Acessibilidade / Reportar erro

Composição de lancheiras de alunos de escolas particulares de São Paulo

Composición de las fiambreras de alumnos de escuelas privadas de São Paulo, Brasil

Resumos

OBJETIVO: Avaliar qualitativamente a composição das lancheiras de crianças do segundo ao quinto ano do ensino fundamental de escolas privadas de São Paulo. MÉTODOS: O delineamento do estudo foi transversal e a coleta de dados foi realizada em cinco unidades de uma rede particular de ensino, localizadas em regiões distintas da Grande São Paulo. A observação dos lanches ocorreu em três dias não consecutivos do ano de 2008 para cada criança. A amostra foi constituída pela totalidade de crianças do segundo ao quinto ano do ensino fundamental (n=501). Os alunos foram categorizados segundo a presença ou não de cada um dos grupos de alimentos nas lancheiras em pelo menos um dos três dias de observação. RESULTADOS: Dentre as crianças estudadas, 82% trouxeram cereais; 67% sucos artificiais e outras bebidas; 65% leite e alimentos lácteos; 51% bolo, bolacha e barra de cereais recheados e/ou com cobertura e 35% embutidos, em pelo menos uma dia de coleta. A frequência de frutas e sucos naturais foi de 33%, e de verduras e legumes foi de 4%. Meninas levaram para a escola com mais frequência frutas e hortaliças (p<0,05). Alunos maiores deixaram de levar lanche à escola mais frequentemente do que os menores nos três dias de observação (11 e 4%, respectivamente; p<0,05). CONCLUSÕES: A composição das lancheiras dos escolares, apesar de alguns aspectos positivos, mostrou-se inadequada. Houve excesso de alimentos industrializados, geralmente ricos em açúcares, gorduras e sódio e baixa presença de frutas, verduras e legumes.

alimentação escolar; criança; hábitos alimentares


OBJETIVO: Evaluar cualitativamente la composición de las fiambreras de niños del segundo al quinto año de la Primaria de escuelas privadas de la región metropolitana de São Paulo (Brasil). MÉTODOS: La delineación del estudio fue transversal y la recolección de datos fue realizada en cinco unidades de una red privada de enseñanza, ubicadas en regiones distintas de la región metropolitana de São Paulo. La observación de las meriendas fue realizada por tres días no consecutivos del año de 2008 para cada niño. La muestra fue constituida por la totalidad de niños del segundo al quinto año de la Primaria (n=501). Los alumnos fueron categorizados según presencia o ausencia de cada uno de los grupos de alimentos en las fiambreras en como mínimo uno de los tres días de observación. RESULTADOS: Entre los niños estudiados, 82% trajeron cereales, 67% jugos artificiales y otras bebidas, 65% leche y alimentos lácteos, 51% bizcocho, galletas y barras de cereales rellenas y/o con cobertura y 35% embutidos en por lo menos un día de recolección. La frecuencia de frutas y jugos naturales fue de 33% y de verduras y legumbres fue de 4%. Niñas llevaron para la escuela con más frecuencia frutas y hortalizas (p<0,05). Alumnos mayores dejaron de llevar merienda a la escuela más frecuentemente que los menores en los tres días de observación (11% y 4% respec-tivamente y p<0,05). CONCLUSIONES: La composición de las fiambreras de los escolares, a pesar de algunos aspectos positivos, se mostró inadecuada. Hubo exceso de alimentos industrializados, ge-neralmente ricos en azúcares, grasas y sodio y baja presencia de frutas, verduras y legumbres.

alimentación escolar; niño; hábitos alimentares


OBJETIVE: To evaluate the composition of lunchboxes of children attending second to fifth grades of private schools in São Paulo, Brazil. METHODS: This cross-sectional study was performed in five units of a private school, located in different regions of the metropolitan area of São Paulo, Brazil. Every lunchbox was checked for three non-consecutive days in the year 2008. All children from second to fifth grades of these units (n=501) were studied and categorized according to the presence or absence of each food group in the lunchboxes on at least one of the three days of observation. RESULTS: Among the children studied, 82% brought cereals, 67% artificial juices and other beverages, 65% milk and dairy foods, 51% cake, biscuits and cereal bars with filling and/or icing and 35% sausages in at least one day. The frequency of students who brought fruit and natural juices was 33%, and vegetables 4%. Girls more often took fruits and vegetables to school (p<0.05). Older students more often did not carry lunchboxes to the school, compared to younger ones, during the three days of observation (11 and 4% respectively; p<0,05). CONCLUSIONS: The composition of the school lunch-boxes, despite some positive aspects, was inadequate. Lunchboxes presented over-processed foods, usually with a high content of sugar, fat and sodium, and absence of fruits and vegetables.

school feeding; child; food habits


ARTIGO ORIGINAL

Composição de lancheiras de alunos de escolas particulares de São Paulo

Tatiana Tenorio MatukI; Paula Cristina S. StancariII;Milena Baptista BuenoIII; Eliana Menegon ZaccarelliIV

Instituição: Universidade Paulista (Unip), São Paulo, SP, Brasil

IEspecialista em Nutrição Clínica pelo Grupo de Nutrição Humana (Ganep); Orientadora de Estágio de Alimentação Escolar do Curso de Nutrição da Unip, São Paulo, SP, Brasil

IIEspecialista em Saúde da Família pela Faculdade Santa Marcelina; Nutricionista do Núcleo de Apoio à Saúde da Família, São Paulo, SP, Brasil

IIIDoutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP); Professora Titular do Curso de Nutrição da USP, São Paulo, SP, Brasil

IVMestre em Nutrição pela FSP-USP; Supervisora de Estágio de Nutrição em Saúde Pública do Curso Nutrição da Unip, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Tatiana Tenorio Matuk Rua Redentore Gonfiantini, 80 - Vila São Francisco CEP 05351-020 - São Paulo/SP E-mail: tatmatuk@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar qualitativamente a composição das lancheiras de crianças do segundo ao quinto ano do ensino fundamental de escolas privadas de São Paulo.

MÉTODOS: O delineamento do estudo foi transversal e a coleta de dados foi realizada em cinco unidades de uma rede particular de ensino, localizadas em regiões distintas da Grande São Paulo. A observação dos lanches ocorreu em três dias não consecutivos do ano de 2008 para cada criança. A amostra foi constituída pela totalidade de crianças do segundo ao quinto ano do ensino fundamental (n=501). Os alunos foram categorizados segundo a presença ou não de cada um dos grupos de alimentos nas lancheiras em pelo menos um dos três dias de observação.

RESULTADOS: Dentre as crianças estudadas, 82% trouxeram cereais; 67% sucos artificiais e outras bebidas; 65% leite e alimentos lácteos; 51% bolo, bolacha e barra de cereais recheados e/ou com cobertura e 35% embutidos, em pelo menos uma dia de coleta. A frequência de frutas e sucos naturais foi de 33%, e de verduras e legumes foi de 4%. Meninas levaram para a escola com mais frequência frutas e hortaliças (p<0,05). Alunos maiores deixaram de levar lanche à escola mais frequentemente do que os menores nos três dias de observação (11 e 4%, respectivamente; p<0,05).

CONCLUSÕES: A composição das lancheiras dos escolares, apesar de alguns aspectos positivos, mostrou-se inadequada. Houve excesso de alimentos industrializados, geralmente ricos em açúcares, gorduras e sódio e baixa presença de frutas, verduras e legumes.

Palavras-chave: alimentação escolar; criança; hábitos alimentares.

Introdução

O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, passa por um período de transição nutricional determinada fundamentalmente por mudanças no estilo de vida e nos hábitos alimentares da população(1). Enquanto os índices de desnutrição diminuem, cresce o excesso de peso. Observa-se a coexistência de desnutrição, excesso de peso, deficiência de nutrientes e doenças crônicas não transmissíveis numa única comunidade ou no mesmo domicílio(2).

Estudos mostram prevalências de excesso de peso em escolares de 10,8 a 33,8%, em diferentes regiões do Brasil. Um ponto relevante sobre a prevalência da gordura corporal excessiva na infância refere-se à precocidade com que podem surgir efeitos danosos à saúde, além das relações existentes entre obesidade infantil e sua persistência até a vida adulta(3).

Os padrões alimentares das crianças vêm sofrendo modificações. O crescimento de alternativas alimentares que caracterizam a sociedade pós-moderna traz grandes vantagens, ao facilitar o transporte, o armazenamento, o preparo e o enriquecimento de alimentos com nutrientes. Por outro lado, as propagandas, as embalagens e os rótulos atrativos estimulam o consumo excessivo de alimentos ricos em açúcares, sódio e gorduras e pobres em fibras, vitaminas e minerais(4).

A família é a instituição de maior influência sobre os hábitos alimentares do indivíduo. É responsável pela compra e pelo preparo dos alimentos em casa, transmitindo seus hábitos às crianças(5).

Durante o desenvolvimento da criança, as figuras da mãe e do pai são referenciais a serem seguidos e imitados. Assim, escolhas nutricionalmente adequadas são incorporadas aos comportamentos alimentares futuros da criança, se a dieta de seus próprios pais for condizente com aquela que preconizam(4,6). Existe uma interação entre os hábitos alimentares adquiridos na família e aqueles aprendidos na escola, podendo um influenciar o outro(7).

A escola é considerada um espaço importante de produção de saúde, autoestima, comportamentos e habilidades para a vida de seus alunos, sendo um local propício à formação de hábitos alimentares saudáveis(8). As crianças permanecem na escola grande parte do tempo e, quando não há distribuição de alimentos na escola, consomem lanches trazidos de casa ou comprados na cantina escolar(7). A análise desses lanches é essencial para o planejamento de estratégias que visem melhorar sua qualidade nutricional. O objetivo do presente estudo foi avaliar os alimentos trazidos de casa por crianças do segundo ao quinto ano de escolas privadas da região metropolitana de São Paulo.

Método

O presente estudo, com delineamento transversal, foi realizado em cinco unidades de uma rede particular de ensino, localizadas em regiões distintas da região metropolitana de São Paulo. Cada aluno teve sua lancheira observada durante três dias não consecutivos, entre os meses de maio e setembro de 2008. Para a realização deste trabalho, foi solicitado o consentimento informado das direções de cada escola. Os pais ou responsáveis pelos alunos foram informados do propósito do estudo e receberam orientação sobre o assunto. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Paulista (Unip).

Para a coleta de dados, utilizou-se formulário próprio, já preenchido com identificação do aluno, data de nascimento, gênero e série escolar. Estudantes do último ano do curso de graduação em Nutrição de uma universidade privada, previamente treinados, preencheram registro minucioso de três dias dos alimentos trazidos de casa, incluindo descrição do alimento, quantidade e marca. Os pesquisadores preencheram o formulário antes do intervalo das aulas, nas salas, após solicitar aos alunos para exporem seus lanches sobre a mesa de estudo.

A amostra (n=501) foi composta pela totalidade dos alunos matriculados do segundo ao quinto do ensino fundamental, entre sete e 13 anos de idade, de ambos os gêneros, no período matutino, nas cinco unidades da rede particular de ensino.

O agrupamento dos alimentos foi baseado nos produtos que figuram como recomendados ou não recomendados pela legislação atual relativa à alimentação escolar – Portaria Interministerial n.º 1010(9) e Resolução n.º 38 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) (10) – particularmente pelo teor de cálcio, fibras, açúcares, gorduras e s ódio. Assim, os alimentos foram divididos em 13 grupos: leite e alimentos lácteos (iogurtes, achocolatado, queijos, requeijão e leite fermentado); frutas e sucos naturais (água de coco e sucos 100% naturais); verduras e legumes; refrigerantes; sucos artificiais e outras bebidas (chás, energéticos, bebidas com soja, bebidas isotônicas e hidrotônicas); cereais (pães, biscoitos sem recheio ou cobertura, torrada, bolos sem recheio ou cobertura, cereal matinal – flocos de milho, granola, aveia, flocos de milho com chocolate – e barras de cereais sem cobertura ou recheio); salgados assados (empada, pão de queijo e croissant); salgadinhos e frituras (salgadinhos industrializados, batata palha, pipoca e salgados fritos como coxinha, rissoles e pastel); frios e embutidos (linguiça, lombo, presunto e peito de peru); óleos e gorduras (patês, maionese, margarina, manteiga e azeite); doces (chocolate, bala, chiclete, pirulito, açúcares e cremes – leite condensado, creme de avelã, geleia, mel, sobremesa láctea com chocolate – e outros doces – paçoca, cocada, brigadeiro, beijinho, amendoim doce, tortas doces, gelatina); bolachas/ barras de cereal e/ou bolos recheados e/ou com cobertura (bolachas wafer, cookies, pão de mel, rocambole, bolinho de chuva, brownie, panetone, bolinhos industrializados); outros alimentos (atum, frutas oleaginosas, ketchup, milho cozido, ovo, azeitona e bolinho de arroz).

Para a análise estatística, todos os alunos foram categorizados segundo a presença ou não de cada um dos grupos de alimentos nas lancheiras em pelo menos um dos três dias de observação. A análise foi realizada no programa Stata, versão 10.0. O teste de proporções qui-quadrado foi utilizado para avaliar diferenças entre gênero e série de estudo. O nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados

Do total de alunos observados (n=501), 44 (9%) referiram não ingerir alimentos durante o intervalo das aulas ou compraram alimentos na cantina todos os dias de observação. A maioria dos escolares que não trouxe lanche para a escola, em nenhum dos dias avaliados, tinha faixa etária mais elevada (Gráfico 1).


Dentre os 457 escolares que levaram lancheira ao menos um dia, 241 (53%) trouxeram lanches de casa nos três dias de observação, 172 (38%) em dois dias de observação e 44 (10%) em um dia de observação. Não foi possível avaliar o consumo de alimentos na escola em um dos dias de observação na totalidade da amostra devido aos seguintes fatores: impossibilidade de identificar a qualidade do suco presente na lancheira (natural ou artificial) quando em garrafa caseira, festa de aniversário (os alunos não levaram lancheiras nessa ocasião), faltas, relato de compra de alimentos na cantina ou que não iriam consumir alimentos naquele dia. Ressalta-se que a criança que teve um ou dois dias de lanche excluído permaneceu na amostra com os dados do(s) lanche(s) observado(s). Nenhuma criança se recusou a participar ou faltou à escola nos três dias de estudo.

A maioria dos escolares da amostra final (n=457 crianças) era do gênero masculino (52%). O grupo composto de crianças menores incluiu os alunos do segundo e do terceiro anos do ensino fundamental, totalizando 185 indivíduos, ou seja, 41% da amostra. O grupo intitulado de maiores incluiu os alunos do quarto e do quinto anos do ensino fundamental, totalizados 272 indivíduos (59%).

O Gráfico 2 mostra a proporção de alunos que trouxeram determinados grupos de alimentos nas lancheiras em pelo menos um dia de coleta. Dentre as crianças estudadas, 82% trouxeram cereais, 67% trouxeram sucos artificiais e outras bebidas e 65% trouxeram leite e derivados. Destacaram-se a alta proporção dos grupos "Bolo, bolacha e barra de cereais recheados e/ou com cobertura" e "Frios e embutidos" e a baixa presença do grupo "Verduras e legumes".


As meninas trouxeram mais alimentos saudáveis, como frutas e sucos naturais, verduras e legumes, quando comparadas aos meninos (Gráfico 3). A Tabela 1 mostra que o grupo de meninas maiores levou salgadinhos de pacote e salgados fritos para a escola com maior frequência que as menores (p<0,05).


Considerando a lancheira como unidade de observação (n=1.111), os grupos de alimentos mais frequentemente observados foram: cereais, sucos artificiais e outras bebidas e leite e derivados. Nas lancheiras das meninas também foi observada maior frequência de frutas e sucos naturais, comparadas às lancheiras dos meninos. Computaram-se 19 tipos de frutas, cinco tipos de sucos naturais e três hortaliças, no total de itens observados nas lancheiras. Dentre as frutas, sucos naturais e hortaliças presentes nas lancheiras, os mais frequentes foram: maçã (n=74), banana (n=52), água de coco (n=32) e cenoura (n=5).

Discussão

O presente estudo teve como objetivo avaliar os alimentos habitualmente trazidos de casa para consumo na escola e, por esse motivo, foram analisados três dias não consecutivos de uma amostra de escolares de sete a 13 anos de uma rede escolar privada de São Paulo. A avaliação do consumo habitual é um grande desafio, já que as pessoas não consomem os mesmos alimentos diariamente. Não considerar a variação de ingestão pode levar a subestimativa ou superestimativa da ingestão habitual(11). Ao avaliar por dois ou três dias os lanches trazidos de casa em mais de 90% da população, o erro de medição do consumo habitual foi minimizado.

Os resultados obtidos apresentaram aspectos positivos, como a frequência de cereais, leite e alimentos lácteos, assim como negativos, relativos à proporção de crianças que levaram para a escola sucos artificiais e outras bebidas, bolos, bolachas e barra de cereais recheados. A Portaria Interministerial n.º 1010(9), que instituiu diretrizes para a Promoção da Alimentação Saudável nas Escolas, considera doces, biscoitos recheados, refrigerantes, sucos artificiais, frituras, salgadinhos e embutidos como alimentos não saudáveis. O mesmo documento recomenda o consumo de sanduíches naturais sem maionese, frutas, sucos naturais, sucos à base de soja, preparações com verduras, iogurte e bebidas lácteas, dentre outros. A Resolução n.º 38 do FNDE(10), que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), estimula a oferta de frutas e hortaliças na merenda escolar, proibindo a oferta de refrigerantes e refrescos artificiais e restringindo a oferta dos alimentos doces, embutidos e daqueles com alto teor de sódio e gordura saturada.

Os cereais, leite e alimentos lácteos figuraram entre os três grupos mais frequentes nas lancheiras (82 e 65%, respectivamente). Por outro lado, as frutas e sucos naturais estiveram em sexto lugar (33%). Estudos recentes também encontraram predominância de alimentos do grupo cereais nas lancheiras dos escolares(12,13). Em um deles, com alunos de terceira e quarta séries de uma escola particular do Distrito Federal, foi observado que 28% continha cereais; 25% frutas e sucos naturais e 5% laticínios(12). Já em estudo australiano com escolares entre cinco e 12 anos, o grupo dos pães foi o mais frequente (80%), enquanto as frutas estiveram em 68% das lancheiras, iogurtes em 7% e alimentos lácteos em apenas 3%(13).

Observou-se frequência acima da desejada de alimentos não recomendados pela Portaria n.º 1010(9) e pela Resolução n.º 38(10). O grupo "Sucos artificiais e outras bebidas" foi um dos mais presentes nas lancheiras (67%). Os grupos "Bolo, bolacha e barra de cereais recheados e/ou com cobertura" (51%), "Frios e embutidos" (35%) e "Óleos e gorduras" (23%) também estiveram presentes em grande quantidade. Uma pesquisa com pré-escolares de uma instituição particular de Araraquara (SP) constatou que a bolacha recheada foi o alimento mais frequente (33%) nas lancheiras dos alunos(7).

As crianças têm preferência inata pelo sabor doce e parecem predispostas aos alimentos com alta densidade calórica, que geram maior sensação de saciedade e costumam ter boa palatabilidade. Por isso, optam por alimentos ricos em carboidratos, açúcares, gorduras e sal, em detrimento das frutas e verduras(14).

Esses hábitos parecem persistir na adolescência. Um estudo com adolescentes da rede pública de ensino de Piracicaba (SP) constatou elevado consumo de doces: 78% da amostra ultrapassou a recomendação máxima escolhida como referência (Dietary Guidelines for Americans), com consumo médio diário de 230mL de refrigerantes e 550mL de bebidas com adição de açúcar(15).

Além disso, as crianças e adolescentes são influenciados pelas propagandas televisivas e pela posição das embalagens no supermercado. Na programação das três principais redes brasileiras de televisão aberta, durante sete meses, dos 1.395 anúncios de produtos alimentícios veiculados, 58% pertenciam ao grupo óleos, açúcares e doces. O segundo maior grupo foi representado por pães, cereais, arroz e massas (21%), seguido pelo grupo do leite, queijo e iogurte (12%). Não houve propaganda de frutas e vegetais(16).

Comparando-se os gêneros, houve maior proporção de meninas que trouxeram alimentos saudáveis nas lancheiras: frutas, sucos naturais, verduras e legumes. Um estudo sobre o consumo diário de frutas e vegetais com escolares da Guatemala também mostrou que as meninas consumiram maior quantidade desses alimentos(17). Na Inglaterra, uma pesquisa sobre consumo alimentar de crianças de sete anos indicou que as meninas consumiam mais frutas e verduras, e os meninos, mais cereais matinais nos três dias de diário alimentar(18). Pesquisas desenvolvidas com adultos brasileiros evidenciam maior consumo diário de frutas e hortaliças entre mulheres(19,20). Já em crianças e adolescentes americanos, não foram notadas diferenças significativas entre os gêneros quanto ao consumo diário de frutas e hortaliças(21). Novos estudos precisam ser realizados para investigar as causas do maior consumo de frutas, verduras e legumes entre as meninas.

À medida que aumenta a faixa etária, cresce a procura do aluno pela cantina escolar: 4% dos alunos menores e 10% dos alunos maiores referiram adquirir alimentos na cantina e/ou não levaram lancheira à escola durante os três dias de observação. Corroborando os dados do presente estudo, um terço dos escolares de nove a dez anos de uma escola privada do Distrito Federal consumiram lanches provenientes da cantina(12).

Deve-se ressaltar que, devido ao presente estudo analisar a composição da lancheira, os resultados encontrados podem não refletir o consumo real. Por exemplo, alguns alunos podem ter consumido apenas os itens preferidos nas lancheiras. A observação das lancheiras foi realizada antes do intervalo de aula; assim, a frequência de alunos que referiram comprar alimentos na cantina foi aquela obtida pelo relato da intenção dos mesmos, sem a observação real dessa prática. Outro aspecto relevante foi a impossibilidade de quantificar a adição de açúcares nos sucos naturais, armazenados em garrafas caseiras. Por último, não houve coleta dos dados socioeconômicos da amostra. No entanto, infere-se que esta seja uma população homogênea (classe socioeconômica média alta e alta) pelo fato de as crianças estarem matriculadas em uma rede de ensino privada de alto custo de São Paulo.

O PNAE tem como diretriz a promoção da saúde em escolas públicas(22); no entanto, de acordo com a Portaria 1010(9), as escolas particulares também devem promover programas de educação nutricional. Opções de preparações rápidas e saudáveis poderiam ser sugeridas para a composição do lanche escolar, diminuindo a frequência de bolachas, bolos recheados e refrigerantes. Como os lanches são definidos pelos responsáveis das crianças, é primordial que eles estejam envolvidos em ações de educação nutricional. Ressalta-se que o trabalho de mudança de hábitos alimentares e de adequação da alimentação escolar deve ser contínuo e abranger não só os responsáveis, mas toda a comunidade escolar (crianças, educadores e funcionários da escola, entre outros).

Diante dos dados expostos, conclui-se que a composição das lancheiras dos escolares, apesar de alguns aspectos positivos, mostrou-se inadequada. A alta frequência de bebidas e alimentos industrializados, ricos em açúcares, sódio e gorduras (sucos artificiais, bolachas/bolos/barra de cereias recheados e/ou com cobertura e embutidos) e a baixa presença de alimentos ricos em fibras, vitaminas e minerais (frutas, verduras e legumes) devem ser modificadas para uma maior adequação das lancheiras à legislação atual, que visa à promoção da saúde.

Conflito de interesse: nada a declarar

Recebido em: 25/3/2010

Aprovado em: 8/12/2010

  • 1. Triches RM, Giugliani ER. Obesidade, práticas alimentares e conhecimentos de nutrição em escolares. Rev Saude Publica 2005;39:541-7.
  • 2. Coutinho JG, Gentil PC, Toral N. Malnutrition and obesity in Brazil: dealing with the problem through a unified nutritional agenda. Cad Saude Publica 2008;24 (Suppl 2):S332-40.
  • 3
    Sociedade Brasileira de Pediatria - Departamento de Nutrologia. Obesidade na infância e adolescência. Manual de Orientação. São Paulo: SBP/Departamento de Nutrologia; 2008.
  • 4. Pontes TE, Costa TF, Marum AB, Brasil AL, Taddei JA. Nutritional guidance for children and adolescents and the new consumption patterns: advertising, packaging and labeling. Rev Paul Pediatr 2009;27:99-105.
  • 5. Gambardella AM, Frutuoso MF, Franch C. Prática alimentar de adolescentes. Rev Nutr 1999;12:55-63.
  • 6. Rossi A, Moreira EA, Rauen MS. Determinants of eating behavior: a review focusing on the family. Rev Nutr 2008;21:739-48.
  • 7. Campos JA, Zuanon AC. School lunch and health promotion. Cienc Odontol Bras 2004;7:67-71.
  • 8
    Brasil - Minist ério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica [homepage on the Internet]. Manual operacional para profissionais de saúde e educação: promoção da alimentação saudável nas escolas (Série A. Normas e Manuais Técnicos) [cited 2008 Nov 24]. Brasília: Ministério da Saúde, 2008. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_operacional_profissionais_saude_educacao.pdf
  • 9
    Brasil - Ministério da Saúde. Promoção da Alimentação Saudável nas Escolas de educação infantil, fundamental e nível médio das redes públicas e privadas, em âmbito nacional. Portaria Interministerial 1010. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
  • 10
    Brasil - Ministério da Educação. Resolução/CD/FNDE n║ 38. Disp§e sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. Brasília: Ministério da Educação, 2009.
  • 11. Fisberg RM, Slater B, Marchioni DM, Martini LA. Inquéritos alimentares: métodos e bases científicas. São Paulo: Manole; 2005.
  • 12. Mesquita JH, Pinto PC, Sarmento CT. Perfil qualitativo dos lanches escolares consumidos em instituição de ensino particular do Distrito Federal Brasil.
  • 13. Sanigorski AM, Bell AC, Kremer PJ, Swinburn BA. Lunchbox contents of Australian school children: room for improvement. Eur J Clin Nutr 2005;59:1310-6.
  • 14. Quaioti TC, Almeida SS. Psychobiological determinants of food behavior: an emphasis on environmental factors contributing to obesity. Psicol USP 2006;17:193-211.
  • 15. Carmo MB, Toral N, Silva MV, Slater B. Consumption of sweets, soft drinks and sugar-added beverages among adolescents from public schools in Piracicaba, Sao Paulo. Rev Bras Epidemiol 2006;9:121-30.
  • 16. Almeida SS, Nascimento PC, Quaioti TC. Amount and quality of food advertisement on Brazilian television. Rev Saude Publica 2002;36:353-5.
  • 17. Montenegro-Bethancourt G, Doak CM, Solomons N. Fruit and vegetable intake of schoolchildren in Quetzaltenango, Guatemala. Rev Panam Salud Publica 2009;25:146-56.
  • 18. Glynn, L, Emmett P, Rogers I; ALSPAC Study Team. Food and nutrient intakes of a population sample of 7-year-old children in the south-west of England in 1999/2000 what difference does gender make? J Hum Nutr Diet 2005; 18:7-19.
  • 19. Jaime PC, Monteiro CA. Fruit and vegetable intake by Brazilian adults, 2003. Cad Saude Publica 2005;21:19-24.
  • 20. Figueiredo IC, Jaime PC, Monteiro CA. Factors associated with fruit and vegetable intake among adults of the city of São Paulo, Southeastern Brazil. Rev Saude Publica 2008;42:777-85.
  • 21. Field AE, Gillman MW, Rosner B, Rockett HR, Colditz GA. Association between fruit and vegetable intake and change in body mass index among a large sample of children and adolescents in the United States. Int J Obes Relat Metab Disord 2003;27:821-6.
  • 22
    Brasil - Ministério da Saúde.á Organização Pan-Americana da Saúde [homepage on the Internet]. Escolas promotoras de saúde: experiências no Brasil. Série Promoção da Saúde n. 6 [cited 2010 Jan 19]. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. Available from: http://www.prosaude.org/publicacoes/ diversos/esc_prom_saude_Brasil.pdf
  • Endereço para correspondência:
    Tatiana Tenorio Matuk
    Rua Redentore Gonfiantini, 80 - Vila São Francisco
    CEP 05351-020 - São Paulo/SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      25 Mar 2010
    • Aceito
      08 Dez 2010
    Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rpp@spsp.org.br