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Estado nutricional de crianças e adolescentes hospitalizados em enfermaria de cirurgia pediátrica

Nutritional status of children and adolescents hospitalized at the pediatric surgery unit

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o estado nutricional, o tempo de internação e as especialidades clínicas de pacientes internados na enfermaria de Cirurgia Pediátrica do Hospital São Paulo da Unifesp-EPM. MÉTODOS: Estudo transversal retrospectivo, com 749 crianças e adolescentes de ambos os gêneros acompanhados por equipe interdisciplinar durante o período de agosto de 2007 a julho de 2008. Foram coletados dados antropométricos, dias de internação e procedimento cirúrgico segundo a especialidade. Para a classificação do estado nutricional, utilizou-se o escore Z do índice de massa corporal (Z IMC) e da estatura/idade (Z E/I) segundo a curva da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2007). As crianças foram classificadas segundo diagnóstico estabelecido previamente à cirurgia. Utilizou-se o programa STATA 8.0 para análise dos dados e aplicou-se o teste ANOVA e comparações múltiplas de Bonferroni, considerando-se significante p<0,05. RESULTADOS: A mediana de idade foi sete anos (0 a 18), predominando o gênero masculino (59%) e as internações para cirurgia otorrinolaringológica (18%). Dos pacientes internados, 66% tinham estatura adequada para idade, 43% eutróficos e 31% obesos/sobrepeso. Os pacientes desnutridos permaneceram mais dias internados quando comparados aos obesos/sobrepeso (7,2 versus 4,1 dias; p=0,035). Os lactentes apresentaram maior tempo de internação (p=0,006) e menor valor de Z IMC, comparados aos outros grupos etários (p=0,001). Os lactentes com programação de cirurgia cardíaca apresentaram Z IMC menor em relação às demais especialidades (p=0,002). CONCLUSÕES: O perfil dos pacientes internados condiz com a atual transição nutricional, aumento da prevalência de obesidade concomitante à desnutrição. Entretanto, a desnutrição ainda constitui fator agravante para a permanência hospitalar

criança; adolescente; estado nutricional; hospitalização


OBJECTIVE: To evaluate the nutritional status, duration of hospital stay and clinical specialties of patients hospitalized in the Pediatric Surgery Unit of São Paulo Hospital, Unifesp-EPM. METHODS: This cross-sectional retrospective study enrolled 749 children and adolescents of both genders admitted to the Pediatric Surgery Unit during the period of August 2007 to July 2008. The following data were collected: anthropometric variables, duration of hospital stay and surgical procedures. For nutritional status classification, the Z score for body mass index (Z BMI) and height-for-age (Z H/A) were used according to the World Health Organization growth chart (WHO, 2007). The children were classified according to the surgical procedures performed. Results were compared by ANOVA followed by Bonferroni multiple comparisons test, being significant p<0.05. Statistical analysis was carried out through STATA 8.0 software. RESULTS: Patients' mean age was seven years old (0 to 18), 59% were males and 18% had ear, neck or throat surgery. Among the hospitalized patients, 66% had appropriated height for age, 43% were eutrophic and 31% obese/overweight. The malnourished patients presented longer hospital stay than the obese/overweight patients (7.2 versus 4.1 days; p=0,035). Infants had prolonged hospital stay (p=0,006) and less Z BMI values in comparison to the other age groups. (p=0,001). Infants that needed cardiac surgery presented lower Z BMI in relation to the others (p=0,002). CONCLUSIONS: The patients profile in the Pediatric Surgery Unit followed the nutritional pattern observed in Brazil, with increasing prevalence of obesity together with malnutrition. However, malnutrition is still an aggravating factor for prolonged hospital stay

child; adolescent; nutritional status; hospitalization


ARTIGO ORIGINAL

Estado nutricional de crianças e adolescentes hospitalizados em enfermaria de cirurgia pediátrica

Nutritional status of children and adolescents hospitalized at the pediatric surgery unit

Ana Paula B. SimõesI; Cecília Zanin PalchettiII; Rose Vega PatinIII; Juliana Ferreira MauriIV; Fernanda Luísa C. OliveiraV

INutricionista; especializanda do curso de Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil da Disciplina de Nutrologia do Departamento de Pediatria da Unifesp-EPM, São Paulo, SP, Brasil

IINutricionista; mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Nutrição da Unifesp-EPM, São Paulo, SP, Brasil

IIINutricionista; Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Nutrição da Unifesp-EPM, São Paulo, SP, Brasil

IVNutricionista; Mestre em Ciências; doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação

em Ciências da Nutrição da Unifesp-EPM, São Paulo, SP, Brasil

VPediatra Nutróloga; Doutora em Pediatria e chefe do Setor de Suporte Nutricional da Disciplina de Nutrologia do Departamento de Pediatria da Unifesp-EPM, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fernanda Luísa C. Oliveira Rua Loefgreen, 1.647 - Vila Clementino CEP 04040-032 - São Paulo/SP E-mail: fernandalco.dped@epm.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o estado nutricional, o tempo de internação e as especialidades clínicas de pacientes internados na enfermaria de Cirurgia Pediátrica do Hospital São Paulo da Unifesp-EPM.

MÉTODOS: Estudo transversal retrospectivo, com 749 crianças e adolescentes de ambos os gêneros acompanhados por equipe interdisciplinar durante o período de agosto de 2007 a julho de 2008. Foram coletados dados antropométricos, dias de internação e procedimento cirúrgico segundo a especialidade. Para a classificação do estado nutricional, utilizou-se o escore Z do índice de massa corporal (Z IMC) e da estatura/idade (Z E/I) segundo a curva da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2007). As crianças foram classificadas segundo diagnóstico estabelecido previamente à cirurgia. Utilizou-se o programa STATA 8.0 para análise dos dados e aplicou-se o teste ANOVA e comparações múltiplas de Bonferroni, considerando-se significante p<0,05.

RESULTADOS: A mediana de idade foi sete anos (0 a 18), predominando o gênero masculino (59%) e as internações para cirurgia otorrinolaringológica (18%). Dos pacientes internados, 66% tinham estatura adequada para idade, 43% eutróficos e 31% obesos/sobrepeso. Os pacientes desnutridos permaneceram mais dias internados quando comparados aos obesos/sobrepeso (7,2 versus 4,1 dias; p=0,035). Os lactentes apresentaram maior tempo de internação (p=0,006) e menor valor de Z IMC, comparados aos outros grupos etários (p=0,001). Os lactentes com programação de cirurgia cardíaca apresentaram Z IMC menor em relação às demais especialidades (p=0,002).

CONCLUSÕES: O perfil dos pacientes internados condiz com a atual transição nutricional, aumento da prevalência de obesidade concomitante à desnutrição. Entretanto, a desnutrição ainda constitui fator agravante para a permanência hospitalar.

Palavras-chave: criança; adolescente; estado nutricional; hospitalização.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the nutritional status, duration of hospital stay and clinical specialties of patients hospitalized in the Pediatric Surgery Unit of São Paulo Hospital, Unifesp-EPM.

METHODS: This cross-sectional retrospective study enrolled 749 children and adolescents of both genders admitted to the Pediatric Surgery Unit during the period of August 2007 to July 2008. The following data were collected: anthropometric variables, duration of hospital stay and surgical procedures. For nutritional status classification, the Z score for body mass index (Z BMI) and height-for-age (Z H/A) were used according to the World Health Organization growth chart (WHO, 2007). The children were classified according to the surgical procedures performed. Results were compared by ANOVA followed by Bonferroni multiple comparisons test, being significant p<0.05. Statistical analysis was carried out through STATA 8.0 software.

RESULTS: Patients' mean age was seven years old (0 to 18), 59% were males and 18% had ear, neck or throat surgery. Among the hospitalized patients, 66% had appropriated height for age, 43% were eutrophic and 31% obese/overweight. The malnourished patients presented longer hospital stay than the obese/overweight patients (7.2 versus 4.1 days; p=0,035). Infants had prolonged hospital stay (p=0,006) and less Z BMI values in comparison to the other age groups. (p=0,001). Infants that needed cardiac surgery presented lower Z BMI in relation to the others (p=0,002).

CONCLUSIONS: The patients profile in the Pediatric Surgery Unit followed the nutritional pattern observed in Brazil, with increasing prevalence of obesity together with malnutrition. However, malnutrition is still an aggravating factor for prolonged hospital stay.

Key-words: child; adolescent; nutritional status; hospitalization.

Introdução

Com as mudanças no cenário epidemiológico e na assistência à saúde da criança e do adolescente, os profissionais de saúde deparam-se com um aumento de pacientes portadores de enfermidades crônicas que necessitam de seguimento especializado e em longo prazo(1). Existem dois distúrbios nutricionais decorrentes do atendimento inadequado das necessidades energéticas do organismo que acometem frequentemente a população infantil: a desnutrição e a obesidade, determinando graves consequências para a saúde desses indivíduos(2).

A desnutrição condiciona crescimento e desenvolvimento deficientes, maior vulnerabilidade a doenças infecciosas, comprometimento de funções reprodutivas e redução da capacidade para realização de atividades. A prevalência da desnutrição no Brasil em crianças hospitalizadas vem sendo estudada de forma isolada nos grandes hospitais, principalmente universitários, abrangendo populações com doenças variadas(3). A obesidade, por sua vez, associa-se a várias doenças, constituindo fator de risco para hipertensão arterial, hipercolesterolemia, diabetes melito, doenças cardiovasculares, algumas formas de câncer e problemas respiratórios(4).

A avaliação nutricional nos hospitais é útil para definir o estado nutricional, identificar os pacientes de risco para complicações decorrentes do estado nutricional e monitorar a terapia nutricional. A antropometria, que averigua o peso, a estatura, as circunferências, as pregas cutâneas, os índices nutricionais e os parâmetros bioquímicos, como marcadores de proteínas viscerais (albumina e transferrina) e de competência imunológica (linfocitometria), são instrumentos utilizados para avaliar o estado nutricional(5).

Quando há indicação cirúrgica, a evolução do paciente pode ser comprometida pelo alto grau de estresse da intervenção cirúrgica. A situação pode piorar quando há agravo nutricional, ocasionado tanto pela doença que levou à cirurgia como por outros fatores, tais como hábitos alimentares e condições socioeconômicas inadequadas(6). Nos procedimentos cirúrgicos, a desnutrição e a obesidade têm papel de destaque devido à sua influência na prevalência de infecções e complicações metabólicas pós-operatórias(6).

A identificação de fatores de risco nutricional nos pacientes no momento da admissão hospitalar seleciona aqueles que necessitam de intervenção nutricional precoce, na tentativa de reduzir o risco de complicações intra-hospitalares. O estudo da prevalência dos desvios nutricionais no paciente hospitalizado, com suas características e circunstâncias, contribui para o seu entendimento e possibilita adequada abordagem nutricional. Desta forma, auxilia no tratamento da doença, na contenção de custos com o tratamento de possíveis agravos decorrentes, melhorando assim a qualidade da abordagem clínica como um todo(7).

Este estudo tem como objetivo avaliar o estado nutricional de crianças e adolescentes internados em Enfermaria de Cirurgia Pediátrica, relacionando-o com o tempo de internação, grupo etário e procedimento cirúrgico segundo a especialidade.

Método

Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp-EPM, foi realizado um estudo transversal, com coleta retrospectiva de dados, que incluiu 749 crianças e adolescentes de ambos os gêneros acompanhados por equipe interdisciplinar na Enfermaria de Cirurgia Pediátrica do Hospital São Paulo no período de agosto de 2007 a julho de 2008. Foram coletados dados antropométricos, dias de internação e procedimento cirúrgico de acordo com a especialidade clínico-cirúrgica. Os critérios de exclusão foram: pacientes que não completaram 24 horas de internação e os que tinham dados incompletos.

Os dados antropométricos relativos ao peso e à estatura foram coletados nas primeiras 48 horas de internação. Utilizou-se balança infantil digital com capacidade de 15kg e divisão de 5g e balança de plataforma do tipo digital com capacidade máxima de 200kg e calibrada com precisão de 100g. A estatura foi aferida a partir de estadiômetro fixo com precisão de 0,1cm para as crianças maiores de 24 meses. Para os menores de 24 meses, utilizou-se antropômetro com medida máxima de 105cm. A estimativa da estatura em pacientes com limitações físicas foi realizada por meio de medida segmentar de membro inferior, segundo critério de Stevenson: aferiu-se o comprimento tibial com fita inextensível, usando como referência a borda súpero-medial desde a tíbia até a borda do maléolo medial inferior(8).

O estado nutricional foi classificado segundo o escore Z de índice de massa corporal (Z IMC) e o escore Z de estatura/idade (Z E/I), seguindo o padrão de referência e a preconização da Organização Mundial da Saúde (OMS)(9).

As crianças foram classificadas com base no diagnóstico prévio à cirurgia e segundo suas especialidades clínico-cirúrgicas em: cardiológica, torácica, ortopédica, urológica, cirurgia geral, otorrinolaringológica, transplante hepático e outras hepáticas, neurocirúrgica, oftalmológica, cirurgia plástica e gastrocirúrgica.

Os dados quantitativos foram transcritos e analisados em bancos de dados com dupla digitação e posterior validação com o programa Epi-Info versão 6.04 e STATA 8.0. Para as variáveis categóricas, utilizou-se o teste de qui-quadrado. Aplicou-se o teste t para comparar os índices antropométricos e os dias de internação entre os gêneros. Para avaliar a associação entre os grupos etários e as especialidades cirúrgicas, utilizou-se a análise de variância (ANOVA), seguida do teste de comparações múltiplas de Bonferroni. As variáveis sem distribuição normal foram transformadas em log para realização das análises estatísticas. Considerou-se significante p<0,05.

Resultados

Na população estudada, predominaram o sexo masculino (59%), crianças (50%) e internações para cirurgia otorrinolaringológica (18%). A mediana, valor mínimo e máximo de idade, peso e estatura dos pacientes analisados foram, respectivamente: sete anos (zero a 17), 22,1kg (1,6 a 94kg) e 118cm (40 a 187). Em relação ao grupo etário, 19,1% eram lactentes, 30,3% escolares, 19,6% pré-escolares e 31% adolescentes.

De acordo com a faixa etária, a classificação do estado nutricional, segundo o escore Z de IMC e o escore Z de E/I foi descrita na Tabela 1. Na Tabela 2, ao avaliar os valores da média e do desvio padrão dos escores Z IMC e Z E/I, segundo os grupos etários, observou-se que a faixa etária dos lactentes apresentou menor valor de Z IMC em relação aos demais grupos (p=0,001), porém não houve diferença estatística significativa entre os valores de Z E/I.

Considerando-se o tempo de internação, o escore Z IMC e os grupos etários, os lactentes permaneceram mais dias internados (p=0,006), em comparação aos demais. Os lactentes com programação de cirurgia cardíaca apresentaram menor valor de Z IMC (55% apresentaram Z IMC<1) em relação às demais especialidades clínico-cirúrgicas (p=0,002), com risco para desnutrição.

Ao relacionar o estado nutricional com o tempo de internação, constatou-se que os pacientes desnutridos permaneceram mais dias internados em relação aos obesos ou com sobrepeso (7,2 versus 4,1 dias; p=0,035) (Tabela 3). Ainda quanto ao tempo de internação, os procedimentos cirúrgicos segundo a especialidade diferiram entre si (p<0,001). Os pacientes submetidos a transplante hepático e portadores de outras doenças hepáticas apresentaram maior tempo de internação (média de 17,1 dias), comparados àqueles submetidos à cirurgia cardíaca, cirurgia geral, otorrinolaringológica, oftalmológica e plástica, com diferença significativa (Tabela 4).

Discussão

A história do processo saúde-doença revela que as crianças desenvolvem determinados agravos nutricionais que poderiam ser evitados. Esses agravos evoluem e podem originar fatores de risco à saúde, com probabilidade de desequilíbrios que afetam o estado geral da criança, levando à hospitalização(10). Outros estudos também observaram que a taxa de hospitalização é maior para o gênero masculino em todas as faixas etárias(11,12). Entre as possíveis explicações para um maior predomínio de internações em meninos, estaria a maior exposição a agentes infecciosos e a traumas, pois há maior liberdade de ações e brincadeiras em comparação ao gênero feminino por razões socioculturais em nosso meio(13).

Os pacientes deste estudo formam um grupo heterogêneo, com idades variadas, e foram divididos em grupos etários para melhor classificação, sendo as crianças a maioria dos pacientes hospitalizados (50%), seguidas dos adolescentes (31%) e dos lactentes (19%). Outro estudo mostrou que as internações são mais frequentes entre as crianças (19%) do que entre os adolescentes (9%)(14). Dados semelhantes foram encontrados na população da região de Ribeirão Preto, sendo que as crianças e os adolescentes foram responsáveis por 19 e 10% das internações, respectivamente(15).

Dentre as 11 especialidades cirúrgicas, a otorrinolaringologia apresentou o maior número de pacientes internados para programação cirúrgica (18%). Tal prevalência pode ser decorrente das inúmeras internações por hiperplasia adenoamigdaliana, a qual constitui a causa mais comum de apneia obstrutiva do sono na faixa etária pediátrica. A adenoamigdalectomia é o procedimento cirúrgico mais realizado por essa especialidade(16). A cirurgia pediátrica geral teve grande número de pacientes internados para tratamento de apendicite aguda. Trata-se da principal causa de cirurgia abdominal de urgência na infância e adolescência, sendo diagnosticada em aproximadamente 250 mil casos por ano nos Estados Unidos. Entre 8% de crianças que apresentam dor abdominal aguda, em 1% diagnostica-se a apendicite aguda(17).

Em relação ao estado nutricional, houve um predomínio de pacientes eutróficos (43%), seguidos de obesidade e sobrepeso (31%), desnutridos e risco para desnutrição (25%). Em estudo realizado com 81 crianças hospitalizadas, em 2005, verificou-se eutrofia em 68,4% e desnutrição em 26,3% dos pacientes(18). Em investigação na enfermaria de infectologia pediátrica do Hospital São Paulo, avaliaram-se 125 crianças, com mediana de idade de 17 meses, 24,8% das crianças estavam desnutridas e 10% apresentavam sobrepeso e obesidade, com tempo médio de internação de dez dias(19). A porcentagem de obesidade e sobrepeso foi maior do que a de desnutrição.

Ao mesmo tempo em que declina a ocorrência da desnutrição em crianças e adultos, aumenta a de sobrepeso e obesidade na população brasileira. A projeção dos resultados de estudos efetuados nas últimas três décadas é indicativa de um comportamento claramente epidêmico do problema. Estabelece-se, dessa forma, um antagonismo de tendências temporais entre desnutrição e obesidade, definindo uma das características marcantes do processo de transição nutricional do país(20). A estimativa mundial de sobrepeso em menores de cinco anos atinge mais de 22 milhões, entre os 155 milhões de crianças em idade escolar(21).

Em relação aos índices de Z E/I, a maioria dos pacientes apresentou estatura adequada para a idade (66%), enquanto 19% evidenciaram baixa estatura e risco para baixa estatura. Resultado parecido com o deste trabalho foi encontrado em estudo representativo da população infantil do estado de Alagoas, o qual identificou que 18% das crianças hospitalizadas tinham comprometimento estatural moderado a grave em relação ao índice de estatura para a idade(22). Quando se diagnosticou o comprometimento estatural por faixa etária, cerca de 60% dos pacientes apresentaram estatura adequada para idade. Estudo realizado por Sigulem et al(23) verificou resultado semelhante, com apenas 25% dos pacientes mostrando comprometimento do crescimento. Pereira et al(24), em estudo retrospectivo com 216 lactentes e pré-escolares internados no ano de 2005, mostraram que a prevalência de eutrofia foi de 72%, maior do que a encontrada neste estudo, considerando-se os mesmos grupos etários.

No Brasil, embora a prevalência da desnutrição na infância tenha diminuído nas últimas décadas, o percentual de óbitos hospitalares por desnutrição grave mantém-se em torno de 20%, muito acima do valor recomendado pela OMS (inferior a 5%)(25). Atualmente, o Brasil convive com taxas de 5,7% para o comprometimento ponderal e 10,5% para o estatural(26).

A avaliação nutricional deve fazer parte da rotina de cuidados dos pacientes pediátricos. A identificação de risco nutricional possibilita a intervenção precoce no pré-operatório e a adequação da dieta no pós-operatório. Nas últimas décadas, acentuou-se o interesse acerca do estado nutricional de pacientes hospitalizados com doença aguda ou crônica pela possibilidade de oferecer uma terapia nutricional individualizada e efetiva, com melhora dos resultados terapêuticos. A avaliação nutricional deve fazer parte da rotina de cuidados dos pacientes pediátricos. O estado nutricional inadequado desses pacientes associa-se ao aumento da incidência de infecções hospitalares, cicatrização mais lenta de feridas operatórias, prolongando, assim, o tempo de internação, além de acarretar prejuízo financeiro para o hospital(20).

A cirurgia altera a homeostase do organismo, desencadeando uma complexa resposta neuroendócrina e imunobiológica(27). O estresse cirúrgico, presente nas intervenções de grande porte, aumenta o catabolismo, com necessidade de adequada reserva energética e de micronutrientes para responder satisfatoriamente ao processo. O comprometimento do estado nutricional dos pacientes internados pode exercer influência sobre as taxas de morbimortalidade. As crianças que apresentam maior grau de déficit nutricional permanecem internadas por mais tempo(27). Estudo realizado por Garcia et al(28) demonstrou que o tempo médio de internação dos pacientes foi de 5,6 dias, sendo que os eutróficos permaneceram internados por um tempo médio de 4,7 dias e os de baixo peso, por 8,5 dias, comprovando que, à medida que aumenta o tempo de internação, elevam-se também os riscos de desnutrição e infecção hospitalar. Este possível comprometimento torna-se ainda mais crítico em pacientes que passaram por maior estresse cirúrgico, visto que existe um conjunto de lesões e dificuldades associadas desde o pré até o pós-operatório, produzindo uma série de respostas adaptativas, tendo o estado nutricional relação direta com a recuperação adequada da criança(29).

O perfil dos pacientes internados neste estudo condiz com a atual transição nutricional do país, caracterizada pelo aumento de obesidade concomitante à diminuição da desnutrição. Entretanto, a desnutrição ainda é um fator agravante para a permanência hospitalar.

No contexto hospitalar, a avaliação antropométrica no momento da internação proporciona a identificação de pacientes em risco nutricional, permitindo a intervenção nutricional precoce, visando à melhor recuperação pós-cirúrgica dessas crianças e adolescentes, além da redução de morbimortalidade. Nos pacientes de menor idade, como os lactentes, o estado nutricional apresentou maior comprometimento, indicando a importância de tentar atingir as necessidades de macro e micronutrientes suficientes para responder ao estresse cirúrgico.

Agradecimentos

À Equipe Multidisciplinar da Enfermaria de Cirurgia Pediátrica do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM), em especial ao Dr Renato Tateyama e à Dra Mary Hokazono.

Recebido em: 17/3/2009

Aceito em: 30/6/2009

Conflito de interesse: nada a declarar

Instituição: Disciplina de Nutrologia do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM), São Paulo, SP, Brasil

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  • Endereço para correspondência:

    Fernanda Luísa C. Oliveira
    Rua Loefgreen, 1.647 - Vila Clementino
    CEP 04040-032 - São Paulo/SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Recebido
      17 Mar 2009
    • Aceito
      30 Jun 2009
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