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Alimentação complementar e características maternas de crianças menores de dois anos de idade em Florianópolis (SC)

Complementary feeding and maternal characteristics of children younger than two years old in Florianópolis, Santa Catarina, Brazil

Resumos

OBJETIVO: Verificar a associação entre o período de introdução de alimentos complementares e características socioeconômicas maternas e biológicas de crianças menores de dois anos de idade. MÉTODOS: Estudo transversal com 516 mães de crianças com menos de dois anos de idade entrevistadas no dia da Campanha Nacional de Vacinação em Unidades de Saúde de 2004 na cidade de Florianópolis (SC). Foram coletados dados sobre a época de introdução de alimentos complementares e características socioeconômicas maternas e biológicas da criança. A análise de regressão logística múltipla foi aplicada para verificar a associação da introdução de cada tipo de alimento com as características estudadas. RESULTADOS: Constatou-se que, dentre as crianças menores de dois anos de idade, apenas 28,7% haviam recebido aleitamento materno exclusivo até os seis meses e, dentre as crianças que estavam com menos de seis meses no momento da pesquisa, apenas 49,6% estavam recebendo aleitamento materno exclusivo. Observou-se, ainda, que 80% das crianças receberam fruta, 77,5% receberam suco natural associados ao aleitamento materno e 36,8% receberam leite modificado, em substituição ao aleitamento materno, antes de completarem seis meses de idade. A análise de regressão multivariada identificou que as mães com menor grau de escolaridade e que trabalhavam fora de casa apresentaram mais chance de introduzir precocemente alimentos aos seus filhos. CONCLUSÕES: Baixa escolaridade materna e atividade fora do lar se associaram à introdução precoce de alimentos.

alimentação complementar; nutrição infantil; aleitamento materno; desmame precoce


OBJECTIVE: In children younger than two years old, to verify the association between complementary food introduction, socioeconomic characteristics of mothers and biological characteristics of children. METHODS: Cross-sectional study of 516 mothers of children younger than two years old who were interviewed during 2004 national campaign for vaccination in health care clinics of Florianópolis, in the Southern region of Brazil. Data regarding introduction of complementary food, socioeconomic characteristics of the mothers and biological characteristics of the children were collected. Multiple logistic regression analysis was applied to verify whether the introduction of complementary food was associated with socioeconomic characteristics of the family. RESULTS: Among children younger than two years old, only 28.7% received exclusive breastfeeding until six months. Among children younger than six months, only 49.6% were on exclusive breastfeeding at the time of the interview. Among all studied children, 80% received fruit, 77.5% natural juice along with breastfeeding and 36.8% received modified milk in substitution to breastfeeding before six months of age. Multivariate regression analysis identified that families with low educational level and working mother had more chance to introduce complementary food earlier. CONCLUSIONS: Low educational level and working mothers were risk factors for early introduction of complementary food.

complementary feeding; infant nutrition; breastfeeding; weaning


ARTIGO ORIGINAL

Alimentação complementar e características maternas de crianças menores de dois anos de idade em Florianópolis (SC)

Complementary feeding and maternal characteristics of children younger than two years old in Florianópolis, Santa Catarina, Brazil

Elizabeth Nappi CorrêaI; Arlete Catarina T. CorsoII; Emília Addison M. MoreiraIII; Ileana Arminda M. KazapiIV

INutricionista; Mestre em Nutrição pelo Programa de Pós-graduação em Nutrição da UFSC; professora titular da Universidade Comunitária Regional de Chapecó, Chapecó, SC, Brasil

IINutricionista; Doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP); professora titular no Departamento de Nutrição e Pós-graduação em Nutrição da UFSC, Florianópolis, SC, Brasil

IIINutricionista; Doutora em Ciências dos Alimentos pela USP; professora titular no Departamento de Nutrição e Pós-graduação em Nutrição da UFSC, Florianópolis, SC, Brasil

IVNutricionista; Mestre em Ciência dos Alimentos pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia; professora adjunta do Departamento de Nutrição da UFSC, Florianópolis, SC, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Elizabeth Nappi Corrêa Rua Pastor Willian Richard Schisler Filho, 1236 - Itacorubi CEP 88024-100 - Florianópolis/SC Email: nutrinappi@bol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a associação entre o período de introdução de alimentos complementares e características socioeconômicas maternas e biológicas de crianças menores de dois anos de idade.

MÉTODOS: Estudo transversal com 516 mães de crianças com menos de dois anos de idade entrevistadas no dia da Campanha Nacional de Vacinação em Unidades de Saúde de 2004 na cidade de Florianópolis (SC). Foram coletados dados sobre a época de introdução de alimentos complementares e características socioeconômicas maternas e biológicas da criança. A análise de regressão logística múltipla foi aplicada para verificar a associação da introdução de cada tipo de alimento com as características estudadas.

RESULTADOS: Constatou-se que, dentre as crianças menores de dois anos de idade, apenas 28,7% haviam recebido aleitamento materno exclusivo até os seis meses e, dentre as crianças que estavam com menos de seis meses no momento da pesquisa, apenas 49,6% estavam recebendo aleitamento materno exclusivo. Observou-se, ainda, que 80% das crianças receberam fruta, 77,5% receberam suco natural associados ao aleitamento materno e 36,8% receberam leite modificado, em substituição ao aleitamento materno, antes de completarem seis meses de idade. A análise de regressão multivariada identificou que as mães com menor grau de escolaridade e que trabalhavam fora de casa apresentaram mais chance de introduzir precocemente alimentos aos seus filhos.

CONCLUSÕES: Baixa escolaridade materna e atividade fora do lar se associaram à introdução precoce de alimentos.

Palavras-chave: alimentação complementar; nutrição infantil; aleitamento materno; desmame precoce.

ABSTRACT

OBJECTIVE: In children younger than two years old, to verify the association between complementary food introduction, socioeconomic characteristics of mothers and biological characteristics of children.

METHODS: Cross-sectional study of 516 mothers of children younger than two years old who were interviewed during 2004 national campaign for vaccination in health care clinics of Florianópolis, in the Southern region of Brazil. Data regarding introduction of complementary food, socioeconomic characteristics of the mothers and biological characteristics of the children were collected. Multiple logistic regression analysis was applied to verify whether the introduction of complementary food was associated with socioeconomic characteristics of the family.

RESULTS: Among children younger than two years old, only 28.7% received exclusive breastfeeding until six months. Among children younger than six months, only 49.6% were on exclusive breastfeeding at the time of the interview. Among all studied children, 80% received fruit, 77.5% natural juice along with breastfeeding and 36.8% received modified milk in substitution to breastfeeding before six months of age. Multivariate regression analysis identified that families with low educational level and working mother had more chance to introduce complementary food earlier.

CONCLUSIONS: Low educational level and working mothers were risk factors for early introduction of complementary food.

Key-words: complementary feeding; infant nutrition; breastfeeding; weaning.

Introdução

O leite materno é inquestionavelmente o melhor alimento nos primeiros meses de vida e seus principais benefícios incluem: proteção das vias respiratórias e do trato gastrintestinal contra doenças infecciosas, ganho de peso adequado, é livre de contaminação, promove proteção imunológica, é adaptado ao metabolismo da criança, além de estimular o vínculo afetivo entre mãe e filho(1). A prática de aleitamento materno poderia prevenir 13% das mortes de crianças menores de cinco anos(2). A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno até dois anos ou mais(3).

Após os seis meses de idade, há necessidade da introdução de alimentos de forma gradativa para atender às necessidades nutricionais da criança. A introdução alimentar e o aleitamento materno são influenciados por diversos fatores inter-relacionados, dentre os quais a mãe merece destaque, pois é a principal referência nos cuidados à criança, além da influência de fatores associados ao contexto familiar, econômico e sociocultural(4). Os cuidados maternos são fundamentais para a saúde da criança e podem sofrer influência da qualidade das informações em saúde, da escolaridade e idade da mãe, além do tempo de que a mãe dispõe para cuidar de seu filho(5).

A introdução precoce de alimentos pode influenciar a duração do aleitamento materno, interferir na absorção de nutrientes do leite materno, aumentar o risco de contaminação e de reações alérgicas, da mesma forma que a introdução tardia pode levar à desaceleração do crescimento da criança, aumentando o risco de desnutrição e de deficiências de micronutrientes(6).

A prática correta do aleitamento materno exclusivo até os seis meses é tão importante quanto a introdução adequada de alimentos a partir dessa idade. A OMS enfatiza a alimentação complementar oportuna aos seis meses, introduzindo alimentos variados em quantidade, frequência e consistência de pastosa e sólida de forma lenta e gradual(6). O Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos, elaborado pelo Ministério da Saúde(6), reforça a importância da alimentação complementar na segurança alimentar e, consequentemente, no desenvolvimento do país.

Alimentação complementar é definida como a oferta de outros alimentos ou líquidos à criança, em adição ao leite materno(1), ou qualquer alimento oferecido durante o período de alimentação complementar e que não seja o leite materno(7). Os alimentos complementares podem ser preparados especialmente para as crianças ou consumidos pelos demais membros da família, modificados para atender às habilidades e necessidades da criança(3). De acordo com Monte e Giuliani(8), a adequação nutricional dos alimentos complementares é fundamental na prevenção da morbimortalidade na infância, incluindo desnutrição e sobrepeso. Nos últimos anos, têm ocorrido avanços importantes na promoção da amamentação, mas, infelizmente, a promoção da alimentação complementar adequada tem tido menos progresso(9).

O presente estudo visa a identificar a prevalência de aleitamento materno exclusivo e a época de introdução dos alimentos que compõem a alimentação complementar de crianças menores de dois anos de idade residentes na cidade de Florianópolis (SC) e verificar a associação entre a época de introdução dos grupos de alimentos e as características socioeconômicas maternas.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, realizado no dia 21 de agosto de 2004, dia da Campanha Nacional de Vacinação na cidade de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina. Para o cálculo do tamanho da amostra, foram consideradas como população de referência 6.187 crianças (número de crianças menores de dois anos de idade vacinadas na campanha de vacinação do ano anterior, 2003), prevalência do fenômeno de 50%, erro amostral previsto de 5% e intervalo de confiança (IC) de 95%. Foi utilizado efeito de desenho de 1,5 e acréscimo de 10% para compensação de eventuais perdas e recusas, totalizando 564 crianças.

A amostra probabilística foi realizada em duas etapas, sendo a primeira a seleção aleatória simples dos postos de vacinação a partir das listas fornecidas pela coordenação central. Na segunda etapa, na seleção das crianças menores de dois anos de idade nos postos sorteados, foi utilizado o cálculo de amostragem sistemática. A supervisão dos trabalhos de campo foi planejada e executada por pessoas treinadas, com adequação entre o número de supervisores e entrevistadores com o de mães entrevistadas. Foram coletadas informações registradas em questionários padronizados relativas ao aleitamento materno exclusivo até os seis meses, introdução de alimentos complementares para as crianças menores de dois anos de idade e questões socioeconômicas referentes à família da criança. As mães foram informadas sobre conteúdo, objetivos e finalidade da pesquisa e, após a apresentação e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, foi realizada a entrevista, com garantia de sigilo das informações.

Os critérios utilizados para definir o tipo de aleitamento materno foram os estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde(3): na categoria 'aleitamento materno exclusivo' a criança recebe apenas leite e nenhum outro líquido ou alimento sólido; na categoria 'aleitamento materno', a criança é alimentada com o leite materno, independentemente de receber outros tipos de alimento, inclusive o leite não humano; na categoria 'alimentação complementar', a criança recebe tanto leite humano quanto alimentos sólidos ou semissólidos.

Foi realizada a estatística descritiva de todas as variáveis. Posteriormente, aplicou-se o teste de associação (qui-quadrado) entre as variáveis dependentes (introdução de alimentos) e independentes. Todas as variáveis que apresentaram um valor de p<0,20 no teste do qui-quadrado foram selecionadas para a análise de regressão logística múltipla não condicional, utilizando-se o software STATA. Foram estimadas as razões de chance (odds ratio - OR) com respectivos intervalos de confiança de 95%, bruto e ajustado(10).

Resultados

Um total de 516 crianças participou do estudo, pois os dados de 48 crianças não foram utilizados por falta de consistência. Das crianças avaliadas, 51,4% eram do sexo masculino e 48,6% do feminino, 23,8% tinham menos de seis meses e 76,2% entre seis meses e dois anos de idade.

Com relação às características das mães, 448 (86,8%) apresentaram idade igual ou superior a 19 anos, 337 (65,3%) estudaram por menos de oito anos, 450 (87,2%) residiam com companheiro, 352 (68,2%) residiam em domicílio com quatro ou mais pessoas, 253 (49%) apresentaram renda per capita inferior a um salário mínimo e 296 (57,4%) não exerciam atividade fora do lar.

Com relação ao aleitamento materno exclusivo, das 123 crianças com menos de seis meses, 61 (49,6%) recebiam aleitamento materno exclusivo e 62 (50,4%) não estavam mais recebendo leite materno de forma exclusiva. Das 393 crianças na idade entre seis meses a dois anos, 113 (28,7%) haviam recebido aleitamento materno exclusivo até os seis meses, comparadas a 280 (71,3%) que não haviam recebido.

Na Tabela 1, observa-se o tipo de alimento, o número de crianças e a idade média de introdução dos alimentos em meses. O leite modificado, outra fruta e o suco natural foram introduzidos antes dos seis meses. Observa-se que, das 516 crianças pesquisadas, 413 (80%) receberam fruta e 400 (77,5%) receberam suco natural antes de completarem seis meses de forma associada ao aleitamento materno e 190 (36,8%) crianças receberam leite modificado em substituição ao aleitamento materno. Entre os 6,2 e 6,8 meses, as crianças receberam massa, legumes e verduras, leite integral, tubérculos, fruta cítrica, açúcar, cereal refinado e arroz, indicando que, nesta idade, houve a introdução de sopas na alimentação. Pode-se observar que 36,8% ingeriam leite modificado aos 3,2 meses e 62%, leite integral aos 6,2 meses. Entre as idades médias de 7,2 e 7,8 meses, além receberem leite desnatado, bolacha simples e iogurte, as crianças passaram a ser alimentadas com gordura, carnes (frango, bovina e/ou suína), leguminosas e cereais integrais, indicando que passaram a ingerir a alimentação da família. A partir dos oito meses, as crianças passaram a receber alimentos como peixe, pão, bolo e ovos, farinha de mandioca e bolacha recheada, doces em geral, sucos industrializados, queijo, achocolatados e refrigerantes. Praticamente antes de completarem o primeiro ano de idade (média de 11,5 meses), as crianças já haviam recebido todos os alimentos que compõem a alimentação da família, oferecidos de forma gradativa.

Observa-se, na Tabela 2, que as mães que residiam em domicílios com mais de quatro pessoas apresentaram 2,0 (IC95% 1,1-3,7) vezes mais chance de oferecerem alimentos do grupo gorduras para as crianças em relação àquelas que residiam em domicílios com menos de quatro pessoas. Os principais alimentos oferecidos para as 516 crianças foram: o leite integral para 320 aos 6,2 meses e as gorduras para 289 aos 7,7 meses. As mães com menos de oito anos de estudo e as mães que trabalhavam fora de casa apresentaram 2,2 (IC95% 1,3-3,7) e 2,0 (IC95% 1,3-3,1) vezes mais chance, respectivamente, de oferecerem alimentos do grupo doces para as crianças. Os doces foram oferecidos na forma de açúcar aos 6,6 meses e bolachas simples e pudim/gelatina antes de as crianças completarem oito meses de idade.

Observa-se na Tabela 2 que mães com menos de oito anos de estudo e mães que trabalhavam fora do lar apresentaram 1,5 (IC95% 1,0-2,2) e 2,4 (IC95% 1,7-3,5) vezes mais chance, respectivamente, de oferecerem alimentos do grupo lácteo, inclusive (conforme demonstrado na Tabela 1) para crianças menores de seis meses. Também, mães com menos de oito anos de estudo apresentaram 1,6 (IC95% 1,1-2,4) vezes mais chance de oferecerem alimentos do grupo amido e 2,6 (IC95% 1,4-4,7) mais chance de oferecerem alimentos do grupo de panificação às crianças, notando-se que as massas foram introduzidas aos 6,8 meses. Mães que trabalhavam apresentaram 1,9 (IC95% 1,3-2,7) vezes mais chance de introduzirem alimentos do grupo amido e 2,0 (IC95% 1,3-2,9) vezes mais chance de introduzirem alimentos do grupo vegetais/frutas, inclusive antes dos seis meses de idade (Tabela 1). As mães com menos de oito anos de estudo também apresentaram mais chance de oferecerem alimentos do grupo panificação, doces, amido e lácteo. Já as mães que trabalhavam foram apresentaram mais chance de oferecerem lácteos, vegetais/frutas, doces e alimentos do grupo amido, evidenciando que as mães com menor grau de escolaridade parecem ser menos esclarecidas acerca da importância de alimentos como frutas e vegetais.

Discussão

As informações coletadas no presente estudo indicam que, dentre as crianças menores de dois anos de idade, apenas 28,7% haviam recebido aleitamento materno exclusivo até os seis meses e, dentre as crianças com menos de seis meses no momento da pesquisa, apenas 49,6% estavam em aleitamento materno exclusivo. O último inquérito nacional realizado em outubro de 1999 nas capitais brasileiras indicou para o país uma prevalência de aleitamento materno exclusivo de 7,7% e, para a região sul, de 10,2%(11). Destaca-se que a região sul teve a prevalência de aleitamento materno exclusivo mais elevada dentre as regiões brasileiras pesquisadas para as três faixas de idade(11), sendo maior em Florianópolis 14,9% do que em Porto Alegre (6,5%) e Curitiba (8,4%)(11), aos seis meses. Apesar disso, os valores ainda não atingem as metas propostas pela OMS(3).

O aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida se associa a um menor risco de doença atópica e síndrome da morte súbita, além de acelerar o desenvolvimento neurocognitivo e proteger contra doenças crônicas tais como diabetes melito tipo 1, obesidade, linfoma e doença de Crohn(12). Após os seis meses, indica-se a introdução gradativa de alimentos complementares sob a forma de purês de legumes, frutas, cereais, verduras e raízes, além dos grupos carnes, gorduras e ovos(6), capazes de atender às necessidades nutricionais da criança. De acordo com Brunken(13), os alimentos devem ser oferecidos inicialmente em consistência pastosa, especialmente preparados para a criança, chamados alimentos de transição. Indica-se o aumento progressivo de sua consistência até chegar aos padrões da alimentação da família, o que deve ocorrer a partir dos oito meses de idade. Nesta pesquisa, alimentos como leguminosas, arroz, carne, frango e massas foram oferecidos antes dos oito meses de idade, evidenciando que algumas crianças passaram a consumir a alimentação da família antes da idade recomendada.

No estudo multicêntrico da OMS(14), realizado em seis países com crianças até dois anos, a idade média de introdução da alimentação complementar foi de 5,4 meses. Na presente pesquisa, a transição alimentar não ocorreu de maneira adequada, verificando-se elevada frequência de introdução de alimentos de forma precoce: 80% das crianças receberam fruta e 77,5%, suco natural antes dos seis meses, não estando de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde(6). Esse padrão alimentar inadequado pode gerar consequências para a saúde, como anemia ferropriva, pois a introdução precoce de líquidos ou sólidos acaba por diminuir a duração e a frequência do aleitamento materno, além de interferir na absorção do ferro(3,15). Santos et al(16) observaram, na cidade de Recife, que, ao iniciar a transição alimentar, a maioria das mães utiliza o suco, o que pode ser um reflexo das orientações anteriores de condutas alimentares do Ministério da Saúde(6).

Muitos estudos no Brasil mostram a introdução precoce de alimentos complementares(13,16-18), sendo elevado o número de crianças que já consomem uma variedade de alimentos aos seis meses, idade em que deveria estar sendo iniciada a alimentação complementar. Apenas 20,8% das crianças neste estudo de Florianópolis apresentaram um padrão alimentar adequado às orientações do Ministério da Saúde(6). Alguns alimentos oferecidos são considerados especialmente alérgenos, como ovos, oleoginosas, frutas cítricas, peixe e leite de vaca, sendo este último responsável por 20% das alergias alimentares e, por isso, não deve ser introduzido antes dos nove ou 12 meses(19,20).

Brunken et al(13), na cidade de Cuiabá (MT), e Parada et al(21), em Botucatu (SP), observaram elevado consumo de água e chá, seguido pelo leite de vaca nos menores de quatro meses. Oliveira et al(18), na cidade de Salvador, encontraram elevada prevalência de desmame precoce, sendo o aleitamento materno exclusivo substituído por fórmulas à base de leite em pó, espessantes e açúcar.

A introdução alimentar é influenciada por fatores relacionados ao contexto socioeconômico, cultural e familiar(4). Os resultados dessa pesquisa mostraram que as mães que residem em domicílios com mais de quatro pessoas, aquelas com escolaridade inferior a oito anos de estudo e as que exerciam atividade fora do lar apresentam mais chances de oferecer alimentos do grupo gorduras, doces, lácteo, amido, panificação, vegetais e frutas, sendo que leite e frutas foram oferecidos antes dos seis meses, interrompendo o aleitamento materno exclusivo, e os outros alimentos antes dos sete meses.

A produção das refeições e o cuidado com a saúde da criança ainda são uma atribuição feminina, em muitos casos passados de geração em geração, entrelaçando a dimensão econômica com a afetiva e com a ritual, já que a família é responsável pela transmissão da cultura alimentar(22,23). Em pesquisas realizadas nas capitais brasileiras e no Distrito Federal(11), observou-se que o fato de a mãe não trabalhar fora favorecia o aleitamento materno exclusivo. Contrariamente a estes achados, Simon(24), em pesquisa realizada na cidade de São Paulo, não encontrou associação estatisticamente significativa entre o consumo de farináceos (correspondendo ao grupo amido neste estudo), o de frutas e verduras (grupo vegetais) e o de açúcar (integrante do grupo doces) com as condições de trabalho da mãe.

Comparando o aleitamento materno exclusivo e seus determinantes em três países Latino-Americanos, Pérez-Escamilla et al(25) observaram que a interrupção do aleitamento materno exclusivo estava associada ao trabalho materno no Brasil. Em Honduras e no México, o aleitamento materno exclusivo estava associado à pior situação socioeconômica. Mascarenhas et al(26) notaram, em Pelotas (RS), um risco maior de interrupção do aleitamento materno exclusivo em crianças menores de três meses quando a mãe trabalhava fora. Em uma pesquisa realizada em nove municípios do estado do Rio de Janeiro, Oliveira e Camacho(27) encontraram o dobro do risco de interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo em mães de crianças menores de seis meses que trabalham fora de casa.

Com relação à escolaridade da mãe, Kummer et al(28) relataram que as mulheres com grau de escolaridade mais elevado tendem a valorizar mais o aleitamento materno exclusivo. Deste modo, ao priorizarem o aleitamento materno exclusivo, a introdução de alimentos complementares seguiria as normas preconizadas pela OMS. Este aspecto pode ser observado no trabalho realizado por Rea et al(29) com mulheres trabalhadoras de empresas da Zona Sul de São Paulo, em 1993 e 1994, no qual as mulheres com maior escolaridade apresentaram tendência a amamentarem de forma exclusiva três vezes maior do que as com menor escolaridade. Outro estudo realizado na cidade de São Paulo apontou que, quanto mais elevada a escolaridade materna, mais tardia a introdução do açúcar e do achocolatado(24), resultados semelhantes aos encontrados neste estudo.

Outro fator que merece destaque está relacionado ao modo de seleção e escolha dos alimentos utilizados na alimentação nas diversas classes sociais. Tais escolhas são definidas por especificidades econômicas, culturais e sociais, incluindo razões psicológicas para aceitação e rejeição dos alimentos(23). Soares(30), na periferia de Fortaleza (CE), verificou que o custo dos alimentos não é o principal determinante das escolhas alimentares, mas sim o que as mães acreditam ser melhor para seus filhos. Ramos e Stein(23) acrescentam que, na realidade brasileira, existem poucos estudos sobre os fatores que interferem no desenvolvimento do comportamento alimentar infantil, sendo importante o desenvolvimento de novas investigações para conhecer como se dá a formação dos hábitos alimentares, bem como de que maneira as influências externas, como a mídia e os profissionais da saúde, podem interferir positivamente ou não neste processo.

As conclusões deste estudo apontam que a baixa escolaridade materna e a atividade fora do lar são fatores associados à introdução precoce de alimentos. Esses resultados podem colaborar com a compreensão da relação entre a introdução de alimentos complementares e as características maternas, bem como auxiliar na elaboração de instrumentos de educação nutricional específicos sobre a introdução de alimentos complementares direcionados às mães de baixa escolaridade e que exercem alguma atividade fora do lar. É necessária a realização de mais estudos relacionados à introdução de alimentos complementares, mais especificamente direcionados aos fatores que influenciam as escolhas alimentares maternas.

Agradecimentos

Aos alunos dos cursos de graduação em Nutrição, Enfermagem e Serviço Social da UFSC, participantes da coleta de dados; aos funcionários das Unidades Locais de Saúde da cidade de Florianópolis (SC) e às mães das crianças participantes da pesquisa.

Recebido em: 6/10/08

Aprovado em: 2/2/09

Fonte financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Programa de Pós-Graduação em Nutrição da UFSC

Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    Elizabeth Nappi Corrêa
    Rua Pastor Willian Richard Schisler Filho, 1236 - Itacorubi
    CEP 88024-100 - Florianópolis/SC
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      02 Fev 2009
    • Recebido
      06 Out 2008
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