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Um salto para o presente: a educação básica no Brasil

Resumo

A educação básica no Brasil está num momento especialmente delicado. Os dados têm mostrado que há uma evolução positiva em vários indicadores, o que pode estar demonstrando que os rumos estão corretos, mas há ainda um bom caminho a percorrer. O artigo apresentou esses indicadores e discutiu esses rumos, procurando destacar alguns pontos considerados mais dramáticos.

educação básica; educação e sociedade; políticas públicas


UM SALTO PARA O PRESENTE

a educação básica no Brasil

GILDA FIGUEIREDO PORTUGAL GOUVÊA

Professora do Instituto de Filosofia, Ciências e Letras da Unicamp e Assessora do Ministério da Educação

Resumo: A educação básica no Brasil está num momento especialmente delicado. Os dados têm mostrado que há uma evolução positiva em vários indicadores, o que pode estar demonstrando que os rumos estão corretos, mas há ainda um bom caminho a percorrer. O artigo apresentou esses indicadores e discutiu esses rumos, procurando destacar alguns pontos considerados mais dramáticos.

Palavras-chave: educação básica; educação e sociedade; políticas públicas.

O mundo vem assistindo nos últimos 25 anos transformações profundas no tratamento às questões educacionais que, no caso brasileiro, tornaram mais dramáticas nossas desigualdades de oportunidades.

Trabalhando com a análise recentemente sistematizada por Manuel Castells,1 1 . Refiro-me à trilogia desenvolvida por Castells (1999): A Sociedade em Rede (vol. 1), O Poder da Identidade (vol. 2) e Fim de Milênio (vol. 3). as mudanças que vêm ocorrendo não são só tecnológicas, mas principalmente culturais e organizacionais. Na "nova economia infor- macional", afirma Castells, o ponto-chave para o desenvolvimento econômico, para o enfrentamento das desigualdades e mesmo para a democracia política é a educação. O que conta neste mundo não é a máquina e nem a tecnologia, mas a capacidade das pessoas de processar informações, criar situações, criar alternativas e resolver problemas. O importante não é mais acumular uma grande quantidade de informações, mas sim saber buscar essas informações. Assim a educação deve desenvolver em cada pessoa sua capacidade cognitiva e analítica e quem não for alcançado por um sistema educacional eficiente, terá poucas chances num mundo que cada vez mais individualiza o sistema de trabalho e no qual a inclusão (ou a exclusão) depende cada vez menos da inserção coletiva das pessoas. A educação é hoje para a sociedade informacional o que foi ontem a energia para a sociedade industrial, conclui Castells.

OS GRANDES DRAMAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA2 2 . A educação básica segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira engloba oito séries do ensino fundamental mais três séries do ensino médio.

No Brasil, em meados da década de 80, um físico chamado Sérgio Costa Ribeiro, com sua mania de entender o que estava por trás dos números, passou a gritar aos quatro cantos que havia algo de muito estranho com as nossas estatísticas educacionais. Sua conclusão foi quase singela: os números mostravam que havia no país uma enorme discrepância entre a quantidade de crianças na faixa etária de 7 a 14 encontrada pelo Censo populacional do IBGE e as matrículas nas oito séries do ensino fundamental. Em suas palestras ele costumava brincar dizendo que o Brasil era o único caso no mundo em que uma geração valia por quase duas.3 3 . A população na faixa de 7 a 14 anos em 1980 era de 23.009.608 (Fundação IBGE), os jovens matriculados nas oito séries do ensino fundamental eram 22.598.254 (MEC/Inep/Seec) dos quais apenas 18.476.634 tinham entre 7 e 14 anos (MEC/Inep/Seec). Como se vê havia 4.121.620 jovens com mais de 14 anos matriculados no ensino fundamental e 4.532.974 jovens entre 7 e 14 anos fora da escola. Sérgio era um otimista e enfatizava que esse dado deveria ser olhado como positivo, ou seja, a educação já estava incorporada como um valor para a grande maioria da população, que colocava seus filhos na escola, lutava por mantê-los nela e havia escolas em número suficiente para matricular essas crianças que começavam sua trajetória escolar.

O fato de haver mais crianças matriculadas em algumas dessas séries do que a população na faixa etária, teve uma explicação imediata: era causado pela repetência que "segurava" as crianças, e a evasão provocava muitas vezes o fenômeno da dupla contagem. Os dados levantaram uma outra explicação importante: na maior parte das vezes o "evadido" era um repetente em potencial, ou seja, era aquela criança que no meio do ano não estava com bom aproveitamento e era "aconselhada" pela escola a abandonar os estudos naquele ano e voltar no ano seguinte para não ser considerada repetente. Mas essas eram considerações estatísticas. Atrás delas estava escondido um trágico fenômeno: o fracasso escolar.

O que é o fracasso escolar? Nos anos seguintes esse tema foi bastante estudado, e hoje já se possui um quadro bem mais definido dos seus vários aspectos. Deixemos as estatísticas para mais adiante, e vamos nos deter primeiro em seus aspectos qualitativos.

O fracasso escolar é uma chaga que se instalou no nosso sistema educacional e condena parte considerável da nossa população ao analfabetismo e ao analfabetismo funcional. O analfabeto funcional é a pessoa que sabe identificar as letras e consegue juntar as sílabas, mas não consegue juntar uma frase nem compreender um texto. Essa pessoa não é capaz de ler um manual, de compreender regras escritas, de comunicar-se via eletrônica e portanto é um excluído desta nova sociedade que está se definindo. E pensem bem que tragédia: parte dos nossos analfabetos entre 15 e 29 anos, que somavam cerca de 2.960.000 em 1997 (cerca de 7% da população nessa faixa etária) segundo o IBGE-PNAD,4 4 . Os dados não incluem a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. freqüentou a escola e foi expulsa dela por ter "fracassado". E esses dados levam em conta apenas os analfabetos e não incluem os analfabetos funcionais.

Durante muito tempo considerou-se que o principal fator para uma criança deixar a escola era a necessidade de trabalhar para ajudar a família. Essa situação existe, mas está longe de ser a principal determinante da evasão escolar. Estudos têm demonstrado que o fracasso escolar é o principal responsável pelo êxodo e a repetência não melhora o aprendizado dos alunos: "a análise dos resultados das avaliações da educação básica, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a avaliação de concluintes do ensino médio e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) confirmam: quanto maior a distorção série/idade dos alunos, pior o seu desempenho. Um aluno que conclui o ensino fundamental aos 18 anos, após uma série de reprovações, tem rendimento médio inferior ao do aluno que conclui as oito séries na idade adequada, ou seja, aos 14 anos (MEC, 1999:35).

Imaginem a seguinte situação: a criança entra na escola e começa a apresentar dificuldades para alfabetizar-se. Solução: repetir o ano, uma, duas, três vezes ou mais se necessário, sendo ela considerada a única responsável pelo próprio fracasso. Quando consegue superar a barreira da alfabetização, não se desenvolve em matemática, e novamente "repete". Não estuda, não presta atenção, é "fraca da cabeça", dizem. Numa mesma classe, já tendo às vezes 12 anos, convive com colegas de 7. Os colegas a consideram burra, para a escola é incapaz, e os pais são convencidos de que ela é incapaz mesmo. Por que continuar na escola, se todos acham que é perda de tempo? Sua auto-estima está destruída, está marcada pela sociedade. Seu futuro já está definido: está excluída. Quem já fez pesquisa de campo e teve a oportunidade de estar em alguma escola percebeu no rosto dessas crianças o sinal do fracasso.

As estatísticas mostram a dimensão dessa tragédia. Na contagem populacional que o IBGE fez em 1996, 42% dos jovens brasileiros entre 15 e 19 anos declararam não estar freqüentando a escola e, destes, 46% disseram ter abandonado definitivamente os estudos ao concluir menos de cinco anos de escolaridade. Entre esses jovens encontraremos certamente muitos analfabetos funcionais. Ao observarmos os dados por região, a gravidade da situação se acentua. Na região Nordeste, 65% dos jovens de 15 a 19 anos que estavam fora da escola tinham completado menos de 5 anos de escolaridade; na região Norte eram 59%; na região Centro-Oeste, 41%; na Sudeste, 36% e na região Sul, 34%. Essa é a enorme parcela de "fracassados" do nosso país.

Foi assim que, a partir da década de 80, os formuladores de políticas públicas na área de educação começaram a mudar a ênfase de suas recomendações, voltando sua atenção para o que acontecia dentro da escola. Foi também a partir daí que os governos começaram a ouvir desses formuladores que, mais importante do que construir escolas, era dirigir seus investimentos para a qualidade da escola, a qualidade da vida escolar de cada criança ou jovem, a qualificação dos professores, os equipamentos escolares, a oferta e qualidade do livro didático e a avaliação, não como critério para aprovar ou reprovar o aluno, mas para aprovar ou reprovar a escola. Se uma grande quantidade de alunos não aprende ou se evade, deve-se pensar que a principal responsável pela situação é a escola e não o aluno.

Essa não foi uma mudança fácil na mentalidade dos governantes, dos políticos e dos educadores. Por desconhecimento da situação real do nosso sistema escolar que havia crescido muito ou por "interesses na indústria da construção de escolas", uma administração era avaliada pelo número de salas de aula que havia construído e não por ter conseguido baixar a taxa de evasão e repetência. Essas escolas, inauguradas com grande alarde pelos governantes e patrocinadas por políticos com interesses eleitorais naquela região (isso na melhor das hipóteses, pois havia muitas denúncias de que os interesses eram também econômicos ligados às empreiteiras que construíam as escolas e depois financiavam campanhas eleitorais), eram muitas vezes erguidas em áreas que possuíam escolas prontas com vagas ociosas. Quem trabalhou na administração pública nesse período, sabe como era difícil fazer prevalecer o critério da demanda real diante das pressões políticas.

A outra fonte de resistência estava nos próprios educadores e professores. A discussão em torno da promoção automática ou dos ciclos (um aluno na primeira série, mesmo que não estivesse alfabetizado deveria ser promovido para a segunda série, ou ainda, ciclos de quatro anos, ou seja, só haveria uma avaliação no final da quarta série e no final da oitava série) provocava ¾ e ainda provoca ¾ fortes reações contrárias.5 5 . Um bom exemplo desse fato foi a última campanha eleitoral para Governador em São Paulo, em que o candidato Paulo Maluf apresentou como plataforma eleitoral a proposta de acabar com a promoção automática e com os ciclos. Incluía nos seus programas depoimentos de mães, com seus filhos ao lado, dizendo: "Imaginem ... este menino não sabe ler nem escrever e passou para a segunda série". Com esse "estímulo" público dificilmente essa criança irá aprender um dia, pois sua auto-estima está sendo precocemente destruída. Os professores justificavam sua posição com o argumento de que era muito difícil trabalhar com uma classe onde os alunos tinham diferentes níveis de conhecimento. Contra esse argumento, alguns educadores levantavam outro: ele enfrentaria a mesma dificuldade tendo numa classe um aluno de 7 anos e outro de 12, pois o de 12 poderia estar defasado no aprendizado formal, mas não na sua idade emocional e de experiência, ingredientes fundamentais para a aplicação de qualquer prática pedagógica.

A volta do olhar dos formuladores e de alguns administradores para dentro da escola começou a colocar questões que, se ainda não foram resolvidas, pelo menos provocaram uma guinada radical nas políticas públicas para a educação. O novo rumo estava se definindo: a escola deveria deixar de ser uma formadora de "fracassados" para ser uma formadora de cidadãos com capacidade cognitiva e crítica.

Uma das primeiras perguntas que se colocou foi por que essas crianças e jovens fracassavam? Afinal, o que acontece dentro da escola?

Sabemos que a situação de pobreza da população tem um papel importante nesse êxodo escolar e nas taxas de repetência. Os dados mostram que a escola tem se democratizado nas últimas três décadas e, portanto, cada vez mais crianças das camadas mais pobres entram na escola. Não podemos menosprezar esse fato, mas não queremos que ele esconda um outro, talvez tão importante quanto as desigualdades sociais e econômicas: o que acontece dentro da escola.

Quanto mais pobre for a população, maior o papel desempenhado pela escola no seu processo de inserção na sociedade. A escola representa para muitas dessas crianças e jovens o único ambiente estruturado de convivência, antes até de ser um ambiente de aprendizado de letras e números. Se pensarmos nas populações das periferias das cidades médias e grandes, cujas condições habitacionais são bastante precárias, compostas de famílias que apresentam um grau elevado de desagregação (basta lembrar o número crescente de famílias mantidas apenas pela mãe) e taxas de desemprego que atingem os níveis mais elevados nos momentos de crise econômica, a escola deveria cumprir o papel de acolhê-las, situá-las, exercitar a convivência e a tolerância, e nunca de expulsá-las. A construção da sua auto-estima é o que mais importa. A sua capacidade de aprender, agora sim, as letras e os números vai depender muito dessa acolhida.

Escolas sem manutenção adequada, com os vidros quebrados e as carteiras em condições precárias, as paredes sujas, o encanamento entupido, professores desmotivados porque mal-preparados e com salários baixos, professores com medo da violência que já ultrapassou os portões como temos visto pela imprensa, dificilmente poderão ser acolhedoras. Como transformar essa escola para que ela possa exercer seu papel?

O QUE ESTÁ SENDO FEITO E QUAIS OS PRINCIPAIS RESULTADOS

Alterar esse quadro não é nada fácil. Como vimos, são inúmeros os problemas que precisam ser atacados simultaneamente para mudar a escola por dentro.

Mas nem tudo é desesperança. O quadro descrito começou a se alterar significativamente no fim da década de 80, mas foi na década de 90 que os resultados alcançados tanto na continuidade do avanço nos índices de cobertura, quanto nos sinais cada vez mais visíveis de que está melhorando a qualidade do ensino e com ela a "acolhida" das crianças e jovens. Fica difícil, e aliás pouco importa, apontar qual fator está sendo o principal responsável por essa mudança, ou então a quem atribuir as glórias dos bons resultados. Mas a verdade é que foram os esforços conjugados dos três níveis de governo ¾ federal, estadual e municipal ¾, a participação crescente da comunidade e da sociedade nos assuntos da escola, e principalmente uma convergência de políticas corretas e duradouras, os responsáveis pelos resultados. Quais foram os principais norteadores dessas políticas?

Segundo documento do Ministério da Educação (MEC/Inep, 1999a) e outras avaliações que têm sido publicadas nos últimos anos, as políticas implantadas procuraram principalmente:

- buscar um novo padrão de eqüidade na oferta do ensino fundamental obrigatório, mediante a garantia da universalização do acesso, implantação de um novo modelo de financiamento, com a criação do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) e a promoção de ações focalizadas para corrigir desigualdades sociais, econômicas e regionais;

- basear o esforço de universalização e melhoria da qualidade na descentralização dos programas e dos recursos públicos destinados ao financiamento do ensino, mediante a adoção de critérios transparentes e universais, eliminando intermediações que não deixam o dinheiro chegar à escola;

- dar ênfase na melhoria da qualidade da educação básica, apoiada em políticas de valorização dos professores inclusive com incentivos salariais, na distribuição em tempo hábil e na avaliação do livro didático, na TV Escola e outros instrumentos de educação a distância para apoiar o professor no seu desempenho em classe e na sua atitude diante dos alunos, na introdução do computador na escola, na implantação de parâmetros curriculares nacionais, no treinamento intenso de dirigentes escolares desde secretarias estaduais e municipais até os diretores e secretários das escolas;

- criar e implantar o sistema de ciclos e promover regularmente programas de aceleração de aprendizagem, possibilitando àqueles alunos com idade acima do recomendável para a série, que freqüentam classes especiais, que avancem rapidamente nos estudos e alcancem a série compatível;6 6 . Sobre os programas de aceleração de aprendizagem promovidos pelo Ministério da Educação, pelas secretarias estaduais, municipais e organizações não-governamentais como a Fundação Ayrton Senna (Programa Acelera Brasil), ver: Setúbal (2000).

- apoiar os programas de alfabetização de jovens e adultos através de parcerias com empresas, organizações não-governamentais, universidades e prefeituras, principalmente nos municípios com as mais altas taxas de analfabetismo;7 7 . O Programa Alfabetização Solidária, uma parceria entre o Ministério da Educação, o Conselho do Programa Comunidade Solidária, universidades e faculdades (eram 171 em 1999), empresas (eram 53 em 1999), prefeituras municipais (eram 866 em 1999, atingindo os municípios com os mais altos índices de analfabetismo do país, e mais Rio de Janeiro e São Paulo), já tinha alfabetizado entre 1995 e 1999 cerca de 800 mil jovens e adultos que estavam, ao sair dos primeiros seis meses de aprendizagem, aptos a iniciar o supletivo de primeiro grau.

- criar cursos supletivos para dar prosseguimento à escolaridade daqueles jovens e adultos que se alfabetizaram;

- desenvolver e implantar um sistema nacional de avaliação e de indicadores de desempenho periódicos, o único capaz de informar aos executores das políticas se estamos melhorando ou não e apontar onde estão as falhas;

- apoiar e incentivar as políticas de inclusão dos portadores de deficiência no ensino regular, principalmente se considerarmos que muitas vezes a dificuldade no aprendizado é considerada deficiência mental;

- descentralizar os gastos com a merenda escolar,8 8 . Para as populações pobres, a merenda escolar ainda é uma das políticas mais importantes para a manutenção das crianças na escola e para melhorar seu desempenho. colocando os recursos na escola, para que ela administre sua compra e distribuição, evitando desvio e desperdício.

É difícil dizer, mas talvez a mudança mais importante na década de 90 quanto ao financiamento da educação foi a criação do Fundef através da Emenda Constitucional nº 14. Com o Fundef houve uma divisão mais clara das responsabilidades de cada nível de governo, e o dinheiro da educação foi aplicado onde estavam os alunos. Agora faz toda a diferença porque só é vantagem para os governos estaduais ou municipais que mantiveram as crianças na escola, pois os recursos do Fundo serão repassados conforme o número de crianças matriculadas, segundo as informações do Censo escolar que o Ministério da Educação realiza anualmente em todo o país. Com essa mudança, a evasão passa a representar perda de recursos para os estados ou municípios. Além disso, o Fundef favoreceu o desenvolvimento da colaboração entre os três níveis de governo, criando também mecanismos de estímulo à participação da comunidade (cada município e cada estado deve formar um conselho que fiscaliza a aplicação dos recursos).

Ainda sobre a distribuição dos recursos, a descentralização chegou até a escola com os programas Dinheiro Direto na Escola do governo federal e inúmeros programas semelhantes de governos estaduais e municipais. Essas medidas estimularam a participação dos pais na gestão da escola através das APMs (Associações de Pais e Mestres) que passaram a ser responsáveis por esses recursos e se multiplicaram pelo país, com a criação de cerca de 50 mil desde 1995. Essas iniciativas tornaram mais fácil também a aproximação de várias organizações não-governamentais que passaram a ser parceiras na melhoria da escola, tendo agora nas APMs sua base de apoio, execução e fiscalização.

Os resultados começam a aparecer:

Queda das Taxas de Analfabetismo nas Faixas Jovens da População ¾ O que pode estar indicando que temos cada vez menos "fracassados". As taxas de analfabetismo entre a população com até 29 anos de idade vêm regredindo anualmente. Na faixa de 15 a 19 anos, o recuo foi de 12,2%, em 1991, para 6%, em 1997. Na faixa etária de 20 a 24, a queda no período foi de 12,2% para 7,1%, e na faixa de 25 a 29 anos, a queda foi de 12,7% para 8,1% (Tabela 1 e Gráfico 1). As mulheres têm melhorado mais rapidamente sua situação em relação aos homens: a taxa para as mulheres entre 15 e 19 anos era de 9% em 1991 e regrediu para 4% em 1997. Entre as mulheres na faixa de 20 a 24 anos, a taxa recuou de 10,5% para 5,5%, e no grupo entre 25 e 29 anos, o recuo foi de 11,5% para 6,4%.9 9 . "A década de 90 marca a virada das mulheres brasileiras, que ultrapassaram os homens em nível de escolarização. A proporção de pessoas analfabetas já é significativamente menor entre as mulheres do que entre os homens em todos os grupos com até 29 anos de idade. As mulheres também superaram os homens em número médio de anos de estudos e, nas salas de aula, reinam absolutas: 85% dos 1,6 milhão de professores da educação básica em todo o país são do sexo feminino. Elas são maioria entre os alunos do ensino médio, do ensino superior e entre os alunos da 5 a à 8 a série do ensino fundamental. Em 1998, elas somavam 56% do total de alunos matriculados no ensino médio e 54% dos alunos do ensino superior. De acordo com a última contagem populacional da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1996, a queda do analfabetismo entre os jovens é muito mais acentuada na população feminina. Na faixa de 15 a 19 anos, a taxa é de 7,9% para os homens e 4,0% para as mulheres. Na população com faixa etária entre 20 e 24, a taxa de analfabetismo é de 8,7% para os homens e de 5,5% para as mulheres. No grupo com faixa etária entre 25 e 29, a taxa é de 10% para os homens e de 6,4% para as mulheres. Entre a população na faixa entre 30 e 39 anos, o índice de analfabetismo é de 11% para os homens e de 9,4% para as mulheres" (MEC, 2000).


Aumento do Número Médio dos Anos de Estudo ¾ Em 1960, o número médio de anos de estudo para a população com 10 anos ou mais estava em torno de dois anos. Em 1997 estava em torno de seis anos, mais um sinal de que nosso sistema educacional se encontra em uma curva ascendente. Em 80, os homens estavam em vantagem quanto aos anos médios de estudo em relação às mulheres (3,9 anos para os homens e 3,5 anos para as mulheres), mas essa situação se inverteu na década de 90 (Tabela 2 e Gráfico 2), quando as mulheres melhoraram mais rapidamente seu perfil educacional. No período de 1990 a 1996, a média de anos de estudos aumentou de 5,1 para 5,7 entre os homens, e de 4,9 para 6 entre as mulheres, o que indica um salto de quase um ano para as mulheres, enquanto eles avançavam meio ano, segundo o mesmo documento do Ministério da Educação.


Crescimento da Matrícula em Todos os Níveis de Ensino ¾ Com destaque para o ensino médio (Tabelas 3 e 4 e Gráficos 3 e 4). O crescimento da matrícula no ensino fundamental foi de 13% entre 1994 e 1999, segundo dados do Censo escolar de 1999. Com isso o Brasil atingiu nesse ano uma taxa de escolarização líquida de 95,5% na faixa de 7 a 14 anos. Em 1999, pela primeira vez, o Censo registrou variação negativa de 1,5% em matrículas nas quatro séries iniciais do ensino fundamental e uma variação positiva de 4,8% nas quatro séries finais, o que é uma ótima notícia, ou seja, as crianças estão conseguindo vencer a barreira inicial da alfabetização e dos números apontada anteriormente, progredindo de série. Mas a grande notícia vem mesmo do crescimento das matrículas no ensino médio: entre 1994 e 1999 a expansão atingiu 57,3%, uma média de 11,5% ao ano. Um número maior de pessoas está terminando as oito séries do ensino fundamental e prosseguindo seus estudos para o ensino médio.



Diminuição das Desigualdades Regionais ¾ Na região Nordeste as matrículas no ensino fundamental cresceram cerca de 27% contra 13% no resto do país, e no ensino médio cresceram 62% contra 57% no conjunto do país.

Melhoria do Fluxo no Ensino Fundamental com a Queda das Taxas de Evasão e Repetência ¾ No ensino fundamental a taxa de promoção que já vinha aumentando nos anos anteriores, evoluiu entre 1995 e 1997 (apenas 2 anos) de 65,5% para 74,5%, enquanto no mesmo período as taxas de repetência e evasão diminuíram de 26,7% para 18,7% e de 8,3% para 6,8%, respectivamente. Por outro lado, a distorção idade/série nas séries iniciais que era de 64,1% em 1991, caiu para 46,6% em 1998. Esses são resultados para serem comemorados, pois significam que a escola está acolhendo muito melhor nossos jovens, mostrando uma tendência de superação do triste quadro apresentado na primeira parte deste trabalho.

Melhoria da Qualificação dos Professores da Educação Básica ¾ O número de professores tem crescido bastante nos últimos anos: entre 1994 e 1999, o crescimento foi de 9,6% no ensino fundamental e de 35,7% no ensino médio segundo o Censo Escolar do Ministério da Educação. Mas apesar disso, houve uma evolução na qualificação desses professores. Nas regiões mais pobres do país, principalmente, o número de professores leigos era muito elevado. Professor leigo é aquele que está encarregado de ministrar aulas sem ter completado o nível escolar exigido para aquela série. Assim, por exemplo, é o professor de primeira a quarta série que não terminou as oito séries do ensino fundamental. Dados do Ministério da Educação indicam que o número de professores leigos no ensino fundamental caiu 41,1% no período de 1994 a 1999, o número de professores com nível médio completo subiu 7,5% e com superior completo aumentou 24,4% (Tabela 5 e Gráfico 5). Para o ensino médio a qualificação também está aumentando: houve uma queda de 65,8% no número de professores leigos e um acréscimo de 45,3% no número de professores com curso superior completo (Tabela 6 e Gráfico 6). São dados realmente impressionantes!



Municipalização do Ensino ¾ Seguindo o que prescreve a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, houve um acelerado processo de municipalização do ensino fundamental. Em 1997 havia cerca de 18 milhões de alunos nas escolas estaduais de ensino fundamental e 12 milhões nas escolas municipais. Em 1999 as escolas estaduais "perderam" em torno de dois milhões de alunos e as municipais "ganharam" cerca de quatro milhões (MEC/Inep, 1999b).

Essas são as boas notícias, mas há ainda um longo caminho a percorrer.

O QUE FALTA FAZER

Nas discussões, nem sempre fáceis, entre educadores e formuladores de políticas públicas para educação há uma unanimidade: em educação demora um certo tempo para que uma política implantada comece a apresentar seus resultados, mas os efeitos negativos da interrupção das ações é imediato. Não se está querendo dizer que essas ações não devam ser avaliadas periodicamente e, se for o caso, alteradas com base nessas avaliações. Mas mudar o rumo de acordo com os caprichos dos dirigentes governamentais, apenas para que cada dirigente deixe sua marca, é um erro gravíssimo de conseqüências irreversíveis muitas vezes para toda uma geração. Infelizmente, com algumas exceções, essa tem sido a prática no caso brasileiro. Nesse sentido, procurou-se nesse artigo não atribuir as vitórias alcançadas até aqui a este ou aquele nível de governo. Quem está ganhando é o país que pode hoje visualizar um quadro de inserção no novo século com um pouco mais de otimismo. E essa ressalva torna-se mais importante quando destacamos o que falta fazer.

Não se pretende aqui abordar todos os aspectos da complexa realidade educacional, não só por falta de espaço, mas para não passar a sensação de que é uma tarefa impossível.

Em primeiro lugar, o analfabetismo é sem dúvida ainda uma das evidências do atraso educacional do País, sobretudo em comparações internacionais. O Brasil segue exibindo uma das taxas de analfabetismo mais elevadas da América Latina, na população com 15 anos ou mais de idade. Em números absolutos, são 15,8 milhões de pessoas, sem considerar os analfabetos funcionais cuja contagem é muito mais complexa. Apesar da redução dessas taxas mostradas anteriormente, observa-se ainda uma forte tendência de regionalização do analfabetismo e sua concentração nas áreas rurais das regiões Norte e Nordeste e na periferia dos grandes centros urbanos. Embora óbvio, vale destacar que pobreza e analfabetismo caminham juntos. Os esforços de toda a sociedade que temos assistido nos últimos tempos precisam ser redobrados para que se possa, nos próximos cinco anos, eliminar essa chaga.

Em segundo lugar, a distorção série/idade continua sendo um problema grave. Mais da metade (54,3%) dos alunos da quinta série do ensino fundamental estão fora da idade. Além disso, há 7 milhões de jovens de 7 a 17 anos no ensino básico fora da idade ideal para a série que freqüentam.10 10 . Há 44 milhões de jovens entre 7 e 17 anos matriculados no ensino básico, enquanto a população nesta faixa etária é de 37 milhões. Outro dado que impressiona: 8,5 milhões de jovens matriculados no ensino fundamental tinham 15 anos ou mais e já deveriam estar no ensino médio. Dos alunos do ensino médio, 3,7 milhões de jovens tinham 18 anos ou mais. As ações para melhoria da qualidade da escola precisam ser incentivadas ao lado de um apoio maciço aos programas de aceleração do aprendizado e dos cursos supletivos presenciais ou à distância.

Em terceiro lugar, o país possui ainda 600 mil professores de educação básica sem formação superior, situação que precisará ser alterada até 2007 por exigência da Lei de Diretrizes e Bases. Nesse esforço é muito importante o papel das universidades públicas e privadas e a busca de formas efetivas de financiamento dos futuros professores do ensino básico no caso das instituições particulares.

E finalmente, em quarto lugar, temos hoje 7,8 milhões de alunos matriculados no ensino médio e as previsões indicam que em 2002 serão cerca de dez milhões. Hoje já há falta de vagas na rede pública em muitas regiões: aqui sim há necessidade de investimentos em construção de salas de aula ou reforma de edificações para acolher esse número crescente de jovens. Quanto mais rápido se corrigir o fluxo escolar do ensino fundamental, mais dramática será a situação de falta de vagas no ensino médio. Nesse caso, o futuro já chegou.

Conseguiremos dar esse salto para o presente?

NOTAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • CASTELLS, M. A sociedade em rede São Paulo, Paz e Terra, v.1, 1999.
  • __________ . O poder da identidade São Paulo, Paz e Terra, v.2, 1999.
  • __________ . Fim de milênio São Paulo, Paz e Terra, v.3, 1999.
  • MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Educação brasileira: políticas e resultados Brasília, 1999.
  • __________ . "Indicadores de educação no Brasil". Boletim Assessoria de Comunicação Social ¾ MEC, 29 fev. 2000.
  • MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS. Desempenho do sistema educacional brasileiro: 1994-1999 Brasília, 1999a.
  • __________ . Censo escolar 1999 Brasília, 1999b.
  • SETÚBAL, M.A. (org.). Revista Em Aberto Brasília, MEC/Inep, v.17, n.71, jan. 2000.
  • 1
    . Refiro-me à trilogia desenvolvida por Castells (1999):
    A Sociedade em Rede (vol. 1),
    O Poder da Identidade (vol. 2) e
    Fim de Milênio (vol. 3).
  • 2
    . A
    educação básica segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira engloba oito séries do
    ensino fundamental mais três séries do ensino médio.
  • 3
    . A população na faixa de 7 a 14 anos em 1980 era de 23.009.608 (Fundação IBGE), os jovens matriculados nas oito séries do ensino fundamental eram 22.598.254 (MEC/Inep/Seec) dos quais apenas 18.476.634 tinham entre 7 e 14 anos (MEC/Inep/Seec). Como se vê havia 4.121.620 jovens com mais de 14 anos matriculados no ensino fundamental e 4.532.974 jovens entre 7 e 14 anos fora da escola.
  • 4
    . Os dados não incluem a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
  • 5
    . Um bom exemplo desse fato foi a última campanha eleitoral para Governador em São Paulo, em que o candidato Paulo Maluf apresentou como plataforma eleitoral a proposta de acabar com a promoção automática e com os ciclos. Incluía nos seus programas depoimentos de mães, com seus filhos ao lado, dizendo: "Imaginem ... este menino não sabe ler nem escrever e passou para a segunda série". Com esse "estímulo" público dificilmente essa criança irá aprender um dia, pois sua auto-estima está sendo precocemente destruída.
  • 6
    . Sobre os programas de aceleração de aprendizagem promovidos pelo Ministério da Educação, pelas secretarias estaduais, municipais e organizações não-governamentais como a Fundação Ayrton Senna (Programa Acelera Brasil), ver: Setúbal (2000).
  • 7
    . O Programa Alfabetização Solidária, uma parceria entre o Ministério da Educação, o Conselho do Programa Comunidade Solidária, universidades e faculdades (eram 171 em 1999), empresas (eram 53 em 1999), prefeituras municipais (eram 866 em 1999, atingindo os municípios com os mais altos índices de analfabetismo do país, e mais Rio de Janeiro e São Paulo), já tinha alfabetizado entre 1995 e 1999 cerca de 800 mil jovens e adultos que estavam, ao sair dos primeiros seis meses de aprendizagem, aptos a iniciar o supletivo de primeiro grau.
  • 8
    . Para as populações pobres, a merenda escolar ainda é uma das políticas mais importantes para a manutenção das crianças na escola e para melhorar seu desempenho.
  • 9
    . "A década de 90 marca a virada das mulheres brasileiras, que ultrapassaram os homens em nível de escolarização. A proporção de pessoas analfabetas já é significativamente menor entre as mulheres do que entre os homens em todos os grupos com até 29 anos de idade. As mulheres também superaram os homens em número médio de anos de estudos e, nas salas de aula, reinam absolutas: 85% dos 1,6 milhão de professores da educação básica em todo o país são do sexo feminino. Elas são maioria entre os alunos do ensino médio, do ensino superior e entre os alunos da 5
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    a série do ensino fundamental. Em 1998, elas somavam 56% do total de alunos matriculados no ensino médio e 54% dos alunos do ensino superior. De acordo com a última contagem populacional da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1996, a queda do analfabetismo entre os jovens é muito mais acentuada na população feminina. Na faixa de 15 a 19 anos, a taxa é de 7,9% para os homens e 4,0% para as mulheres. Na população com faixa etária entre 20 e 24, a taxa de analfabetismo é de 8,7% para os homens e de 5,5% para as mulheres. No grupo com faixa etária entre 25 e 29, a taxa é de 10% para os homens e de 6,4% para as mulheres. Entre a população na faixa entre 30 e 39 anos, o índice de analfabetismo é de 11% para os homens e de 9,4% para as mulheres" (MEC, 2000).
  • 10
    . Há 44 milhões de jovens entre 7 e 17 anos matriculados no ensino básico, enquanto a população nesta faixa etária é de 37 milhões.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2000
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