispensados por técnico qualificado"(Médico Veterinário, Bioterista, Biólogo, Biomédico).

Artigo IX: "Os investigadores e funcionários devem ter qualificação e experiência adequadas para exercer procedimentos em animais vivos. Deve-se criar condições para seu treinamento no trabalho, incluindo aspectos de trato e uso humanitário dos animais de laboratório". Dar um basta ao "amadorismo"e procurar a "profissionalização"no manejo e nos cuidados para com os animais de experimentação. Neste sentido a Comissão de Ensino do COBEA elaborou e publicou o MANUAL PARA TÉCNICOS EM BIOTERISMO, 2a Edição revisada e ampliada, em 1996. Neste manual, cap. 2, trata da "Ética, bem-estar e legislação referente a pesquisa com animais". A Lei Judaica proíbe crueldade para com os animais, que devem ser tratados humanamente, com bondade e compaixão. Ainda conforme esta mesma Lei as experiências com animais é somente permitida se for realizada para o bem da Humanidade e não simplesmente para satisfazer desejos individuais, preceitos que estão no Exodus (23:5) e no Deuteronômio (25:4).O Judaismo adota também o conceito em que tudo criado neste mundo por D’us foi criado para servir a Humanidade.

Deste modo, se faz necessário, e até obrigatório a constituição de Comitês de Ética em Pesquisa Experimental em cada Instituição que exerça pesquisa, para análise dos protocolos, inclusive com tarefas educacionais.

Após minha aposentadoria na UNIFESP-EPM. fui para o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Logo ao assumir o Laboratório de Experimentação Animal constitui o Comitê de Ética em Pesquisa Experimental, cuja portaria foi publicada no Diário Oficial do Estado de 16 de janeiro de 1998. Todos os projetos a serem realizados no Laboratório passam pela análise crítica do Comitê, que aprova ou reprova o projeto e neste caso orienta o pesquisador para o cumprimento das normas éticas. É na educação e consciência de cada pessoa, que deseja trabalhar com animais, que deve estar incutido o princípio de minimizar a utilização, suprimir a dor, evitar o sofrimento e o estresse dos animais. Na Inglaterra a preocupação contra crueldade para com os animais é de 1876 e vigora até hoje.

Em 1988 o Conselho Nacional de Saúde aprovou as primeiras normas nacionais sobre ética na pesquisa em seres humanos. Em seqüência foi elaborado o texto que veio a se tornar a Resolução 196 e foi criada por esta Resolução a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (a CONEP), vinculada ao Conselho Nacional de Saúde e tem por objetivo desenvolver a regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos em pesquisas. Onde está a Resolução Nacional para proteção dos animais envolvidos em pesquisas ?

Existe a Lei Federal n.6638 de maio de 1979, que "Estabelece normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais e determina outras providências"e que até hoje, decorridos mais de 20 anos, não foi regulamentada e implantada. Tramita no Congresso Nacional o ante-projeto que "dispõe sobre a criação e o uso de animais para atividades de ensino e pesquisa". Surgiu na Câmara Federal o Projeto de Lei n.1153/95, que ameaça a realização de pesquisas em animais. Se, de um lado há necessidade de regulamentações mais eficazes para a criação e o uso de animais para as atividades de ensino e de pesquisa, de outro lado nos preocupa medidas radicais que possam prejudicar ou impedir o avanço científico e tecnológico, que nos levariam de volta para o tempo das cavernas.

Existe uma forma de controle quando os trabalhos realizados em animais são enviados aos periódicos.

Na nossa Revista Acta Cirúrgica Brasileira consta nas Instruções aos Autores que se deve cumprir os preceitos éticos na experimentação animal. Não basta. A nossa tendência atual é a de exigir carta de aprovação do Comitê de Ética em Experimentação Animal da Instituição. Além disso, o artigo recebido passa por dois pareceristas que também analisam o aspecto ético da pesquisa com animais. Temos verificado a citação, por ex., de autores que referem as normas do Guide for the care and use of laboratory animals (NIH-National Institute of Health, 1996: os Estados Unidos levam muito a sério o uso dos animais para ensino e pesquisa). Muito bem, na leitura do artigo que afirma ter seguido aquelas normas, ao se ler o método, o investigador deixa evidente que não cumpriu as normas. Assim também no que se refere as Referências (ABNT/ISO/ou VANCOUVER), que constam nas Instruções mas não cumprem, nem os autores e nem o Editor da Revista. Estes artigos são devolvidos.

Há um trabalho realizado por colegas da UNESP-Fac.Med.de Botucatu, sendo um dos autores o Prof. William Saad Hossne, trabalho este que estudou as normas relativas à ética da pesquisa em seres humanos contidas nas Instruções aos Autores de revistas científicas brasileiras. Das 139 revistas estudadas, 110 (79,1%) não fazem referências a aspectos éticos. Das 29 revistas que fazem referência à ética, apenas uma solicita cópia da autorização da Comissão de Ética e 10 não fazem qualquer referência específica. Levantei esta questão no nosso II Encontro de Editores Científicos da Área da Saúde, realizado no Hospital Israelita Albert Einstein, em 24 de setembro de 1999. Os Editores presentes, representando mais de 100 periódicos, sentiram o problema e deliberaram tomar providências.

Vamos ver se serão efetivadas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 2000
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