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Estado nutricional de crianças atendidas na rede pública de saúde do município de Santos

Nutritional status of children assisted in public health care settings of the city of Santos, São Paulo, Brazil

Resumos

OBJETIVO:Caracterizar o perfil nutricional de crianças de 6 a 24 meses de idade frequentadoras de Unidades Básicas de Saúde do município de Santos e sua relação com condições socioeconômicas, de saúde, nutrição e alimentação. MÉTODOS: Foram avaliadas 95 crianças em cinco Unidades Básicas de Saúde de diferentes regiões do município de Santos, em rotina normal de atendimento em Pediatria. Foram feitas medidas de peso e comprimento e aplicou-se um questionário às mães/responsáveis com perguntas sobre identificação, alimentação e nutrição, saúde e situação socioeconômica da criança. O estado nutricional foi avaliado pelas seguintes curvas de referência: National Center for Health Statistics (NCHS, 1977), Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2000) e o padrão de crescimento da Organização Mundial da Saúde do ano 2006 (OMS, 2006). Analisaram-se os índices: peso para idade (P/I), estatura para idade (E/I) e peso para estatura (P/E), medidos em escores Z. Consideraram-se como desnutrição os valores P/I, E/I e P/E menores que -2 escores Z e sobrepeso, valores de P/E maiores que +2 escores Z. RESULTADOS: Entre as crianças estudadas, foram observadas frequências de desnutrição para P/I em 4,2%, 9,5% e 3,2%, para E/I em 2,1%, 2,1% e 4,2% e para P/E, em 2,1%, 4,2% e 1,0% das crianças, respectivamente para as curvas NCHS (1977), CDC (2000) e OMS (2006). Com relação ao sobrepeso, as frequências foram 4,2%, 3,2% e 5,3%, respectivamente para as curvas NCHS (1977), CDC (2000) e OMS (2006). CONCLUSÕES: Notou-se baixa frequência de desnutrição. A curva da OMS identificou menor proporção de déficits nutricionais.

lactente; estado nutricional; atenção primária à saúde; crescimento


OBJECTIVE: Evaluate the nutritional status of children with 6 to 24 months of age assisted by the public health service in the city of Santos, Brazil, and its relation with socioeconomic status, health and nutritional conditions. METHODS: This cross-sectional study enrolled 95 children who attended regular pediatric visits in 5 units of public primary health centers. Weight and height were measured and parents were requested to answer a questionnaire with health, nutrition and socioeconomic information of their children. Nutritional status was assessed by the NCHS (1977), CDC (2000) and WHO (2006) child growth standard curves. Weight for age, height for age and weight for height Z scores were calculated. Values of the these indices below -2.0 Z score defined malnutrition and values of weight for height above +2.0 Z score defined overweight. RESULTS: The frequency of malnutrition according to the different indices were: weight for age 4.2%, 9.5% and 3.2%; height for age 2.1%, 2.1% and 4.2%, and weight for age 2.1%, 4.2% and 1.0%, respectively, according to the NCHS (1977), CDC (2000) and WHO (2006) reference curves. Overweight was found in 4.2%, 3.2% and 5.3% by the NCHS (1977), CDC (2000) and WHO (2006) reference curves, respectively. CONCLUSIONS: There was a low frequency of malnutrition. The WHO curve detected less patients with nutritional deficits than the other NCHS (1977) and CDC (2000) curves.

infant; nutritional status; primary health care; growth


ARTIGO ORIGINAL

Estado nutricional de crianças atendidas na rede pública de saúde do município de Santos

Nutritional status of children assisted in public health care settings of the city of Santos, São Paulo, Brazil

Rafael Jeferson P. DamacenoI; Paula Andrea MartinsII; Macarena Urrestarazu DevincenziII

IAluno de Iniciação Científica do Curso de Nutrição da Unifesp, Campus Baixada Santista, Santos, SP, Brasil

IIProfessoras adjuntas do Departamento de Ciências da Saúde do Curso de Nutrição da Unifesp, Campus Baixada Santista, Santos, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rafael Jeferson Pezzuto Damaceno Rua Flamínio Levy, 71, apto. 57 - Saboó CEP 11085-080 - Santos/SP E-mail: rafaeljpd@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO:Caracterizar o perfil nutricional de crianças de 6 a 24 meses de idade frequentadoras de Unidades Básicas de Saúde do município de Santos e sua relação com condições socioeconômicas, de saúde, nutrição e alimentação.

MÉTODOS: Foram avaliadas 95 crianças em cinco Unidades Básicas de Saúde de diferentes regiões do município de Santos, em rotina normal de atendimento em Pediatria. Foram feitas medidas de peso e comprimento e aplicou-se um questionário às mães/responsáveis com perguntas sobre identificação, alimentação e nutrição, saúde e situação socioeconômica da criança. O estado nutricional foi avaliado pelas seguintes curvas de referência: National Center for Health Statistics (NCHS, 1977), Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2000) e o padrão de crescimento da Organização Mundial da Saúde do ano 2006 (OMS, 2006). Analisaram-se os índices: peso para idade (P/I), estatura para idade (E/I) e peso para estatura (P/E), medidos em escores Z. Consideraram-se como desnutrição os valores P/I, E/I e P/E menores que -2 escores Z e sobrepeso, valores de P/E maiores que +2 escores Z.

RESULTADOS: Entre as crianças estudadas, foram observadas frequências de desnutrição para P/I em 4,2%, 9,5% e 3,2%, para E/I em 2,1%, 2,1% e 4,2% e para P/E, em 2,1%, 4,2% e 1,0% das crianças, respectivamente para as curvas NCHS (1977), CDC (2000) e OMS (2006). Com relação ao sobrepeso, as frequências foram 4,2%, 3,2% e 5,3%, respectivamente para as curvas NCHS (1977), CDC (2000) e OMS (2006).

CONCLUSÕES: Notou-se baixa frequência de desnutrição. A curva da OMS identificou menor proporção de déficits nutricionais.

Palavras-chave: lactente; estado nutricional; atenção primária à saúde; crescimento.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Evaluate the nutritional status of children with 6 to 24 months of age assisted by the public health service in the city of Santos, Brazil, and its relation with socioeconomic status, health and nutritional conditions.

METHODS: This cross-sectional study enrolled 95 children who attended regular pediatric visits in 5 units of public primary health centers. Weight and height were measured and parents were requested to answer a questionnaire with health, nutrition and socioeconomic information of their children. Nutritional status was assessed by the NCHS (1977), CDC (2000) and WHO (2006) child growth standard curves. Weight for age, height for age and weight for height Z scores were calculated. Values of the these indices below -2.0 Z score defined malnutrition and values of weight for height above +2.0 Z score defined overweight.

RESULTS: The frequency of malnutrition according to the different indices were: weight for age 4.2%, 9.5% and 3.2%; height for age 2.1%, 2.1% and 4.2%, and weight for age 2.1%, 4.2% and 1.0%, respectively, according to the NCHS (1977), CDC (2000) and WHO (2006) reference curves. Overweight was found in 4.2%, 3.2% and 5.3% by the NCHS (1977), CDC (2000) and WHO (2006) reference curves, respectively.

CONCLUSIONS: There was a low frequency of malnutrition. The WHO curve detected less patients with nutritional deficits than the other NCHS (1977) and CDC (2000) curves.

Key-words: infant; nutritional status; primary health care; growth.

Introdução

O estado nutricional é um importante indicador da saúde e pode ser usado como critério para realizar projetos que visem à proteção e à promoção da saúde. Para a sua avaliação, é possível utilizar diversos métodos: antropométrico, dietético, bioquímico e anamnese. O método antropométrico consiste em obter de medidas corporais (peso, comprimento, perímetros cefálico e torácico, dobras cutâneas, entre outras) para comparação posterior com curvas de referência recomendadas pelas organizações nacionais e internacionais com vistas ao acompanhamento do crescimento infantil. Entende-se que o padrão antropométrico ideal seria aquele obtido a partir de populações ou grupos étnicos cujos indivíduos tivessem usufruído a oportunidade de desenvolverem plenamente seu potencial de crescimento(1).

No Brasil, por muito tempo, utilizaram-se como referencial as curvas de crescimento infantil do National Center for Health Statistics (NCHS) de 1977, construídas a partir de banco de dados de pesquisas realizadas entre os anos de 1929 e 1975 nos Estados Unidos. Essas pesquisas, em sua maioria, incluíam amostras de crianças em aleitamento artificial, o que posteriormente seria caracterizado como uma limitação, tendo em vista a recomendação universal do aleitamento materno e o ritmo diferente de crescimento de crianças amamentadas. Poder-se-iam erroneamente identificar como de baixo peso crianças em aleitamento materno exclusivo, antecipando a introdução de alimentação complementar. Para tentar minimizar esse e outros problemas do referencial anterior, o Center for Disease Control and Prevention (CDC) reconstruiu o referencial de 1977 com uma série de modificações, lançando-o no ano 2000. A amostra de crianças foi aumentada, incorporaram-se dados de crianças em aleitamento materno, utilizaram-se métodos estatísticos mais modernos, dentre outras modificações(2).

Mais recentemente, em 2006, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o novo padrão de crescimento infantil, construído com base em um estudo multicêntrico envolvendo seis países (Brasil, Gana, Estados Unidos da América, Índia, Noruega e Omã). A amostra de crianças avaliadas e suas famílias deveriam possuir diversos critérios de elegibilidade, dentre eles: aleitamento materno exclusivo ou predominante pelo menos até os quatro meses de idade; desejo de seguir as recomendações alimentares; situação socioeconômica que não prejudicasse o crescimento da criança; mãe não fumante antes e após o parto, entre outros(2). A utilização desse padrão foi recomendada pelo Ministério da Saúde do Brasil em 2007, sendo as curvas de crescimento incluídas na Caderneta de Saúde da Criança(3).

O estado nutricional infantil pode sofrer forte influência de fatores externos como: idade e escolaridade maternas, acesso aos serviços de pré e pós-natal, frequência da utilização desses serviços, renda e estrutura familiares, condições de moradia, peso ao nascer, amamentação e alimentação. Ainda, crianças mais jovens por si só já apresentam risco nutricional aumentado(4-6).

Considerando a ausência de dados na literatura referentes à situação do estado nutricional infantil no município de Santos, bem como de publicações sobre o estado nutricional de crianças avaliadas com o novo padrão de crescimento implantado nos serviços de saúde brasileiros em 2007, esta pesquisa pretende caracterizar o estado nutricional e sua relação com as condições socioeconômicas, de saúde, nutrição e alimentação de crianças entre 6 e 24 meses de idade frequentadoras de Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município de Santos.

Métodos

O estudo foi conduzido no município de Santos em Unidades Básicas de Saúde (UBS) das quatro regiões que o compõem (Orla, Centro, Morros e Zona Noroeste). O município possui 418.213 habitantes, dos quais 10.370 são menores de dois anos de idade (valores estimados pelo IBGE para o ano de 2007). A coleta foi feita entre os anos de 2006 e 2008 em cinco das 21 unidades existentes no município localizadas nas diferentes regiões. As seguintes UBS participaram do estudo, seguindo-se a ordem de coleta: Morros (UBS Nova Cintra), Zona Noroeste (UBS Rádio Clube), Orla (UBS Gonzaga e UBS Embaré) e Centro (UBS Martins Fontes). Respeitou-se a rotina de funcionamento normal das unidades, sendo as coletas feitas a partir de demanda espontânea de pediatria e vacinação. O estudo baseou-se em uma amostra de 20 crianças por região, obtendo-se no total 97 lactentes. Dessas, foram excluídas duas crianças pela impossibilidade de realização do exame antropométrico (peso e comprimento), resultando em 95 crianças para o estudo. A amostra foi composta por crianças de 6 a 24 meses de idade, sendo a mediana de idade de 12 meses. A distribuição de acordo com a idade foi: de 6 a 12 meses, 47,4% (n=45); 12 a 18 meses, 28,4% (n=27) e 18 a 24, 24,2% (n=23).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Santos.

O instrumento de coleta foi constituído de duas partes: questionário e antropometria. Os questionários foram aplicados pelo pesquisador nas salas de espera das unidades, sendo as mães/responsáveis convidadas a participarem do estudo e a assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.

A aplicação do questionário durava aproximadamente 15 minutos e nele constavam quatro itens: identificação, dados de alimentação e nutrição, dados de saúde e dados socioeconômicos. Na identificação, foram coletados os dados pessoais da mãe/responsável e da criança. A parte da alimentação e nutrição continha questões sobre aleitamento materno e utilização de suplementos de ferro e vitaminas. Em relação à saúde, foram feitas perguntas sobre o período pré-natal, tipo de parto, peso da criança ao nascimento, doenças e internações, frequência à UBS e regularidade da vacinação. A parte socioeconômica continha questões de escolaridade, composição familiar e condições de moradia.

As medidas antropométricas (peso e comprimento) foram tomadas de acordo com os padrões preconizados pelo Ministério da Saúde(7), sendo o peso aferido em balança pediátrica mecânica com graduação de 10g e capacidade para 15kg. Mediu-se o comprimento com antropômetro infantil de madeira com graduação de 1mm. Quando o equipamento de antropometria estava na sala de pediatria, quem tomava a medida era o pediatra e, se estava na sala de enfermagem, as medidas eram realizadas pelo pesquisador, respeitando-se a rotina/conduta do serviço.

Para avaliar o estado nutricional, utilizaram-se três curvas de crescimento infantil, NCHS(8), CDC(9) e OMS(10), considerando-se a curva da OMS como padrão para análise estatística.

Os índices antropométricos utilizados para avaliação do estado nutricional foram peso para idade (P/I), estatura para idade (E/I) e peso para estatura (P/E) medidos em escores Z. Adotou-se como ponto de corte valor <-2 escores Z para desnutrição e entre -2 e -1 escores Z para indicação de risco nutricional. Utilizou-se o índice P/E para verificação de sobrepeso (ponto de corte >+2 escores Z), já que esse índice consta nas três curvas de crescimento infantil citadas(11).

Para construir o banco de dados e análise estatística, utilizou-se software Epi-Info versão 3.3.2. Realizou-se análise descritiva para avaliar as variáveis observadas. A associação entre déficit nutricional (<-1 escore Z) e as variáveis de situação socioeconômica, saúde, alimentação e nutrição foi analisada por meio do teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher. As diferenças nas proporções de crianças com déficit nutricional entre as três curvas foram avaliadas com o teste de McNemar. Considerou-se significante p<0,05 para todas as análises. O software Epi-Info apresenta duas opções de curvas de crescimento infantil para avaliação do estado nutricional: NCHS (1977) e CDC (2000). Portanto, para permitir análise e comparação ao novo padrão de crescimento infantil, utilizou-se em conjunto o software WHO Antro 2005 versão 2.0.1.

Resultados

Na Tabela 1 estão expressas as características socioeconômicas das crianças pesquisadas. Com relação à moradia, 40 (42,1%) eram alugadas, 19 (20,0%) eram construções de madeira. O cruzamento da variável "tipo de construção" com déficit no índice E/I foi o único que apresentou associação significante (Odds Ratio, OR: 3,79, IC95% 1,19-12,09), o que indica que morar em casa de construção mista ou de madeira representa um risco quase quatro vezes maior de desnutrição do que morar em casa de alvenaria. Das 95 famílias estudadas, 8 (8,4%) moravam em casas sem rede de esgoto, localizadas exclusivamente em duas regiões pesquisadas: Zona Noroeste (UBS Rádio Clube) e Morros (UBS Nova Cintra). Das crianças analisadas, 19 (20,0%) recebiam algum benefício social como: bolsa família em 12 (63,2%) casos, viva-leite em cinco (26,3%) e outros, em dois (10,5%).

Os resultados referentes aos dados de saúde encontram-se na Tabela 2. Entre as mães entrevistadas, duas (2,1%) não fizeram pré-natal. Das crianças analisadas, 26 (27,4%) haviam sido previamente internadas e as causas mais comuns foram: doença respiratória em 8 (30,8%), intercorrências no período neonatal em 6 (23,1%) e outros motivos em 12 (46,2%). A vacinação estava atualizada em 94 (98,9%) crianças. A frequência à UBS foi, em geral, proporcional à idade da criança: quanto mais jovem, maior a frequência ao serviço. Nas crianças com frequência mensal (n=56) à UBS, a mediana de idade foi de dez meses; já aquelas que se consultavam a cada dois meses (n=14), a mediana foi de 17 meses, na trimestral (n=15) foi de 19 meses.

Na Tabela 3 estão expostos os dados sobre alimentação e nutrição. Para a variável "aleitamento materno" não se considerou o tipo de aleitamento materno (se exclusivo ou misto). A mediana da duração do aleitamento materno entre as 35 crianças que já haviam desmamado foi de 150 dias. Dessas, quatro (11,1%) haviam recebido aleitamento materno por um período inferior a um mês. Com relação ao uso de suplementos, 61 (64,2%) e 68 (71,6%) crianças não recebiam suplementação de ferro e de vitamina, respectivamente.

Nas crianças estudadas, foram observadas frequências de desnutrição para P/I em 4,2%, 9,5% e 3,2%, para E/I em 2,1%, 2,1% e 4,2% e para P/E em 2,1%, 4,2% e 1,0% crianças, respectivamente para as curvas NCHS (1977), CDC (2000) e OMS (2006). A comparação entre as três curvas de crescimento, considerando o índice P/I, mostrou que um número maior de crianças foi considerado desnutrido quando se utilizou a curva CDC (2000) comparada à curva OMS (2006), com p<0,05.

A Tabela 4 expressa os índices antropométricos E/I, P/I e P/E utilizando-se as três curvas de crescimento infantil. Na comparação entre as três curvas de crescimento para avaliar as diferenças nas proporções de déficit nutricional, considerando-se os índices P/I e P/E, a curva CDC identificou um número maior de crianças em comparação à curva OMS, (p<0,01). Proporções maiores de crianças com déficit em P/E foram observadas também com a curva NCHS em relação à curva OMS (p<0,01). Não foram observadas diferenças significantes na proporção de sobrepeso entre as três curvas.

Discussão

Com relação ao estado nutricional, a frequência de desnutrição nesta pesquisa foi inferior a de outros estudos realizados no Brasil. Soares et al encontraram no ano de 1995, em crianças menores de um ano atendidas em UBS (n=96) na periferia de Fortaleza, 10% de desnutrição pelo índice E/I e 5% pelo índice P/I(12). Oliveira et al, em uma amostra de 1.041 crianças menores de dois anos de dez municípios da Bahia em 2000, encontraram prevalência de desnutrição de 12,4% para E/I e de 7,8% para P/I(5). Modesto et al encontraram, no ano de 2004, em estudo transversal com 180 crianças no segundo semestre de vida em UBS no município de Taboão da Serra, 8,9% de desnutrição no índice P/I(13), quase três vezes maior que o do presente estudo. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em estudo sobre Orçamentos Familiares 2002/2003, antropometria e análise do estado nutricional de crianças no Brasil, identificou em crianças com menos de quatro anos de idade, prevalência de desnutrição auferida pelo índice P/I de 4,6% no Brasil e de 3,7% no Estado de São Paulo, valores mais próximos aos encontrados neste estudo(14). Em pesquisa mais recente, a prevalência de déficit de E/I no Brasil foi estimada pela Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) de 2006 em 7%(15).

Por outro lado, quando o levantamento do estado nutricional foi feito considerando-se o ponto de corte menor que -1 escore Z para indicação de risco nutricional, os valores encontrados foram bem maiores, 15,8% para P/I e E/I e 7,3% para P/E. Sabe-se que, em crianças nos primeiros anos de vida, as condições socioeconômicas em que vivem podem ser fatores que interferem no estado nutricional, daí a importância de acompanhar crianças em risco de desnutrição, já que faz parte dos objetivos da atenção básica à saúde a prevenção de doenças e a promoção da saúde.

Em relação ao sobrepeso, no presente estudo, foi observado um percentual de crianças menor do que as estimativas da PNDS: 6,7% para menores de um ano e 6,0% para crianças entre um e dois anos(15).

Nesta pesquisa, a desnutrição associou-se às condições de moradia. O estado nutricional infantil deficiente é de natureza multicausal, com fatores externos e genéticos(16). Dentre os fatores externos ou ambientais, a moradia tem sido referida como uma variável importante na qualidade de saúde, especificamente a ausência de rede de esgoto, a falta de água tratada e as construções de madeira(4). A ausência de rede de esgoto (8,4%) foi observada nas palafitas na Zona Noroeste (75%) e em algumas casas nos Morros (25%). Os valores oficiais do município indicam existirem 7,1% de habitações com outros tipos de saneamento (fossas, vala, rios, ausência total) e 0,6% de ausência de água tratada, o que significa alto risco de doenças para as famílias que residem nesses locais(17). Sabe-se que as condições sociais e de moradia podem interferir no estado nutricional infantil, podendo causar sérios prejuízos através de constantes infecções. Muitos autores têm encontrado forte associação entre variáveis socioeconômicas e o estado nutricional em outras regiões, especificamente em bolsões de pobreza(6,12,16,18).

Duas variáveis maternas que podem modificar o estado nutricional de crianças descritas pela literatura são a baixa escolaridade e a idade. No presente estudo, não houve relação dessas variáveis com o estado nutricional. A frequência de mães com até quatro anos de estudo foi 9,6% e, com cinco a oito anos, foi 35,1%; já para a idade materna obteve-se 44,7% de mães menores de 27 anos. Carvalhaes e Benício, em estudo feito no município de Botucatu, São Paulo, mostraram que a baixa escolaridade materna quase duplicou o risco de desnutrição infantil(19). Vieira et al relataram que a mãe adolescente é capaz de cuidar com sucesso de seu filho, com a ressalva da atenção diferenciada para a saúde do binômio mãe/filho por parte dos profissionais envolvidos, resgatando aspectos educacionais, psicológicos e sociais(17).

O peso ao nascimento pode ser considerado um excelente indicador do estado de saúde de uma população. A prevalência de baixo peso ao nascer encontrada neste estudo (9,5%) foi maior do que a média nacional (8,1%)(18). Ainda que não tenha sido encontrada relação com déficit nutricional, sabe-se que o baixo peso ao nascer pode também trazer complicações futuras como diabetes, obesidade e hipertensão.

A procura pelos serviços de saúde para realização do pré-natal foi feita por 97,9% das mães. No entanto, observou-se que 20 (22,0%) das mães que fizeram pré-natal foram atendidas em menos de seis consultas, número mínimo de consultas de pré-natal recomendado pelo Ministério da Saúde para um nascimento seguro e saudável(20).

Com relação à amamentação, cabe destacar a sua importância nos dois primeiros anos de vida e a adequada introdução da alimentação complementar a partir dos seis meses de idade para que haja crescimento e desenvolvimento saudáveis, sendo o leite materno um alimento completo nutricionalmente para a faixa de idade do nascimento aos seis meses(18). A duração mediana da amamentação (não exclusiva) encontrada neste estudo foi de 180 dias, inferior ao relatado na PNDS para a região Sudeste (230 dias) e Brasil (228 dias)(15). Estudo feito no Rio de Janeiro mostrou mediana de 67 dias(21), valor semelhante ao observado em Campinas, onde a prevalência de aleitamento materno foi de 60,7%, com diminuição no primeiro mês e queda para metade no segundo mês(22). A OMS preconiza que a duração da amamentação seja até dois anos de idade ou mais, com exclusividade até os seis meses. Em pesquisa realizada no ano de 2006, no município de Santos e em dia nacional de vacinação, encontrou-se prevalência de 58,9% de crianças que receberam aleitamento materno exclusivo até os quatro meses de idade e 75,4% de crianças que continuaram em aleitamento após a introdução de alimentos complementares; este último valor foi maior do que os 63,2% encontrados neste estudo(23).

A frequência de utilização de suplemento de ferro encontrada na presente pesquisa foi de apenas 35,8%, sendo que a recomendação do Ministério da Saúde para prevenção da anemia ferropriva é de suplementação universal com ferro para crianças de seis a 18 meses(18).

Neste contexto, deve-se avaliar/rever a qualidade dos serviços prestados à população, principalmente em relação à atenção primária à saúde. Apesar de se ter encontrado alta procura pelo atendimento de pré-natal e atenção à criança, verificaram-se mães que não fizeram as seis consultas mínimas para um pré-natal seguro. Ademais, observou-se que elevado número de crianças deixou de receber leite materno antes mesmo do término de três meses de idade (44,1% dos que haviam parado de mamar). Outra questão é a da suplementação de ferro, que apresentou baixíssimo consumo, o que certamente poderá aumentar os casos de anemia ferropriva na infância.

A comparação do estado nutricional utilizando as três curvas de crescimento infantil mostrou que as maiores frequências de desnutrição para o índice P/I foram encontradas quando se utilizou o referencial CDC em relação à curva OMS. Algumas crianças em aleitamento materno, classificadas como eutróficas com a curva da OMS (2006), quando avaliadas com as curvas mais antigas apresentaram déficit de P/I, fato que pode resultar em um percentual menor de desnutrição ao se utilizar essa curva quando comparado às curvas de 1977 e 2000(24). Em estudo que comparou as curvas do NCHS (1977) e OMS (2006), os percentuais de déficit de E/I foram em média 10% maiores com a curva de 2006, na avaliação de diferentes grupos de crianças menores de 60 meses. As diferenças nos déficits de P/E foram maiores até o dois anos de idade(24). Com relação ao sobrepeso, não se observou diferença significativa entre as três curvas. No entanto, é possível que esse resultado seja devido ao pequeno número de crianças com essa classificação. Onis et al observaram que a curva OMS (2006) é mais sensível para o sobrepeso e tal diferença pode ser maior ou menor dependendo da idade da população avaliada(24).

Para Soares et al, a utilização do referencial CDC (2000) para avaliar crianças em aleitamento artificial aumentaria a prevalência de sobrepeso, o que poderia fazer com que os pais introduzissem dieta de baixo valor energético, não recomendado durante a infância(2). Da mesma forma, Victora et al(16) consideram que o padrão OMS (2006) levará à identificação mais precoce de crianças com sobrepeso e obesidade, fato verificado neste estudo. Isto ocorre quando crianças em aleitamento artificial são comparadas às curvas mais recentes, construídas com base em crianças em processo de aleitamento materno, fato inverso ao que ocorria com o referencial NCHS (1977), no qual havia comparação com crianças em aleitamento artificial, o que contribuía para a introdução precoce de alimentação complementar devido à identificação errônea de crescimento lento nas crianças em aleitamento materno(2,16). A interpretação dos dados de crescimento de crianças, em especial as menores de dois anos de vida, pode ser bastante diferente dependendo da curva utilizada e esse fato tem grande importância para a orientação do aleitamento materno e introdução da alimentação complementar(24). Dessa forma, nesse momento de transição de curvas de crescimento, recomenda-se a utilização conjunta de outros métodos para avaliar o estado nutricional infantil e não apenas o método antropométrico isolado.

Observou-se uma frequência pequena de desnutrição nas crianças avaliadas nas UBS do município de Santos e sua ocorrência estava associada a condições socioeconômicas indicadas pelo tipo de moradia. Ao mesmo tempo, identificou-se a ocorrência de sobrepeso, embora em frequência menor do que as médias nacionais. Trata-se de um sinal de alerta, uma vez que o estado nutricional nessa faixa etária pode determinar o estado nutricional na vida adulta.

Recebido em: 4/6/08

Aprovado em: 21/1/09

Fonte financiadora: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Instituição: Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Campus Baixada Santista, Santos, SP, Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    Rafael Jeferson Pezzuto Damaceno
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      21 Jan 2009
    • Recebido
      04 Jun 2008
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