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O EDUCADOR: MAGNANIMIDADES E AMBIGÜIDADES

Resumo

Resumo: No interior das práticas institucionais, como realização de governo, o artigo apresenta -- dentro deste cenário -- projetos sobre a formação do educador, do currículo e as novas tecnologias de educação

educador; currículo; tecnologias


O EDUCADOR

magnanimidades e ambigüidades

FERNANDO JOSÉ DE ALMEIDA

Filósofo e Pedagogo, Professor de Didática no curso de Pedagogia e no Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-SP. Secretário da Educação do Município de São Paulo, gestão Marta Suplicy

Resumo: No interior das práticas institucionais, como realização de governo, o artigo apresenta ¾ dentro deste cenário ¾ projetos sobre a formação do educador, do currículo e as novas tecnologias de educação.

Palavras-chave: educador; currículo; tecnologias.

Não nos faltam vontade e determinação; falta-nos grandeza de objetivos que espelhem o tamanho de nosso poder de agir e iniciar o novo.

Jurandir Freire Costa (Folha de S.Paulo, 17/6/01)

Este ensaio não pretende teorizar sobre a formação de educadores ou mostrar caminhos consolidados sobre tantos descaminhos da educação, nem mesmo apresentar uma visão catastrófica do que está por vir. É fruto de uma avalanche de dúvidas e de uma dezena de reflexões de um educador que, enquanto tranqüilamente desenvolvia sua pesquisa num programa de pós-graduação em educação da PUC-SP, foi surpreendido pelo convite para ser Secretário de Educação da terceira maior cidade do mundo, a cidade de São Paulo.

É apenas um levantamento de questões de quem inicia um trabalho à frente de uma escola com 1 milhão de alunos, 40 mil professores, 20 mil servidores com tarefas educativas, e além disso, contando com 10.500.000 técnicos para lhe propor soluções e encaminhar críticas, como se propõem soluções ao técnico da Seleção Brasileira. Todos torcem para que a vitória seja da Educação, por isso mesmo todos têm propostas e análises críticas (na maioria das vezes corretas). Nessa pletora de "técnicos" estão pais, políticos, jornalistas bem-intencionados ¾ ou não ¾, autoridades eclesiásticas, aposentados de todas as categorias, líderes sindicais, jovens de todas as idades.

As experiências educativas e pedagógicas da rede municipal de São Paulo estão entre as mais ricas em criatividade e em enfrentamento de problemas reais e graves, que abrangem os campos da aprendizagem, da sociologia, da política, assim como da psicologia. Ao mesmo tempo em que há uma grandiosidade nesses professores e educadores, não há em nosso país sonhos e utopias que elevem essa tarefa de educar acima das questões pedagógicas marcadas por um imediatismo pequeno, embora criativo e generoso.

É dentro desse cenário, rústico e ainda embrionário, que são apresentadas as reflexões.

TODO SER HUMANO É EDUCADOR (PARODIANDO ANTÔNIO GRAMSCI)

Por quê? Porque se todos têm um projeto de ser humano e de sociedade ideal para se viver, a simples exigência desse projeto e do relacionamento com pessoas automaticamente pressupõe haver aí uma ação educativa. Nossas ações sociais estão sempre cercadas do caráter de convencimento. Por isso, pode-se dizer que todos são dotados de um certo "educere" (tirar de um lugar para levar a outro). As ações humanas de convívio estão carregadas de intencionalidade "convencedora". Mesmo que se pense nos atos aparentemente mais distantes dos educativos, como os amorosos, micropoliticamente são atos de envolvimento, sedução, educação.

A dimensão do projeto humano que cada um tem situa-se no espaço do senso comum, evidentemente envolto pelas forças ideológicas dos pensamentos que dominam essa sociedade concreta, datada e marcada por uma dada economia. O mesmo se pode dizer do projeto de sociedade que povoa o dia-a-dia de cada um de nossos cidadãos, os quais se movem por causa dele e em sua direção.

No entanto, nem todos, o tempo todo, têm a consciência clara do que é esse projeto nem que ser humano se quer formar. Nesse sentido, não há nitidez e continuidade da função educativa dessa prática diária. (Essa falta de clareza do projeto pelo qual se vive não o torna inexistente, simplesmente o faz mais forte ainda, porque dele não podemos fugir!). É o que se faz em casa com as crianças, no trabalho, no clube, no lazer, ou nas atividades religiosas.

Mas, o que há de confuso na afirmação: "Todos os homens são educadores"? É que nem todos são educadores profissionais. Alguns se especializam nessa prática, outros não. Aperfeiçoar-se significa estudar, desenvolver atividades cotidianas e científicas, transformar a pedagogia (que pode se chamar "andragogia", educador profissional, etc.).

Na Europa, o pedagogo é muito valorizado, pois é um profissional que organiza as instituições no que elas têm de educativas, para si e para o exterior. Seja uma empresa de vendas, de produção ou de serviços, todas se relacionam com atividades pedagógicas básicas.

Negociação, visão de conjunto, sentido de ética, desenvolvimento do senso estético, dimensão política, sociológica, econômica, capacidade de argumentação, sabedoria de pesquisar, continuamente saber negar o óbvio, ser criativo, ter múltiplas saídas para os mesmos problemas são possíveis funcionalidades de um educador numa equipe de trabalho, afastando a idéia de que ninguém chegou a isso até hoje.

Parece uma espécie de super-homem? No entanto, não é coisa ambiciosa, apenas extremamente complexa.

O EDUCADOR É UM PROFISSIONAL DA INTERDISCIPLINARIDADE

Por interdisciplinaridade entenda-se a capacidade exercida por um educador em detectar filosoficamente problemas da educação e depois dar a eles um tratamento a partir do ponto de vista de múltiplas ciências. O que não quer dizer colocá-las num liqüidificador epistemológico retirando-lhes as identidades, produzindo um tipo de conhecimento pasteurizado, homogêneo e indefinido. Muitos dos olhares que se têm dirigido às questões da educação em nome da interdisciplinaridade não passam de um emaranhado de boas intenções misturadas a falsos problemas, ausência de profundidade, falta de rigor, perda de identidade epistemológica das ciências envolvidas. O resultado dessas investigações e práticas é um atraso no que diz respeito ao entendimento do ato educativo. É como se criássemos paulos coelhos do processo de ensino e aprendizagem e do refletir sobre os problemas humanos, sociais e políticos da educação. A chamada inteligência emocional, por exemplo, tornou-se uma espécie de "ficção explanatória", como diz Skinner, para explicar tudo o que não se consegue explicar dos atos de aprendizagem e da relação de tecnologia, professor-aluno, problemas sociais, etc.

Embora não se tenha aqui a finalidade de definir interdisciplinaridade, vão apenas ser delimitados seus espaços, insistindo nos que não são.

As diferentes ciências podem contribuir para esclarecer os problemas da educação. O educador, em geral, pela sua aligeirada formação, passa superficialmente pelas áreas de conflito e de afinação com as ciências da política, da economia, da biologia, da matemática, da psicologia e transforma tudo em questão de vocação, dedicação, ou mera vontade política para resolver esses conflitos. Outra saída histórica dada pelos educadores tem sido a flutuação da consciência pedagógica que ora explica tudo pela psicologia, ora pela sociologia, ora pela história, ficando sempre o cerne do pedagógico descoberto ou desfocado. Cai nos "ismos" falseadores das amplitudes que os atos e a reflexão da educação exigem.

O aporte das disciplinas humanas ou das "duras" para com a educação tem de ser reprogramado social e conceitualmente sob pena de se ter sempre na pedagogia uma prática social de segunda categoria e de efeitos sacerdotais, voluntaristas ou duvidosos.

Neste momento em que o Brasil repensa a formação de seus professores, abre-se um grande espaço para nos alinharmos com países onde a pedagogia se revê, para buscarmos um novo currículo conceitualmente moderno e eficaz que permita cientificizarmos a formação e a prática dos educadores.

Vê-se, freqüentemente, médicos que afirmam ser sua função mais forte a educativa, em todas as áreas de sua especialização. Existem economistas, políticos e engenheiros que têm como meta de suas vidas profissionais pensar e produzir conhecimento sobre o que é o saber e como se transforma uma economia ou um país pela educação. Tudo isso mostra o redimensionamento da educação no país.

Os programas de pós-graduação são respostas cada vez mais freqüentes a esses tipos de questões postas por esses profissionais, que em muitos países do mundo já se formam em cursos interdisciplinares.

Resta, no entanto, o problema da instrução inicial dos educadores, professores e pedagogos.

Pela interdisciplinaridade, o educador em sua fase inicial deve munir-se da perspectiva de várias ciências para iluminar os problemas com os quais a educação se depara.

A formação do educador não é apenas uma questão de didática ou de psicologia do desenvolvimento. Vem de uma questão de perspectiva. De um problema? Qual é ele; sua dramaticidade; seu teor filosófico? Ou, antes, o que é problema filosófico em educação?

A FILOSOFIA COMO PROBLEMA

A epígrafe de Jurandir Freire Costa serve para iniciar esta questão. O que é um problema filosófico? É aquele capaz de mobilizar todas as energias mais íntimas do ser humano para sua solução. Se não resolvido, compromete a própria razão de ser. A vida não vale a pena sem suas respostas.

"Por que existimos? É possível a comunicação verdadeira entre os homens? Em que podemos nos comunicar? A verdade pode ser conhecida? Ela existe? De onde viemos? Qual nossa origem mais primitiva? Etc.".

Se as questões que colocamos a nós mesmos não valem pelo que são ou se para resolvê-las não convém dar a vida, elas não são filosóficas.

Freire Costa nos coloca diante da questão que marca esse momento da história de todos os que se dedicam à causa da educação: nós temos "estado mobilizados no que há de maior ¾ nossas maiores sublimações do espírito ¾ para servir ao minúsculo".

O que é o minúsculo? São as disputas por organizações curriculares aprisionadas em "grades"; são as formas de controle dos alunos por sistema de avaliação injusto; são as lutas sindicais que, na maioria das vezes, não lutam por qualidade mas se reduzem a questões salariais (quanto aos alunos, por exemplo, nunca foram vistos fazendo greve pela melhoria da qualidade de ensino); são as aposentadorias malplanejadas e imprevidentes; são os sistemas de formação de professores que se recusam a discutir e aprender o que é aprender; é o pouco cientificismo da formação do professor; o descuido do pesquisar como processo contínuo de formação do professor enquanto ensina. Todas são questões que amesquinham e roubam o caráter filosófico da educação.

Ser professor é conseguir ter uma causa política e pedagógica de tal tamanho que represente um processo civilizatório. Inexiste atualmente esse processo que requeira heroísmo dos educadores, mas só assim conseguiriam trazer para seus alunos a mesma mística de generosidade e dedicação da qual merece estar imbuída a educação. E nossos alunos seriam influenciados por ela!

Nossa escola tem exercido funções quase heróicas, quando se fala das universidades, das escolas públicas e de muitas escolas particulares deste imenso país. Existem procedimentos criativos e pertinazes marcando nossos produtos e práticas educativas que são absolutamente inovadores, frutos de imaginação sensível e muita dedicação de indivíduos e grupos organizados.

Mas voltando a Freire Costa, houve um fascínio pelas quinquilharias da pedagogia assim como pelas minudências dos cartões de crédito pedagógicos, dos jargões de um "construtivismo fácil", das progressões numa carreira que é mais uma corrida do que um projeto de crescimento social e antropológico. Isso leva a pensar que não conhecemos a nós mesmos. Desenvolve-se uma imensa libido, uma vontade apaixonada, mas se desconhece a sua força, dissipada em pequenas coisas do dia-a-dia, um quase nada. Toda essa imensa energia posta nos dínamos e represada em grandes causas poderia produzir um verdadeiro renascimento da educação e por conseguinte da cultura e da civilização.

A escola de turnos integrais, a abertura às questões sociais da ciência, o currículo montado por projetos, a quebra das grades das instituições, a construção das diferentes identidades epistemológicas das novas áreas do saber e suas interfaces com as já existentes poderiam vir a ser uma forma de redignificar a função e formação docente e do próprio sistema escolar. Os políticos de todos os países sabem disso e seus planos e promessas de governo atestam isso. Felizmente, nenhum desses muitos aventureiros soube montar essa equação. Já tivemos fernandos de azevedo e anísios teixeiras que concretizaram planos de forma adequada. Darcy Ribeiro tentou ser um teórico dessa inovação civilizatória que poderia ser um modelo de formação de uma nação. Seu projeto político, no entanto, não deu conta de forjar tal tipo de educação, mas deixou construídos os Cieps, às vezes confusos e marcados por "politicagem".

Poderia-se dizer também que Paulo Freire em suas obras, principalmente em "Educação como prática da liberdade", iria iniciar este caminho libertador da educação. Mas foram vistos apenas como uma metodologia de trabalho com educação popular, quando na verdade têm uma dimensão mais ampla, não apenas a que foi para países emergentes ou em dependência quase bélica como os países da África ¾ Cabo Verde, Guiné-Bissau ou Angola ¾, onde suas idéias foram aplicadas. Paulo Freire ressurge como modelo no programa de governo democrático de São Paulo.

O nosso mundo educacional merece uma releitura e uma reescrita. Um renascimento cultural, quantitativo e qualitativo, em que cultura e educação e relações humanas sejam repensadas a partir de um novo padrão antropológico.

O que é ler o mundo e escrevê-lo?

O Mundo São Paulo é um microcosmo de civilização, de criatividade, de humanismo, de barbárie, de estéticas próprias, com um sombroso hermetismo. Sua leitura não é transparente, nem se têm os códigos de sua decifração. Escrevê-lo, então, é mais difícil ainda. O aprendizado de sua leitura tem nas escolas públicas desta fantástica cidade uma chave de interpretação e escrita.

Ler São Paulo, escrevê-la, interpretá-la à moda de uma possível civilização brasileirista é tarefa que pode ser desvelada pela inserção de uma nova escola no currículo desta cidade-emblema.

Abrir as escolas nos fins de semana, criar uma gestão democrática, com os pais e a comunidade, estar aberto ao orçamento participativo, ver na questão das drogas um sinal de que a sociedade precisa reconhecer o grau de prazer e rejeição que traz a seus 10.500.000 habitantes, sobretudo aos das classes mais carentes, e trazer os problemas sociais para o centro do currículo. Estes são alguns do problemas que a escola pública municipal quer encarar nesta gestão de governo popular para recolocar o ato de educar no centro do debate político.

REDE DE COMPUTADORES E ANTROPOLOGIA

Sem querer exaltar demais os aparatos tecnológicos, não se pode deixar de antever seus impactos para além daqueles magnificados pelos meios de comunicação e pelos vendedores do Vale do Silício. A imprensa de Gutemberg teve repercussões maiores que as previstas pelas adesões de primeira hora. O importante foi o povo poder dali em diante ler a Bíblia em alemão e pensar sobre ela individualmente. A reforma protestante suportou-se nesse aparato tecnológico que reverteu na prática o curso da interpretação do mundo e da economia cristã e de seus valores.

O instrumento das novas tecnologias da informação (NTI) não é apenas mais uma forma de ilustrar as aulas dos professores com informações que entram das formas mais diferenciadas pelos cinco sentidos dos alunos. Os recursos audiovisuais tinham essa função no início do século XX e aí residia toda a sua valorização. Já as NTI são, elas próprias, as formas de conhecimento, pois criam uma nova linguagem e novos conteúdos plásticos de nossos processos mentais.

Uma rede de computadores pode vir a ser uma inovação de qualidade, criar uma documentação sobre o modo de pensar e os produtos cognitivos de professores e alunos, que poderão produzir uma nova formação de educadores, além de uma nova estrutura de conhecimento, um novo paradigma educativo e uma função de educador que crie uma nova profissão de pedagogo.

Por que afirmar isto? Porque permite desvendar um processo de memória, de arquivamento e de trocas imediatas de produtos do conhecimento. Diferentemente dos sistemas arquivísticos em papel (ou em pedra) que exigiam cópias corrigidas, sempre com destruição das que continham erros os novos sistemas de arquivo digital têm uma plasticidade móvel e reformulável como o pensamento.

Além do mais, o sistema digital facilita que se deixem rastros do processo de nosso estilo cognitivo. Sendo assim, fica documentada, dia a dia, passo a passo, nossa história evolutiva do pensamento e das descobertas. Isso é ímpar e único como instrumento de análise crítica do que penso e de como o faço. É uma forma tecnológica de disponibilizar o pensamento sobre o próprio pensamento, pois temos diante de nós continuamente nossa pré-história documentada, suas voltas, revoltas, seus meandros, seus titubeios, seus temores, suas constâncias...

Se uma rede inteira de educadores toma consciência de seus processos de identidades pedagógicas, cognitivas e epistemológicas teremos um mapeamento de como é produzir saber sobre o ato de pensar, de aprender e de construir conhecimento.

Pode-se imaginar...

Esse é o desafio que vamos enfrentar. Trazer o desejo, a libido de criar uma utopia que povoe nossas imaginações e nossas novas competências científicas. Se a educação não conseguir construir a sua, as redes globais televisivas a produzirão para nós, assim como os american express, os mc donalds, as heinekens nos encherão de sonhos feitos de isopor e prestações a perder de vista, por todos os séculos dos séculos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Abr 2002
  • Data do Fascículo
    Abr 2001
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