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MODELOS EXPERIMENTAIS CIRÚRGICOS DE FALÊNCIA HEPÁTICA FULMINANTE

EXPERIMENTAL MODELS OF ACUTE LIVER FAILURE

Resumos

Os autores fazem uma revisão pormenorizada sobre os principais modelos cirúrgicos experimentais de falência hepática fulminante. Abordam aspectos da indução experimental das vantagens e desvantagens dos diferentes modelos, tecendo comentários sobre os modelos de indução da falência hepática, e das possíveis formas de diagnóstico e tratamento.

falência hepática fulminante; hepatectomias; regeneração hepática; transplante de fígado


The authors prepared a detaile review of experimental surgical models of acute liver failure. They comment on the aspects of experimental induction, the advantages and disadvantages of the different models, as well as on the possibilities of diagnosis and treatment.

acute liver failure; hepatectomy; hepatic regeneration; liver transplantation


MODELOS EXPERIMENTAIS CIRÚRGICOS DE FALÊNCIA HEPÁTICA FULMINANTE1 1 Trabalho realizado no Laboratório de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP 2 Pós-Graduandos junto à Área de Clínica Cirúrgica do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP 3 Professor Associado junto à Disciplina de Gastroenterologia do do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP

EXPERIMENTAL MODELS OF ACUTE LIVER FAILURE

Brasil I. R. C.2 1 Trabalho realizado no Laboratório de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP 2 Pós-Graduandos junto à Área de Clínica Cirúrgica do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP 3 Professor Associado junto à Disciplina de Gastroenterologia do do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP , Silva P. M.2 1 Trabalho realizado no Laboratório de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP 2 Pós-Graduandos junto à Área de Clínica Cirúrgica do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP 3 Professor Associado junto à Disciplina de Gastroenterologia do do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP , Tolentino E. C.2 1 Trabalho realizado no Laboratório de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP 2 Pós-Graduandos junto à Área de Clínica Cirúrgica do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP 3 Professor Associado junto à Disciplina de Gastroenterologia do do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP ,

Sankarankuti A. K.2 1 Trabalho realizado no Laboratório de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP 2 Pós-Graduandos junto à Área de Clínica Cirúrgica do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP 3 Professor Associado junto à Disciplina de Gastroenterologia do do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP , Oliveira G. R.2 1 Trabalho realizado no Laboratório de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP 2 Pós-Graduandos junto à Área de Clínica Cirúrgica do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP 3 Professor Associado junto à Disciplina de Gastroenterologia do do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP , Silva Jr. O. de C.3 1 Trabalho realizado no Laboratório de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP 2 Pós-Graduandos junto à Área de Clínica Cirúrgica do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP 3 Professor Associado junto à Disciplina de Gastroenterologia do do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP

Resumo: Os autores fazem uma revisão pormenorizada sobre os principais modelos cirúrgicos experimentais de falência hepática fulminante. Abordam aspectos da indução experimental das vantagens e desvantagens dos diferentes modelos, tecendo comentários sobre os modelos de indução da falência hepática, e das possíveis formas de diagnóstico e tratamento.

Descritores: falência hepática fulminante, hepatectomias, regeneração hepática, transplante de fígado.

Key Words: acute liver failure, hepatectomy, hepatic regeneration, liver transplantation.

Introdução: Poucas condições em medicina são mais dramáticas ou mais desoladoras que a falência hepática fulminante (FHF), uma síndrome clínica complexa resultante da necrose maciça de células hepáticas que leva à perda das funções sintéticas e metabólicas do fígado e conseqüentemente ao desenvolvimento de encefalopatia .3,17

Desde 1946 algumas classificações têm sido propostas, uma vez que essa síndrome pode se desenvolver a partir de diferentes doenças e seguir cursos clínicos diferentes. Em 1970 Trey e Davidson15 usaram o termo falência hepática fulminante para descrever uma condição potencialmente reversível e conseqüente à lesão hepática grave em que a encefalopatia se inicia 8 semanas após o surgimento dos primeiros sintomas na ausência de doença hepática pré-existente.

Em 1986 Bernau17 descreveu FHF como a ocorrência de encefalopatia até duas semanas após o início da icterícia em associação com coagulopatia (nível de fator V menor que 50%) e falência hepática subfulminante quando o intervalo era de 2-12 semanas novamente em associação com coagulopatia. Em ambas as definições inexiste doença hepática prévia. Em 1989 O'Grady e colaboradores11, em Londres, analisaram indicadores precoces de prognóstico na FHF e acharam que o intervalo entre o início da icterícia e o desenvolvimento da encefalopatia é um preditor independente para o seguimento da doença. O mesmo grupo em 1993 associado a autores holandeses propôs uma subclassificação para a FHF, baseada no intervalo entre o início da icterícia e o da encefalopatia hepática, em hiperaguda (0-7 dias), aguda (8-28 dias) e subaguda (5-12 semanas).

A hepatite viral aguda ainda permanece como a causa mais comum de hepatite fulminante no mundo com prevalência mais alta em lugares em desenvolvimento. Na América do Norte e outros centros da Europa 50% dos casos são atribuídos a hepatite viral. Em muitos casos nenhum agente viral tem sido identificado (hepatite A,B,C,D e E negativos) apesar da suspeita clínica de lesão hepatica viral. Na Índia a FHF é causada quase que exclusivamente por vírus hepatotróficos, sendo o VHB o agente etiológico em 27,6%. Entre aqueles com hepatite tipo NANB 62,4% foram positivos para VHE-RNA, determinado por análise de PCR. Estudos mostram ainda que pacientes com hepatite NA-E, 12,5% de positividade para vírus G A hepatite E é encontrada mais freqüentemente em áreas subtropicais e associada com alta mortalidade ,principalmente em mulheres grávidas. No Japão metade dos pacientes têm evidência de hepatite C. Outros virus não hepatotróficos como herpesvírus, varicela zoster, Epstein-Barr, citomegalovírus, paramixovírus e outros, podem algumas vezes produzir FHF em indivíduos imunocompetentes. No Reino Unido , a causa mais comum de falência hepática fulminante é superdosagem de paracetamol que é responsável por 50-60% de todos os casos relatados associado a tentativas de suicídio. Entretanto tem sido descrita após doses terapêuticas em indivíduos em uso de drogas indutoras de enzimas como a fenitoína e alcoólatras crônicos. O Halotano continua figurando como droga responsável pela IHA (Insuficiência hepática aguda) por idiossincrasia. Parece haver dois tipos de hepatite por halotano. O tipo I formas leve com elevação de aminotransferases e pequeno risco de dano hepático maior e o tipo II com necrose hepática massiva:e falência hepática fulminante (FHF). Outras drogas relacionadas: imao, co-trimoxazol , AINH, sulfonamidas, dissulfiram, cetoconazol, fenitoína. Com o ressurgimento da tuberculose em muitos países ocidentais tem sido detectado um número aumentado de casos de FHF por isoniazida e rifampicina combinadas. O ectasy, uma droga recreacional, tem incidência elevada de FHF. Uma causa relativamente comum de FHF na França é o envenenamento por um cogumelo Amanita phalloides.

A lesão anatomopatológica encontrada na insuficiência hepática aguda é mais comumente a necrose difusa de grande parte do parênquima hepático, entretanto em alguns casos há mínima destruição do parênquima caracterizando-se a esteatose microvesicular. Uma vez que a regeneração hepática é o processo chave para a recuperação, terapias que a favoreçam serão de grande valor. Os princípios gerais são curar a causa e preservar o parênquima ainda não lesado, pois a partir deste haverá hiperplasia , favorecendo assim a regeneração hepática. Apesar dos avanços recentes na terapia intensiva, os pacientes com FHF têm mortalidade elevada e o transplante de fígado ainda permanece como único tratamento efetivo comprovado17. O transplante hepático que tinha uma mortalidade de 50% no primeiro ano até poucos anos atrás , evoluiu para uma sobrevivência de 80% no primeiro ano nas séries dos grupos mais experientes. Numerosos métodos ex-vivo têm sido desenvolvidos na tentativa de melhorar a sobrevivência do paciente(3). Podemos didaticamente dividi-los em três grupos:

1. Detoxificação - diálise, adsorção de carvão e troca plasmática, que apenas proporcionam função excretória.

2. Perfusão ex-vivo do fígado- próprio órgão ou perfusão tecidual, que proporciona algumas funções metabólicas.

3. Sistema bioartificial ou baseado em células - combina elementos dos dois métodos anteriores.

O manejo da FHF requer a manutenção das funções metabólicas. Algumas membranas bioartificiais estão em testes e demonstram benefícios em manter o metabolismo até que o fígado possa ser substituído, fazendo com que a idéia de um sistema híbrido de suporte com fígado bioartificial seja proposto 1,13

O transplante hepático é a terapia mais efetiva nos casos de má evolução podendo ser realizado o enxerto total ou o auxiliar. O transplante total tem a desvantagem de imunossupressão prolongada o que pode ser retirado no transplante auxiliar após a regeneração5. A indicação do transplante parcial deve ser precisa e o fígado deve ser analisado quanto a capacidade de regeneração. A dificuldade em conseguir órgãos e a urgência do transplante fazem do fígado bioartificial uma ponte efetiva para o transplante.

O número elevado de mortes resultantes da ausência ou diminuição da atividade regenerativa hepática exige uma estratégia de tratamento apropriada a qual consiste em intervenções médicas que promovam diretamente a regeneração hepática ou coíbam os efeitos dos inibidores do crescimento circulantes. A compreensão e o tratamento desta condição tem sido limitados pela carência de modelos animais satisfatórios.

Um modelo animal experimental de doença humana, se for usado para experimentos terapêuticos, precisa imitar as alterações clínicas e laboratoriais características das doenças de forma mais semelhante possível14.

Na elaboração de um modelo animal de FHF seja induzido por drogas , seja cirúrgico, devemos lembrar que a história natural difere do homem no comportamento clínico da FHF de etiologia viral que é a causa mais comum. Um modelo animal para avaliar formas potenciais de tratamentos continua sendo um objetivo importante para os pesquisadores12.

Existem seis critérios aceitos, descritos por Terblanche e Hickman12, como pré-requisitos para um modelo animal de FHF:

1. Reversibilidade- A insuficiência hepática produzida precisa ser potencialmente reversível de modo que o animal possa responder e sobreviver se um tratamento adequado for utilizado.

2. Reprodutibilidade- Sem tratamento haverá uma mortalidade próxima da universal. Esse critério essencial tem sido surpreendentemente difícil de atingir.

3. Morte por falência hepática- uma lesão seletiva hepática precisa ser produzida de modo que resulte em morte por falência hepática durante um intervalo de tempo similar ao observado na doença humana.

4. Janela terapêutica- O tempo no qual a morte ocorre precisa ser longo o suficiente após o insulto hepático para permitir o início do tratamento e observação dos seus efeitos. O animal precisa se manter suficientemente bem para permitir o tratamento a ser instituído.

5. Modelos de grandes animais- São preferíveis por permitir que o tratamento seja monitorizado seriadamente e subseqüentemente aplicado ao homem . Esse é um critério relativo porque ratos e coelhos têm sido largamente usados.

6. Risco mínimo ao pessoal envolvido na pesquisa- Qualquer método usado deve representar risco mínimo ao pessoal que trabalha no laboratório. Esse pré-requisito não é encontrado em alguns agentes farmacológicos.

Quando tentamos recriar a condição vista em humanos, é importante escolher espécies animais com propriedades fisiológicas e metabólicas semelhantes. As manifestações, efeitos colaterais e complicações da FHF são difíceis de simular em um modelo animal e as causas multifatoriais de morte no homem, também não são bem reproduzidas nesses modelos. É necessário ainda levar em consideração os princípios éticos e o bem estar do animal 10.

Os modelos animais disponíveis são didaticamente divididos em induzidos por drogas, combinados drogas e cirurgia e cirúrgicos. Neste artigo de revisão nos restringiremos aos modelos cirúrgicos de falência hepatocelular aguda.

Modelos Cirúrgicos: Existem muitos modelos cirúrgicos para a indução de falência hepática fulminante em diversos animais. Citaremos aqui alguns dos mais utilizados em pesquisa.

Hepatectomia Subtotal em Ratos: Os primeiros relatos dessa técnica descreviam a morte dos animais invariavelmente no máximo após 40 horas da cirurgia18 acrescentaram cuidados adicionais à técnica, o que diminuiu consideravelmente a mortalidade para14% em 24 horas.

Os ratos pesando 200-250g foram deixados em jejum na noite anterior à cirurgia que consiste de incisão mediana abdominal seguida de hepatectomia 70% mais a ressecção do lobo lateral direito superior e lobo lateral direito inferior após ligaduras com fio de algodão 3.0, preservando o lobo caudado (acessório) e tecido hepático adjacente aos grandes vasos no espaço porta. Esse tecido remanescente corresponde a 9,4% +/- 0,6% do peso total do fígado. A hipoglicemia secundária à diminuição da reserva hepática de glicogênio é um segundo problema que leva ao aumento da mortalidade, sendo solucionado pela administração oral de solução glicosada a 20% ad libitum .

Algumas modificações a essa técnica foram introduzidas por nós na tentativa de facilitar o ato cirúrgico e evitar complicações2. Nos nossos animais optamos por trocar a ligadura no lobo inferior direito por uma clipagem do mesmo paralelamente à veia cava inferior infrahepática, com clip vascular desenvolvido na oficina de precisão da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, à semelhança de clips vasculares neurocirúrgicos, o que diminuiu o sangramento e a estenose da veia cava garantindo ainda a ressecção do maior volume de tecido hepático. Observamos ainda que a hipoglicemia era crítica no pós-operatório imediato o que nos fez administrar glicose intravenosa 5 ml a 10% durante a cirurgia seguida de 10 ml de glicose a 10% administrados no tecido subcutâneo no dorso do animal. Os animais evoluem com sinais clínicos ( letargia, sonolência, elevação do pelo, diminuição da sua atividade motora e resposta lenta aos estímulos externos) e bioquímicos ( elevação de enzimas plasmáticas hepáticas e bilirrubinas) de falência hepática fulminante. A hipoglicemia ocorre duas horas após a cirurgia, e a morte de 100% dos animais em 24 a 48 horas, caso não haja reposição de glicose A desvantagem desse modelo é a ausência de tecido necrótico hepático , o que libera substâncias tóxicas e concorre para a gravidade do quadro clínico. A grande vantagem é a possibilidade de definir o momento exato do início da FHF e a extensão do dano ao parênquima.

Modelo Combinado em Ratos: Autores japoneses 6 desenvolveram um novo modelo para FHF no rato. Nessa preparação simples e altamente reprodutível foi feita a ressecção de 68% da massa hepática (hepatectomia esquerda seguida de ligadura do pedículo venoso comum do lobo direito e preservação dos dois lobos omentais). Os animais foram alimentados com ração e água no pré-operatório e após a cirurgia todos receberam 20ml de glicose 5% em solução salina subcutânea. A cirurgia foi feita com ajuda de um microscópio cirúrgico e cuidado especial deve ser tomado em mobilizar delicadamente os lobos anteriores, passando ligadura alta no seu pedículo venoso evitando interferência no suprimento arterial ou prejuízo da drenagem venosa. O resultado desta técnica é uma massa hepática funcional muito reduzida, com algum volume de tecido hepático necrosado (24%) e levando à toxemia, porém preservando a possibilidade de regeneração hepática nos seguimentos remanescentes vascularizados. Os animais mantidos a uma temperatura ambiental de 21 graus C desenvolvem coma grau III 22-24h após a indução e sobrevivem 39 +/- 11h, porém os animais que são aquecidos por uma lâmpada e mantêm temperatura corporal de 36,5 a 37 graus , desenvolvem coma aproximadamente após 12h após a indução e morrem mais precoce em 20 +/- 5h.

Esse modelo de FHF é bem padronizado e reprodutível, tendo muitas características da doença no homem. Ele tem a vantagem da anatomia do fígado do rato onde cada lobo tem uma massa proporcional ao volume total e ao peso do animal permitindo calcular o volume a ser retirado. Os animais evoluem para óbito em 24 a 48 horas pós-operatórias, todos com sinais bioquímicos de falência hepática progressiva e coma, há a presença de tecido necrótico, o que libera toxinas no sangue e pode-se ainda estabelecer o momento da lesão hepática.

Hepatectomia Total: A hepatectomia total foi primeiro descrita em 1921,onde com uma técnica em três estágios fez a hepatectomia em cães. A partir daí surgiram a técnica em dois e em um estágio com a utilização de enxerto ou prótese.

Descreveremos aqui um dos modelos utilizando porcos. Os animais pesando 35-40 Kg são deixados em jejum por 24h prévias à cirurgia e anestesiados com Halotano (0,8%, oxido nítrico e oxigênio sob máscara, seguida de traqueostomia para entubação traqueal e ventilação mecânica. A monitorização hemodinâmica é feita pela cateterização da artéria femoral para medição da pressão arterial continuamente e a veia cava superior é cateterizada via veia jugular externa para infusão de volume e medição da pressão venosa central.

A cirurgia consiste em laparotomia mediana, dissecção do ducto biliar comum, veia porta e artéria hepática com todos os seus ramos seguida do isolamento da veia cava infrahepática e mobilização do fígado através da secção de todas as aderências peritoniais. Após essa dissecção um tubo de PVC com 15 cm de comprimento e 10mm de diâmetro, preenchido com solução salina contendo 300 u de heparina, é introduzido na v. cava inferior através de uma incisão entre o fígado e as veias renais e fixado por uma ligadura em torno da veia cava logo abaixo da incisão. Um ramo lateral sai desse tubo formando um ângulo de 45 graus e com diâmetro interno de 9mm e a 3cm da extremidade inferior, o qual deverá ser conectado com o coto distal da veia porta por enluvamento da veia sobre o catéter e fixo com ligadura sobre a mesma. Após esse procedimento o tubo é fixado por ligadura externa na veia cava inferior acima do óstio das veias suprahepáticas. Após ligadura e transsecção do ducto biliar e da artéria hepática o fígado é removido.

Durante a cirurgia não é administrada heparina adicional, as perdas sanguíneas são repostas e 500 ml de sangue é administrado no pós-operatório para repor o conteúdo intrahepático. Após a síntese do abdome a anestesia é interrompida permitindo assim que os animais se levantem e respirem espontaneamente seguida de uma anestesia leve com oxido nitroso em oxigênio a 50% contínua, curarização e ventilação mecânica. Os animais são colocados em uma rede com orifícios para as pernas . Bicarbonato de sódio (80-100 mEq) deve ser infundido durante as seis horas iniciais ao experimento e glicose durante todo o período experimental a 0,27g/kg.h. Amostras de sangue arterial devem ser colhidas a cada 2h para a determinação do pH, pCO2, glicose, lactato, íon amônia, tempo de protrombina, eletrólitos, enzimas hepáticas e bilirrubinas .

A hepatectomia total resulta em falência hepática total, porém deixa dúvidas quanto a sua validade em simular a FHF. As desvantagens desse modelo são a irreversibilidade da FHF, a menos que o animal seja tratado com transplante hepático, não há necrose celular e portanto não há liberação de substâncias tóxicas no sangue, o coma hepático é de curto período, diferente daquele visto nos pacientes e tem pouca anormalidade bioquímica até 2-4h antes da morte.

Desvascularização Hepática: Os modelos de desvascularização hepática podem ser divididos em completo onde é feito um shunt porto-cava e ligadura da artéria hepática e graduado onde é feito o mesmo shunt citado porém com oclusão temporária da artéria hepática.

Desvascularização Hepática Total: Esse modelo foi repetido por Mazziotti 9, e é caracterizado por shunt porto-caval e ligadura de todos os ramos arterias do fígado em um único tempo.Os animais foram porcos da raça white large com peso de 28-35 kg, anestesiados com 100 mg de ketalar aplicados na veia marginal da orelha para indução e entubação traqueal e mantidos com uma mistura de fluotane, protóxido e oxigênio até o final da cirurgia. Foram puncionadas e canulizadas as veias jugulares interna e externas, para infusão de líquidos e coleta de amostras de sangue, e a artéria carótida comum para monitorização contínua da pressão arterial.

O abdome foi aberto por uma incisão mediana e o fígado foi mobilizado por secção de todas as suas aderências peritoniais. O ducto biliar foi dissecado, ligado e seccionado. Um shunt porto-caval latero-lateral foi confeccionado para a manutenção do fluxo portal durante a anastomose, e após esse procedimento a veia porta foi cortada e ligada junto à tríade portal. A artéria hepática foi dissecada, ligada e seccionada bem como todo o omento menor, com o objetivo de excluir possíveis ramos provenientes da artéria gástrica esquerda para o fígado.

Os animais foram mantidos no pós-operatório com infusão contínua de dextrose 10% com um fluxo de 0,7 a 1 g/kg/h , de modo a manter a glicemia entre 100-150 mg/100ml e receberam 2g de oxacilina IV a cada 12h até o final do experimento.

A sobrevivência nesse experimento foi de 17-28h. A consciência foi recobrada 90min. após a cirurgia , sonolência e agitação surgiram 8h após e os distúrbios neurológicos evoluíram para estupor e coma profundo com contrações musculares paroxísticas. A morte foi atribuída a parada respiratória em 90% dos casos. A análise histológica do fígado mostrou necrose maciça com áreas de colapso e infarto hemorrágico. A glicemia se mostrou normal e os níveis de AST se elevaram rapidamente chegando a 390 +/- 98 U/L em 6h.

Hepatectomia Parcial e Isquemia Hepática: Cuervas-Mons 4 descreveu um modelo muito recente em porcos em que associa a ressecção de três lobos hepáticos à derivação porto-caval termino terminal e oclusão temporária da artéria hepática.

Foram usados porcos da raça Large white com 20 kg de peso corporal, anestesiados com isoflurano ( vaporizado a 5% em uma mistura oxigênio - protóxido de nitrogênio 30:70), entubados e submetidos a ventilação mecânica. O abdome foi abordado por incisão mediana, os ligamentos hepáticos foram seccionados e a veia cava infra-hepática e intra-hepática dissecada. A veia porta foi isolada e ocluída o mais próximo possível do hilo hepático. A artéria hepática e a veia gástrica esquerda foram dissecadas e mantidas ocluídas durante 1h. A derivação porto-cava foi confeccionada termino lateralmente com fio de propileno 6.0. A hepatectomia parcial foi então realizada através da ressecção dos três lobos esquerdos perfazendo assim aproximadamente 65% da massa hepática total. Durante a cirurgia os animais receberam, através de um catéter posicionado na veia jugular, solução salina isotônica e bicarbonato de sódio para manter o ph entre 7,38 e 7,42.

A mortalidade foi de 86% nos quatro primeiros dias pós-operatórios. Todos os animais ficaram sonolentos e progrediram para perda da postura, do controle intestinal e urinário e coma.

Conclusão: Muitas abordagens diferentes que apresentam vantagens e desvantagens têm sido feitas para desenvolver um modelo apropriado de FHF. O aspecto da FHF a ser estudado irá determinar a escolha do tipo de modelo. Se o estado fisiopatológico de edema cerebral é o objeto de estudo, questões como recuperação do animal pode ser menos importante inicialmente. Num estágio tardio em alguns trabalhos pode ser importante estar apto a estudar a recuperação de animais com edema cerebral, o que pode tornar alguns modelos inapropriados. Isso se aplica particularmente a alguns modelos cirúrgicos que não permitem a reversibilidade e recuperação do tecido hepático.

Alguns modelos cirúrgicos apresentam a desvantagem, como de animais hepatectomizados, de não sofrem os efeitos causados por mediadores inflamatórios secretados por células hepáticas danificadas ou necróticas e isso limita o estudo fisiopatológico de certos aspectos sistêmicos da FHF, mas têm a vantagem de terem o momento exato do início da insuficiência hepática definido facilitando assim a decisão de quando iniciar o experimento propriamente dito.

Os critérios estabelecidos por Terblanche e Hickman12 são guias importantes para o desenvolvimento de modelos animais de FHF porém ainda há pontos importantes que não foram adequadamente solucionados. O modelo ideal precisa ter critérios clínicos e bioquímicos bem definidos como por exemplo os critérios prognósticos do King's College of London de FHF11, o que não foi alcançado por nenhum modelo.

Tais modelos precisam ter porcentagem de mortalidade definida (por exemplo 95%) na ausência de terapias padronizadas de suporte, transplante ou fígado artificial. Além disso o critério clínico e bioquímico utilizado para estabelecer o início da FHF em modelos animais freqüentemente têm pouca semelhança com aqueles usados na prática clínica. Por exemplo os níveis de amônia são medidos em detrimento do tempo de protrombina, bilirrubinas, pH e creatinina, para provar o início da falência hepática. A monitorização a PIC nos modelos animais é feita por dosagem de amônia, eletroencefalograma (EEG) e autopsias cerebrais. A monitorização invasiva, freqüentemente usada em humanos, é raramente usada em animais. O EEG, apesar de simples e barato, não demonstrou ser valoroso em muitas situações experimentais.

No momento da escolha de um modelo experimental de FHF, o pesquisador se depara com inúmeros problemas. O primeiro é o tamanho do animal, já que é necessário em muitos experimentos as coleta de sangue repetida e a monitorização hemodinâmica; segundo, a literatura é vasta e inúmeros modelos são descritos, o que indica que ainda não há um modelo ideal; e ainda os autores usam critérios variáveis para avaliar o grau de lesão e insuficiência hepática, tornando os modelos difíceis de serem comparados entre si e conseqüentemente a eleição do modelo mais adequado ao experimento proposto.

No nosso ponto de vista é necessário haver um consenso dos grupos que pesquisam FHF com o intuito de padronizar os parâmetros a serem avaliados num modelo experimental, tornando-os, deste modo, comparáveis.

Abstract: The authors prepared a detaile review of experimental surgical models of acute liver failure. They comment on the aspects of experimental induction, the advantages and disadvantages of the different models, as well as on the possibilities of diagnosis and treatment.

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  • 1
    Trabalho realizado no Laboratório de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP
    2
    Pós-Graduandos junto à Área de Clínica Cirúrgica do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP
    3
    Professor Associado junto à Disciplina de Gastroenterologia do do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jun 2002
    • Data do Fascículo
      2001
    Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Pesquisa em Cirurgia https://actacirbras.com.br/ - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actacirbras@gmail.com