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Parotidite recorrente da infância

Recurrent parotitis of childhood

Resumos

OBJETIVO: Descrever um caso de parotidite recorrente em criança e revisar a abordagem clínica desse problema. DESCRIÇÃO DE CASO: Paciente de seis anos, masculino, encaminhado ao ambulatório de pediatria para avaliação após ter apresentado dois episódios de parotidite, sendo o último tratado com cefalexina. Entre os episódios de parotidite tinha exame físico normal. Foram afastadas as causas infecciosas, obstrutivas e imunodeficiências, mas a criança evoluiu com episódios recorrentes de dor e edema em região parotídea. COMENTÁRIOS: A parotidite recorrente é uma doença rara, de incidência desconhecida, que apesar de causar substancial morbidade, tem bom prognóstico com tratamento conservador.

parotidite; glândula parótida; criança


OBJECTIVE: To present a child with recurrent parotitis and to review the clinical management of this disease. CASE DESCRIPTION: A six years old male child was admitted at a Pediatric Outpatient Unit after his second episode of parotitis, which was treated with cefalexin. Between the episodes, the child presented normal physical examination. Infectious, obstructive and immunodeficiency related causes of parotitis were excluded by appropriated diagnostic procedures, but the child persisted with recurrent episodes of parotids pain and swelling. COMMENTS: Recurrent parotitis of childhood is a rare disease that causes substantial morbidity, but has good prognosis with conservative management.

parotitis; parotid gland; child


RELATO DE CASO

Parotidite recorrente da infância

Recurrent parotitis of childhood

Lucia Ferro BricksI; José Pedro G. A. RolloII; Suzanne Cristina SugimotoII

IDoutor em Medicina e professor colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), médica assistente do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP e médico colaborador do Hospital Universitário da USP

IIMédico residente do Departamento de Pediatria da FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lucia Ferro Bricks Avenida Professor Lineu Prestes, 2.565, 3º andar Cidade Universitária, Butantã CEP 05508-900 São Paulo – SP E-mail: lfbricks@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Descrever um caso de parotidite recorrente em criança e revisar a abordagem clínica desse problema.

DESCRIÇÃO DE CASO: Paciente de seis anos, masculino, encaminhado ao ambulatório de pediatria para avaliação após ter apresentado dois episódios de parotidite, sendo o último tratado com cefalexina. Entre os episódios de parotidite tinha exame físico normal. Foram afastadas as causas infecciosas, obstrutivas e imunodeficiências, mas a criança evoluiu com episódios recorrentes de dor e edema em região parotídea.

COMENTÁRIOS: A parotidite recorrente é uma doença rara, de incidência desconhecida, que apesar de causar substancial morbidade, tem bom prognóstico com tratamento conservador.

Palavras-chave: parotidite; glândula parótida; criança.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To present a child with recurrent parotitis and to review the clinical management of this disease.

CASE DESCRIPTION: A six years old male child was admitted at a Pediatric Outpatient Unit after his second episode of parotitis, which was treated with cefalexin. Between the episodes, the child presented normal physical examination. Infectious, obstructive and immunodeficiency related causes of parotitis were excluded by appropriated diagnostic procedures, but the child persisted with recurrent episodes of parotids pain and swelling.

COMMENTS: Recurrent parotitis of childhood is a rare disease that causes substantial morbidity, but has good prognosis with conservative management.

Key-words: parotitis; parotid gland; child.

Introdução

A parotidite recorrente da infância (PRI) é uma manifestação clínica rara, que pode ter diversas causas (Tabela 1). Neste relato, apresentamos um caso de PRI e uma breve discussão sobre as possíveis etiologias, diagnóstico e tratamento, com base em artigos encontrados nas bases Medline e SciELO, nos últimos dez anos.

Relato do caso

Paciente de seis anos, masculino. Aos quatro anos, a criança apresentou quadro de abaulamento e hiperemia em região parotídea esquerda, acompanhado de dor à mastigação. Na ocasião foi medicado com dipirona e os sintomas duraram uma semana. Três meses após, apresentou febre, dor intensa, edema e hiperemia de parótida esquerda, com saída de pus pelo orifício do ducto parotídeo à expressão da glândula. Foi tratado com cefalexina por 15 dias e encaminhado ao ambulatório de pediatria para investigação.

Na primeira consulta, estava assintomático, apresentava crescimento e desenvolvimento adequados e vacinação em dia. Como antecedentes pessoais, a mãe referia rinite e asma leve intermitente, sem necessidade de medicação. Negava outras queixas e casos de parotidite na família. Foi solicitado exame ultra-sonográfico (US) das regiões parotídeas, que não mostrou obstrução do duto glandular (Tabela 2). A criança permaneceu em observação e acompanhamento ambulatorial.

Durante o seguimento apresentou mais quatro episódios de dor e edema em regiões parotídeas (três à direita e dois bilaterais) não supurativos, que melhoraram com o uso de analgésicos (dipirona e/ou paracetamol). Foi feita a pesquisa de anticorpos anti-HIV, a dosagem de Imunoglobulina A e novo US de parótidas, todos com resultado normal (Tabela 2).

Comentários

A PRI é definida por episódios recorrentes de inflamação parotídea não obstrutiva, de fisiopatologia desconhecida(1-10). Existe maior número de relatos de PRI no gênero masculino, mas a incidência e a prevalência desse problema são desconhecidas(1,5-10).

A apresentação clínica mais comum da PRI é a presença de abaulamento, dor e hiperemia em região das parótidas. Geralmente, os sintomas se iniciam entre três e seis anos(2-9).

Em um estudo que incluiu 133 crianças e adolescentes com PRI diagnosticada em um centro universitário de Helsinque, a idade de início variou entre um e 19 anos (mediana, 6 anos) e o início precoce do quadro foi associado a maior risco de recorrência. Desses pacientes, 29% apresentaram quatro ou mais episódios de parotidite e 22% tinham história familiar de PRI(8).

Em outro estudo, que incluiu 26 pacientes do Sri Lanka, a idade de início variou entre 2,5 e 16 anos (média, 8 anos) e os sintomas mais comuns foram edema (100%), dor (80%) e febre (50%). Dezoito indivíduos tiveram sete ou mais episódios de parotidite(9). Esses dados são bastante semelhantes aos encontrados nos Estados Unidos, em 53 pacientes cujos principais sintomas foram edema (100%), dor (92,5%) e febre (41,5%) com média de oito episódios ao ano(1).

As crises de PRI duram desde um dia até duas semanas, podendo haver acometimento unilateral (70%)(8) ou bilateral(1-10), como observado durante a evolução do presente caso.

Há varias hipóteses etiológicas para crianças com quadro de parotidite recorrente (Tabela 1). A realização de exames de imagem é essencial para afastar a presença de quadros obstrutivos (malformações, cálculos) e neoplasias, além de diagnosticar a PRI. O US de parótidas é o exame de imagem menos invasivo, mais acessível e de menor custo, sendo indicado para iniciar a investigação de PRI(1-4). Na fase aguda da PRI, o US pode revelar aumento das parótidas e alterações difusas do parênquima, com áreas heterogêneas e hipoecogênicas, assim como sialectasias. Fora da fase aguda, o paciente não apresenta manifestações clínicas e, geralmente, o US é normal(1,2,5,10). Se o US for compatível com quadro de PRI e a criança apresentar boa evolução, é desnecessário solicitar sialografia e outros exames de imagem(2,4,5).

Existem vários casos familiares de PRI, com herança autossômica dominante(6,8). Neste caso, a ausência de antecedentes familiares torna essa hipótese pouco provável.

Alguns casos de PRI estão associados às imunodeficiências, como deficiência de IgA e infecção pelo HIV(11,12). Nas imunodeficiências, os episódios de otite, sinusite, pneumonia e diarréia de repetição são mais comuns do que nos pacientes com PRI(11,12). Neste caso, apesar de a criança ter antecedentes de asma e rinite, a família negava infecções de repetição e os exames laboratoriais estavam normais, afastando as hipóteses de deficiência de IgA e infecção pelo HIV(11,12).

Raramente, a PRI pode ser a manifestação inicial da Síndrome de Sjögren, doença bastante rara na infância, que se caracteriza pela presença de mucosas secas (xerostomia e diminuição na produção de lágrimas) e que pode estar associada à artrite, púrpura e outras manifestações encontradas em doenças auto-imunes. Neste caso, não havia nenhum sintoma sugestivo dessa síndrome(13).

Na maioria dos casos de PRI, o prognóstico é bom, com diminuição das crises após a puberdade(1-4), mas a evolução é muito variável. Em um levantamento retrospectivo realizado na Universidade de Hamburgo, que incluiu 22 pacientes com PRI grave, diagnosticados num período de 30 anos (1965 a 1996), os episódios recorrentes de parotidite duraram desde três meses até 25 anos(7) .

O tratamento da PRI, em geral, é conservador, com uso de analgésicos comuns e orientações de cuidados locais (massagem, calor local e higiene bucal) e, até o presente, não se conhecem medidas preventivas para evitar a recorrência dos episódios(1-10). A prescrição de antibióticos é desnecessária, se não houver suspeita de infecção secundária bacteriana (febre e/ou secreção purulenta)(1). Nos casos de suspeita de parotidite bacteriana, deve-se instituir tratamento que propicie cobertura para Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae, de preferência após coleta de material para cultura e antibiograma(5,10). Novos tratamentos, como realização de lavagem endoscópica do ducto parotídeo e instilação de agentes antiinflamatórios locais, estão em investigação, mas ainda não há evidências suficientes sobre sua segurança e efetividade e, portanto, não são recomendados rotineiramente(5).

Se não houver suspeita de Síndrome de Sjögren e após a realização de testes para afastar a presença do HIV e a deficiência de IgA, preconiza-se apenas o seguimento clínico(1,3,8). A realização de biópsia é desnecessária, pois, nos casos de PRI em que foi feita a análise histológica da glândula, foram observadas sialectasias não-obstrutivas distais e infiltrado linfocítico periductal, caracterizando processo inflamatório inespecífico(1-5).

Nos casos graves, pode-se tentar outros tipos de tratamento clínico (antiinflamatórios ou corticoesteróides) ou cirúrgico e a criança deve ser encaminhada a centros de referência(1,4-9).

Pode-se concluir que, apesar de a PRI ser uma doença rara, é importante que o pediatra conheça suas principais etiologias e saiba como abordar essa síndrome, evitando encaminhamentos desnecessários e a realização de procedimentos agressivos, tendo em vista a boa evolução da maior parte dos casos.

Recebido em: 31/1/2007

Aprovado em: 23/4/2007

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  • Endereço para correspondência:

    Lucia Ferro Bricks
    Avenida Professor Lineu Prestes, 2.565, 3º andar
    Cidade Universitária, Butantã
    CEP 05508-900
    São Paulo – SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Recebido
      31 Jan 2007
    • Aceito
      23 Abr 2007
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