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Efeito de agentes anti-hipertensivos sobre as células estreladas durante a regeneração hepática em ratos

Resumo

O efeito de um inibidor da enzima conversora da angiotensina (lisinopril), de um antagonista do receptor da angiotensina II (losartan) e da bradicinina na população de células estreladas (CE) durante o fenômeno regenerativo hepático foi estudado. Ratos machos Wistar receberam lisinopril, losartan, bradicinina ou solução salina em volumes proporcionais, intraperitonealmente, antes e após hepatectomia parcial a 70% (HP). Cinco animais de cada grupo experimental e controle foram sacrificados sob anestesia com éter em 36 horas após a HP. A população de CE marcadas para alfa-actina de músculo liso foi estimada nas zonas periportal e pericentral das amostras hepáticas. A população de CE foi menor no grupo tratado com losartan, e maior nos grupos tratados com bradicinina e lisinopril que no grupo controle. Estes resultados sugerem que o losartan pode inibir, e a bradicinina e o lisinopril podem estimular a população de CE durante a regeneração hepática em ratos.

células estreladas; regeneração hepática; losartan; lisinopril; bradicinina; rato


EFEITO DE AGENTES ANTI-HIPERTENSIVOS SOBRE AS CÉLULAS ESTRELADAS DURANTE A REGENERAÇÃO HEPÁTICA EM RATOS

Fernando S. Ramalho1 1 Pós-Graduando do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 2 Pós-Graduanda do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 3 Professor Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 4 Professor Associado do Departamento de Cirurgia e Anantomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 5 Professor Titular do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Leandra N. Z. Ramalho2 1 Pós-Graduando do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 2 Pós-Graduanda do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 3 Professor Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 4 Professor Associado do Departamento de Cirurgia e Anantomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 5 Professor Titular do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Sérgio Zucoloto3 1 Pós-Graduando do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 2 Pós-Graduanda do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 3 Professor Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 4 Professor Associado do Departamento de Cirurgia e Anantomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 5 Professor Titular do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Orlando Castro-e-Silva Jr4 1 Pós-Graduando do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 2 Pós-Graduanda do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 3 Professor Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 4 Professor Associado do Departamento de Cirurgia e Anantomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 5 Professor Titular do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Fernando M. A. Corrêa5 1 Pós-Graduando do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 2 Pós-Graduanda do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 3 Professor Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 4 Professor Associado do Departamento de Cirurgia e Anantomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 5 Professor Titular do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Resumo: O efeito de um inibidor da enzima conversora da angiotensina (lisinopril), de um antagonista do receptor da angiotensina II (losartan) e da bradicinina na população de células estreladas (CE) durante o fenômeno regenerativo hepático foi estudado. Ratos machos Wistar receberam lisinopril, losartan, bradicinina ou solução salina em volumes proporcionais, intraperitonealmente, antes e após hepatectomia parcial a 70% (HP). Cinco animais de cada grupo experimental e controle foram sacrificados sob anestesia com éter em 36 horas após a HP. A população de CE marcadas para a-actina de músculo liso foi estimada nas zonas periportal e pericentral das amostras hepáticas. A população de CE foi menor no grupo tratado com losartan, e maior nos grupos tratados com bradicinina e lisinopril que no grupo controle. Estes resultados sugerem que o losartan pode inibir, e a bradicinina e o lisinopril podem estimular a população de CE durante a regeneração hepática em ratos.

Key Words: células estreladas, regeneração hepática, losartan, lisinopril, bradicinina, rato.

A maior parte dos estudos sobre regeneração hepática está centralizada nos hepatócitos, entretanto todas as células hepáticas participem do fenômeno regenerativo. As células estreladas (CE), também denominadas células de Ito ou células armazenadoras de lipídeos, encontram-se localizadas no espaço de Disse, em contato direto com os hepatócitos e com o epitélio sinusoidal. Essas células podem ser ativadas a um fenótipo semelhante a miofibroblastos, que se caracteriza por maior capacidade de proliferação, motilidade, contratilidade, e síntese de colágenos e demais componentes da matriz extracelular. As CE desempenham importante papel nos mecanismos de injúria, regeneração e fibrose hepáticas, sintetizando fatores de crescimento, prostaglandinas, citocinas e diversas outras substâncias bioativas. Estas células apresentam processos citoplasmáticos contráteis envolvendo os sinusóides hepáticos, regulando o fluxo sanguíneo sinusoidal. A angiotensina II (AII), um dos produtos finais da cascata renina-angiotensina, induz contração das CE, diminuindo o fluxo sinusoidal. Esse efeito pode ser bloqueado pelo uso do losartan, um antagonista seletivo do receptor da AII, o que resulta em redução da pressão portal (5).

O sistema calicreína-cininas é responsável por uma série de efeitos biológicos, incluindo vasodilatação, modulação da dor, aumento da permeabilidade capilar, contração/relaxamento da musculatura lisa e efeitos sobre a proliferação celular (4). A bradicinina atua como fator de crescimento para diversos tipos celulares, tais como células mesangiais, queratinócitos e fibroblastos. Recentemente foi relatado que a bradicinina estimula a regeneração hepática após hepatectomia parcial em ratos (2). A enzima conversora da angiotensina (ECA), envolvida na síntese de AII, é também conhecida como cininase II, uma potente enzima inativadora da bradicinina. Os inibidores da ECA atuam, portanto, simultaneamente reduzindo a síntese de AII e a degradação da bradicinina.

Os macanismos pelos quais as CE participam do processo regenerativo hepático e sua resposta a diferentes agentes anti-hipertensivos são ainda pouco conhecidos. O presente estudo teve como objetivo investigar o efeito de agentes anti-hipertensivos sobre a população de CE durante o fenômeno de regeneração hepática em ratos.

Ratos machos Wistar, pesando 200 ± 15 g, foram alimentados com ração balanceada e água ad libitum, e mantidos em sala com ciclos luz-escuro a cada 12 horas. Os animais experimentais (n= 4 a 5) foram tratados, via intraperitoneal (i.p.), com lisinopril (Merck, U.S.A.), à dose de 1mg/kg/dia, a partir de 5 dias antes da hepatectomia parcial (HP) até o dia do sacrifício; com losartan (Merck, U.S.A.), à dose de 5mg/kg/dia, a partir de 24 horas antes da HP até o dia do sacrifício; ou com bradicinina (Peninsula Laboratories Inc., Belmont, U.S.A.), à dose de 1 mg/kg e 3-1mg/kg, logo após a cirurgia e a cada 8 horas até o sacrifício, respectivamente. O grupo controle recebeu volume proporcional de NaCl 0.9%, i.p., por 5 dias antes da HP até o dia do sacrifício.

Os ratos foram anestesiados com éter etílico e submetidos à HP (70%), conforme descrito por Higgins e Anderson (3). O grupo controle foi dividido em cinco subgrupos (n= 5 a 7), os quais foram sacrificados sob anestesia com éter etílico 12, 24, 36, 48 e 120 horas após a HP, de forma a determinar o melhor período para avaliação da população de CE. Os demais grupos foram sacrificados 36 horas após a HP.

Fragmentos de parênquima hepático foram fixados por 12 horas em formol tamponado, embebidos em parafina e submetidos a cortes histológicos. As preparações foram incubadas com anticorpo monoclonal anti-a-actina de músculo liso (SM-a actin, DAKO A/S, Denmark), na concentração de 1:400 em BSA, seguido de imunoglobulina biotinilada anti-mouse e do complexo avidina-biotina-peroxidase. A diaminobenzidina foi utilizada como substrato cromógeno. As CE marcadas para a a -actina de músculo liso foram contadas em 10 campos microscópicos adjacentes aos espaços portais (região periportal, zona 1 do ácino hepático de Rappaport) e 10 campos microscópicos adjacentes às veias centrolobulares (região pericentral, zona 3 do ácino de Rappaport). As secções foram examinadas em campos microscópicos escolhidos ao acaso, com aumento de 400 vezes. Nesse aumento, as regiões periportal e pericentral são adjacentes e representativas de todo o lóbulo hepático (1).

Os dados foram expressos como média ± EPM. Para as comparações estatísticas, foi utilizada a análise de variância (ANOVA) para medidas paramétricas, associada aos testes de Bonferroni ou Dunnett, conforme apropriado. Valores de probabilidade < 0,05 foram considerados significantes.

No grupo controle, as CE marcadas para a a -actina de músculo liso foram mais numerosas em 36 horas após a HP (p<0,05), tanto na região periportal, quanto na região pericentral (Fig.1). As CE marcadas foram mais numerosas (p<0,05) nas regiões periportal e pericentral dos grupos tratados com bradicinina (30,02 ± 0,40; 16,80 ± 0,27) e lisinopril (24,60 ± 0,16; 13,68 ± 0,41), em comparação ao grupo tratado com solução salina (18,99 ± 0,28; 9,43 ± 0,36) (p<0.05). As CE marcadas foram menos numerosas na zona periportal do grupo tratado com losartan (15,88 ± 0,85) quando comparado ao grupo controle (18,99 ± 0,28) (p<0,05) (Fig.2).



O processo regenerativo que se segue à HP induz ativação das CE, as quais passam do estado de quiescência para uma condição semelhante a miofibroblastos. No presente estudo, as CE ativadas apresentaram-se mais numerosas 36 horas após a HP. A inibição da ECA pelo lisinopril estimulou a população de CE ativadas, sugerindo um possível efeito inibidor da AII sobre estas células. Entretanto, nos animais tratados com losartan, um antagonista seletivo do receptor da AII, foi observada uma menor população de CE ativadas, demonstrando que a AII pode estimular essas células, seja em número ou em atividade. O losartan tem sido empregado no tratamento clínico da hipertensão portal em virtude desse efeito inibitório sobre as CE5. E ainda, o tratamento com bradicinina tornou a população de CE ativadas mais numerosa. Assim, o efeito estimulatório decorrente da inibição da ECA sobre a população de CE, não está associado à redução na síntese de AII, mas à menor degradação de bradicinina.

Muito pouco é conhecido sobre a importância do sistema calicreína-cinina nos mecanismos de regulação da regeneração hepática e sua interação com as células estreladas. O presente estudo demonstrou que o tratamento com bradicinina e lisinopril aumenta a população de células estreladas ativadas durante o processo de regeneração hepática. Estas células podem sintetizar diversas substâncias que estimulam a proliferação hepatocelular. O tratamento com losartan diminui a população de células estreladas ativadas, as quais também são conhecidas por participar do processo de fibrose hepática.

Agradecimento a FAPESP pelo apoio financeiro (Processo: 1996/1560-2)

  • 1.Ballardini G, Groff P, De Giorgi LB, Schuppan D, Bianchi FB. Ito cell heterogeneity: Desmin-negative Ito cells in normal rat liver. Hepatology 1994;19:440-446.
  • 2. Castro-e-Silva Jr O, Ramalho FS, Ramalho LNZ, Correa FMA, Zucoloto S. Effect of bradykinin on liver regeneration. In: Moreno-Gonzáles E & Hidalgo-Pascual M, editors. Proceedings of the 3rd World Congress of the International Hepato-Pancreato-Biliary Association. Madrid: Jarpyo Editores; 1999. p. 193-195.
  • 3.Higgins GM, Anderson RM. Experimental pathology of the liver: I. Restoration of the liver of the white rat following partial surgical removal. Arch Pathol 1931;12:186-202.
  • 4.Regoli D, Barabé J. Pharmacology of bradykinin and related kinins. Pharmacol Rev 1980;32: 01-46.
  • 5. Schneider AW, Kalk JF, Klein CP. Effect of losartan, an angiotensin II receptor antagonist, on portal pressure cirrhosis. Hepatology 1999; 29: 334-339.
  • 1
    Pós-Graduando do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
    2
    Pós-Graduanda do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
    3
    Professor Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
    4
    Professor Associado do Departamento de Cirurgia e Anantomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
    5
    Professor Titular do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2001
    • Data do Fascículo
      2000
    Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Pesquisa em Cirurgia https://actacirbras.com.br/ - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actacirbras@gmail.com