Associação entre o estilo de vida dos pais e a composição corporal dos filhos adolescentes

Association of parental lifestyle with body composition of their adolescent children

ARTIGO ORIGINAL

Associação entre o estilo de vida dos pais e a composição corporal dos filhos adolescentes

Association of parental lifestyle with body composition of their adolescent children

Edio Luiz Petroski^I; Andreia Pelegrini^II

^IDoutor em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da UFSC, líder do Grupo de Pesquisa em Cineantropometria e Desempenho Humano (NuCIDH), Florianópolis, SC, Brasil

^IIDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da UFSC, membro do Grupo de Pesquisa NuCIDH, bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Florianópolis, SC, Brasil

^{Endereço para correspondência}

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a associação entre o estilo de vida dos pais e a composição corporal de seus filhos adolescentes.

MÉTODOS: Participaram do estudo 120 indivíduos, sendo 40 adolescentes de 14 a 17 anos do sexo masculino e seus respectivos pais (n=80). Os adolescentes foram divididos em dois grupos de acordo com o percentual de gordura (%G): baixo (%G<11%) e alto (%G>20%). Mensuraram-se o peso, a estatura e as dobras cutâneas (tríceps e subescapular) e estimou-se o %G dos adolescentes por meio da equação de Lohman. O questionário "estilo de vida fantástico" foi respondido pelos pais. Para a análise estatística, utilizou-se o teste exato de Fischer, considerando-se significante p<0,05.

RESULTADOS: A prevalência de excesso de peso foi duas vezes maior nos pais de adolescentes com %G alto em comparação aos pais daqueles com %G baixo (42 e 25%; 75 e 15%, para mães e pais respectivamente). O estilo de vida dos pais dos adolescentes com %G baixo foi significativamente melhor que os pais dos adolescentes com %G alto.

CONCLUSÕES: O estilo de vida dos pais esteve associado à composição corporal dos filhos com %G abaixo ou acima do ideal.

Palavras-chave: adiposidade; adolescente; exercício; composição corporal; estilo de vida; estado nutricional.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Investigate the association of parental lifestyle with body composition of their adolescent offspring.

METHODS: The study included 120 individuals: 40 male adolescents aged between 14 and 17 years and their parents (n=80). The adolescents were divided into two groups according to the percentage of body fat (%BF): low (%BF<11%) or high (%BF>20%). Body weight, stature and triceps and subscapular skinfolds were measured, and the Lohman equation was used to estimate %BF of the adolescents. The parents answered the FANTASTIC lifestyle questionnaire. Statistical analyses included Fisher's exact test, being significant p<0.05.

RESULTS: The prevalence of overweight among both parents of adolescents with high %BF was twice the prevalence observed among parents of adolescents with low %BF (42 and 25%; 75 and 15%, for mothers and fathers, respectively). The lifestyle of the parents of adolescents with low %BF was significantly better than the parents of adolescents with high %BF.

CONCLUSIONS: Lifestyle of parents is associated with body composition of adolescent offspring with high and low %BF.

Key-words: adiposity; adolescent; exercise; body composition; life style; nutritional status.

Introdução

O estilo de vida é caracterizado como um padrão de comportamento que pode ter profundo efeito na saúde dos seres humanos e está relacionado a aspectos que refletem as atitudes, os valores e as oportunidades na vida das pessoas⁽¹⁾.

Nos últimos anos, mudanças no estilo de vida de indivíduos de todas as idades têm sido observadas, favorecendo o aumento dos fatores de risco à saúde, principalmente devido ao aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade em todas as faixas etárias. Nesse sentido, a relação entre sedentarismo e excesso de peso corporal está diretamente associada ao risco de doenças cardiovasculares, metabólicas e psíquicas⁽²⁾, tornando a obesidade uma das principais ameaças do mundo industrializado⁽³⁾.

Se, por um lado, o sedentarismo é um agravante para o aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade, por outro, o exercício físico é considerado um fator de proteção na prevenção primária e secundária das doenças cardiovasculares e no controle da hipertensão arterial⁽⁴⁾, pois auxilia no controle das dislipidemias, na diminuição do nível de glicemia, na prevenção da osteoporose^(5,6) e, também, no tratamento da obesidade⁽⁷⁾. A literatura tem recomendado, no mínimo, 30 minutos de exercício físico aeróbio moderado cinco vezes por semana ou exercício vigoroso durante 20 minutos, três vezes por semana, como suficiente para promover e manter a saúde. Além disso, sugere-se a realização de exercícios de contrarresistência nos principais grupamentos musculares, pelo menos dois dias da semana, para manter e/ou aumentar a força e a resistência musculares⁽⁸⁾.

Embora a maioria das doenças associadas ao sedentarismo somente se manifeste na vida adulta, é cada vez mais evidente que seu desenvolvimento se inicia na infância e adolescência, o que pode ser explicado, em parte, pela influência dos pais na adoção de hábitos sedentários pelos filhos. Dessa forma, o estímulo à prática de atividades físicas em idades mais jovens deve ser uma prioridade em saúde pública, uma vez que o envolvimento em atividades físicas diárias exerce papel significativo na promoção da saúde e na prevenção de doenças hipocinéticas⁽⁵⁾. Tendo isso em mente, o propósito do presente estudo foi verificar a associação entre o estilo de vida dos pais e a composição corporal dos filhos.

Métodos

No desenvolvimento deste estudo, utilizaram-se dados coletados em um estudo do tipo survey, intitulado "Relação entre nível de atividade física e hábitos alimentares de adolescentes e estilo de vida dos pais"⁽⁹⁾, caracterizado como pesquisa do tipo descritiva correlacional. Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa e a autorização dos pais por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, a coleta de dados foi iniciada.

A amostra foi selecionada de forma intencional, pois os adolescentes deveriam atender aos seguintes critérios de inclusão: pertencer às classes econômicas A e B⁽¹⁰⁾; ser da raça branca; não ser fumante e possuir percentual de gordura (%G) menor que 11% e maior que 20% do peso corporal⁽¹¹⁾. Posteriormente, para compor a amostra, foram selecionados, de forma aleatória, 120 sujeitos, sendo eles 40 adolescentes de 14 a 16 anos do sexo masculino e seus respectivos pais (n=80; 40 pais e 40 mães). Os adolescentes constituíram dois grupos de 20 sujeitos com %G baixo (<11%) e %G alto (>20%), classificados como abaixo e acima do ideal, respectivamente.

As medidas de peso corporal, estatura⁽¹²⁾ e dobras cutâneas das regiões tricipital e subescapular⁽¹³⁾ foram mensuradas por um único avaliador treinado. O peso corporal foi medido com uma balança digital e a estatura com fita métrica fixada na parede. As espessuras das dobras cutâneas foram aferidas com adipômetro da marca Lange. O percentual de gordura (%G) dos adolescentes foi classificado de acordo com os pontos de corte sugeridos por Lohman⁽¹⁴⁾. As variáveis antropométricas (massa corporal, estatura) e o estilo de vida dos pais foram coletados durante uma visita à casa dos adolescentes. Foram considerados com sobrepeso os pais com índice de massa corpórea (IMC) entre 25 e 29,9 kg/m² e obesos, aqueles com IMC superior a 30 kg/m²⁽¹⁵⁾.

Para determinar o estilo de vida, utilizou-se o questionário autoadministrado "Estilo de vida fantástico", o qual faz parte de um conjunto de procedimentos que constituem a bateria de testes denominada Plano Canadense de Avaliação da Atividade Física, Aptidão e Estilo de Vida⁽¹⁶⁾. O questionário possui 25 questões divididas em nove domínios: 1) família e amigos; 2) atividade física; 3) nutrição; 4) tabaco e tóxicos; 5) álcool; 6) sono, cinto de segurança, estresse e sexo seguro; 7) tipo de comportamento; 8) introspecção e 9) trabalho. Com relação à padronização de termos, empregou-se "pais" para representar os sujeitos paternos, "mães" para representar os maternos e "ambos os pais" para fazer referência aos dois termos citados anteriormente.

A normalidade dos dados foi verificada por meio do teste Shapiro Wilk. Para caracterizar as variáveis analisadas, recorreu-se à estatística descritiva (média, desvio padrão, valores máximos e mínimos). Na comparação entre o estilo de vida dos pais e a gordura corporal dos filhos, utilizou-se o teste exato de Fischer. O nível de significância foi fixado em 5%. Todos os procedimentos foram realizados no pacote computacional SPSS versão 11.0.

Resultados

Na Tabela 1 estão relacionados os indicadores antropométricos dos adolescentes de acordo com o percentual de gordura. Os resultados demonstraram que os adolescentes com %G alto apresentaram-se mais pesados, com maiores valores de IMC e maior %G em relação àqueles com %G baixo (p<0,05), o que já era esperado, devido à metodologia empregada no estudo.

Foi possível identificar que os pais dos adolescentes com %G alto eram mais pesados e mais altos que os pais dos adolescentes com %G baixo (p<0,05, Tabela 2). Da mesma forma, as mães dos adolescentes com %G alto eram mais pesadas, mais altas e apresentaram maiores valores de IMC (p<0,05) em relação às mães dos adolescentes com %G baixo.

O Gráfico 1 demonstra que os pais dos adolescentes com %G alto apresentaram prevalência de excesso de peso (sobrepeso+obesidade) duas vezes maior que os pais dos adolescentes com %G baixo. Em relação às mães, a maioria foi classificada com IMC normal. Todavia, o sobrepeso foi quase duas vezes maior nas mães dos adolescentes com %G alto do que nas mães daqueles com %G baixo.

Os pais dos adolescentes com %G alto demonstraram variação do estilo de vida de regular a muito bom e os pais dos adolescentes com %G baixo, de regular a excelente. Por outro lado, o estilo de vida das mães dos adolescentes com %G alto variou de bom a excelente e, entre as mães dos adolescentes com %G baixo, de regular a muito bom (Gráfico 2).

De acordo com os diferentes padrões de %G dos filhos (Tabela 3), observa-se que o estilo de vida dos pais dos adolescentes com %G baixo foi melhor do que daqueles com %G alto (p<0,05), enquanto as mães apresentaram estilo de vida similar.

Para uma análise melhor da classificação dos estilos de vida, esses foram agrupados em excelente/muito bom e bom/regular (Tabela 3). Os resultados demonstraram associações entre o estilo de vida de ambos os pais e a composição corporal dos filhos (p<0,05). Enquanto os pais com estilo de vida excelente/muito bom possuíam filhos com menor acúmulo de gordura corporal, as mães com melhor estilo de vida possuíam filhos com %G acima dos valores recomendados para a saúde.

Discussão

De acordo com os resultados encontrados, os pais dos adolescentes com %G alto eram mais pesados e mais altos que os pais dos adolescentes com %G baixo. Já as mães dos adolescentes com %G alto, além de mais pesadas, eram mais altas e apresentaram valores de IMC maiores do que as mães dos jovens com %G baixo.

Evidências nacionais têm demonstrado associação entre o IMC dos pais e a gordura corporal dos filhos^(17-19). Em Capão da Canoa, Rio Grande do Sul, verificou-se que a prevalência de sobrepeso e obesidade em adolescentes aumentou de acordo com o estado nutricional dos pais. Além disso, houve associação linear significativa, de modo que os adolescentes com pelo menos um dos pais acima do peso apresentaram cerca de 50% a mais de risco de sobrepeso e obesidade. Aqueles com ambos os pais acima do peso mostraram o dobro de risco de sobrepeso e obesidade⁽²⁰⁾.

Estudos recentes sugerem que o IMC dos pais cujos filhos apresentam excesso de peso é maior do que o IMC de pais de crianças com peso normal⁽²⁰⁾, sendo a chance de excesso de peso três a sete vezes maior em crianças e adolescentes com pais e mães obesos, comparada àquelas cujos pais apresentam peso normal^(17,21). Na Austrália, verificou-se que o IMC dos filhos foi significativamente predito pelo IMC de ambos os pais⁽²²⁾.

O peso corporal da mãe pode ser considerado fator preditor no acúmulo de gordura corporal dos filhos⁽²³⁾. A associação da obesidade na infância e na adolescência com valores mais altos de IMC dos pais é provavelmente influenciada pela herança genética, adoção de hábitos sedentários, inadequação alimentar e/ou fatores relacionados às condições de vida⁽²⁴⁾.

No que diz respeito ao estilo de vida, os achados do presente estudo demonstraram que os pais dos adolescentes com %G baixo possuíam estilo de vida mais favorável à saúde. A literatura tem demonstrado que o estilo de vida ativo inicia-se na infância e adolescência⁽²⁵⁾ e que indivíduos envolvidos em atividade física na adolescência apresentam maior probabilidade de serem suficientemente ativos na idade adulta⁽²⁶⁾.

Em pesquisa realizada com pais, mães e filhas adoles-centes⁽²⁷⁾, verificou-se que os adultos tendem a favorecer estratégias diferentes ao encorajar as filhas a serem ativas: o pai utiliza o seu comportamento como exemplo e a mãe atua como apoiadora. Portanto, a aderência dos adolescentes a práticas regulares de atividade física está associada à conscientização e ao incentivo de ambos os pais na adoção de um estilo de vida saudável⁽²⁸⁾.

Há evidência de que basta um dos pais ser ativo para o adolescente ser ativo⁽²⁸⁾. Mães ativas possuem duas vezes mais chances de terem filhos ativos e, quando ambos os pais demonstram esse comportamento, a chance aumenta em cinco vezes⁽²⁹⁾. Portanto, os pais são influência forte na prática de exercício físico dos filhos, ou ainda, as atitudes dos pais estimulam, de maneira geral, a obtenção de comportamentos saudáveis por parte de crianças e adolescentes^(28,30).

O estudo sugere uma associação positiva do estilo de vida dos pais à composição corporal dos filhos com %G abaixo ou acima do ideal. Embora não tenha sido foco de análise neste estudo, observou-se que os adolescentes com %G baixo eram mais ativos fisicamente (quando mensurados com acelerômetro Tritrac, durante uma semana habitual) do que aqueles com %G alto⁽⁹⁾.

As principais limitações da pesquisa referem-se ao tamanho da amostra e a características específicas dos adolescentes (classe econômica elevada, %G abaixo e acima do ideal). Dessa forma, os resultados devem ser interpretados com cautela. Entretanto, conclui-se que o estilo de vida dos pais esteve associado à composição corporal dos filhos com %G abaixo ou acima do recomendado. Nesse sentido, pode-se entender a importância do estilo de vida dos pais no planejamento de programas de atividades físicas para adolescentes.

Recebido em: 9/5/08

Aprovado em: 20/8/08

Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Mar 2009
• Data do Fascículo
  Mar 2009

Histórico

• Aceito
  20 Ago 2008
• Recebido
  09 Maio 2008