Acessibilidade / Reportar erro

Política de inovação tecnológica: escolhas e propostas baseadas na Pintec

Resumos

O artigo oferece algumas ponderações referentes a alternativas de políticas de inovação elaboradas com base na Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica _ Pintec. A intensidade tecnológica da inovação é considerada uma questão importante para políticas e estratégias de inovação.

Tecnologia; Inovação; Política; Estratégia


The paper focuses some issues related to innovation policy alternatives based on the Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica _ Pintec. The technological intensity of innovation is considered an important issue for policies and strategies of innovation.

Technology; Innovation; Policy; Strategy


Política de inovação tecnológica escolhas e propostas baseadas na Pintec

Luís Fernando Tironi

Técnico do Ipea, engenheiro mecânico pela EESC-USP, com mestrado em economia pela Unicamp. Foi Secretário de Mecânica de Precisão do MCT e Diretor de Planejamento e Políticas Públicas e Diretor de Estudos Setoriais do Ipea

RESUMO

O artigo oferece algumas ponderações referentes a alternativas de políticas de inovação elaboradas com base na Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica - Pintec. A intensidade tecnológica da inovação é considerada uma questão importante para políticas e estratégias de inovação.

Palavras-chave:Tecnologia. Inovação. Política. Estratégia.

ABSTRACT

The paper focuses some issues related to innovation policy alternatives based on the Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica - Pintec. The technological intensity of innovation is considered an important issue for policies and strategies of innovation.

Key words:Technology. Innovation. Policy. Strategy.

No Brasil, há o consenso de que a atividade inovativa da indústria brasileira é insuficiente como elemento propulsor do crescimento econômico, da geração de emprego, da renda e do bem-estar da população. Indicadores de C,T&I (ciência, tecnologia e inovação) respaldam esse conceito, e oferecem uma referência para formulações de políticas voltadas a elevação dos investimentos em P&D, de um modo geral, mas especialmente os realizados pelos setores produtivos. O dispêndio nacional em P&D, em torno de 1% do PIB, está próximo dos da Espanha (0,94%) e de Portugal (0,8%), mas distante da média (2,2 %) dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, embora se situe acima da média (0,6%) dos países da América Latina.1Referência feita por ocasião da divulgação da Pintec 2000 (Anpei, 2004). Outros indicadores - como os que apontam para a defasagem existente entre o conteúdo tecnológico dos produtos exportados e os importados e os de patentes -, ilustram a relativamente baixa propensão inovativa da indústria brasileira.

A Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica - Pintec, realizada pelo IBGE, oferece um novo e importante conjunto de informações sobre a atividade inovativa da indústria, possibilitando a elaboração de novos trabalhos de avaliação do desempenho tecnológico das empresas brasileiras e de proposição de políticas públicas para promover a inovação. Uma característica extremamente importante da Pintec é possibilitar a realização de trabalhos que considerem tanto a dimensão tecnológica quanto a econômica do processo inovativo. As abordagens do fenômeno da inovação tecnológica e da atividade inovativa com base no instrumental analítico da teoria econômica são relativamente recentes, e a Pintec representa um passo fundamental para a ampliação desse esforço.

A primeira Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica - Pintec, de 2000, trouxe informações sobre as atividades inovativas realizadas no período de 1998 a 2000 pelas empresas industriais brasileiras com 10 ou mais empregados (perfazendo o total de 72.005 empresas) apresentando um conjunto de informações com um grau de detalhamento muito maior sobre as características da atividade inovativa na empresa industrial brasileira, o que permitiu a elaboração de diagnósticos de alcance bem maior do que os existentes até então. O detalhamento das informações sobre a atividade inovativa da empresa industrial proporcionada pela Pintec, permite um maior grau de detalhamento também na formulação de sugestões de políticas. Assim, tornaram-se possíveis novos cortes analíticos que até então não eram feitos, com conseqüentes nuanças nas alternativas políticas.

O intuito deste texto é levantar e iniciar um debate sobre algumas questões selecionadas a partir da Pintec, eventualmente suscitadas em outros trabalhos,2São levados em conta, sobretudo, os seguintes trabalhos que utilizam a base de dados da Pintec: Anpei (2004) e Queiroz e Quadros (2004) (as referências são feitas a "estudo PNAFE"), mimeo. que têm na Pintec sua principal fonte - de dados e informações. É importante registrar que, se esses pontos são de fato passíveis de debates, isso se deve, antes de tudo, à natureza complexa (tecnológica, econômica e social) da inovação e do processo inovativo.

O procedimento metodológico adotado neste artigo é o de tecer considerações sobre os pontos selecionados, realçando sua relação com propostas de políticas inovativas, cotejando-os com os dados da Pintec e com base nas referências obtidas na bibliografia. As questões selecionadas o foram também pela relevância que possam apresentar para opções de políticas públicas de inovação tecnológica.

Espera-se que as ponderações aqui apresentadas estimulem a realização de mais estudos, mesmo porque a Pintec 2003 estará em breve à disposição dos interessados.

Qualquer estudo baseado nos dados da Pintec pode articular o diagnóstico com as propostas de políticas públicas, de várias maneiras, segundo seus próprios objetivos e a metodologia utilizada. Pode, por exemplo, selecionar para diagnóstico um ou mais grupos de variáveis dentre as que formam o questionário da Pintec. Pode também analisar os dados relativos às variáveis selecionadas conjuntamente com os dados de outras pesquisas, como, por exemplo, os da Pesquisa Industrial Anual - PIA, também do IBGE. São exemplos de grupos de variáveis selecionáveis para análise as seguintes questões: sobre a origem do capital controlador da empresa; se a inovação é nova para o mercado e/ou para a empresa (tipo de inovação); se é de produto ou de processo (natureza da inovação); se é de pesquisa e desenvolvimento (P&D); se é por aquisição externa do P&D; se é por aquisição de máquinas e equipamentos, por treinamento ou por introdução de inovações no mercado; sobre o projeto industrial, o perfil dos quadros envolvidos com a atividade inovativa e os impactos econômicos e tecnológicos da inovação; sobre as fontes de informação, as relações de cooperação, o suporte do governo; sobre os problemas e obstáculos relativos à inovação.

Este trabalho aborda questões suscitadas diretamente pela Pintec como, por exemplo, a "inovação para o mercado" confrontada com a "inovação para a empresa", e também outras, derivadas, explicitadas ou não na bibliografia: a importância relativa da inovação de produto diante da inovação de processo; a percepção da importância da difusão tecnológica; a classificação da inovação tecnológica em setorial ou não-setorial; inovações "radicais" versus inovações "incrementais".

São focalizadas, particularmente, as variáveis que se considera serem referentes à "natureza" e ao "tipo" da inovação ou, nos termos da Pintec: (a) se a inovação é um produto ou um processo tecnologicamente novo ou significativamente melhorado (natureza da inovação), e (b) se a inovação é tecnologicamente inovadora para o mercado e/ou para a empresa (tipo de inovação). A partir dessas variáveis da Pintec - mas não exclusivamente delas - são tecidas considerações, algumas das quais remetem a proposições de políticas apresentadas por outros autores.

INOVAÇÃO PARA O MERCADO E INOVAÇÃO PARA A EMPRESA

O trabalho da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras - Anpei (2004, p. 117) apresenta proposta de incentivos às empresas, por meio de um mecanismo que premie as inovações que forem de fato implementadas no mercado. O direito ao incentivo, tributário, seria gerado no ato da comercialização, no mercado, do novo produto ou processo.

A Pintec distingue entre inovação para o mercado e inovação para a empresa. Embora não sejam a mesma coisa (inovação no mercado - Anpei, e inovação para o mercado - IBGE), se identificarmos as expressões, apenas para efeito de estimativa, teremos que o incentivo proposto alcançaria 23,5% das empresas que inovaram em produto, sendo 20,4% das nacionais e 56,1% das estrangeiras, e 11,0% das empresas que inovaram em processo, sendo 8,9% das nacionais e 44,7% das estrangeiras (Anpei, 2004, p. 9, dados da tabela 1.2). A questão a realçar, a partir do ponto de vista das questões em discussão neste texto, é que a proposta de política do trabalho da Anpei não distingue "inovação de produto" de "inovação de processo".

Nos termos da Pintec, se a inovação é "para a empresa", ela já existe no mercado. A inovação "para o mercado" abre novos mercados. A "inovação para a empresa" tem um caráter de difusão, para dentro da empresa, de uma inovação já produzida por outrem que já teria conquistado mercado novo e se beneficiado das rendas de monopólio - que são o grande atrativo impulsionador da atitude inovadora. É razoável supor que a "inovação para o mercado" demande maior esforço em atividades inovativas, inclusive investimento em P&D, do que a "inovação para a empresa", que possivelmente se faz predominantemente, dentre as possibilidades consideradas pela Pintec, pela aquisição de máquinas e equipamentos. Então, é plausível o pressuposto de que a "inovação para o mercado" seja mais intensiva (represente maior impacto tecnológico e econômico) do que a "inovação para a empresa".

A IMPORTÂNCIA RELATIVA DA INOVAÇÃO DE PRODUTO VIS-À-VIS A INOVAÇÃO DE PROCESSO

Acompanhando o padrão internacional das pesquisas sobre inovação que se orientam pelo Manual de Oslo, a Pintec adota a distinção entre produto tecnologicamente novo (ou significativamente melhorado) e processo tecnologicamente novo (ou significativamente melhorado). A partir da perspectiva das políticas de promoção da inovação, seria adequado considerar mais importante o produto tecnologicamente novo (ou significativamente melhorado) do que o processo tecnologicamente novo ou significativamente melhorado?

Uma resposta afirmativa a esta pergunta pode decorrer da idéia de que a inovação de processo derive predominantemente da busca da competitividade por meio do aumento da produtividade - o que reflete uma atitude defensiva em termos de comportamento da firma no mercado, enquanto a inovação de produto refletiria um comportamento empresarial mais pró-ativo, pois buscaria, por meio de novos produtos, alcançar a competitividade pela diferenciação e a abertura de novos mercados.3Segundo o trabalho da Anpei (2004, p. 7), para os setores que apresentam maior intensidade e complexidade tecnológica e que apresentam as taxas de inovação mais elevadas: "[...] a inovação de produto é mais importante do que a inovação de processo, o que se encontra espelhado nas taxas de inovação diferenciadas para produto e processo". Conforme mostra o trabalho da Anpei (2004, p. 14, tabela 1.4), o principal responsável pela inovação de produto é a própria empresa, enquanto "outras empresas ou institutos", são o principal responsável pela inovação de processo, e, segundo este trabalho "esses resultados dizem respeito às características distintas dos dois tipos de inovação, em particular devido ao fato de que a tecnologia de produto guarda diferencial da empresa em relação a seus concorrentes, o que induz à própria empresa a realizar este tipo de atividade inovativa. A maior parte das inovações de processo caracteriza-se pela introdução de modernização nos processos de fabricação, sinalizando que os responsáveis pelo desenvolvimento dessas inovações seriam outras empresas ou institutos".

Ademais, pode haver, para o analista, uma associação entre a inovação de processo e a aquisição de máquinas e equipamentos - que é vista como uma atividade inovativa menos importante do que, por exemplo, a pesquisa e desenvolvimento. Os dados da Pintec mostram que a aquisição de máquinas e equipamentos é significativamente predominante dentre as atividades inovativas das empresas - seja quanto ao montante dos gastos ou à importância atribuída pelos respondentes do questionário. Porém, quando a aquisição de máquinas e equipamentos4hardwareA aquisição de máquinas e equipamentos é uma das atividades inovativas do questionário da Pintec. Sua definição é: "aquisição de máquinas, equipamentos, , especificamente comprados para implementação de produtos ou processos novos ou tecnologicamente aprimorados". é considerada uma atividade inovativa de menor importância, conclui-se que há menor importância relativa na inovação de processo ante a inovação de produto. Essa conclusão, entretanto, é questionável. Algumas ponderações são: a literatura econômica considera o progresso técnico como causador do aumento da produtividade na economia (especialmente a produtividade total dos fatores), mas não lança muitas luzes sobre a relação entre o aumento de produtividade e a natureza da inovação - se ocorre em produtos ou em processos.

Na Tabela 1, observa-se que o número de empresas do grupo das que inovaram em produto e processo (linha c) é significativamente superior aos dois grupos de empresas inovadoras apenas em produto (linha a) ou apenas em processo (linha b). Ou seja, a situação que prevalece é aquela em que ocorrem ambos os tipos de inovação - de produto e de processo considerando-se qualquer um dos tipos isoladamente - o que indica que a empresa inovadora em produto também o é em processo, e vice-versa. O grande grupo das empresas de capital nacional com menos de 500 empregados discrepa desta tendência, pois o número das que inovaram em processo ultrapassa o das que inovaram em produto, e em produto e processo. Essa situação deve estar relacionada com o fato de que, das 20.624 empresas de capital nacional com menos de 500 empregados que implementaram inovação, 11.893, ou 57,7 %, atribuem grande importância à "aquisição de máquinas e equipamentos" como atividade inovadora.

Os dados da Tabela 1 permitem verificar também que, do total das empresas pesquisadas que inovaram (22.698), apenas 2.395 (10,6%) e 1.531 (6,7%), respectivamente, inovaram em produto e processo para o mercado, sendo que, para as empresas de capital nacional, esses percentuais são de 9,3 % e 5,8 % e para as de capital estrangeiro, de 29,8% e 20,7% - o que revela maior desempenho inovativo do grupo das empresas de capital estrangeiro. Considerando-se os quatro grupos de empresas da Tabela 1, observa-se que a relação entre o número das inovadoras em produto e o das inovadoras em processo nas empresas estrangeiras com mais de 500 empregados é de 98%; no grupo das nacionais com mais de 500 empregados é de 74%; no das estrangeiras com 499 empregados ou menos é de 109%; e no das nacionais dessa mesma categoria, 66%. Esses percentuais sugerem que nos grupos mais inovativos (empresas de capital estrangeiro) o número das empresas que inovam em processo iguala-se ou suplanta o das que inovaram em produto,5O trabalho da Anpei (2004, p. 8) observa que a empresa de capital estrangeiro, em relação ao seu próprio grupo, apresenta taxas de inovação em produto superiores às nacionais, mas para a inovação em processo há menos disparidade entre a empresa estrangeira e a nacional. Conclui que "[...] enquanto as empresas de capital nacional privilegiam as inovações de processo, mantendo a trajetória tecnológica das empresas brasileiras de buscarem a competitividade através da eficiência produtiva, as estrangeiras buscam tanto a inovação de produto quanto de processo". ou tende a aproximar-se, quando a referência for o grupo das empresas nacionais com 500 ou mais empregados. Embora a diversificação de produtos seja uma importante estratégia competitiva das firmas, principalmente das de grande porte, esse comportamento, por si só, não preenche uma característica do paradigma da sociedade do conhecimento, segundo o qual a inovação é crescentemente baseada na ciência (science based).

Nos segmentos science based, a inovação tecnológica é um processo complexo, não seqüencial ( seria, se obedecesse à seguinte ordem: pesquisa-desenvolvimento-processo-produto) Na verdade, apresenta-se como um processo circular complexo em que aquelas etapas podem ocorrer simultaneamente, até mesmo confundindo inovação de produto com inovação de processo: a um novo produto corresponde um novo processo e vice-versa. Não é por outra razão que as tecnologias "portadoras do futuro" são a microeletrônica, a tecnologia da informação e comunicação, a biotecnologia e a de novos materiais. A nanotecnologia também é fortemente baseada em ciência e em novos processos. Aqui, o argumento é que, no contexto do paradigma da inovação science based, a distinção entre inovação de produto e de processo tem seu significado enfraquecido.

A IMPORTÂNCIA DA DIFUSÃO TECNOLÓGICA

As diversas atividades inovativas apontadas pela Pintec podem ser reunidas em três agrupamentos: "P&D", "aquisição" e "outros". No agrupamento "P&D" está a atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da própria empresa. O agrupamento "aquisição" é composto pela aquisição externa de: pesquisa e desenvolvimento (P&D); de outros conhecimentos externos; de máquinas e equipamentos; de treinamento; e de introdução das inovações tecnológicas no mercado. No grupo "outros" estão: o projeto industrial e outras preparações técnicas para produção e distribuição.

No contexto institucional da política de C,T&I vigente no Brasil, a aquisição de tecnologia como um fator de inovação ou como esforço inovador tem um status menos relevante, comparativamente, do que a inovação baseada na "geração de conhecimento", obtida por meio de P&D.6O trabalho da Anpei (2004, p. 7-8) associa a inovação para o mercado com o esforço próprio de capacitação tecnológica, enquanto a inovação para a empresa é associada à difusão tecnológica, uma forma de apropriação de conhecimento já produzido e difundido no mercado, "[...] em países como o Brasil o comportamento inovador da indústria é dominado predominantemente pelos processos de difusão tecnológica". Talvez essa percepção derive, em parte, do fato de que a modalidade predominante da aquisição de tecnologia é a aquisição de máquinas e equipamentos, associada à inovação em processo e à inovação para a empresa.

A atividade de P&D possui maior relevância dentro do arcabouço da política brasileira de C,T&I (ciência, tecnologia e inovação), uma vez que os instrumentos da política de inovação são operados, basicamente, pelos mesmos agentes das políticas de P&D. O desenvolvimento (D do P&D), que é um elo entre a pesquisa e a inovação, vincula-se, institucional e tradicionalmente, mais à pesquisa do que à inovação. A maioria dos instrumentos das políticas de inovação pertence ao arcabouço institucional da política de P&D.

É de se perguntar até que ponto esse entendimento da inovação, principalmente como resultante da geração do conhecimento obtido através de P&D, não contribui, na esfera dos formuladores de políticas no Brasil, para a pouca importância atribuída à aquisição de tecnologia como atividade inovadora - por licenciamento de patentes, por exemplo.

A difusão tecnológica, vista como o processo através do qual a inovação é implementada a partir de tecnologia adquirida de terceiros, pode ser o resultado da aquisição de tecnologia incorporada em uma máquina ou equipamento, ou por meio de licenciamento de patentes, contratos de parceria, etc. A P&D também pode ser adquirida. Segundo a Pintec, apenas 4,8 % das empresas que implementaram inovações atribuíram elevada importância à atividade de aquisição externa de P&D, enquanto 24,2 % delas a atribuíram às atividades internas de P&D. Por outro lado, 10,3 % delas atribuíram elevada importância à aquisição de outros conhecimentos externos, e 55,0 % à aquisição de máquinas e equipamentos.

O argumento deste tópico é que a difusão de tecnologia está a merecer mais atenção dos formuladores de políticas de inovação do que tem tradicionalmente merecido.

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA É SETORIAL?7Em debate realizado em 2004, no IFHC, o presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - CGEE, ressaltou que a inovação é uma questão de postura, muito mais do que setorial (Boletim eletrônico Inovação Unicamp, de 30 de setembro de 2004).

A inovação tecnológica é motivada tanto pelo mercado (o lado da demanda, a competição), como pela existência de conhecimento novo, de uma descoberta ou invenção (o lado da oferta). A motivação do mercado para a inovação geralmente ocorre em um contexto setorial.

Determinados setores da indústria apresentam taxas de inovação superiores a outros (fato confirmado pelos dados da Pintec): tanto que os setores industriais podem ser classificados segundo o seu "dinamismo tecnológico", ou por aquilo que oferecem em termos de "oportunidades de inovação". Tais classificações podem ser baseadas no desempenho dos setores da indústria em nível global, ou de países desenvolvidos ou países em desenvolvimento. As comparações entre o desempenho inovador de setores são inclusive úteis como benchmarking para os formuladores de políticas. Os instrumentos da política industrial e de inovação tecnológica são, em larga medida, organizados setorialmente.

Essa tendência à setorialização é explicada, tanto do ângulo dos diagnósticos como da formulação de políticas, pela natureza setorial do conhecimento que os agentes executores da política devem possuir. Em conseqüência disso, o conhecimento setorial irá intervir em algum ponto da cadeia decisória da sistemática operacional de uma política. Um exemplo recente dessa relevância na configuração de instrumentos de política é a constituição dos Fundos Setoriais, que apresentam recorte setorial, em sua maioria.

Como exemplos de uso do corte setorial em diagnósticos do desempenho inovador da indústria brasileira, Sergio Queiroz e Ruy Quadros (2004) apontam a concentração de mestres e doutores e de cooperação com universidades nos setores de média-alta intensidade tecnológica e afirmam que: "a especialização brasileira em P&D de média-alta intensidade reflete a relativamente baixa intensidade tecnológica dos setores de alta tecnologia brasileiros, em comparação"; o trabalho da Anpei (2004, p. 11, gráfico 1.1), com base nos dados da Pintec, assinala que as empresas de capital nacional, em comparação com as de capital estrangeiro, apresentam desempenho inovador superior nos setores tidos como de alta tecnologia, tais como a fabricação de máquinas para escritórios e equipamentos de informática, fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de telecomunicações, fabricação de equipamentos e instrumentos médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos de automação industrial, cronômetros e relógios, fabricação de máquinas, aparelhos e equipamentos elétricos, fabricação de máquinas e equipamentos. Por outro lado, os setores com as maiores taxas de inovação no grupo das empresas estrangeiras são os de fabricação de móveis e os de indústrias diversas, como os de fabricação de máquinas de escritório e equipamentos de informática, fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias, fabricação de outros equipamentos de transporte e fabricação de produtos de minerais não-metálicos.

Naquela perspectiva, é interessante comparar o trabalho de Queiroz e Quadros com o da Anpei, pois à primeira vista haveria uma discrepância, uma vez que a concentração de mestres e doutores (média-alta intensidade tecnológica), nas empresas brasileiras, não se encontra nos setores em que essas empresas apresentam desempenho inovativo superior (alta intensidade tecnológica). A explicação para isso talvez esteja no fato de que os setores classificados por um critério internacional como sendo de alta intensidade tecnológica, não o seriam assim, de fato, no Brasil, se o critério de intensidade tecnológica utilizado fosse baseado, por exemplo, na especialização da mão-de-obra.

A questão "a inovação é setorial?" também mereceria ser discutida à luz da dicotomia tecnologia versus inovação, o que poderia, por exemplo, ser feito nos seguintes termos: a inovação, por ser tecnologia aplicada com finalidade econômica, tem seus determinantes mais fortemente vinculados à atividade econômica, à estrutura e ao desempenho do mercado. Portanto, está sujeita ao contexto setorial, que denota um conceito eminentemente econômico. Do ponto de vista de política pública, a distinção é relevante, uma vez que não se pode confundir a promoção de inovação tecnológica do setor industrial com a promoção do desenvolvimento da base tecnológica. Embora ambas se conectem estreitamente, a promoção do desenvolvimento da base tecnológica envolve outras instâncias de geração, concentração e reprodução do conhecimento, como universidades e centros tecnológicos.

INOVAÇÕES RADICAIS VIS-à-VIS INOVAÇÕES INCREMENTAIS

Quando entendida como um processo que leva a uma mudança tecnológica, a inovação é um fenômeno difícil de ser mensurado. O crescente interesse em abordar o fenômeno da inovação com instrumentos da análise econômica tem suscitado diversas metodologias para mensurá-lo, algumas adotadas em importantes iniciativas de alcance internacional, como as baseadas no Manual de Oslo (no qual a Pintec se fundamenta). Uma sumaríssima e seletiva apreciação daquelas abordagens apontaria as seguintes vertentes para os esforços de mensuração da inovação: as que medem efeitos - como patentes e publicações; as que medem esforço - como gastos e investimentos em P&D; as que medem impacto - como as que calculam a produtividade total dos fatores ou aumento de competitividade; as que medem capacidade tecnológica, por exemplo, por meio da avaliação de competências; as que medem a capacidade multiplicadora da inovação - por meio de análises de cluster, a partir de patentes e publicações. Seguindo a linha do Manual de Oslo, a Pintec oferece estatísticas sobre esforços e impactos, além de fatores indutores, obstáculos etc., a partir da informação qualitativa proporcionada por informantes qualificados nas empresas. A estatística transforma informações qualitativas em quantitativas.

Uma expressão quantitativa do fenômeno da inovação, ainda que partindo de informações "qualitativas", oferece uma medida da "qualidade" da inovação. Essa informação quantitativa poderá ser considerada uma medida da "intensidade" da inovação. Assim, quando a Pintec pergunta se a inovação é "para o mercado" ou "para a própria empresa", está gerando, indiretamente, uma informação sobre a "intensidade" da inovação. Se a inovação é para o mercado externo (como pergunta a Pintec 2003), será gerada uma medida adicional da "intensidade" da inovação. E quanto maior a intensidade de uma inovação, mais próxima ela estará de ser considerada uma inovação radical. Pelo raciocínio inverso, chega-se à idéia de inovação incremental.

O estudo de Duguet, que se baseia numa pesquisa sobre inovação na indústria realizada na França em 1991, aponta algumas questões importantes, a partir da distinção entre inovação incremental e inovação radical. A pesquisa francesa utilizada classifica a inovação em um dos cinco tipos seguintes: melhoramento significativo de um produto já existente; lançamento de um produto que é novo para a firma, mas não o é para o mercado; melhoramento significativo de um processo já existente; lançamento de um produto que é novo para a firma e para o mercado; implementação de um processo breakthrough. As três primeiras situações são tomadas, por Duguet, como inovações incrementais, e as duas últimas, como inovações radicais.

Algumas das conclusões do trabalho de Duguet são: primeiramente, a inovação radical depende muito mais de spillovers do que a inovação incremental. A inovação incremental é devida preponderantemente a novo equipamento, sugerindo relação com fatores de modernização do processo produtivo, acompanhado de pesquisa informal e desenvolvimento. A inovação radical depende fortemente da P&D formal e informal, mas se utiliza muito mais de fontes externas de conhecimento (externas e internas ao grupo), como também de conhecimento codificado em patentes e licenças. Essas fontes de inovação são utilizadas para obter novo produto para o mercado e processo breakthrough.

Esse estudo também conclui que apenas as inovações radicais contribuem para o crescimento da produtividade total dos fatores (PTF). Afirma também que o retorno proporcionado pelas inovações radicais cresce com o grau de oportunidades tecnológicas do setor.

O estudo de Duguet aponta que, para a França, segundo essa pesquisa de 1991, 37 % das inovações seriam classificáveis como radicais. No Brasil, tendo por base a Pintec 2000, aplicando-se o critério grosseiro de considerar como "inovadoras radicais" a soma de todas as alternativas em que houve inovação para o mercado (ver Tabela 1 - lembrando que foram incluídas apenas as que responderam a essa pergunta no questionário), o resultado seria algo como: 17% das empresas que inovaram teriam inovações classificadas como "radicais". Portanto, o argumento deste tópico é que, independentemente de se tratar de inovação de produto ou de processo, o importante é que as políticas busquem promover o aumento da freqüência da inovação mais radical.

Uma proposta de política de inovação tecnológica que privilegie a inovação de produto vis-à-vis a inovação de processo será talvez fundamentada nas condições e características mais identificadas com as indústrias de tecnologia "madura", mas possivelmente corresponderá menos às condições e possibilidades dos segmentos tecnológicos emergentes, "portadores de futuro".

CONCLUSÃO

A Pintec oferece uma base de dados que possibilita abordagens de análise econômica ao fenômeno da inovação tecnológica. Isto é muito auspicioso, porque inclui o Brasil no grupo de países que dispõem desse ferramental para a realização de diagnósticos e proposição de políticas.

Este artigo levanta questões encontradas em opções de política de inovação formuladas a partir dos dados da Pintec, algumas já explicitadas como propostas em outros trabalhos. As questões abordadas são relativas aos temas: "tipo"da inovação (se para o mercado ou para a empresa); "natureza" da inovação (se de produto ou de processo); se a inovação tecnológica é setorial; e a percepção da importância da difusão tecnológica pelos agentes formuladores das políticas. A título de conclusão, são as ponderações referentes aos dois primeiros temas que receberam destaque.

Este artigo defende que a distinção entre "inovação para o mercado" e "inovação para a empresa" deve de fato refletir um diferencial de intensidade tecnológica, e que isso depende da atenção que a política de inovação tecnológica venha a dedicar - como deve - à promoção da inovação radical. Porém, não se reconhece a mesma propriedade na distinção entre "inovação em produto" e "inovação em processo". Portanto, no contexto de formulação de políticas, a opção por privilegiar a inovação de produto, em detrimento da inovação de processo, poderá significar não levar devidamente em conta a questão da intensidade tecnológica da inovação, pois uma inovação de processo pode também ser portadora de significativa intensidade tecnológica. Na perspectiva deste artigo, o principal desafio da política de inovação tecnológica brasileira seria conseguir aumentar a freqüência da inovação radical, entendida como de maior intensidade tecnológica.

NOTAS

1.

2.

3.

4.

5.

6.

7.

Artigo recebido em 17 de março de 2005

Aprovado em 7 de abril de 2005

  • ANPEI - Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras. Como Alavancar a Inovação Tecnológica nas Empresas. São Paulo: 2004. (Elaborado por Mauro Arruda e Roberto Vermulm).
  • DUGUET, E. Innovation heigth, spillovers and TFP growth at the firm level: Evidence from the French manufacturing, Cahiers de la MSE - EUREQua. NEP - New Economics Papers Issue, p. 11-22, 2004.
  • FIGUEIREDO, P.N. Aprendizagem tecnológica e inovação industrial em economias emergentes: uma breve contribuição para o desenho e implementação de estudos empíricos e estratégias no Brasil. Revista Brasileira de Inovação, v. 3, n. 2, jul./dez. 2004.
  • HARA, T. Innovation in the Pharmaceutical Industry - The Process of Drug Discovery and Development. Cheltenham UK: Edward Elgar, 2003.
  • IBGE. Pesquisa Industrial - Inovação Tecnológica - Pintec 2000 Análise dos Resultados. Rio de Janeiro: 2002.
  • PIANTA, M.; SIRILLI, G. The Use of Innovation Surveys for Policy Evaluation in Italy. In: Conference on Policy Evaluation in Innovation and Technology, Part IV, OECD, 26-27 June 1997.
  • QUEIROZ, S.; QUADROS, R. Inovação e desenvolvimento tecnológico nas empresas brasileiras Campinas: Ipea/PNAFE, 2004.
  • VIOTTI, E.B. Fundamentos e evolução dos indicadores de C&T. In: Viotti, E.B; Macedo, M. de M. (Org.). Indicadores de ciência tecnologia e inovação no Brasil Campinas, Ed. Unicamp, 2003.
  • Referência feita por ocasião da divulgação da Pintec 2000 (Anpei, 2004).
  • São levados em conta, sobretudo, os seguintes trabalhos que utilizam a base de dados da Pintec: Anpei (2004) e Queiroz e Quadros (2004) (as referências são feitas a "estudo PNAFE"), mimeo.
  • Segundo o trabalho da Anpei (2004, p. 7), para os setores que apresentam maior intensidade e complexidade tecnológica e que apresentam as taxas de inovação mais elevadas: "[...] a inovação de produto é mais importante do que a inovação de processo, o que se encontra espelhado nas taxas de inovação diferenciadas para produto e processo". Conforme mostra o trabalho da Anpei (2004, p. 14, tabela 1.4), o principal responsável pela inovação de produto é a própria empresa, enquanto "outras empresas ou institutos", são o principal responsável pela inovação de processo, e, segundo este trabalho "esses resultados dizem respeito às características distintas dos dois tipos de inovação, em particular devido ao fato de que a tecnologia de produto guarda diferencial da empresa em relação a seus concorrentes, o que induz à própria empresa a realizar este tipo de atividade inovativa. A maior parte das inovações de processo caracteriza-se pela introdução de modernização nos processos de fabricação, sinalizando que os responsáveis pelo desenvolvimento dessas inovações seriam outras empresas ou institutos".
  • hardware

    A aquisição de máquinas e equipamentos é uma das atividades inovativas do questionário da Pintec. Sua definição é: "aquisição de máquinas, equipamentos, , especificamente comprados para implementação de produtos ou processos novos ou tecnologicamente aprimorados".
  • O trabalho da Anpei (2004, p. 8) observa que a empresa de capital estrangeiro, em relação ao seu próprio grupo, apresenta taxas de inovação em produto superiores às nacionais, mas para a inovação em processo há menos disparidade entre a empresa estrangeira e a nacional. Conclui que "[...] enquanto as empresas de capital nacional privilegiam as inovações de processo, mantendo a trajetória tecnológica das empresas brasileiras de buscarem a competitividade através da eficiência produtiva, as estrangeiras buscam tanto a inovação de produto quanto de processo".
  • O trabalho da Anpei (2004, p. 7-8) associa a inovação para o mercado com o esforço próprio de capacitação tecnológica, enquanto a inovação para a empresa é associada à difusão tecnológica, uma forma de apropriação de conhecimento já produzido e difundido no mercado, "[...] em países como o Brasil o comportamento inovador da indústria é dominado predominantemente pelos processos de difusão tecnológica".
  • Em debate realizado em 2004, no IFHC, o presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - CGEE, ressaltou que a inovação é uma questão de postura, muito mais do que setorial (Boletim eletrônico Inovação Unicamp, de 30 de setembro de 2004).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2005

    Histórico

    • Recebido
      17 Mar 2005
    • Aceito
      07 Abr 2005
    Fundação SEADE Av. Casper Líbero, 464, 01033-000 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3313-5777, Fax: +55 11 2171-7297 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: perspectiva@seade.gov.br