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Desenvolvimento cerebral em recém-nascidos prematuros

Cerebral development in preterm newborn infants

Resumos

OBJETIVO:Rever a literatura atual que aborda o crescimento e o desenvolvimento cerebral de crianças prematuras e as alterações cognitivas e motoras que podem decorrer da prematuridade. FONTES DE DADOS: Foram utilizadas as bases de dados Medline e Lilacs, selecionados artigos publicados entre os anos de 2000 e 2007 e livros-texto com conteúdo relevante. SÍNTESE DOS DADOS: A evolução do recém-nascido pré-termo diferencia-se da evolução apresentada pela população a termo. Estudos têm demonstrado que ex-prematuros apresentam alterações anatômicas cerebrais que se associam a prejuízos cognitivos. Várias regiões do sistema nervoso central (substância cinzenta, substância branca, corpo caloso, núcleo caudado, hipocampo e cerebelo) têm seus volumes avaliados por neuroimagem e, apesar de resultados controversos, parecem ter desenvolvimento alterado nessa população. Diante disso, espera-se haver repercussão funcional e/ou cognitiva em crianças, adolescentes e adultos nascidos prematuramente. Ex-prematuros avaliados na infância tardia e na adolescência demonstram alterações de quociente de inteligência, memória, capacidade para cálculos e função cognitiva global. Déficits motores, na capacidade de planejamento e de associação, na coordenação motora e na atenção também foram relatados na literatura. CONCLUSÕES: A prematuridade pode levar a alterações anatômicas e estruturais do cérebro devido à interrupção das etapas de desenvolvimento pré-natal. Tais alterações podem causar déficits funcionais, tornando os ex-prematuros sujeitos a problemas cognitivos e motores, assim como suas repercussões nas atividades de vida diária, mesmo na adolescência e idade adulta.

cognição; desenvolvimento infantil; prematuro


OBJECTIVE:To review the current literature about brain growth and development of premature children, as well as the motor and cognitive changes that may result from prematurity. DATA SOURCES: Medline and Lilacs were searched between 2000 and 2007 along with textbooks whose content was relevant. DATA SYNTHESIS: The development of preterm infants differs from term neonates. Studies have shown that children born prematurely have anatomical changes related to cognitive impairments in the central nervous system. Some regions seem vulnerable, such as white and gray matter, corpus callosum, caudate nucleus, hippocampus and cerebellum, when evaluated by volumetric neuroimaging techniques. Thus, one would expect some functional and/or learning impairment in children, adolescents and adults born prematurely. When evaluated in late childhood and adolescence, they show deficits in the intelligence quotient, memory, calculations skills and in the overall cognitive function. Motor coordination, attention, planning and association deficits are also reported in the literature. CONCLUSIONS: Prematurity can lead to structural and anatomical changes of the brain due to interruption of the prenatal development. These changes can cause functional deficits and children born prematurely are more vulnerable to cognitive and motor problems as well as its effects on their daily activities, even in adolescence and adulthood.

cognition disorders; child development; infant; premature


ARTIGO DE REVISÃO

Desenvolvimento cerebral em recém-nascidos prematuros

Cerebral development in preterm newborn infants

Andrea Peterson ZomignaniI; Helder José L. ZambelliII; Maria Ângela R. G. M. AntonioIII

IFisioterapeuta; especializada em neurologia; mestranda na área de Saúde da Criança e do Adolescente da Unicamp, Campinas, SP, Brasil

IIProfessor de Pós-Graduação do Departamento de Pediatria da Unicamp; Doutor em Ciências Médicas na área de Neurologia pela Unicamp, Campinas, SP, Brasil

IIIProfessora do Departamento de Pediatria da Unicamp; Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela Unicamp, Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Andrea Peterson Zomignani Rua Líbia, 388 - Jardim Bonfiglioli CEP 13207-370 - Jundiaí /SP E-mail: andreazomi@gmail.com.

RESUMO

OBJETIVO:Rever a literatura atual que aborda o crescimento e o desenvolvimento cerebral de crianças prematuras e as alterações cognitivas e motoras que podem decorrer da prematuridade.

FONTES DE DADOS: Foram utilizadas as bases de dados Medline e Lilacs, selecionados artigos publicados entre os anos de 2000 e 2007 e livros-texto com conteúdo relevante.

SÍNTESE DOS DADOS: A evolução do recém-nascido pré-termo diferencia-se da evolução apresentada pela população a termo. Estudos têm demonstrado que ex-prematuros apresentam alterações anatômicas cerebrais que se associam a prejuízos cognitivos. Várias regiões do sistema nervoso central (substância cinzenta, substância branca, corpo caloso, núcleo caudado, hipocampo e cerebelo) têm seus volumes avaliados por neuroimagem e, apesar de resultados controversos, parecem ter desenvolvimento alterado nessa população. Diante disso, espera-se haver repercussão funcional e/ou cognitiva em crianças, adolescentes e adultos nascidos prematuramente. Ex-prematuros avaliados na infância tardia e na adolescência demonstram alterações de quociente de inteligência, memória, capacidade para cálculos e função cognitiva global. Déficits motores, na capacidade de planejamento e de associação, na coordenação motora e na atenção também foram relatados na literatura.

CONCLUSÕES: A prematuridade pode levar a alterações anatômicas e estruturais do cérebro devido à interrupção das etapas de desenvolvimento pré-natal. Tais alterações podem causar déficits funcionais, tornando os ex-prematuros sujeitos a problemas cognitivos e motores, assim como suas repercussões nas atividades de vida diária, mesmo na adolescência e idade adulta.

Palavras-chave: cognição; desenvolvimento infantil; prematuro.

ABSTRACT

OBJECTIVE:To review the current literature about brain growth and development of premature children, as well as the motor and cognitive changes that may result from prematurity.

DATA SOURCES: Medline and Lilacs were searched between 2000 and 2007 along with textbooks whose content was relevant.

DATA SYNTHESIS: The development of preterm infants differs from term neonates. Studies have shown that children born prematurely have anatomical changes related to cognitive impairments in the central nervous system. Some regions seem vulnerable, such as white and gray matter, corpus callosum, caudate nucleus, hippocampus and cerebellum, when evaluated by volumetric neuroimaging techniques. Thus, one would expect some functional and/or learning impairment in children, adolescents and adults born prematurely. When evaluated in late childhood and adolescence, they show deficits in the intelligence quotient, memory, calculations skills and in the overall cognitive function. Motor coordination, attention, planning and association deficits are also reported in the literature.

CONCLUSIONS: Prematurity can lead to structural and anatomical changes of the brain due to interruption of the prenatal development. These changes can cause functional deficits and children born prematurely are more vulnerable to cognitive and motor problems as well as its effects on their daily activities, even in adolescence and adulthood.

Key-words: cognition disorders; child development; infant, premature.

Introdução

Atualmente, grandes avanços científicos e tecnológicos têm levado a mudanças na assistência obstétrica e neonatal. O uso de corticoide antenatal e a terapia de reposição de surfactante no recém-nascido prematuro reduziram os níveis de mortalidade. Assim, tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento, houve, na década de 1990, um significativo aumento nas taxas de sobrevida de recém-nascidos (RN) prematuros. Ao final da década de 1990, nos Estados Unidos, a expectativa de sobrevida para prematuros de 500 a 749g e de 750 a 1000g era de cerca de 45 e 85% respectivamente. No Brasil, a Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais mostrava, nessa época, sobrevida de 9 a 44% na faixa de 500 a 749g e de 66 a 73% na faixa de 750 a 1000g(1).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera prematura, ou pré-termo, a criança com menos de 37 semanas de gestação. Segundo Leone(2), a evolução do RN pré-termo (RNPT) diferencia-se da apresentada pela população normal em dois aspectos fundamentais: seu padrão de crescimento e seu desenvolvimento pós-natal. A idade gestacional e o peso ao nascimento constituem os principais fatores determinantes de complicações neonatais e se relacionam à deficiência na evolução pós-natal. Algumas complicações neonatais têm sido mais frequentemente apontadas como possíveis fatores de risco para o desenvolvimento neurológico e intelectual anormais. Dentre essas complicações, destacam-se: hemorragia intracraniana, anóxia, pacientes com apneia ou doença de membranas hialinas que necessitam de ventilação assistida, hiperbilirrubinemia e infecções. A sobrevida de prematuros é uma realidade que remete a reflexões e questionamentos sobre a qualidade de vida e repercussões sobre o crescimento e desenvolvimento dessas crianças, despertando interesse e preocupações(3).

O sistema nervoso central (SNC) infantil apresenta um dinamismo evolutivo muito intenso e, para entender seu processo de desenvolvimento e amadurecimento, é essencial a correlação entre a estrutura e a função, ou seja, o desenvolvimento de determinada função depende do amadurecimento de seu substrato neural anatômico correspondente. Tal amadurecimento decorre fundamentalmente de eventos aditivos/progressivos (proliferação e migração neuronal, organização e mielinização) e substrativos/regressivos (morte neuronal/apoptose, retração axonal e degeneração sináptica)(4).

A proliferação neuronal ocorre a partir da zona ventricular e subventricular, produzida por divisões das células-tronco entre dois e quatro meses de gestação, com rápido crescimento do número de células nervosas. A migração tem pico de atividade dos três aos cinco meses de gestação, quando as células nervosas já formadas migram de seus locais de origem dentro do SNC para locais onde exercerão suas funções ao longo da vida; nessa fase, inicia-se a organização das colunas do córtex cerebral. A organização começa aproximadamente aos cinco meses de gestação e continua até alguns anos após o nascimento. Nesse período, os eventos mais importantes são: alinhamento e orientação dos neurônios, sinaptogênese, ramificações dendríticas e axonais, morte celular e eliminação seletiva de algumas sinapses, além de proliferação e diferenciação glial. Com início por volta do segundo trimestre de gestação e estendendo-se até a vida adulta, ocorre a mielinização, caracterizada pela formação de uma membrana de mielina ao redor dos axônios. Há, conjuntamente, proliferação, diferenciação e alinhamento dos oligodendrócitos(5).

Cada fase do desenvolvimento e crescimento cerebral tem seu tempo e não ocorre individualmente, sobrepondo-se à evolução da gestação. O nascimento prematuro interrompe a evolução normal desses eventos e as crianças nascidas prematuramente são consideradas de risco em relação ao neurodesenvolvimento e às incapacidades funcionais. Isso acontece devido à vulnerabilidade do cérebro na ocasião do nascimento. Tal vulnerabilidade pode levar a anormalidades anatômicas, mais frequentes nessas crianças do que em controles nascidos a termo(6). Essas anormalidades podem interferir nas capacidades funcionais, cognitivas e comportamentais, causando déficits que persistem até a adolescência e vida adulta, levando a repercussões sociais e educacionais(7).

Assim, o objetivo deste trabalho foi rever a literatura atual sobre o crescimento e o desenvolvimento cerebral de crianças prematuras e as alterações cognitivas e motoras que podem advir da prematuridade.

Métodos

Realizou-se revisão bibliográfica por meio de pesquisa nos bancos de dados informatizados Medline e Lilacs. Os critérios de inclusão foram: artigos de pesquisa publicados nos anos de 2000 a 2007 (com desenho analítico, caso-controle e coorte) nos idiomas português, inglês ou espanhol, encontrados por pesquisa direta ou por referências de outros artigos consultados. Foram consultados, também, livros-texto cujo conteúdo foi considerado relevante.

Resultados

Atualmente, com a modernização e aumento da resolução das técnicas de neuroimagem, essa modalidade tem sido bastante difundida e utilizada em pesquisas que enfocam a neuroanatomia, a morfologia e a etiologia de anormalidades cerebrais(8). A técnica tem contribuído consideravelmente para o entendimento das relações entre o comprometimento cerebral e as mudanças morfológicas quantitativas dos tecidos cerebrais(9).

Seguindo essa linha metodológica de estudos, demonstra-se que crianças com nascimento prematuro apresentam algumas alterações no volume da substância branca e da substância cinzenta e desenvolvimento atrasado dos giros cerebrais(10,11). Em estudo de Gimenez et al, detectou-se anormalidade no desenvolvimento do sulco orbitofrontal, sendo este menos profundo devido à prematuridade. Tal alteração foi irreversível e permaneceu até a adolescência(12).

Há estudos que comprovam a diminuição volumétrica do encéfalo de maneira global, mas com desequilíbrio entre as regiões quando comparadas individualmente. Peterson et al encontraram diminuição mais específica de volume em região pré-motora, sensório-motora, meso-temporal e parieto-occipital, em núcleos da base, amígdala e hipocampo, assim como afilamento do corpo caloso, em estudo de neuroimagem que avaliou crianças nascidas prematuramente aos oito anos de idade(13). Em 2003, esse mesmo autor estendeu esses achados, associando alterações anatômicas a prejuízos cognitivos, na mesma faixa etária(14).

Inder et al empregaram ressonância magnética volumétrica tridimensional em prematuros e quantificaram em 22% a taxa de diminuição do volume da substância cinzenta cortical e dos núcleos profundos cerebrais e em 35% a taxa de diminuição de volume da substância branca. Houve também aumento do volume liquórico, reforçando a hipótese de menor volume cerebral e aumento da capacidade de armazenamento das cavidades liquóricas, como ventrículos e cisternas(15).

Em relação ao volume dos lobos cerebrais, têm sido relatadas na literatura novas informações. Mewes et al mostraram aumento do volume da substância cinzenta que pode corresponder a um período crítico do desenvolvimento cortical, pois as crianças que participaram de seu estudo eram de baixo risco, ou seja, tinham de 28 a 33 semanas de idade gestacional, Apgar no quinto minuto >7, peso e perímetro cefálico adequados para a idade gestacional, ultrassom de crânio sem alterações e menos de 72 horas em ventilação assistida e/ou em uso de medicação vasopressora(16).

Kesler et al também verificaram aumento do volume dos lobos frontal e parietal. Os autores quantificaram o aumento de 2,2 e 4,5% dos lobos frontal e parietal, respectivamente, assim como diminuição de 4,5% de volume do lobo temporal. A explicação para tais alterações se baseia nos processos de neurodesenvolvimento celular, com falhas na fase de organização e atraso na perda de sinapses não funcionais, fato importante para definir as vias de relação entre as regiões cerebrais(17).

O aumento de volume de áreas pré-frontais também foi relatado por Lancefield et al em estudo com adolescentes realizado para obter informações acerca da assimetria cerebral. A conclusão foi de que a prematuridade per se interferiu nos processos de desenvolvimento do cérebro, mas não houve desvio ou anormalidade da assimetria estrutural fronto-occipital, talvez por um catch up ocorrido entre o nascimento e a adolescência e pelas influências genéticas na estruturação das assimetrias(18).

O afilamento do corpo caloso é outra alteração anatômica frequentemente observada em pacientes que tiveram nascimento prematuro. Ocorre de maneira mais importante em seu quarto posterior, adjacente à região periventricular, mais suscetível a lesões nas crianças prematuras, refletindo uma alteração do desenvolvimento e maturação da substância branca cerebral. Tal alteração pode comprometer processos cognitivos referentes à lateralização e à transferência inter-hemisférica, visto que o corpo caloso concentra as vias de comunicação entre os hemisféricos cerebrais direito e esquerdo(19).

Evidências eletrofisiológicas também fundamentam os achados sobre desenvolvimento cortical anormal em crianças prematuras. Estudo de Biagioni et al encontrou associação entre características maturacionais do cérebro e eletroencefalograma de bebês com idade gestacional inferior a 30 semanas, sem sinais de lesão cerebral(20).

Alguns estudos têm procurado relacionar as alterações no desenvolvimento cerebral ocorridas em recém-nascidos pré-termos com o sexo das crianças. Meninos são mais vulneráveis, apresentando também maior morbidade e mortalidade; há consenso de que o gênero influencia os mecanismos pelos quais o cérebro em desenvolvimento é afetado. A explicação para tal fato ainda não foi completamente elucidada(21-23). Reiss et al mostraram que meninos têm maior alteração no desenvolvimento da substância branca em comparação às meninas, mas ambos apresentam alterações de volume da substância cinzenta. Nas meninas, a associação entre essa variável neuroanatômica, os fatores de risco neonatais e o prejuízo cognitivo é maior(23).

A variação entre alguns resultados de estudos aqui expostos parece se dever à discussão precedente de que a idade gestacional tem grande relação com as alterações neuroanatômica do sistema nervoso central em desenvolvimento e, consequentemente, com os déficits que podem acompanhá-las(10,20).

A avaliação volumétrica de outras regiões do SNC tem sido feita por exames de neuroimagem. Abernerthy et al estudaram crianças nascidas prematuramente aos sete anos de idade e identificaram volume reduzido no núcleo caudado bilateralmente, não identificando a mesma redução de volume na região hipocampal(24). Por outro lado, Isaacs et al(25)e Peterson et al(13) encontraram redução volumétrica nessa área do SNC. Uma hipótese para explicar essa aparente contradição na literatura, segundo Abernerthy et al(24), é que, como o hipocampo é conhecidamente vulnerável a danos hipóxico-isquêmicos, hipoglicemia e hipotireoidismo, essas condições poderiam interferir nos resultados obtidos. A condição nutricional no período pós-parto também é fator relevante para o desenvolvimento cerebral das crianças nascidas prematuramente e essa variável, não sendo homogeneizada e controlada nos diferentes estudos, poderia contribuir para os resultados controversos(26).

Poucos estudos têm se referido ao cerebelo em casos de nascimento prematuro. Allin et al encontraram diminuição de volume do cerebelo em crianças e adolescentes nascidos prematuramente, que pode ser explicada por perda celular e/ou formação estrutural anormal devido à interrupção do desenvolvimento de tal estrutura por ocasião do nascimento precoce(27). Muller et al avaliaram a incidência de hemorragia intracerebelar em crianças nascidas com 22 a 32 semanas gestacionais por ultrassom do crânio, encontrando tal alteração em 2,3% dos prematuros. Os autores concluíram que a condição estudada não é rara e que os exames sonográficos devem avaliar com maior atenção a região cerebelar(28). Dyet et al, em estudo atual, enumeraram a incidência de algumas alterações cerebrais em crianças com idade gestacional inferior a 30 semanas e encontraram incidência de 7% para hemorragia cerebelar. Citaram, ainda, outras alterações como: hemorragia da camada germinativa, hemorragia intraventricular, dilatação ventricular, lesões pontuais da substância branca, anormalidades dos núcleos da base e tálamo, hemorragia extracerebral e hemorragia parenquimatosa(29).

Diante do exposto, são esperadas repercussões funcionais ou cognitivas decorrentes das alterações cerebrais em crianças, adolescentes e adultos nascidos prematuramente(30). Prematuros avaliados na infância tardia e na adolescência demonstraram alterações de quociente de inteligência (QI) (13), memória(25), capacidade para cálculos(31) e função cognitiva global(27), o que foi associado à diminuição dos volumes cerebrais.

Em um estudo que acompanhou crianças nascidas prematuramente submetidas à terapia com uso de surfactante até os 15 anos de idade, observou-se comprometimento do desenvolvimento motor, déficits cognitivos, assim como problemas escolares(32).

Rodrigues et al, em artigo de revisão, abordaram a capacidade de aprendizado em crianças prematuras de baixo peso ao nascer e concluíram haver consenso na literatura de que esses pacientes apresentam maior risco de dificuldades de aprendizagem em comparação aos nascidos a termo, com predominância do comprometimento de múltiplos domínios acadêmicos, sendo a matemática a área mais acometida(33). As alterações de linguagem e das habilidades viso-motoras, assim como o retardo do desenvolvimento psicomotor, também são relatados em prematuros, mesmo naqueles considerados de baixo risco, com peso ao nascer entre 2000 e 2499g(34).

Caracterizando áreas específicas de alteração funcional, Méio et al notaram déficits nas funções de planejamento, coordenação viso-motora, formação de conceitos verbais e numéricos, pensamento racional e associativo, capacidade de síntese, organização perceptiva, orientação espacial e memória remota em crianças prematuras de muito baixo peso, na idade pré-escolar(35).

Em estudo que associa informações obtidas em testes de inteligência com a análise morfométrica do cérebro de crianças prematuras aos sete anos de idade, há indicações de que a redução do volume da substância branca em certas regiões dos lobos temporal e frontal pode acarretar déficits em tarefas verbais, enquanto a diminuição de volume da substância cinzenta no giro fusiforme do lobo temporal, no lobo occipital e no hipocampo relaciona-se à deficiência em tarefas não verbais(36).

Alterações cognitivas, executivas, em habilidades viso-motoras, na linguagem, atenção e comportamento foram encontradas por Salt e Redshaw, que relacionaram o grau desse acometimento a alguns fatores como: grau de prematuridade, sexo, existência e gravidade de alguma doença no período neonatal, doença subsequente ao período neonatal, fatores sociodemográficos e psicossociais(37).

Magalhães et al, em estudo de 2003, notaram déficits perceptuais e motores em crianças em idade escolar nascidas pré-termo. Em seus testes, foram avaliados equilíbrio, coordenação viso-motora e tônus muscular. As crianças nascidas prematuramente obtiveram escores significativamente inferiores nesses quesitos, demonstrando que os déficits existentes persistem até a idade escolar (38).

Estudos indicam a existência de déficits de coordenação motora e atenção em crianças prematuras. Hemgren e Persson detectaram a existência dessas deficiências em crianças de três anos de idade, sugerindo que isso interfere nas atividades de vida diária e no desenvolvimento acadêmico dessas crianças(39).

Outra função superior que parece estar comprometida em crianças nascidas prematuramente, de acordo com a literatura, é a memória. Woodward et al encontraram alteração dessa habilidade em crianças pré-termo aos dois anos de idade e sugerem, como explicação, a deficiência na conectividade entre as regiões cerebrais por falta de organização dos axônios envolvidos nessa função cognitiva(40).

Discussão

A maioria dos estudos encontrados empregou a ressonância magnética como método de avaliação. Outros utilizaram também a ultrassonografia transcraniana e a eletroencefalografia para análise do desenvolvimento e função cerebral em crianças prematuras. Os resultados sugerem que a prematuridade interfere nos processos maturacionais do cérebro e que, portanto, pode levar a alterações anatômicas e estruturais, as quais acarretam déficits funcionais. Esses déficits funcionais podem se perpetuar até a adolescência e idade adulta.

A análise de volumes de regiões específicas cerebrais pode parecer contraditória, já que alguns indicam maiores volumes e outros menores volumes nas mesmas áreas analisadas. Na verdade, essa aparente contradição reflete que os estudos não são homogêneos e, muitas vezes, não comparáveis entre si. Diferenças relativas à idade gestacional, existência de lesões hemorrágicas ou isquêmicas, ocorrência de hipóxia ou anóxia pré, peri ou pós-natal, hiploglicemia, hipotireoidismo, hiperbilirrubinemia, infecções, doenças pulmonares, necessidade de ventilação assistida e condições nutricionais após o nascimento podem interferir na capacidade de maturação do cérebro e, consequentemente, explicar tais divergências.

A idade gestacional é fator importante para comparação entre os estudos, pois o desenvolvimento prévio do cérebro depende dela. Analisando-se a idade gestacional, é possível sugerir quais etapas do desenvolvimento cerebral já foram ou estão sendo cumpridas e fazer hipótese a respeito de possíveis explicações para os dados encontrados. Volumes cerebrais diminuídos geralmente relacionam-se a idades gestacionais menores, quando a formação e o crescimento neuronal ainda não foram completados. Volumes aumentados também ocorrem em prematuros com idade gestacional mais avançada, demonstrando alteração na fase de apoptose, retração e degeneração sináptica.

Quanto às funções comprometidas devido às alterações cerebrais causadas pela prematuridade, são citados déficits relacionados ao quociente de inteligência, memória, capacidade para cálculos, função cognitiva global, desenvolvimento psicomotor, aprendizado, linguagem, habilidades e coordenação viso-motora, planejamento, pensamento racional e associativo e atenção. Alguns testes específicos são realizados para avaliar cada função superior, sendo selecionados de acordo com a idade do grupo a ser estudado.

A partir desta revisão bibliográfica, conclui-se que a prematuridade pode levar a alterações anatômicas e estruturais do cérebro devido à interrupção das etapas de desenvolvimento pré-natal, a qual prejudica a maturação desse órgão no período pós-natal. Tais alterações podem causar déficits funcionais e as crianças nascidas prematuramente estão mais sujeitas a problemas cognitivos e motores, assim como às suas repercussões nas atividades de vida diária e nas atividades escolares, mesmo na adolescência e idade adulta.

Recebido em: 12/6/08

Aceito em: 27/9/08

Instituição: Centro de Investigação em Pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    Andrea Peterson Zomignani
    Rua Líbia, 388 - Jardim Bonfiglioli
    CEP 13207-370 - Jundiaí /SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      27 Set 2008
    • Recebido
      12 Jun 2008
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