Acessibilidade / Reportar erro

Uso da regressão de Cox para estimar fatores associados a óbito neonatal em UTI privada

Uso de la regresión de Cox para estimar factores asociados a óbito neonatal en UTI privada

Resumos

OBJETIVO: Estimar os fatores de risco associados ao óbito até 28 dias após o nascimento de recém-nascidos internados entre os anos de 2005 a 2007 em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal de hospital privado no Município de Taubaté, usando a análise de regressão de Cox. MÉTODOS: Estudo epidemiológico do tipo longitudinal. Os dados foram obtidos de prontuários de todos os recém-nascidos internados na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2007. Foram obtidas variáveis maternas e relativas ao recém-nascido, sendo o desfecho primário a mortalidade neonatal. Foi feita a análise univariada, utilizando teste do qui-quadrado, risco relativo e gráfico de Kaplan-Meier para cada variável separadamente. A análise multivariada foi realizada por meio da regressão de Cox para verificar a associação de fatores maternos e neonatais ao desfecho primário. RESULTADOS: Foram estudados 185 neonatos, dos quais 10,5% foram a óbito antes do 28º dia de vida. As variáveis que se associaram de modo significante ao óbito no modelo de Cox foram: peso <1500g, Apgar no 5º minuto <7, ventilação mecânica e óbito fetal anterior. CONCLUSÕES: As variáveis com bom ajuste no modelo de Cox relacionadas ao óbito neonatal refletem a assistência prestada à mãe no período pré-natal e o cuidado oferecido ao recém-nascido na Unidade de Terapia Intensiva.

mortalidade neonatal; análise de sobre-vida; terapia intensiva neonatal


OBJETIVO: Estimar los factores de riesgo asociados al óbito hasta 28 días después del nacimiento de recién-nacidos inter-nados entre los años de 2005 y 2007 en una Unidad de Terapia Intensiva de un hospital privado en el Municipio de Taubaté (São Paulo, Brasil), usando el análisis de regresión de Cox. MÉTODOS: Estudio epidemiológico de tipo longitudinal. Los datos fueron obtenidos de prontuarios de todos los recién-nacidos internados en las UTI neonatal privadas en el periodo de enero/2005 a diciembre/2007. Se obtuvieron variables tanto maternas como relativas al recién-nacido y categorizadas, siendo el desfecho primario la mortalidad neonatal. Se realizó el análisis univariado utilizando la prueba de chi cuadrado, el riesgo relativo y la gráfica de Kaplan-Meier para cada variable en separado. El análisis multivariado fue realizado por medio de la regresión de Cox para verificar la asociación de factores maternos y neonatales al desfecho primario. RESULTADOS: Entraron en el estudio 185 neonatos, sien-do que 10,5% fueron a óbito antes del 28º día de vida. Las variables que se asociaron de modo significativo al óbito en el Modelo de Cox fueron: peso <1.500g, Apgar 5 minutos <7, ventilación mecánica y óbito fetal anterior. CONCLUSIONES: Las variables con buen ajuste en el Modelo de Cox asociadas al óbito neonatal reflejan la asociación del óbito neonatal a la asistencia prestada a la madre en el periodo prenatal y también al cuidado ofrecido al recién-nacido en una unidad de terapia intensiva.

mortalidad neonatal; análisis de sobre-vida; terapia intensiva neonatal


OBJECTIVE: To estimate the risk factors associated with neonatal deaths in a Neonatal Intensive Care Unit of a pri-vate hospital in the city of Taubaté (SP), Brazil, from 2005 to 2007, using the Cox regression analysis. METHODS: Longitudinal epidemiological study with data retrieved from medical records of all newborn admitted to a private Neonatal Intensive Care Unit from January 2005 to December 2007. The primary outcome was the neonatal mortality and independent variables were those concerning maternal and neonatal characteristics. Univariate analysis included chisquare test, relative risk and the Kaplan-Meier survival plot for each variable. Multivariate analysis to test association of independent variables with neonatal mortal-ity was performed by Cox regression analysis. RESULTS: 185 neonates were enrolled in the study and 10.5% died before the 28th day of life. Variables that were significantly associated to neonatal death by the Cox regression analysis model were birthweight <1500g, 5th minute Apgar score <7, mechanical ventilation and previous stillbirth. CONCLUSIONS: The variables with good adjustment in the Cox model for neonatal death are those associated to pre-natal maternal care and the quality of infant's care in the Neonatal Intensive Care Unit.

neonatal mortality (Public Health); survival analysis; intensive care, neonatal


ARTIGO ORIGINAL

Uso da regressão de Cox para estimar fatores associados a óbito neonatal em UTI privada

Lívia Maria M. M. LanfranchiI; Gabriela Ribeiro ViolaI; Luiz Fernando C. NascimentoII

Instituição: Universidade de Taubaté (Unitau), Taubaté, SP, Brasil

IAcadêmica do Curso de Medicina da Unitau, Taubaté, SP, Brasil

IIDoutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), São Paulo; Professor Assistente do Departamento de Medicina da Unitau, Taubaté, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luiz Fernando C. Nascimento Avenida Tiradentes, 500 – Jardim das Nações CEP: 12030-180 – Taubaté/SP E-mail: luiz.nascimento@unitau.br

RESUMO

OBJETIVO: Estimar os fatores de risco associados ao óbito até 28 dias após o nascimento de recém-nascidos internados entre os anos de 2005 a 2007 em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal de hospital privado no Município de Taubaté, usando a análise de regressão de Cox.

MÉTODOS: Estudo epidemiológico do tipo longitudinal. Os dados foram obtidos de prontuários de todos os recém-nascidos internados na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2007. Foram obtidas variáveis maternas e relativas ao recém-nascido, sendo o desfecho primário a mortalidade neonatal. Foi feita a análise univariada, utilizando teste do qui-quadrado, risco relativo e gráfico de Kaplan-Meier para cada variável separadamente. A análise multivariada foi realizada por meio da regressão de Cox para verificar a associação de fatores maternos e neonatais ao desfecho primário.

RESULTADOS: Foram estudados 185 neonatos, dos quais 10,5% foram a óbito antes do 28º dia de vida. As variáveis que se associaram de modo significante ao óbito no modelo de Cox foram: peso <1500g, Apgar no 5º minuto <7, ventilação mecânica e óbito fetal anterior.

CONCLUSÕES: As variáveis com bom ajuste no modelo de Cox relacionadas ao óbito neonatal refletem a assistência prestada à mãe no período pré-natal e o cuidado oferecido ao recém-nascido na Unidade de Terapia Intensiva.

Palavras-chave: mortalidade neonatal; análise de sobre-vida; terapia intensiva neonatal.

Introdução

O coeficiente de mortalidade infantil representa importante indicador da qualidade de vida de uma população. Possui dois componentes: a mortalidade neonatal e a mortalidade infantil tardia ou pós-neonatal(1). A mortalidade neonatal inclui os óbitos ocorridos até 27 dias de vida e a pós-neonatal abrange óbitos ocorridos do 28º dia até um dia antes de completar um ano de vida(2). A mortalidade neonatal se subdivide em precoce e tardia, sendo a precoce até o sétimo dia de vida. Essa subdivisão se faz necessária, uma vez que as causas de óbito neonatal precoce diferem daquelas relacionadas ao óbito neonatal tardio.

A contribuição do componente neonatal para a mortalidade infantil aumenta quanto mais desenvolvido for o país, pois as condições sociais e ambientais fazem com que a mortalidade pós-neonatal se reduza(1). No entanto, mesmo nos países em desenvolvimento, nos quais os fatores de risco para a mortalidade pós-neonatal ainda são bastante significativos, o componente neonatal representa mais da metade do coeficiente de mortalidade infantil(3). No Brasil, a taxa de mortalidade infantil está em declínio, sendo o componente pós-neonatal, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, o maior responsável por tal queda. Nas regiões Sul e Sudeste, há também um declínio do componente neonatal(4). Em 2001, quanto à mortalidade neonatal, foram registrados 12,92 óbitos por mil nascidos vivos para o Brasil e 11,89 óbitos por mil nascidos vivos na região Sudeste e, para o ano de 2007, os valores foram 10,66 óbitos por mil nascidos vivos para o Brasil e 9,44 por mil nascidos vivos para a região Sudeste(5).

Um consenso amplamente descrito na literatura é o de que a mortalidade neonatal resulta de uma estreita e complexa relação entre variáveis biológicas, sociais e de assistência à saúde(2,4,6). Assim, identificar e conhecer tais fatores, como baixo peso e muito baixo peso, nascimento pré-termo ou muito pré-termo, qualidade da assistência no pré-natal e no momento do parto, pode levar à redução desses índices. Para analisar a influência dessas variáveis sobre a mortalidade neonatal, os estudos podem ter abordagem descritiva(7), utilizar a técnica de regressão logística(8,9) ou mesmo ter uma abordagem espacial, aplicando as técnicas de geoprocessamento(10).

Nos estudos que aplicam a técnica de análise de sobrevida, considera-se como sobrevida o tempo decorrido entre a entrada do indivíduo no estudo até a ocorrência do desfecho de interesse (óbito ou aparecimento de doença), chamado de falha, ou a perda de observação (ou "não doença"), chamada de censura(11). O modelo de riscos proporcionais de Cox é uma análise de regressão múltipla aplicado na análise de sobrevida e indicado quando se deseja estimar o papel de variáveis independentes que agem multiplicativamente sobre o risco(11).

Nesse contexto, a presente pesquisa teve por objetivo utilizar a regressão de Cox para estimar os fatores de risco associados ao óbito neonatal de recém-nascidos internados entre os anos de 2005 a 2007 na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) de um hospital privado no Município de Taubaté, no Estado de São Paulo.

Método

Estudo epidemiológico do tipo longitudinal que utilizou a técnica de análise de sobrevida e regressão múltipla de Cox. A variável de interesse em um estudo epidemiológico é a variável dependente. Em algumas situações, esta é o tempo decorrido até o aparecimento de um evento, como a doença ou o óbito. O modelo de Cox permite identificar quais são as variáveis independentes que agem de maneira intensificadora, quando analisadas em conjunto, e considera sua significância estatística dentro de um intervalo de confiança.

Os dados foram obtidos dos prontuários de todos os recém-nascidos internados em uma UTIN no período de 1º de Janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2007. Foram considerados apenas óbitos de neonatos com menos de 28 dias e foram desconsiderados os pacientes com informações relevantes incompletas em seus prontuários. Essa UTIN conta com seis leitos e atende a pacientes nascidos do próprio hospital e também transferidos de outras cidades da região, cuidando exclusivamente de neonatos de alto risco, definidos como aqueles com baixo peso ao nascer ou muito baixo peso ao nascer, prematuridade, doença com necessidade de internação hospitalar, malformação congênita, boletim de Apgar no 5º minuto <7.

As variáveis foram categorizadas em duas classes, possibilitando a realização da análise de regressão multivariada. As variáveis neonatais foram categorizadas da seguinte forma: peso ao nascer - muito baixo peso (<1500g), baixo peso (entre 1500 e 2499g) e peso normal (2500g ou mais); idade gestacional - pré-termo (<37 semanas) e termo (≥37 e <42 semanas); escore de Apgar no 1º e 5º minutos - risco (≤6) e adequado (≥7); adequação do peso para idade gestacional - risco (pequeno para idade gestacional - PIG e grande para idade gestacional - GIG) e adequado, segundo curva de crescimento intrauterino de Battaglia e Lubchenco(12); tipo de acesso venoso - risco (umbilical) e adequado (cateter intravascular percutâneo - PICC ou nenhum); e presença ou não de malformações. As variáveis referentes às mães analisadas foram: idade - risco (<20 e >34 anos) e adequada (entre 20 e 34 anos); número de filhos vivos - risco (nenhum ou mais de dois filhos) e adequado (um ou dois filhos vivos). As seguintes situações clínicas foram analisadas e definidas como presentes se diagnosticadas pelo médico neonatologista da unidade e anotadas no prontuário médico: síndrome do desconforto respiratório, displasia broncopulmonar e sepse (confirmada clínica e/ou laboratorialmente por hemocultura), ventilação mecânica por cânula traqueal, intubação orotraqueal e uso de nutrição parenteral.

Foi realizada a análise univariada no software Stata versão 9 para selecionar quais dessas variáveis se associaram ao óbito por meio do cálculo do qui-quadrado, risco relativo e gráfico de Kaplan-Meier para cada uma separadamente. O resultado da análise univariada permitiu determinar o risco relativo de óbito neonatal com um intervalo de confiança de 95%. Foram então construídas tabelas com os valores médios para peso ao nascer, duração da gestação, escore de Apgar no 1º e 5º minutos após o nascimento e tempo de internação, segundo o tipo de saída (alta ou óbito), utilizando a estatística t de Student, com os riscos relativos das variáveis que apresentaram p<0,20 e com as variáveis que compuseram o modelo final.

A análise multivariada foi realizada somente com as variáveis que apresentaram valor de p<0,20 na análise univariada. Após esse passo, todas as variáveis que apresentavam p<0,20 foram analisadas em conjunto. No modelo final, permaneceram aquelas que apresentaram valor de p<0,05. Na análise multivariada, calculou-se a razão de risco ou hazard ratio (HR), ou seja, a chance de óbito dividida pela chance de sobreviver(11). Finalmente, realizou-se a análise de resíduos de Cox-Snell para estimar o ajuste do modelo.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Taubaté (Unitau).

Resultados

Durante os três anos de estudo foram internados na UTIN 198 recém-nascidos. Destes, 13 foram desconsiderados na análise estatística por não possuírem informações relevantes para o estudo ou por terem sido transferidos para outro serviço, com perda de seguimento. Desse modo, foram incluídos no estudo 185 neonatos, sendo que 19 (10,3%) foram a óbito antes do 28º dia de vida.

Em relação às variáveis maternas, 95 mães tinham idade entre 20 e 34 anos (71,4%), havendo 52 prontuários sem essa informação, e 110 mães (79,1%) com um ou dois filhos, sendo que 46 prontuários não apresentavam essa informação. Quanto ao relato de óbito fetal prévio, este foi presente em 5 mães (4,9%). Observou-se história de hipertensão materna em 39 mães (21,1%) e a ausência de ruptura prematura de membranas ovulares foi registrada em 124 (67,0%). Apenas 11 mães (5,9%) relataram o uso de esteroide antenatal. O parto foi cesáreo em 154 gestantes (86,3%).

O peso médio dos pacientes incluídos foi 2163±797g e a idade gestacional média foi 34,0±3,4 semanas. O maior número de indivíduos era do sexo feminino (51,9%), com peso >1500g (80,0%), prematuros (79,6%), adequados para a idade gestacional (83,3%), produtos de gestação única (88,6%), com Apgar no 1º e 5º minutos ≥7 (78,1 e 91,5%, respectivamente).

Em relação à reanimação na sala de parto, foi utilizado oxigênio inalatório em 27% dos recém-nascidos, ventilação balão-máscara em 19,4%, intubação traqueal em 3,25%, massagem cardíaca em 2,7% e drogas em 1%. A maioria dos pacientes apresentou temperatura <37,5ºC no momento da internação. Quanto ao acesso venoso, 117 recém-nascidos (63,2%) contaram, na internação, com cateteres tipo PICC ou umbilical. A nutrição parenteral foi utilizada por 127 pacientes (68,7%). Não fizeram uso de CPAP 104 recém-nascidos (56,8%), 59 (36,9%) não fizeram uso de fototerapia e 83 (44,9%) não necessitaram de ventilação mecânica. Da mesma forma, não utilizaram o capuz de oxigênio 105 recém-nascidos (56,8%) e 160 (79,3%) não precisaram de fração inspirada de oxigênio >50%.

Quanto à morbidade, 32 recém-nascidos (17,4%) tiveram diagnóstico de doença da membrana hialina, 62 (33,6%) de sepse neonatal, 14 (7,5%) de displasia broncopulmonar e 15 (8,1%) neonatos eram portadores de malformação congênitas.

As características dos recém-nascidos, segundo o tipo de saída, vivo após 28 dias ou óbito neonatal, estão na Tabela 1. Pode-se observar que todas as variáveis apresentaram significância estatística. Já a análise univariada para o desfecho "óbito neonatal", com variáveis que apresentaram um valor p<0,20, encontra-se na Tabela 2.

Esse novo bloco de variáveis foi submetido à análise de sobrevida pelo modelo de Kaplan-Meier, mantendo-se no modelo aquelas que apresentaram curvas que não se cruzaram no meio do tempo de estudo (peso <1500g, presença de PIG ou GIG, Apgar no 1º minuto <7 e Apgar no 5º minuto <7, intubação, massagem cardíaca, ventilação mecânica, relato de óbito fetal prévio e uso de esteróide). Após ajuste na análise multivariada, permaneceram no modelo o peso <1500g, o escore de Apgar no 5º minuto <7, o uso de ventilação mecânica e o relato de óbito fetal prévio, cujos valores de HR ajustado estão apresentados na Tabela 3.

Os neonatos de muito baixo peso ao nascer representaram 20% do total de internados e 73,6% dos óbitos. A chance desses pacientes morrerem, de acordo com a análise multivariada, foi quase 11 vezes maior comparada àqueles de peso normal. O escore de Apgar no 5º minutos <7 foi observado em apenas 8,5% dos neonatos internados, porém esteve presente em 29,4% dos que foram a óbito; pacientes com essa condição mostraram cinco vezes mais risco de ir a óbito. A necessidade de ventilação mecânica ocorreu em 43,7% da população e em 68,4% dos indivíduos que morreram; neonatos que precisaram de ventilação mecânica apresentaram risco de mortalidade quase três vezes maior do que os que não precisaram. O relato de óbito fetal prévio foi referido por 4,4% das mães analisadas, sendo observado em 26,3% das mães dos pacientes que faleceram no período neonatal; a chance de ir a óbito foi seis vezes maior quando houve relato de óbito fetal prévio. As variáveis do modelo final foram analisadas pelo gráfico de resíduos de Cox-Snell (Figura 1). Nessa abordagem, são medidas as diferenças entre os valores esperados ou estimados pelo modelo e os valores observados; quanto menor a diferença, mais a curva dos valores esperados se aproxima da curva ideal (diagonal no gráfico).


Discussão

Exceto uma pesquisa sobre mortalidade em UTINs realizado em Goiânia(13), que aplicou o modelo de risco proporcionais de Cox, há três outros estudos recentes na literatura nacional sobre óbitos neonatais, todos usando a regressão logística(14-17) e enfocando recém-nascidos de muito baixo peso ou prematuros. Investigações sobre mortalidade neonatal podem colaborar para avaliar a qualidade de vida de uma população. No presente estudo, os fatores de risco encontrados se associam mais às variáveis biológicas do que às assistenciais.

A idade materna categorizada como acima de 34 anos ou abaixo de 20 anos não foi considerada fator de risco, concordando com um estudo de Blumenau (SC)(9) e outro de Montes Claros (MG)(8). No entanto, tal achado discorda de outros autores que observam menor sobrevida de neonatos filhos de mães adolescentes, explicado não apenas pelo risco biológico da idade materna, mas também por outras dimensões da saúde, como o estresse gerado por gestações não planejadas e nem sempre desejadas e a dificuldade de aceitação da família(4,14). O resultado obtido pode ser explicado pela obtenção dos dados em um hospital privado, que provavelmente atende uma população de maior nível socioeconômico e educação, da qual se espera maior planejamento familiar.

Contudo, por mais que as variáveis "escolaridade materna" e "número de consultas de pré-natal", que denotam o nível socioeconômico, não tenham sido consideradas neste estudo, pode-se especular que elas não se relacionariam com a mortalidade neonatal na população aqui analisada por considerar que as famílias avaliadas têm maior acesso a serviços de saúde e são conscientes da importância da atenção pré-natal. Inúmeros estudos associam a baixa escolaridade ao óbito neonatal(7,9), indicando que o acesso à educação forma pessoas mais conscientes em relação à educação sanitária(4). Segundo Almeida e Barros(6), o número de consultas no pré-natal não garante a qualidade da assistência prestada, principalmente em regiões onde há ampla cobertura pré-natal. Schoeps et al(4) analisaram a qualidade da assistência pré-natal e mostraram que, mais importante do que a quantidade de consultas, é a sua qualidade.

O sexo do recém-nascido não mostrou associação com o óbito neonatal, concordando com alguns estudos(6,8,18) e discordando de outros que consideram o sexo masculino como fator de risco. Tyson et al(19), em estudo de coorte com mais de 4.000 prematuros extremos, encontraram um maior risco de mortalidade no sexo masculino à análise multivariada. Embora os mecanismos que levariam a esse resultado ainda sejam obscuros, alguns autores sugerem que o sexo masculino mostra menor maturidade associada à maior incidência de síndromes respiratórias(3,16,17), que estão entre as principais causas de óbitos neonatais.

Assim como o estudo realizado em Montes Claros, o tipo de parto não representou risco para o óbito neonatal, sendo que 86,7% dos internados na UTIN e 88,8% dos óbitos nasceram de parto cesáreo(8). A cesariana pode exercer efeito protetor para o óbito neonatal, principalmente em instituições privadas, cujas mães apresentam características tanto biológicas quanto assistenciais favoráveis à sobrevida do neonato. Essa variável apresenta um papel discutível na literatura, porém o achado concorda com outros autores(3,8-10).

O nascimento múltiplo está relacionado à restrição de crescimento intrauterino e a partos prematuros e, consequentemente, pode se associar à menor sobrevida. Em Campinas (SP), esse risco foi observado e a gemelaridade se associou à maior mortalidade(6). No presente estudo, os gemelares constituiram 10,5% dos óbitos, no entanto, não se associou de forma significativa ao óbito. Possivelmente, a falta de associação decorreu do número pequeno de partos gemelares no presente trabalho.

A restrição de crescimento intrauterino (PIG) e os grandes para a idade gestacional (GIG) se associaram de maneira significante ao óbito na análise univariada, com chance de mortalidade duas vezes maior, quando comparados aos que nasceram com peso adequado para a idade gestacional (AIG). No entanto, quando essa variável entrou no modelo de Cox, perdeu a importância estatística possivelmente pela associação mais forte do baixo peso ao nascer e do escore de Apgar ao óbito.

Das variáveis relacionadas à mãe, foram significativas na análise univariada somente a hipertensão arterial sistêmica, presente em 26,3% dos óbitos, e o uso de esteroide antenatal presente em 15,7% dos óbitos. Entretanto, em outro estudo, o uso de corticoesteroide antenatal foi importante fator de proteção tanto na análise univariada quanto na multivariada, sendo fundamental sua utilização para a gestante em trabalho de parto prematuro, pois pode acelerar o desenvolvimento pulmonar, diminuindo a chance de síndrome do desconforto respiratório(3). Na população estudada, foram poucos os casos com uso de corticoide antenatal e talvez seu uso tenha se associado à gravidez com menor duração, apontando que entre os prematuros extremos houve significativamente mais óbitos.

Metade dos neonatos intubados foi a óbito, concordando com o estudo de Carvalho et al(3) . Todas as variáveis relativas à reanimação na sala de parto foram significativas na análise univariada, ressaltando a importância do preparo para esse tipo de atendimento. A presença de intubação se associou a um risco de mortalidade cinco vezes maior na análise univariada e perdeu a significância estatística quando submetida ao modelo de Cox.

Quanto à ventilação pulmonar mecânica, em outra pesquisa tal variável foi relatada como importante fator associado ao risco de morte(3,14). Entretanto, Carvalho et al(3) afirmam que essa associação pode estar sendo confundida, pois, em seu estudo, todos os neonatos que foram à óbito na unidade neonatal receberam ventilação mecânica em algum momento. A ventilação mecânica, que é um recurso usado em pacientes graves, manteve-se significativa na análise uni e multivariada, estando mais associada à mortalidade com risco três vezes maior de óbito nos neonatos que precisaram desse recurso.

O relato de óbito fetal anterior esteve presente em 26,3% dos neonatos que morreram e representou um risco de mortalidade quase sete vezes maior no modelo de Cox, comparados aos que apresentavam história negativa para essa variável, similar ao observado no estudo de Almeida e Barros(6) no Município de São Paulo. O efeito de desfechos negativos em gestações anteriores, como óbito fetal, nascimento prévio pré-termo e nascimento prévio de baixo peso, possivelmente expressam que a mãe é portadora de problemas placentários ou condições adversas à gestação, que contribuem para a ocorrência de óbitos neonatais precoces(4).

Quanto ao escore de Apgar <7 no 1º e 5º, o primeiro se associou a uma chance duas vezes maior de mortalidade na análise univariada e perdeu significância estatística na análise multivariada. Já o neonato portador de Apgar no 5º minuto apresentou uma chance cinco vezes maior de óbito, comparado àqueles com Apgar >7 no 5º minuto, em ambas as análises, indicando que, quanto menor a vitalidade ao nascer, menor a sobrevida. Este achado concorda com o de diversos autores que enfatizam a importância de medidas de suporte que atendam neonatos nessa condição(6,8).

A prematuridade neste estudo não apresentou critério estatístico para compor a análise univariada, contrariando o que é consenso na literatura, já que é considerada um fator de risco para o óbito neonatal, bem como sua associação com o baixo peso ao nascer(1,8,9,19). Uma explicação para tal fato é que essas duas variáveis se apresentam altamente correlacionadas. O baixo peso ao nascer é isoladamente o maior fator de risco para a mortalidade neonatal descrito na literatura(1,4,6,8,9,18-20). Neste estudo, o baixo peso ao nascer se associou, na análise univariada, a uma chance 12 vezes maior de mortalidade e se manteve muito relevante no modelo de Cox. Segundo Morais-Neto e Barros(21), os neonatos com baixo peso ao nascer são mais vulneráveis a transtornos metabólicos e imaturidade pulmonar, o que, associado a outras intercorrências, pode desencadear o óbito. Os autores também afirmam que essa variável e o tempo de gestação não devem ser analisados isoladamente e sim como mediadores influentes em outros determinantes da mortalidade neonatal. Neste estudo, é possível supor que a principal causa do baixo peso ao nascer foi a prematuridade, pois se estima que as mães dos neonatos estudados tiveram acesso à assistência gestacional. No entanto, é importante lembrar que não se trata da realidade da maioria da população e consiste em desafio para a saúde pública, que deve ampliar e qualificar a assistência ao pré-natal, além de oferecer UTIs para receber os produtos dessas gestações, que possivelmente evoluirão para o óbito se não houver tecnologia disponível.

Uma limitação deste estudo residiu na falta de informações sobre condições maternas, como as socioeconômicas, de escolaridade e sobre o início do pré-natal, além da procedência dos recém-nascidos, se do próprio hospital ou transferido de outro serviço. Por outro lado, a abordagem realizada, utilizando a análise de sobrevida, permitiu apontar uma variável pouco explorada, o relato prévio de óbito fetal, como um fator associado ao óbito neonatal em UTIN privada. Foi possível observar que os valores da mortalidade encontrados neste estudo, 19 óbitos (10,5% dos internados) estão de acordo com os observados em Goiânia(14), mas são diferentes dos apresentados em estudo multicêntrico realizado no Brasil, com prematuros de peso ao nascer inferior a 1500g, cujas taxas de óbito variaram entre 5% e 31%(15), e menores do que os apresentados por Carvalho et al(3).

Conclui-se ser possível identificar, por meio do modelo de Cox, que baixo peso ao nascer, Apgar no 5º minuto baixo, uso de ventilação mecânica e relato de óbito fetal anterior se associam ao óbito neonatal, em UTIN privada.

Fonte financiadora: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo 2008/51485-6

Conflito de interesse: nada a declarar

Recebido em: 13/4/2010

Aprovado em: 19/10/2010

  • 1. Araújo BF, Tanaka AC, Madi JM, Zatti H. Newborn mortality study in the neonatal intensive care unit of Caxias do Sul General Hospital, Rio Grande do Sul. Rev Bras Saude Matern Infant 2005;5:463-9.
  • 2. Weirich CF, Domingues MH. Mortalidade neonatal: um desafio para os serviços de saúde. Revista Eletrônica de Enfermagem-FEN/UFG [serial on the Internet]. 2001;3(1) [cited 2008 Jul 29]. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/revista3_1/neonatal.html
  • 3. Carvalho AB, Brito AS, Matsuo T. Health care and mortality of very-low-birth-weight neonates. Rev Saude Publica 2007;41:1003-12.
  • 4. Schoeps D, Almeida MF, Alencar GP, França Jr I, Novaes HM, Siqueira AA et al Risk factors for early neonatal mortality. Rev Saude Publica 2007;41:1013-22.
  • 5. Brasil - Ministério da Saúde [homepage on the internet]. Departamento de Informática do SUS [cited 2010 Jun 01]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
  • 6. Almeida SD, Barros MB. Health care and neonatal mortality. Rev Bras Epidemiol 2004;7:22-35.
  • 7. Proença FP, Nascimento LF. Neonatal mortality profile in the years 2001-2003. Pediatr Mod 2007;43:84-9.
  • 8. Martins EF, Velásquez-Meléndez G. Determinants of neonatal mortality in a cohort of born alive infants, Montes Claros, Minas Gerais, 1997-1999. Rev Bras Saude Matern Infant 2004;4:405-12.
  • 9. Helena ET, Sousa CA, Silva CA. Fatores de risco para mortalidade neonatal em Blumenau, Santa Catarina: "linkage" entre bancos de dados. Rev Bras Saude Matern Infant 2005;5:209-17.
  • 10. Nascimento LF, Batista GT, Dias NW, Catelani CS, Becker D, Rodrigues L. Spatial analysis of neonatal mortality in Paraíba Valley, Southeastern Brazil, 1999 to 2001. Rev Saude Publica 2007;41:94-100.
  • 11. Kleinbaum DG, Klein M. Survival analysis: a self-learning text. New York: Springer; 1995.
  • 12. Battaglia FC, Lubchenco LO. A practical classification of newborn infants by weight and gestational age. J Pediat 1967;71:159-63.
  • 13. Weirich CF, Andrade AL, Turchi MD, Silva SA, Morais-Neto OL, Minamisava R et al. Mortalidade neonatal em unidades de cuidados intensivos no Brasil Central. Rev Saude Publica 2005;39:775-81.
  • 14. Nascimento LF. Risk factors for death in the Neonatal Intensive Care Unit. Rev Paul Pediatr 2009;27:186-92.
  • 15. de Almeida MF, Guinsburg R, Martinez FE, Procianoy RS, Leone CR, Marba ST et al Perinatal factors associated with early deaths of preterm infants born in Brazilian Network on Neonatal Research centers. J Pediatr (Rio J) 2008;84:300-7.
  • 16. Stevenson D, Verter J, Fanaroff A, Oh W, Ehrenkranz R, Shankaran S et al Sex differences in outcomes of very low birthweight infants: the newborn male disadvantage. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2000;83:F182-5.
  • 17. Paulucci RS, Nascimento LF. Neonatal mortality in Taubaté, São Paulo, Brazil: a case-control study. Rev Paul Pediatr 2007;25:358-63.
  • 18. Bernstein IM, Horbar JD, Badger GJ, Ohlsson A, Golan A. Morbidity and mortality among very-low-birth-weight neonates with intrauterine growth restriction. Am J Obstet Gynecol 2000:182:198-206.
  • 19. Tyson JE, Parikh NA, Langer J, Green C, Higgins RD; National Institute of Child Health and Human Development Neonatal Research Network. Intensive care for extreme prematurity--moving beyond gestational age. N Engl J Med 2008;17;358:1672-81.
  • 20. Horbar JD, Badger GJ, Carpenter JH, Fanaroff AA, Kilpatrick S, LaCorte M et al Trends in mortality and morbidity for very low birth weight infants, 1991-1999. Pediatrics 2002;110:143-51.
  • 21. Morais-Neto OL, Barros MB. Risk factors for neonatal and post-neonatal mortality in the Central-West region of Brazil: linked use of life birth and infant death records. Cad Saude Publica 2000;16:477-85.
  • Endereço para correspondência:
    Luiz Fernando C. Nascimento
    Avenida Tiradentes, 500 – Jardim das Nações
    CEP: 12030-180 – Taubaté/SP
    E-mail: luiz.nascimento@unitau.br
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      13 Abr 2010
    • Aceito
      19 Out 2010
    Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rpp@spsp.org.br